Ágreda, Maria de



ÁGREDA (de) Maria.

I. Vida e obras. II. Diversos julgamentos.

I. VIDA E OBRAS.

Maria de Ágreda, conhecida na vida religiosa como Maria de Jesus, foi abadessa do mosteiro da Imaculada Conceição, em Ágreda, na Espanha (Velha Castela). Nasceu nesta cidade em 2 de abril de 1602 e faleceu em 24 de maio de 1665. Maria de Ágreda recebeu esse nome em referência ao local de seu nascimento, de onde nunca saiu em toda a sua vida; seu nome de família era Maria Coronel. Seus pais, Francisco Coronel e Catarina de Arana, apesar de pouco afortunados, pertenciam à nobreza. Muito devotos, tiveram onze filhos, dos quais sete morreram na infância; apenas dois meninos e duas meninas chegaram à idade adulta. Maria fez voto de castidade aos oito anos de idade; em janeiro de 1619, entrou, junto com sua mãe e sua irmã mais nova, em um convento fundado por sua família, enquanto seu pai e seus dois irmãos tomaram o hábito de São Francisco. Admitida à profissão religiosa em 2 de setembro de 1620, Maria de Ágreda foi, em 1627, com menos de 25 anos, obrigada, com dispensa papal, a aceitar a dignidade de abadessa. Ocupou esse cargo até sua morte, com exceção de um intervalo de três anos, e foi reeleita onze vezes. Sob sua liderança, o mosteiro atingiu um alto grau de prosperidade material e espiritual; ela o reconstruiu fora das muralhas da cidade, decorou-o com uma bela igreja e o tornou uma das casas religiosas mais fervorosas de toda a Espanha. Maria de Ágreda morreu em odor de santidade, e sua causa foi introduzida em 18 de janeiro de 1673, por Clemente X.

Foram seus escritos que tornaram Maria de Ágreda célebre, ainda mais que suas virtudes. Dela se possuem: 1º La mística ciudad de Dios... historia divina y vida de la virgen madre de Dios; 2º Uma volumosa correspondência trocada com o rei Felipe IV da Espanha; 3º Leyes de la Esposa, conceptos y suspiros del corazón para alcanzar el último y verdadero fin del agrado del Esposo y Señor; 4º Meditaciones de la pasión de nuestro Señor; 5º Sus ejercicios cotidianos; 6º Escala espiritual para subir a la perfección.

A primeira dessas obras foi muitas vezes publicada e traduzida para várias línguas; também houve várias edições da correspondência com Felipe IV. Os outros quatro escritos ainda estão em manuscrito, seja no convento de Ágreda, seja no mosteiro dos franciscanos em Quaracchi, na Itália.

Maria de Ágreda concebeu o plano da Mística Cidade de Deus já em 1627. Ela resistiu por muito tempo à ideia de escrevê-lo, mas em 1637, por ordem expressa de seu diretor espiritual, começou a composição da obra, e em vinte dias concluiu a primeira parte do livro, que somava 400 páginas.

Inicialmente, quis manter seu trabalho em segredo, mas teve que dar uma cópia ao rei Felipe IV, que havia manifestado um desejo formal a esse respeito. Durante uma ausência momentânea de seu confessor habitual, outro sacerdote ordenou que ela queimasse o manuscrito. Maria obedeceu sem qualquer relutância e também lançou ao fogo todos os seus outros escritos. No entanto, alguns anos depois, a obediência ordenou à venerável serva de Deus que retomasse a pena. Ela obedeceu e, de 1655 a 1660, reescreveu o livro A Cidade de Deus, que, no entanto, só se tornou público após sua morte. A obra foi publicada em Madri em 1670, composta por quatro volumes sob o título completo que transcrevemos: Mística Ciudad de Dios, milagro de su omnipotencia y abismo de la gracia: historia divina y vida de la virgen madre de Dios, reina y señora nuestra María santísima, restauradora de la culpa de Eva y mediadora de la gracia, manifestada en estos últimos siglos por la misma señora a su esclava sor María de Jesús, abadesa del convento de la Inmaculada Concepción de la villa de Ágreda de la provincia de Burgos, para nueva luz del mundo, alegría de la iglesia católica y confianza de los mortales, Madri, Bernard de Villa Diego, 1670.

