ALBIGENSES.
I. Origens. II. Doutrina. III. Organização. IV. A Igreja e os Albigenses.
I. Origens.
A questão das origens do albigensismo não está completamente esclarecida, mas alguns pontos foram estabelecidos pela história.
É certo que os albigenses professaram o dualismo, o que os distinguia dos valdenses. A Bossuet cabe a honra de ter estabelecido esse duplo fato no livro XI da História das variações das Igrejas protestantes. Salvo raras exceções, os protestantes rejeitaram essas duas conclusões, enquanto os católicos rejeitaram a segunda até meados do século XIX. Trabalhos realizados desde então confirmaram a posição de Bossuet. Cf. A. Rébelliau, Bossuet historien du protestantisme, Paris, 2ª ed., 1892, p. 418.
Do dualismo persa chegou-se ao albigensismo através das seguintes seitas: gnosticismo, maniqueísmo, priscilianismo, paulicianismo (na Armênia, por volta de 668) e bogomilismo (entre os búlgaros, no início do século X). Contudo, não é possível afirmar com certeza se entre essas heresias existe uma filiação direta ou apenas um vínculo lógico.
Raoul Glaber (Histor., III, 8, P. L., t. CX, col. 659) afirma, a propósito dos hereges executados em Orléans em 1022, que o neo-maniqueísmo foi importado da Itália para a França. Teria vindo da Bulgária para a Itália? Ou foi da França que se espalhou para a Espanha e a Alemanha? Em que medida os neo-maniqueus que surgem em vários lugares no século XII estão relacionados com os do século XI e entre si? Pierre de Bruys e Henrique ensinaram o dualismo? Todas essas questões permanecem sem resposta.
A difusão da heresia neo-maniqueísta foi rápida e intensa no sul da França, especialmente no Languedoc. Segundo M. A. Molinier, na nova edição de Histoire générale de Languedoc, de Devic e Vaissette (t. VI, Toulouse, 1879, p. XII), "apesar das invectivas dos autores da época e de suas exagerações," os adeptos da heresia "formavam apenas uma minoria ínfima". Os "perfeitos", sim; mas os "crentes" eram numerosos, e é preciso levar em conta a multidão daqueles que, sem abraçar a heresia, a apoiavam.
Os neo-maniqueus se chamavam cátaros, do grego katharos, que significa "puros". Cathar tornou-se cazari, gazari e, especialmente, catharini, patharini ou pathareni, patrini, quando, no século XIII, os cátaros foram erroneamente confundidos com os patarinos ou arialdistas ortodoxos de Milão. Essas duas denominações, cátaro e patarino, foram amplamente usadas.
Na França, embora pareça que o centro principal do catarismo não tenha sido Albi, mas Toulouse, eles foram chamados de albigenses. Esse termo prevaleceu no final do século XII. Além disso, eram conhecidos como:
- hereges, pois a Igreja os via como hereges por excelência, e no sul da França os cátaros eram simplesmente "os hereges";
- tecelões, já que muitos exerciam essa profissão;
- arianos, devido à sua teoria sobre o Filho de Deus;
- paulicianos e, por corrupção, publicani, poplicains (nas Flandres, piphles ou piples);
- búlgaros, de onde, especialmente nos países do norte, derivam boulgres e bougres (termo que passou a designar qualquer herege).
II. Doutrina.
O catarismo não foi imutável. Ele incorporou novas doutrinas ao longo do tempo e mudou mais ou menos de acordo com as pessoas e os lugares. Aqui, buscamos descrevê-lo tal como apareceu no sul da França. O albigensismo foi, aliás, sua forma mais importante e praticamente idêntica às que assumiu fora da Itália.
1º Dogma. — O dualismo constitui a base do sistema. Na Itália, os dois grupos cátaros de Bagnolo e de Concorrezo adotaram um dualismo mitigado. Havia dois princípios, mas, diziam eles, apenas o princípio bom é eterno. Ele criou, com os espíritos, os quatro elementos; desses elementos, o princípio mau formou o mundo. Em relação à origem da alma, esses cátaros reviviam o traducianismo.
Os outros cátaros italianos, chamados de cátaros albaneses ou de Desenzano, e todos os cátaros não italianos, particularmente os albigenses, admitiam o dualismo absoluto. Segundo eles, os dois princípios são eternos. O princípio bom criou os espíritos e o mau criou a matéria; parte dos espíritos, ao caírem, foram aprisionados na matéria, onde expiam sua culpa. Submetidos à metempsicose, passam de um corpo para outro até percorrerem todo o ciclo de expiação e merecerem retornar ao céu.
