Agnosticismo



AGNOSTICISMO.

I. Exposição dos sistemas. II. Crítica geral. III. Oposições entre a doutrina católica e o agnosticismo.

I. EXPOSIÇÃO DOS SISTEMAS.

1. DEFINIÇÕES AMPLOS: ESCOLAS PRÓXIMAS DA ESCOLA ESTRITAMENTE AGNÓSTICA.

Em um sentido muito amplo, pode-se entender o agnosticismo como o conjunto de escolas que declaram os objetos supra-sensíveis como inconhecíveis. Às vezes, trata-se exclusivamente de noções da ordem religiosa e metafísica; a grande maioria dos sensualistas e positivistas (como Littré) as declara inconhecíveis. Ver Positivismo. Outras vezes, trata-se das verdades primeiras em qualquer ordem de conhecimento. Assim, é uma doutrina característica de escolas aparentemente diversas opor o sistema de nossas crenças ao sistema de nossos conhecimentos: o primeiro, objeto de fé; o segundo, objeto de ciência. Essas escolas podem ser chamadas de agnósticas em um sentido mais restrito, mas ainda amplo e indefinido. É melhor chamá-las de escolas fideístas. Tais são as doutrinas de Maine de Biran, Hamilton, etc. Ver Ollé-Laprune, De la certitude morale, c. IV, § 3, Paris, 1880, p. 183.

Todas essas escolas atribuem à fé ou ao sentimento um papel legítimo fora de qualquer método científico ou dado racional. Suas visões sistemáticas ou preconceitos podem ser resumidas em três tipos: preconceito histórico, preconceito psicológico, preconceito lógico.

1° Preconceito histórico. — A história dos dogmas e das religiões, assim como a observação contemporânea, tendo revelado toda uma categoria de verdades religiosas e morais universalmente e espontaneamente aceitas, independentes, ao que parece, de qualquer raciocínio, leva à conclusão da existência de um sentimento cego. Essa observação é superficial, pois a espontaneidade dessa crença se baseia em uma indução rápida e natural da mente humana, ou seja, no princípio de causalidade e no argumento da analogia, que é uma aplicação deste. Ver Deus (Existência de).

2° Preconceito psicológico. — A incapacidade da inteligência é afirmada: seja em nome de uma supremacia da vontade, seja como consequência do sensualismo (filosofia da vontade, filosofia do empirismo sensualista). De um lado, diversos sistemas filosóficos — exaltando a vontade em detrimento da inteligência e, às vezes, anulando esta última — fizeram depender principalmente das disposições morais, das afeições e dos sentimentos cegos, a aceitação dos princípios (Maine de Biran, Pascal). De outro lado, H. Spencer, cuja filosofia responde propriamente à designação moderna de agnosticismo, pretende estabelecer empiricamente a impossibilidade de concebermos e compreendermos as últimas ideias da ciência e da religião.

3° Preconceito lógico (teoria do Incondicionado). — H. Spencer pretende chegar racionalmente ao mesmo resultado. Para isso, ele demonstra objetivamente a relatividade de todo conhecimento: de explicação em explicação, somos forçados a reduzir todo sistema científico a verdades últimas, inexplicáveis por outras verdades (e, portanto, inconhecíveis, se adotarmos a terminologia de Spencer). Em seguida, ele busca obter subjetivamente a mesma conclusão pela impossibilidade de conceber o Infinito e o Absoluto.

É nesse ponto de vista lógico ou dialético que o agnosticismo é particularmente notável. É sob essa forma que ele é mais facilmente reconhecido, não apenas na história da filosofia, mas também na história das heresias. É por isso que merece especial atenção do teólogo, pois reaparece tanto na Idade Média quanto nos tempos das primeiras lutas teológicas, constituindo o fundamento das doutrinas condenadas pela tradição eclesiástica e pelo ensino dos doutores. Sob esse ponto de vista, seu estudo pode nos ensinar como o dogma cristão se precisou em sua evolução tradicional.