Como o título indica, este livro narra a história detalhada da Virgem Maria, baseada em revelações particulares que Maria de Ágreda afirma ter recebido. Na introdução, ela explica os motivos que a levaram a escrever: ela responde a uma ordem de Deus, que, elevando-a a um estado sublime de contemplação, revelou-lhe os mistérios mais profundos. Para ajudá-la em sua obra, Deus lhe deu seis anjos, que, após purificá-la e prepará-la, a levaram à presença do Senhor. Posteriormente, mais dois anjos se uniram a eles. Maria relata como o desejo ardente de contemplar os mistérios divinos a levou a um completo desapego de si mesma. Quando atingiu esse estado, ela viu no céu a Virgem, tal como descrita no Apocalipse, e recebeu a ordem de observá-la, contemplar suas perfeições e descrevê-las. A autora explica como as comunicações divinas lhe foram feitas e até que ponto foi iluminada do alto; então, começa seu livro com a história da criação. A partir daí, ela passa a relatar a vida da Virgem Santa desde a anunciação feita aos seus pais antes de seu nascimento até sua morte, incluindo também os mistérios da vida de Nosso Senhor na narração.

"Este livro", diz Görres, La Mystique divine, naturelle et diabolique, trad. Ch. Sainte-Foi, 2ª ed., Paris, 1861, t. II, p. 118, "contém uma contemplação mística verdadeiramente grandiosa. Sua parte especulativa revela uma profundidade admirável e muito rara em uma mulher. Sua parte histórica, embora desprovida das cores da imaginação e da poesia, às vezes pinta com grande precisão os fatos e circunstâncias particulares que são narrados. A forma, no entanto, merece poucos elogios: a linguagem, é verdade, segundo o testemunho de seus compatriotas, é pura e clara... Mas o mau gosto... havia também penetrado na Espanha, e o livro de Maria de Ágreda incontestavelmente carrega essa marca. Observa-se com frequência exageros decorativos, essa afetação, essa ênfase que estavam então em voga... Longas aplicações morais encerram cada capítulo, aumentando ainda mais sua prolixidade." Além disso, há nesta obra, é preciso admitir, afirmações muito extraordinárias. No entanto, deve-se lembrar que a autora não tinha outro objetivo senão edificar, sem qualquer pretensão de realizar uma crítica histórica. Maria de Ágreda diz ela mesma: "O erro de minha parte é possível, pois sou apenas uma mulher ignorante..., mas, se há erro, não é intencional. De qualquer forma, submeto-me àqueles que devem me guiar e a toda correção da santa Igreja católica." Introdução à primeira parte, nº 14.

Que crédito merece a obra de Maria de Ágreda? A resposta a essa pergunta não foge da teoria geral da fé que se deve conceder às revelações privadas, tema que será tratado em um artigo especial. Ver REVELAÇÃO. No caso presente, a vida santa de Maria de Ágreda cria um preconceito favorável à total boa-fé da autora. Não há razões sérias para duvidar de sua sinceridade, garantida por uma obediência admirável e uma profunda humildade. No entanto, sua cultura limitada e seu desconhecimento da teologia positiva e da história tornam possível, e até provável, o erro na descrição de revelações que podem ter sido sobrenaturais. Não se admite, de fato, que os escritores místicos que relatam suas revelações privadas tenham tido a assistência divina reconhecida nos autores inspirados da Bíblia ao escrever a palavra de Deus.