Como espírito e matéria puderam se unir, sendo tão antagônicos, e como ocorreu a queda? Não há consenso sobre isso. Uma primeira explicação diz que o princípio mau, acompanhado de seus demônios, escalou o paraíso, venceu São Miguel e arrastou um terço dos espíritos celestes, aprisionando-os nos corpos de homens e animais. Outra explicação diz que o princípio mau os induziu ao pecado por meio de lisonjas e falsas promessas.
Os hereges mantinham os nomes das três pessoas da Trindade, mas apenas os nomes. O Filho é uma criatura, o mais perfeito dos anjos. O Espírito Santo é uma criatura inferior ao Filho, colocado à frente dos espíritos celestes, que são os anjos guardiões das almas.
Eles rejeitam o Antigo Testamento, obra do princípio mau, pelo menos em seus livros históricos. Alguns cátaros condenavam todo o Antigo Testamento, mas os albigenses respeitavam os livros proféticos. O Novo Testamento é obra do princípio bom. Os albigenses o veneravam e, por meio de traduções em língua vulgar, popularizavam sua leitura. Cf. L. Clédat, Le Nouveau Testament traduit au XIIIe siècle en langue provençale suivi d’un rituel cathare, reproduction photolithographique du manuscrit de Lyon, Paris, 1888.
Para salvar a humanidade, Deus enviou seu Filho, não um Filho consubstancial ao Pai, mas um anjo que possuía apenas um corpo aparente, pois, não tendo pecado, não precisava se unir à matéria. Maria, que parecia ser sua mãe, também era um anjo, tendo apenas a aparência de mulher. Jesus, portanto, não sofreu, não morreu e não ressuscitou realmente. A redenção consiste nos ensinamentos que Cristo transmitiu para libertar as pessoas da adoração ao princípio mau e da tirania da matéria.
A Igreja primitiva, guardiã fiel dos ensinamentos de Cristo, era a verdadeira Igreja. A partir da doação de Constantino, ela se corrompeu. Interpretaram literalmente os símbolos e as alegorias do Evangelho, originando falsos dogmas como a presença real, a transubstanciação, o purgatório, a aplicação de sufrágios e orações pelos mortos e a ressurreição da carne.
O batismo não deve ser conferido a crianças, pois a água batismal não tem poder santificador. O culto às imagens e à cruz é condenado. Não há igrejas, pois Deus não habita nelas, mas no coração dos fiéis. O perdão dos pecados só se obtém pela entrada na Igreja cátara, fora da qual não há salvação.
2. Moral. — A matéria e o mundo são obras do princípio mau; por isso, todo apego aos bens do mundo e todo contato voluntário com a matéria são maus. Daí resulta um rigorismo que se traduz em práticas exteriores e, como diz Hetele (Histoire des conciles, trad. Leclercq, Paris, 1911, t. v, § 645), "uma moral negativa, uma lista de proibições, uma ladainha de noli tangere (não tocar)."
As riquezas são proibidas; o verdadeiro cátaro vive do trabalho manual. Honrarias e poder são proibidos; a guerra, mesmo para defesa, é condenada. O corpo é submetido a jejuns e mortificações; qualquer alimento de origem animal é interditado. O casamento é ainda mais condenado, porque a carne é uma criação diabólica, e o matrimônio retarda, com novas gerações, o retorno das almas ao céu.
A morte é vista como um bem, e é permitido antecipá-la por sangria, veneno ou pela endura, que consiste em abster-se de qualquer alimento. Hereges presos pelos inquisidores ou moribundos que haviam recebido o consolamentum submetiam-se à endura: os primeiros para evitar a prisão ou a fogueira, e os segundos para morrer purificados. "Às vezes, crianças de tenra idade eram forçadas à endura." (L. Tanon, Histoire des tribunaux de l'Inquisition en France, Paris, 1893, p. 225).
Os hereges recusavam-se, de forma absoluta, a prestar juramento. Segundo M. Tocco (L’eresia nel medio evo, Florença, 1884, p. 92), essa prática refletia um traço do misticismo nebuloso dos gnósticos, que, por respeito à divindade, a envolviam em silêncio e mistério impenetrável: Deus é elevado demais para se envolver em nossas mesquinhas questões terrenas.
III. Organização. — Uma moral tão severa não podia atrair nem manter muitos adeptos, o que levou a concessões. Distinguia-se entre duas classes de cátaros: os crentes e os perfeitos.