II. AGNOSTICISMO PROPRIAMENTE DITO (FORMA DIALÉTICA).

1° Agnosticismo nas heresias do cristianismo primitivo. — Desde sempre, uma das máximas fundamentais do panteísmo foi que "na substância, toda determinação é uma negação". Ver Caro, Idée de Dieu, c. II, § 2. Spinoza se inspirou particularmente nesse axioma, assim como os neoplatônicos e os gnósticos: uns e outros fizeram dele um princípio diretor de suas especulações; essas supõem a confusão perpétua entre o Ser absoluto (que possui todas as determinações possíveis) e o Ser indeterminado; daí a confusão entre o ser divino e o ser universal, que frequentemente reaparece em escritores modernos. Sabatier, Esquisse d’une philosophie de la religion, passim. São Tomás combate esse erro, Contra gentes, l. I, c. XXVI, mostrando como ele pode ter surgido de uma má interpretação de um trecho do Areopagita, De celesti hierarchia, c. IV: Esse omnium est supersubstantialis divinitas. Ver Stentrup, De Deo uno, th. XIII.

Dessa concepção panteísta geral, deriva o agnosticismo dos primeiros séculos. De fato, gnósticos e neoplatônicos abusaram da noção verdadeira de que Deus é um ser eminente, cuja natureza está acima das categorias (ver Eminência), e que, portanto, escapa a qualquer determinação lógica, como gênero e diferença. O exemplo mais claro nos é oferecido em um sistema atribuído a Basílides pelo autor do Philosophumena. Ver Duchesne, Les origines chrétiennes, autogr., p. 146. Outros gnósticos, ao contrário, pretendiam que Deus, sendo um ser universal, é perfeitamente conhecido. Pode-se observar uma notável analogia entre o sistema deles e o ontologismo moderno. Ver São Epifânio, Adv. hereses, 76, P. G., t. XLII, col. 522, e Franzelin, De Deo uno, th. X.

Obrigados a combater esse erro, assim como o erro estóico — que identificava a substância divina com a substância universal —, os alexandrinos mais ortodoxos frequentemente repetiram que Deus é incompreensível no sentido de que não pode ser definido por gênero e diferenças lógicas. São Tomás, inspirado especialmente pelos escritos do Areopagita, mostrou que Deus é conhecido pela negação das propriedades finitas, como as conhecemos nas criaturas, unidas à afirmação de propriedades análogas e eminentes. Ver Deus (Conhecimento de), Analogias, Eminência, Clemente de Alexandria, Plotino.

2° Agnosticismo em suas formas modernas. Teorias de Hamilton, Mansel e Spencer.

Spinoza e depois Hegel pareceram favorecer a confusão sofística entre o ser perfeito e o ser universal, em outras palavras, entre o ser negativamente indeterminado, por ser incompatível com qualquer determinação finita, e o ser privativamente indeterminado, por ser concebido de maneira abstrata, despido de todas as determinações possíveis. Renan reproduziu várias vezes esse ponto de vista. Ver Caro, Idée de Dieu. A mesma ambiguidade panteísta se encontra na base do agnosticismo moderno, tal como se desenvolveu primeiramente nas especulações de Hamilton e Mansel, e sobretudo no sistema de Spencer. A exposição dessas teorias exigirá o uso de elementos que inicialmente distinguimos: o preconceito psicológico do empirismo sensualista e o preconceito lógico que constitui a teoria do incondicionado.

As teorias de Hamilton, Mansel e Spencer podem ser resumidas nas seguintes três afirmações:

1º O absoluto e o infinito são concepções contraditórias;

2º no entanto, têm um elemento comum: representam o incondicionado;

3º o incondicionado é algo absolutamente inconcebível; portanto, inconhecível.

Vamos retomar essas três afirmações para explicá-las melhor.