II. DIVERSOS JULGAMENTOS.

Em torno da obra de Maria de Ágreda surgiram as controvérsias mais acaloradas. Por um decreto da S. C. da Inquisição, de quinta-feira, 26 de junho de 1681, o papa Inocêncio XI proibiu a leitura de todos os volumes da Mística Cidade de Deus; mas, a pedido de Carlos III da Espanha, o mesmo papa, por um breve de 9 de novembro de 1681, suspendeu a execução do decreto de condenação. Quando, em 1695, foi publicada em Marselha a tradução francesa do livro de Maria de Ágreda pelo P. Thomas Croset, recolhido, seis doutores da Sorbonne foram encarregados, em 22 de maio de 1696, de examinar a obra, e, por maioria de 50 votos em 152 membros, a Sorbonne condenou a Mística Cidade de Deus em 17 de setembro de 1696, considerando-a como contendo muitas afirmações temerárias e alucinações apócrifas, capazes de expor a religião católica ao desprezo dos ímpios e hereges. Bossuet julgou muito severamente a obra de Maria de Ágreda, e de forma tão desmedida que a autenticidade desse trecho das obras do bispo de Meaux foi questionada. “O simples propósito desse livro,” diz ele, “já justifica sua condenação; o título é ambicioso a ponto de ser insuportável, a Sagrada Escritura é a única história que pode ser chamada de divina. E o que se propõe como divino são contos tirados dos livros mais apócrifos.” Bossuet também protesta contra o que considera ofensas à modéstia que, segundo ele, são numerosas na obra; ele aponta especialmente o capítulo XV, que trata da concepção de Maria. O bispo de Meaux ainda critica Maria de Ágreda por sua “escolástica refinada segundo os princípios de Scotus. O próprio Deus se declara escotista”. Em suma, para Bossuet, o livro é todo de uma “longura insípida e enfadonha, verdadeiro artifício do demônio para fazer crer que se conhece melhor Jesus Cristo e sua santa mãe por esse livro do que pelo Evangelho.Obras de Bossuet, Versalhes, 1817, t. XXX, p. 637-640; cf. t. XL, p. 172, 204-207; t. XLI, p. 92. Essa apreciação de Bossuet é exagerada; a observação que ele faz sobre o título da obra é quase uma queixa insignificante. Quanto à acusação de favorecer as doutrinas escotistas, falta precisão. Maria de Ágreda adota algumas opiniões de Scotus, mas possui muitas outras alinhadas com São Tomás. Não se compreende como um espírito tão elevado quanto o de Bossuet pôde qualificar de obsceno o discurso de Maria de Ágreda. Se há aqui e ali alguma expressão um pouco ingênua, ou até um pouco crua, isso provém do gênio de um povo e de uma época que falava de certas coisas com mais simplicidade do que nós. Por fim, Bossuet atribui a Maria de Ágreda — e de forma muito gratuita — a intenção de que seu livro reivindique uma credibilidade maior do que a devida ao Evangelho.

Sob Bento XIII em 1729 e Clemente XII em 1734, o processo de beatificação da venerável Maria de Ágreda foi retomado, assim como o exame de sua obra. Uma comissão de cardeais foi encarregada de responder à censura da Inquisição pronunciada em 1681. Em 1747, o promotor da fé, Louis de Valentibus, escreveu um longo memorando justificativo no qual refutava detalhadamente as objeções feitas às doutrinas de Maria de Ágreda. Em 16 de janeiro de 1748, Bento XIV escreveu ao general dos observantinos, Raphael de Lugagnano, uma longa carta na qual indicava o procedimento a seguir para o exame dos escritos de Maria de Ágreda. O pontífice insiste na questão da autenticidade e indica o caminho a seguir para demonstrar que a Mística Cidade de Deus é realmente de autoria de Maria de Ágreda. Bento XIV lembra as aprovações concedidas à obra pelas universidades de Salamanca, Alcalá, Louvain e Toulouse; acrescenta que também se deve levar em consideração a opinião do cardeal Aguirre, que fez reservas sobre o julgamento da Sorbonne, assim como a de Eusébio Amort. Esse cônego de Pollingen havia atacado veementemente a obra de Maria de Ágreda em seu livro De revelationibus, visionibus et apparitionibus privatis regulae tutae, Augsburgo, 1744. Ele foi respondido pelo franciscano espanhol Diego González Mateo e pelo bávaro Landelino Maier. Essas respostas foram fracas no terreno da história e da crítica científica. Amort, portanto, replicou com Controversia de revelationibus Agredianis explicata cum epicrisi ad ineptas earum revelationum vindicias editas a P. Didaco Gonzalez Mateo et a P. Landelino Maier, Augsburgo, 1749. Os defensores de Maria de Ágreda não se deram por vencidos, e o P. Dalmatius Kich publicou Revelationum Agredanarum justa defensio cum moderamine inculpatae tutelae, Ratisbona, 1750, e González Mateo voltou à carga com sua Apodixis Agrediana, Madri, 1754: ele provou, dessa vez, que em mais de oitenta passagens Amort havia mal interpretado o texto espanhol de Maria de Ágreda.