Os perfeitos observavam rigorosamente a moral cátara. Tornar-se perfeito implicava receber o consolamentum, ou batismo do Espírito Santo, conferido pela imposição das mãos. A santidade do ministro era necessária para a validade do sacramento. Homens e mulheres podiam recebê-lo, e sua preparação incluía o jejum. As crianças eram excluídas.
Os perfeitos rompiam todos os vínculos familiares. Viajavam de dois em dois, pregando e administrando o consolamentum. O povo os chamava de bonshommes ou boni homines. As mulheres perfeitas não viajavam. Ambos usavam, sob as vestes, um cordão de linho ou lã como sinal de iniciação, o que lhes rendeu o nome de vestiti ou induti.
Podia o perfeito recair no pecado? Alguns hereges negavam, mas isso era raro. Para ser admitido à reconsolatio (novo consolamentum), era necessário passar por rigorosas provas.
Os crentes, por outro lado, estavam livres das obrigações mais severas. Podiam casar-se, exercer comércio ou a profissão das armas, possuir bens e consumir qualquer alimento. No entanto, comprometiam-se formalmente, por um pacto (convenientia ou convenenza), a receber o consolamentum em caso de perigo de morte e a viver como perfeitos se sobrevivessem à doença, a menos que preferissem entrar na endura. Os perfeitos faziam tudo para estar ao lado dos crentes na hora da morte, o que muitas vezes resultava em legados à Igreja cátara.
Além do consolamentum, algumas funções religiosas nos são conhecidas por meio dos inquisidores e do ritual cátaro:
Do catolicismo, o albigensismo preservou o episcopado e o diaconato. O bispo tinha ao seu lado dois ministros, chamados filho maior e filho menor, que poderiam ser comparados aos nossos vigários gerais. O filho maior sucedia ao bispo. Os diáconos governavam as paróquias. Algumas informações que temos sobre um papa do albigensismo não são confiáveis.
Os hereges eram peritos na arte da propaganda. Entre os meios que usaram, destaca-se a criação de oficinas e ateliês para os artesãos e de conventos de mulheres perfeitas que educavam gratuitamente as filhas de pequenos nobres e cavaleiros pobres. Cf. J. Guiraud, Revue historique, t. LXIV, 1897, p. 225, e Saint Dominique, 1899, p. 54. Além disso, compuseram uma grande quantidade de opúsculos para o povo. Deliberadamente evitavam os pontos mais difíceis e extraordinários do sistema, limitando-se a poucos traços essenciais apresentados de forma marcante e a zombarias grosseiras contra o catolicismo. Cf. C. Molinier, Annales de la faculté des lettres de Bordeaux, 5ª année, n° 2, p. 230.
A primeira aparição dos neomaniqueístas nas proximidades de Toulouse foi relatada, por volta do ano 1022, por Adhémar de Chabannes, que acrescenta que foram destruídos: apud Tolosam inventi sunt manichei et ipsi destructi. (Historia, III, 59, P.L., t. CXLI, col. 71.)
O concílio realizado em Toulouse, em 1119, excluiu da Igreja de Deus os hereges que condenavam a eucaristia, o batismo infantil, o sacerdócio e o matrimônio, exigindo que fossem reprimidos pelo poder civil. (Labbe e Cossart, Sacrosancta concilia, t. X, Paris, 1671, col. 857.) Aí está a condenação de alguns dos erros mais graves dos albigenses.
Em 1145, Eugênio III enviou ao Languedoc, como legado, o cardeal Albérico de Óstia, para conter o avanço do petrobrusianismo e do henricianismo. Embora não esteja claro se Pedro de Bruys e Henrique ensinaram o dualismo, é inegável que propagaram algumas ideias caras aos cátaros. Albérico tentou reconduzir os dissidentes pela palavra, mas fracassou completamente. São Bernardo, chamado em seu auxílio, obteve promessas generalizadas de um retorno sincero à ortodoxia. Cf. E. Vacandard, Vie de saint Bernard, t. II, Paris, 1895, p. 217.
O Concílio de Reims de 1148, o primeiro a mencionar nominalmente "os hereges da Gasconha e da Provença", proíbe protegê-los sob pena de excomunhão. (Labbe e Cossart, t. X, col. 1113). Essa censura foi renovada, em 1162, pelo Concílio de Montpellier, que ordena aos príncipes exercerem sua jurisdição temporal contra os hereges; em 1163, pelo Concílio de Tours, que especifica que os albigenses devem ser presos e privados de seus bens; e em 1179, pelo III Concílio Ecumênico de Latrão, que apela ao braço secular. (Labbe e Cossart, t. X, col. 1410, 1419, 1522; cf. Denzinger, Enchiridion symbolorum, § XLVIII).