1. O absoluto é algo independente, completo, perfeito; mas é concebido como um todo, ou seja, finito. Por outro lado, o infinito é algo ilimitado e indefinido. Portanto, há uma contradição. Ver Dicionário de Filosofia de Franck, art. Hamilton. Para compreender melhor a origem dessa antinomia sofística, é necessário considerar o antagonismo histórico que se manifestou nas escolas de filosofia grega e continuou até a Idade Média entre a noção do indefinido (ápeiron) e a noção de perfeição (télos). A primeira noção era, para os jônicos e as escolas materialistas que os seguiram, uma espécie de princípio absoluto, imaginado como um oceano sem limites, uma potência universal que, ao se determinar, causava a universalidade dos seres. A segunda noção, também influenciada pela representação imaginativa, foi muitas vezes confundida com a noção de um todo finito (télos tinha o sentido de fim tanto quanto de perfeição). A verdadeira filosofia teve de lutar para distinguir, de um lado, o indefinido do finito verdadeiro (São Tomás, Contra gentes, l. I, c. XLIII), e, de outro, o perfeito verdadeiro do finito (entendido como um todo limitado). Ver Pe. Th. de Régnon, Métaphysique des causes, l. VII, c. IV.

2. O termo absoluto e o termo infinito envolvem igualmente a independência de toda condição (ou relação). Por um lado, o absoluto está necessariamente fora de qualquer categoria, portanto fora de qualquer relação lógica e de qualquer relação ontológica: ou seja, (no sentido da escola agnóstica) não pode ser concebido nem como causa, nem como efeito, uma vez que causa e efeito igualmente implicam uma relação. Por outro lado, o infinito é concebido fora de toda oposição e de toda diferença, de qualquer categoria e de qualquer relação causal: pois qualquer elemento desse tipo constituiria um limite. Assim, ambas as noções representam o Incondicionado.

3. Não podemos conceber nada que seja incondicionado. — De fato, todas as noções que podemos ter são definidas, isto é, circunscritas e relativas (em virtude de uma determinação lógica ou de uma relação causal). Em outras palavras, conhecemos todas as coisas ou logicamente por uma diferença que se acrescenta ao gênero para determiná-lo, ou fisicamente por uma relação que torna a causa e o efeito solidários, ou seja, mutuamente condicionados.

Essa relatividade de todo conhecimento é um ponto crucial no sistema de Spencer. Seguindo Hamilton, Spencer, em Primeiros princípios, primeira parte, capítulo IV, esforça-se para estabelecê-la tanto na análise dos produtos do pensamento quanto na análise do próprio pensamento. (Aqui reencontramos o preconceito do incondicionado e o preconceito psicológico do empirismo sensualista.) — Análise dos produtos do pensamento: todos são condicionados, seja do ponto de vista da noção lógica, condicionada por sua diferença, seja do ponto de vista da relação causal. Não temos outro meio de conhecimento: "Pensar é condicionar." — Análise do próprio pensamento: H. Spencer, em Primeiros princípios, p. 65, cita e adota as seguintes considerações de Hamilton: "O ilimitadamente incondicionado ou o infinito, o incondicionalmente limitado ou o absoluto não podem positivamente ser concebidos. Só podemos concebê-los fazendo abstração das próprias condições sob as quais o pensamento se realiza; consequentemente, a noção do incondicionado é puramente negativa, uma negação do próprio concebível. Por exemplo, por um lado, não podemos conceber um todo absoluto, isto é, um todo tão grande que não possamos concebê-lo como uma parte relativa de um todo ainda maior; nem uma parte absoluta, isto é, uma parte tão pequena que não possamos também concebê-la como um todo relativo, divisível em partes menores. Por outro lado, não podemos positivamente nos representar ou imaginar (pois aqui o entendimento e a imaginação coincidem) um todo infinito; porque só poderíamos fazê-lo construindo, pelo pensamento, a síntese infinita de todos os finitos, e para isso seria necessário um tempo infinito... A negação incondicional e a afirmação incondicional da limitação, em outras palavras, o infinito e o absoluto propriamente ditos, são, portanto, inconcebíveis para nós."