Em resumo, se quisermos julgar a obra de Maria de Ágreda sem o espírito de facção que infelizmente contaminou muitas das avaliações sobre seus escritos, devemos reconhecer que, do ponto de vista da teologia mística e da edificação, a Mística Cidade de Deus merece a popularidade de que gozou. Do ponto de vista histórico, este livro contém vários erros que lhe foram atribuídos. Ele tem, o que é suficiente para torná-lo suspeito, muitas semelhanças, em termos de conteúdo, com os dois livros apócrifos da Infância de Jesus e da Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria. A cronologia e a geografia sofrem, na Cidade de Deus, mais de uma falha. Em suma, conclui Görres, op. cit., t. ii, p. 121: "Este livro, por conta da limitação do conhecimento da época, nos dá o direito de dizer que a natureza teve uma participação mais ou menos significativa nas visões que ele contém, e que, portanto, não oferece todas as garantias que se pode esperar em tais matérias. No entanto, Maria de Ágreda se preparou da melhor maneira possível para essa obra; ela deu a ela uma clareza, uma pureza interior e uma elevação que talvez nunca tenham sido superadas e que sempre foram incontestáveis nas discussões sobre o tema. Isso é uma prova impressionante da necessidade de tomar todas as precauções exigidas por esses assuntos delicados, a fim de evitar erros e ilusões, que são facilmente encontrados neles. Ao mesmo tempo, é a melhor justificativa da sabedoria da Igreja, que, após examinar do ponto de vista teológico essas visões, as submete ao estudo da ciência e, sem definir seu mérito intrínseco, as deixa como são, permitindo aos fiéis que nelas busquem edificação, luz e ensinamentos."

A correspondência de Maria de Ágreda com o rei da Espanha, Felipe IV, compreendendo 614 cartas, foi publicada em dois volumes pelo ministro espanhol Francisco Silvela, sob o título: Cartas de la ven. madre sor Maria de Agreda y del señor Rey Felipe IV, Madri, 1890. Já em 1855, A. Germond de Lavigne havia chamado a atenção para essa importante troca de cartas em sua obra: La sœur Marie d'Agreda et Philippe IV, roi d'Espagne, Paris, 1855. No entanto, ele utilizou apenas a cópia das quarenta e duas cartas que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris.

Obras a consultar, além das já citadas no decorrer deste artigo: Sacra Rituum Congregatio. Examen responsionis ad censuram olim editam super libris mysticae civitatis Dei, Roma, 1730; S. Rit. Congregatio. Synopsis observationum et responsionum... super libris ven. abbatissae Mariae a Jesu de Agreda, Roma, 1737; S. Rit. Congregatio. Super examine operis a Maria a Jesu de Agreda conscripti, Roma, 1747; Dom Guéranger, La mystique Cité de Dieu, no jornal L'Univers, 1858-1859; Preuss, Die römische Lehre von der unbefleckten Empfängnis, Berlim, 1865, p. 102 e seguintes; Ant. Maria de Vicenza, Vita della ven. s. Maria d’Agreda, Bolonha, 1870; Id., Della mistica città di Dio... Allegazione storico-apologetica, Bolonha, 1873; Reusch, Der Index der verbotenen Bücher, t. II, Bonn, 1885, p. 253 e seguintes; Ign. Jeiler, O.S.F., Maria von Agreda, no Kirchenlexikon, t. VI, Friburgo, 1893, col. 740-751.

J. VAN DEN GHEYN.