Em 1184, no Concílio de Verona, Lúcio III emitiu o famoso decreto em que lançou anátema sobre os albigenses e "todos aqueles que, em matéria de fé, pensam ou ensinam de forma diferente da Igreja Romana" (ver texto mais abaixo), ordenando aos condes, barões, reitores ou cônsules das cidades e outros locais que prestassem apoio aos bispos contra os hereges e seus cúmplices, e executassem os estatutos eclesiásticos e imperiais. (Labbe e Cossart, t. X, col. 1737). Esse decreto não especificava a pena que os tribunais seculares deveriam aplicar. O imperador Frederico Barbarossa, que participou do concílio, determinou isso em um édito — o primeiro emitido por príncipes sobre esse assunto — colocando os hereges fora da lei do império, o que resultava em exílio, confisco de bens, infâmia e incapacidade para qualquer função pública. (Cf. Ficker, Mittheilungen des Instituts für österreichische Geschichtsforschung, t. I, 1880, p. 187).
Apesar dessas decisões, os albigenses foram pouco incomodados; somente a missão do cardeal Pierre, de São Crisógono, em 1178, causou-lhes preocupação séria. (Cf. Henrique de Clairvaux, P. L., t. CCXV, col. 235).
Com Inocêncio III, a repressão à heresia tornou-se mais ativa. Um de seus legados, Pierre de Castelnau, foi assassinado em 1208 por dois homens a serviço de Raimundo VI, conde de Toulouse, que Pierre havia excomungado. Convencido da culpa de Raimundo nesse assassinato, o papa ordenou uma cruzada contra ele.
O relato da guerra dos albigenses não entra neste contexto. Basta lembrar as instruções de Inocêncio III ao legado Arnaud, abade de Cîteaux e líder da cruzada, que foram injustamente criticadas. (Inocêncio III, Epist., XI, 232, P. L., t. CCXV, col. 246; cf. C. Douais, L’Église et la croisade contre les albigeois, Lyon, 1882, p. 21). O cerco de Béziers (29 de julho de 1209) é emblemático. (Cf. a carta de Arnaud, P. L., t. CCXVI, col. 137). A frase "Matem-nos todos, Deus saberá reconhecer os seus", (Cedite eos, novit enim Deus qui sunt ejus), atribuída ao legado Arnaud por Cesário de Heisterbach (Dialogus miraculorum, V, 21, ed. Strange, Colônia, t. I, 1851, p. 302), não é autêntica. (Cf. P. Tamizey de Larroque, Revue des questions historiques, t. I, 1866, p. 168). Após a batalha de Muret (1213), que deu a Simon de Montfort o título de conde de Toulouse, Raimundo VI apelou a Inocêncio III e compareceu ao IV Concílio Ecumênico de Latrão (1215).
A guerra terminou com o Tratado de Paris (12 de abril de 1229). Raimundo VII, filho de Raimundo VI, cedeu quase todos os seus territórios ao jovem rei da França, Luís IX, estipulando o casamento de sua filha Joana com um dos irmãos de São Luís. Ele também se comprometeu a perseguir os hereges nos domínios que ainda lhe restavam. (Ver o texto do tratado em Devic e Vaissete, Histoire générale de Languedoc, nova edição, t. VIII, Toulouse, 1879, col. 883).
Durante essa guerra, a pena de morte pelo fogo foi infligida, pela primeira vez, aos hereges das províncias meridionais em 1209, em Castres. (Cf. Pierre de Vaux-Cernay, Historia albigens., 22, em Dom Bouquet, Recueil des historiens des Gaules et de la France, nova edição, t. XIX, Paris, 1880, p. 242). O fato se repetiu diversas vezes e, posteriormente, esse suplício tornou-se universalmente a pena legal para a heresia.
Enquanto tratava de resolver o litígio entre Raimundo VI e Simão de Montfort, o Concílio de Latrão reafirmou, de maneira solene, os principais dogmas combatidos pelos albigenses. O texto será apresentado mais adiante.