É importante notar que, nessa teoria, segundo o próprio H. Spencer, "o entendimento e a imaginação coincidem", ou seja, a impossibilidade de se representar sensivelmente é falsamente confundida com a impossibilidade de conceber. Esta observação é decisiva contra o sistema.

Com as mesmas bases sistemáticas, H. Spencer deduz a inconcebibilidade das ideias últimas da religião (infinito e absoluto) e das ideias últimas da ciência (espaço, tempo, matéria, movimento, força, etc.). Primeiros princípios, primeira parte, capítulos III e IV. No entanto, ele admite a realidade objetiva de um poder do qual o universo é a manifestação. Ele também admite que as ideias últimas da ciência são representativas de realidades incompreensíveis. Em outras palavras, ele admite a objetividade de um incognoscível supremo e de diversos incognoscíveis de ordem científica. Assim, a filosofia de H. Spencer é um realismo transformado. Ver Ms Mercier, Les origines de la psychologie contemporaine, p. 128.

II. CRÍTICA GERAL.

Depois de reconhecer algumas verdades parciais, mais ou menos preservadas ou distorcidas no sistema agnóstico, apontaremos seus pontos fracos e suas incoerências: erros de método, relacionados ao caráter geral da doutrina; contradições inerentes às conclusões finais; desconhecimento da doutrina contrária, resultando em críticas injustas e mal-entendidos.

1. VERDADES PARCIAIS.

É verdade que a metafísica e a ciência evidenciam certas ideias que não podem ser nem definidas logicamente, nem conhecidas por dedução (dedução a priori no sentido rigoroso). Em metafísica, é um adágio que as noções simples e comuns não podem ser definidas (por gênero e diferença): Prima simplicia definiri non possunt; e, consequentemente, nem os transcendentais, nem as categorias são suscetíveis de definições. No entanto, a Escola considera que são conhecíveis, e até mesmo os mais conhecíveis. Os primeiros universais, prima universalia (ver S. Tomás, Sum. theol., I, q. LXXXV, a. 3), são obtidos por conhecimento imediato e sua compreensão é a causa de todo outro conhecimento. Na ciência, as ideias de H. Spencer têm pleno valor nesse sentido, pois toda ciência pressupõe uma noção suprema, explicativa de todas as outras, que não pode ser explicada por si mesma: ou essa noção é concebida como causa suprema, da qual dependem todas as outras, ou como gênero supremo, em uma classificação especial. Mas inexplicável, nesse sentido restrito, não é de forma alguma sinônimo de incognoscível; caso contrário, seria necessário professar a negação de todo conhecimento. Ver Ollé-Laprune, Certitude morale, c. V, § 2.

Também é verdade que todo o nosso conhecimento carrega um caráter de relatividade, se entendermos isso como uma certa composição de nosso conceito, que é uma marca de dependência e de potencialidade. Todas as nossas concepções, sendo extraídas de coisas finitas, contraem um modo essencial de representar tais objetos: são compostas de matéria e forma, de potência e ato. Toda perfeição assim concebida aparece como limitada e participada, em outras palavras, como relativa e dependente. São Tomás reconheceu isso ao estudar as concepções relativas à divindade e os nomes que expressam essas concepções: Intellectus noster a sensibilibus sumens initium cognoscendi, non transcendit illum modum qui in rebus sensibilibus invenitur in quibus aliud est forma et habens formam, propter compositionem... Unde intellectus noster quidquid significat ut subsistens, in concretione significat; quod vero ut simplex significat, non ut quod est. Et sic in omni nomine, quantum ad modum significandi imperfectio invenitur... (Cont. gentes, l. I, c. XXX). Em resumo, todas as concepções que atribuímos a Deus têm um caráter de dependência e potencialidade. Daí se segue que podemos, conforme a doutrina areopagítica, afirmar ou negar sua adequação à divindade: afirmar sua adequação objetiva, negar o modo subjetivo do qual estão impregnadas. Dionysius recte pronunciavit negationes esse simpliciter veras, affirmationes incongruas, id est non quidem falsas, sed nec veras nisi aliquo modo: propterea quod, ut vera sit affirmatio, utrumque rei debet convenire, et id quod significatur, et modus quo significatur; ut autem negatio sit vera, satis est si alterutrum non convenit. Kleutgen, De Deo, n. 307.