No concílio, apareceu São Domingos. Desde 1205, Domingos, simples cônego de Osma (Espanha), trabalhava para extinguir o albigensianismo, sobretudo pela força da palavra e pelo ascendente da virtude. Ele apelou às severidades do braço secular? A questão foi muitas vezes debatida de forma apaixonada. A verdade é que Domingos não fundou a Inquisição, mas há provas de que, como auxiliar dos legados, ele tinha a missão de convencer os hereges, "e que, ao convencê-los, entregava-os, indiretamente, mas seguramente, ao suplício, a menos que, por um ato de clemência, suspendesse a ação do braço secular, instrumento dócil da Igreja". (J. Guiraud, S. Dominique, p. 43). O concílio adotou as ideias de Domingos sobre a necessidade de aperfeiçoar a pregação e a controvérsia contra a heresia, mas não chegou a aprovar a ordem que o santo acabava de instituir com esse programa: lutar perpetuamente pela ortodoxia e pela moral. A aprovação foi concedida no ano seguinte, por Honório III; ainda assim, a bula não mencionava o objetivo específico perseguido por Domingos e seus companheiros. (Balme e Lelaidier, Cartulaire ou histoire diplomatique de saint Dominique, t. I, Paris, 1897, p. 71). A Santa Sé continuou enviando legados ao sul da França, os quais desempenharam um papel quase exclusivamente político.
À Inquisição episcopal e exercida por legados sucederia a Inquisição propriamente dita, ou Inquisição monástica. Seu estabelecimento permanente remonta a Gregório IX. Pelas bulas de 13, 20 e 22 de abril de 1233, o papa confiava aos filhos de São Domingos o mandato de reprimir a heresia em todos os dioceses da França, por simples escolha de um provincial. (Ripoll e Bremond, Bullarium ordinis Fratrum praedicatorum, t. I, Roma, 1729, p. 47).
Os inquisidores dominicanos agiram contra os albigenses. Desde Guilherme Pelhisse, um dos primeiros inquisidores que registrou os procedimentos inquisitoriais em uma valiosa crônica, até Bernardo Gui, que ocupou o ofício de inquisidor de 1308 a 1323 e cuja Practica inquisitionis "marca, segundo M. Tanon (op. cit., p. 71), o ponto culminante da Inquisição dominicana, no pleno e pacífico exercício de todos os seus privilégios", eles deram pouco descanso aos hereges. Sua ação, embora reduzida, continuou durante o século XIV. Perto do fim do século XIV, a heresia cátara era pouco mais que um nome no sul da França.
IV. DECRETO DE LÚCIO III NO CONCÍLIO DE VERONA (1185) (trecho).
Todos aqueles que, sobre o sacramento do corpo e do sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou sobre o batismo, ou a remissão dos pecados (o texto publicado por Denzinger, § 49, traz apenas confissão dos pecados), ou sobre o matrimônio, ou sobre os demais sacramentos eclesiásticos, ousam crer ou ensinar de maneira diferente do que a sacrossanta Igreja Romana prega e observa, e, de modo geral, quaisquer outros que a mesma Igreja Romana ou bispos individuais, em suas dioceses, com o conselho de seus clérigos, ou os próprios clérigos, durante a vacância da sé, com o conselho, se necessário, dos bispos mais próximos, julgarem como hereges, nós os amarramos com o vínculo de perpétua excomunhão.
Primeiramente, o decreto condena aqueles que, sob o disfarce de piedade e sem a missão da Santa Sé ou dos bispos, se arrogam o ministério da pregação, dirigindo-se especialmente aos valdenses. Em seguida, no trecho que reproduzimos, o decreto engloba, de forma geral, as doutrinas dos hereges sobre os sacramentos.
Nem todos os erros dos albigenses são alvo do anátema nesse texto, e aqueles que são reprovados são indicados de forma vaga. É fácil reconhecê-los na fórmula pontifical: os albigenses negavam a presença real; substituíam a eucaristia pela bênção do pão e o batismo pelo consolamentum. A confissão dos pecados tornava-se o servitium. Caso, com Mansi, devamos ler remissão dos pecados ao invés de confissão, estamos diante de um erro que será retomado no penúltimo artigo do decreto do IV Concílio de Latrão. O matrimônio era declarado execrável. A noção de ordem era deturpada, e tanto a confirmação quanto a extrema unção eram abolidas.
III. CONCÍLIO ECUMÊNICO DE LATRÃO (1213)
I. Sobre a fé católica
Cremos firmemente e confessamos simplesmente que há um único e verdadeiro Deus, eterno e imenso, onipotente, imutável, incompreensível e inefável: Pai, Filho e Espírito Santo. Três pessoas, mas uma só essência, substância ou natureza completamente simples. O Pai não procede de ninguém; o Filho procede apenas do Pai; e o Espírito Santo procede igualmente de ambos, sem início, sempre e sem fim. O Pai gera, o Filho nasce e o Espírito Santo procede. São consubstanciais, coiguais, coonipotentes e coeternos, sendo um só princípio de todas as coisas, criador de todas as coisas invisíveis e visíveis, espirituais e corporais.
Pela sua onipotente virtude, Deus criou simultaneamente, no princípio do tempo, ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal — ou seja, a angélica e a mundana — e depois a humana, composta de espírito e corpo.
O diabo e outros demônios foram criados bons por Deus em sua natureza, mas tornaram-se maus por si mesmos. O homem, por sua vez, pecou pela sugestão do diabo.
Esta Santíssima Trindade, indivisível em sua essência comum e distinta nas propriedades pessoais, transmitiu ao gênero humano, primeiramente por meio de Moisés, dos santos profetas e de outros servos seus, uma doutrina salvífica conforme uma disposição ordenadíssima dos tempos. Finalmente, o Filho unigênito de Deus, Jesus Cristo, encarnado por toda a Trindade, foi concebido pela cooperação do Espírito Santo no seio de Maria, sempre Virgem, e feito verdadeiro homem, composto de alma racional e carne humana. Ele manifestou de modo mais claro o caminho da vida.
Embora, segundo a divindade, Ele seja imortal e impassível, tornou-se, segundo a humanidade, mortal e passível. Para a salvação do gênero humano, sofreu e morreu na cruz, desceu aos infernos, ressuscitou dos mortos e ascendeu ao céu. Ele desceu em alma, ressuscitou em carne e ascendeu em ambos. Virá no fim dos tempos para julgar os vivos e os mortos, e dará a cada um conforme suas obras, tanto aos réprobos quanto aos eleitos.
Todos ressuscitarão com os corpos que agora possuem, para receber conforme suas obras, sejam elas boas ou más: uns irão com o diabo ao castigo eterno, e outros com Cristo à glória sempiturna.
Existe uma só Igreja universal dos fiéis, fora da qual ninguém absolutamente se salva. Nela, o próprio Jesus Cristo é ao mesmo tempo sacerdote e sacrifício, cujo corpo e sangue estão verdadeiramente contidos no sacramento do altar sob as espécies de pão e vinho, após a transubstanciação, pela divina potência, do pão em corpo e do vinho em sangue. Assim, para completar o mistério da unidade, recebemos d’Ele o que Ele tomou de nós.
Ninguém pode celebrar este sacramento, exceto o sacerdote devidamente ordenado, segundo as chaves da Igreja que Jesus Cristo concedeu aos apóstolos e seus sucessores.
O sacramento do batismo, consagrado na água pela invocação da indivisa Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo —, é proveitoso para a salvação tanto de crianças quanto de adultos, desde que seja conferido devidamente na forma da Igreja.
Se alguém, após receber o batismo, cair em pecado, pode sempre se recuperar pela verdadeira penitência.
Não apenas virgens e continentes, mas também os casados, agradando a Deus pela fé reta e boas obras, podem alcançar a bem-aventurança eterna.
Mansi, Concil. collectio, t. XXII, col. 981, 982.
Dois artigos deste capítulo, uma das principais páginas do ensino católico, estão em oposição às doutrinas valdenses: O que define que apenas os sacerdotes são ministros do sacramento da eucaristia, enquanto os valdenses atribuíam esse privilégio a qualquer fiel, desde que estivesse sem pecado e o que declara válido o batismo de crianças. Mesmo este último artigo atinge os cátaros, pois, embora diferentemente dos valdenses, eles rejeitassem o batismo com água, concordavam com eles em proclamar que o batismo de crianças era inválido.
O restante constitui uma clara e forte condenação ao albigensianismo. Sobre a Trindade e os dois princípios, a criação, Jesus Cristo, sua encarnação, morte e ressurreição, sobre o Antigo e o Novo Testamentos, sobre a outra vida, a Igreja, a eucaristia, o batismo e o matrimônio, as definições do concílio contradizem diretamente as teorias dos albigenses.