Com essas observações estabelecidas, nos voltaremos diretamente para a doutrina spenceriana.

II. ERROS DE MÉTODO.

Basta notar que a teoria do inconhecível parte de um subjetivismo sistemático e se baseia, gratuitamente, em noções confusas e sofísticas, relacionadas ao conhecimento e à explicação científica. Não há dúvida de que o subjetivismo sensualista de Hume constitui a base da ideologia de Spencer. Ver Mercier, Les origines de la psychologie contemporaine, c. III, a. 2. Suponho que a falsidade dessa doutrina já tenha sido demonstrada em outro lugar. A teoria do conhecimento e da explicação científica é sofística e carece de fundamentos suficientes. De fato, acabamos de mostrar que, para H. Spencer, inconhecível e inexplicável são sinônimos: com isso, todas as noções que não podem ser classificadas em um gênero ou relacionadas a uma causa são declaradas inconhecíveis. Em outras palavras, isso é afirmar que, fora da explicação científica (dedução ou classificação), não há conhecimento. Mas esse postulado não é aceitável, pois a explicação científica, entendida como relativa a uma base (gênero ou causa), pressupõe o conhecimento dessa base. Admitamos que esse conhecimento de um princípio não seja científico no sentido estrito; admitamos até, por um momento, a terminologia que o designa como uma crença: ainda assim, será fundamental e certo.

III. CONTRADIÇÕES INERENTES ÀS CONCLUSÕES FINAIS.

1° A noção de inconhecível à qual Spencer chega é contraditória: "O autor afirma, por um lado, que todo o conhecível é uma manifestação do inconhecível que se 'revela' por meio disso; e, por outro lado, nos diz que esse inconhecível escapa absolutamente ao nosso conhecimento. Esta é uma contradição evidente. O que se revela para nós é, necessariamente, conhecido de alguma maneira: não pode ser chamado de absolutamente inconhecível." Gruber, Le positivisme, p. 263.

2° A noção de inconhecíveis também é contraditória em si mesma e com a doutrina spenceriana da evolução. Ela afirma a identidade dos diferentes inconhecíveis com o inconhecível único, do qual são modos e manifestações: "Afirmamos a identidade de dois desconhecidos. Ceticismo absoluto sobre a natureza das coisas, afirmação dogmática de sua identidade: este é o resumo da doutrina da evolução. Esses dois estados mentais não podem ser conciliados. Quando o Sr. Spencer afirma que forças podem se transformar em sensações, ele ignora o que é força e o que é sensação... No entanto, devo acreditar que o fenômeno material se transformou em fenômeno moral; calor, luz, afinidade, dos quais nada sei, tornam-se sensação, emoção, pensamento, dos quais também não sei nada. Mistério de um lado, mistério do outro; mas o Sr. Spencer me assegura que o primeiro mistério se transformou no segundo. Entre esse ceticismo e esse dogmatismo, a contradição é evidente." Denys Cochin, L’évolution et la vie, p. 60, 61.