Sobre a queda do homem, o concílio estabelece que ela ocorreu por sugestão do demônio e, assim, rejeita uma das explicações dos hereges. Contudo, não corrige a outra explicação defeituosa, segundo a qual o diabo teria recorrido à astúcia e promessas enganosas; disfarçado como anjo de luz, teria penetrado no céu e induzido uma multidão de espíritos celestes a vir habitar na terra, onde os teria unido a corpos.
Sabe-se que os albigenses aceitavam uma espécie de confissão pública. O concílio não faz alusão a isso, limitando-se a definir que é sempre possível se recuperar dos pecados cometidos após o batismo por meio de uma verdadeira penitência. A maioria dos albigenses teria concordado com esta proposição, embora não compartilhasse com a Igreja o mesmo entendimento sobre a natureza da verdadeira penitência. Alguns, porém, conforme relata Alain de Lille em De fide catholica (1, 48, P.L., t. CCX, col. 352), afirmavam: quod post remissionem quae fit in baptismo non habet locum alia quae fit per paenitentiam ("que, após a remissão conferida no batismo, não há lugar para outra remissão por penitência"). Consequentemente, expulsavam de suas fileiras qualquer um que cometesse pecado após receber o batismo deles. Esta é precisamente a heresia condenada pelo concílio.
IV. Resultados
Deixando de lado a questão do direito da Igreja em matéria de repressão à heresia, não é possível aprovar todos os atos dos inquisidores, assim como todos os golpes de espada de Simão de Montfort e seus partidários. Por outro lado, não se pode negar que os albigenses muitas vezes se mostraram melhores do que suas doutrinas, nem ignorar os desordens de parte do clero, condenadas por Inocêncio III (Epist., III, 24; VII, 75; P.L., t. CCXIV, col. 905; t. CCXV, col. 355, etc.).
Feitas essas ressalvas, é justo aplaudir a vitória da Igreja sobre os albigenses.
1. Do ponto de vista francês
A guerra contra os albigenses foi muitas vezes vista apenas como um antagonismo racial, uma luta entre o norte e o sul. Isso é incorreto. O objetivo inicial da guerra foi religioso; os demais motivos foram secundários. Ainda que muitos abusos tenham ocorrido, é justo lamentá-los, mas é necessário lembrar que a incorporação das províncias do sul à coroa da França, como consequência da cruzada, teve extrema importância.
"Foi no dia em que essa união foi realizada que nossa nacionalidade foi definitivamente constituída." (E. Boutaric, Saint Louis et Alfonse de Poitiers, Étude sur la réunion des provinces du midi et de l'ouest à la couronne, Paris, 1870, p. 15).
2. Do ponto de vista cristão.
Em suma, o albigensianismo, "apesar de sua pretensão de se adaptar ao Novo Testamento interpretando-o por meio de alegorias," era menos uma heresia do que uma religião diferente; sua doutrina era "meio pagã", C. Schmidt, Précis de l'histoire de l'Église d'Occident pendant le Moyen Âge, Paris, 1885, p. 222, 223. "A casca e não o interior, as palavras e não as ideias fundamentais eram cristãs." Hefele, Histoire des conciles, trad. Leclercq, Paris, 1911, t. V, § 645. O cristianismo estava, portanto, em jogo: ou o albigensianismo desapareceria ou seria ele a desaparecer.
3. Do ponto de vista social.
A doutrina albigense "continha em si mesma, aos olhos de homens um pouco esclarecidos, germes de morte, por suas consequências antissociais; pois conduzia, pela forma como abordava a matéria, ao aniquilamento de toda a civilização e até, pela sua condenação do matrimônio, à extinção da raça." L. Tanon, loc. cit., p. 10. M. Tanon acrescenta: "Ela teria se modificado se tivesse definitivamente triunfado, e suas consequências extremas teriam sido suficientemente atenuadas para que pudesse se adaptar às condições necessárias da vida social." O que sabemos disso? De todo modo, a Igreja a combateu tal como ela se afirmava, e, como diz M. P. Sabatier, Vie de saint François d'Assise, Paris, 1894, p. 40, o triunfo da papado foi o "do bom senso e da razão".
I. FONTES ANTIGAS.
1° OS ATOS:
Inocêncio III Epist., P.L., t. CCXIV-CCXVII; Device et Vaisséte, Histoire générale de Languedoc, nova edição, t. VIII, Toulouse, 1879, col. 263-1750; A. Molinier, Catalogue des actes de Simon et d'Amauri de Montfort, Paris, 1874.
2° SOBRE AS DOUTRINAS:
No século XII, Ecbert de Schonaugen, Sermones adversus catharos, P.L., t. CXCIV, col. 11-98; Eberhard de Béthune, Antihæresis, em M. de la Bigne, Biblioth. pat., t. IV, 4ª edição, Paris, 1ª parte, col. 1073-1192; Bernard de Foncaude, Adversus waldensium sectam liber (título falso, o tratado é contra os cátaros), P.L., t. CCIV, col. 793-840; Ermengaude, Contra hæreticos, P.L., t. CCIV, col. 1235-1272; Buonacorso de Milão, Vita hæreticorum, P.L., t. CCIV, col. 775-792; — no século XIII, Moneta de Crémone, Adversus catharos et valdenses, Roma, 1743; Rainier Sacconi, Summa de catharis et leonistis, em M. de la Bigne, Biblioth. pat., t. IV, IIª parte, col. 745-770 (sob o título falso Liber contra waldenses hæreticos); Alain de Lille, De fide catholica contra hæreticos sui temporis, P.L., t. CCX, col. 305-430; Luc de Tuy, De altera vita fideique controversiis adversus albigensium errores, em M. de la Bigne, Biblioth. pat., t. IV, IIª parte, col. 575-714; O debate de Izarn e de Sicurt de Figueiras, poema provençal publicado, traduzido e anotado por P. Meyer, Nogent-le-Rotrou, 1880; Um tratado inédito do século XII contra os hereges cátaros, publicado (apenas os títulos dos capítulos) por C. Molinier, em Annales de la faculté des lettres de Bordeaux, 5ª ano, nº 2, p. 237-239.
3° SOBRE A GUERRA DOS ALBIGENSES:
Pierre de Vaux-Cernay, Historia albigensium, em dom Bouquet, Recueil des historiens des Gaules et de la France, nova edição, t. XIX, 1880, Paris, p. 1-113; Guillaume de Puy-Laurens, Historia albigensium, D. Bouquet, t. XIX, p. 193-225; t. XX, Paris, 1894, p. 764-776; La chanson de la croisade contre les albigeois, editada e traduzida por P. Meyer, Paris, 1875-1879, 2 vol.; Histoire de la guerre des albigeois écrite en languedocien par un ancien auteur anonyme, D. Bouquet, t. XIX, p. 114-192. Sobre o valor dessas fontes, cf. C. de Smedt, Revue des questions historiques, t. XVI, 1874, p. 433-476; e P. Meyer, La chanson de la croisade, t. II, p. iII-XCIII.
4° SOBRE A REPRESSÃO INQUISITORIAL:
Liber sententiarum inquisitionis tholosane ab anno 1307 ad annum 1323, publicado por P. de Limborch, em Historia inquisitionis, Amsterdã, 1692, 2ª paginação, p. 1-397; C. Molinier, De fratre Guillelmo Pelisso veterrimo inquisitionis historico, com o mesmo cronicon, Paris, 1880, cf. sobre as outras fontes C. Molinier, L’inquisition dans le midi de la France au XIIIe et au XIVe siècle, estudo sobre as fontes de sua história, Paris, 1880; C. Douais, Les sources de l’histoire de l’inquisition dans le midi de la France aux XIIIe et XIVe siècles, Paris, 1881 (contém uma nova e melhor edição da crônica de Pelisso); C. Molinier, Étude sur quelques manuscrits des bibliothèques d’Italie concernant l’inquisition et les croyances hérétiques du XIIe au XVII siècles, Paris, 1888.
II. TRABALHOS MODERNOS.
Devic et Vaisséte, Histoire générale de Languedoc, nova edição, t. VI-VII, Toulouse, 1879; C. Schmidt, Histoire et doctrine de la secte des cathares ou albigeois, Paris, 2 vol., 1848; Hefele, Histoire des conciles, trad. Leclercq, Paris, 1911, t. V, § 645; C. Douais, Les albigeois, leurs origines, action de l'Église au XIIe siècle, Paris, 1879; F. Tocco, L'heresia nel medio evo, Florença, 1884, p. 73-434; L. Tanon, Histoire des tribunaux de l'Inquisition en France, Paris, 1893; A. Rébelliau, Bossuet historien du protestantisme, 2ª edição, Paris, 1892, p. 231-252, 345-353, 380-419, 476-483, 530-533; Veja ainda os outros trabalhos citados por J. Guiraud, Questions d'histoire, Paris, 1906, p. 3-149. U. Chevalier, Répertoire des sources historiques du moyen âge. Topo-bibliographie, col. 39-42.
F. Vernet.