IV. DESCONHECIMENTO DA DOUTRINA TEOLÓGICA TRADICIONAL.

Aqueles que se opõem à teoria de Spencer em relação à prova tradicional da existência de Deus geralmente revelam uma grande ignorância sobre esta última. Supõem que a teoria escolástica, limitando-se a indicações de uma analogia duvidosa, atribui gratuitamente à natureza divina quaisquer perfeições descobertas nas criaturas. Basta, por exemplo, observar certa analogia entre a ordem do universo e a de um relógio, para atribuir a uma causa suprema a perfeição de um artesão inteligente. Na verdade, o raciocínio dos mestres da escolástica era mais completo e rigoroso. Vamos indicar brevemente o caminho geral desse raciocínio. Ver Deus (Existência de), Analogias e Eminência. Eles estabeleciam, primeiro, a existência de Deus concebido como ato puro (ver esse termo) e, imediatamente, chegavam à conclusão de que nenhuma perfeição existente nos seres criados pode faltar a Ele, embora deva ser realizada nele de forma superior e sob uma modalidade eminente. O conhecimento dos atributos divinos, portanto, limitava-se à questão de corrigir os conceitos humanos, ou seja, como nossas concepções relativas às perfeições das criaturas devem ser ajustadas antes de serem atribuídas àquele que é o ato puro. Nessa investigação, a filosofia tradicional adota o seguinte princípio: a primeira causa não pode ser conhecida por noções fornecidas por sua própria essência, mas apenas por noções análogas. Nenhuma noção fornecida por sua essência; isto é, nenhuma noção cujos elementos não sejam extraídos dos seres criados. As próprias noções reveladas não escapam a essa regra: Unde Dyonisius dicit quod impossibile est nobis aliter superlucere divinum radium nisi circumvelatum varielate sacrorum velaminum. S. Tomás, In lib. Boet., q. VI, a. 3.

Fundamentado nesses princípios e apoiando-se sempre na doutrina dos livros areopagíticos, Santo Tomás ressaltou este duplo ensinamento:

1° Não se pode conhecer a existência de algo e ignorar completamente sua natureza (essa afirmação contradiz diretamente o realismo transformado de Herbert Spencer).

2° As perfeições das criaturas se aplicam a Deus, não como sinônimos, mas com uma correção necessária. Eis como ele desenvolveu esses dois pontos:

1. Opusc. LXIII, In lib. Boet., q. vi, a. 3. Impossibilidade de conhecer a existência e ignorar completamente: De nulla re sciri potest an est, nisi quoquo modo de ea sciatur quid est, vel cognitione perfecta, vel cognitione confusa... Ergo de Deo et de alvis substantiis immaterialibus non possumus scire an est, nisi sciremus quodammodo de eis quid est sub quadam confusione. . Ora, o conhecimento que podemos ter de Deus não se apoia em nenhuma composição real ou lógica, em nenhuma distinção de gênero ou acidente que o defina. Logo, sabemos apenas sua existência, e, em vez de um conhecimento próprio, temos um conhecimento por via de negação, ou por via de causalidade ou de excesso. Essa teoria se estende à generalidade das substâncias imateriais: Ita ergo de formis immaterialibus cognoscimus an est, et habemus de eis loco cognitionis quid est cognitionem per negationem, per causalitatem et per excessum: quos etiam modos Dionysius ponit in lib. De divinis nominibusVer EMINÊNCIA, ANALOGIA.

2. Santo Tomás distingue a realidade designada, illud ad quod significandum nomen imponitur, e o modo subjetivo de nossa concepção. Do primeiro ponto de vista, toda perfeição que apresenta um modo exclusivamente adequado às criaturas só pode ser atribuída a Deus de maneira metafórica: Quaecumque nomina exprimunt hujusmodi perfectiones cum modo proprio creaturis, de Deo dici non possunt nisi per similitudinem et metaphoram. Hujusmodi autem sunt omnia nomina imposita ad significandam speciem rei creatae, sicut homo et lapis. Similiter quaecumque nomina proprietates rerum designant quae ex propriis principiis specierum causantur... Do segundo ponto de vista, toda perfeição reveste, pela própria constituição de nossa inteligência, um modo subjetivo que não pode ser adequado a Deus. Esse modo implica a composição, ou seja, a dependência e a relatividade. Cont. gentes, loc. cit.

Em resumo, H. Spencer disse: "Não podemos conceber o absoluto senão de um modo de pensamento relativo, pois todo pensamento humano implica relação e oposição." Santo Tomás percebeu bem a dificuldade e lidou com ela de maneira mais feliz. Segundo ele, conhecemos todas as coisas criadas sob um modo de composição e dependência. A própria causa primeira não escapa a essa lei. Somos, portanto, forçados a significá-la ou por uma relação ou por uma negação: Significari non possunt nisi vel per negationem, sicut cum dicimus Deum aeternum vel infinitum, vel etiam per relationem ipsius ad alia, ut cum dicitur prima causa vel summum bonum. Cont. gent., loc. cit. Finalmente, esse conceito puramente representativo, uma aproximação inicial, pode e deve ser corrigido; pois não há relação do absoluto com as criaturas, mas apenas das criaturas com o absoluto: Non enim de Deo capere possumus quid est, sed quod non est, et qualiter alia se habeant ad ipsum. Ibid.

III. OPOSIÇÃO DO AGNOSTICISMO E DA DOUTRINA CATÓLICA. ENSINAMENTOS PATRÍSTICOS E DEFINIÇÕES.

Ver Deus (Existência de), Analogias, Eminência, etc.

O agnosticismo primitivo (aquele das primeiras heresias) encontrou a oposição dos Padres e dos doutores da Igreja (magistério ordinário). O agnosticismo moderno é, além disso, condenado pela doutrina do Concílio do Vaticano.

1° Padres e doutores da Igreja.

A razão humana, em suas tentativas incertas e imprudentes, esforçou-se por libertar o Absoluto de toda determinação e limitação. Dessas tentativas surgiram os numerosos sistemas dos gnósticos, dos estóicos e, mais particularmente, dos hereges eunomianos, que representavam Deus como o ser comum de todas as coisas. Por outro lado, a revelação cristã ensinava simultaneamente dois dogmas: a impossibilidade de conhecer Deus com um conhecimento imediato e distinto; e a possibilidade de um conhecimento analógico e enigmático, sob o véu das criaturas. Nemo novit Patrem, nisi Filius et cui voluerit Filius revelare. (Mateus 11:27). Cf. João 1:18. Invisibilia enim ipsius a creatura mundi per ea quae facta sunt intellecta conspiciuntur, sempiterna quoque ejus virtus et divinitas (Romanos 1:20). A tarefa dos Padres e dos doutores, diante dos gnósticos e eunomianos, foi, portanto, afirmar, por um lado, a ausência de qualquer determinação finita em Deus, e, por outro, a omniperfeição conhecida pelas analogias das criaturas. Esse duplo ensinamento recebeu mais tarde o nome de teologia negativa e teologia positiva. Tal foi a doutrina de Santo Irineu, de Clemente de Alexandria, de Orígenes e, mais tarde, da escola capadócia, que se destacou em suas lutas contra os eunomianos. Os alexandrinos são particularmente notáveis pelo uso que fazem da teologia negativa: essa forma de doutrina, transmitida ao Ocidente principalmente pelos escritos areopagíticos e, em grande medida, pelos de Santo Agostinho, foi consagrada pela autoridade de Santo Tomás. Seus desenvolvimentos, bem compreendidos, são a condenação do agnosticismo antigo. Ver Franzelin, De Deo uno, sect. II; Billot, De Deo uno, t. 1, part. 1, p. 3.

O Concílio do Vaticano, em sua constituição Dei Filius, determinou o que podemos saber de Deus à luz da razão. O capítulo 1 define a existência e os atributos de Deus — criador de todas as coisas, cujo conhecimento a fé pressupõe: Sancta catholica apostolica Romana Ecclesia credit et confitetur unum esse Deum verum et vivum, creatorem ac dominum coeli et terrae, omnipotentem, aeternum, immensum, incomprehensibilem, intellectu ac voluntate, omnique perfectione infinitum... O capítulo 2 resume essa noção: Eadem sancta mater Ecclesia tenet et docet, Deum, rerum omnium principium et finem, naturali humanae rationis lumine e rebus creatis certo cognosci posse... Finalmente, o cânon 4 De revelatione está assim formulado: Si quis dixerit Deum unum et verum, Creatorem et Dominum nostrum, per ea quae facta sunt, naturali rationis humanae lumine certo cognosci non posse; anathema sit.

É importante observar que o texto do capítulo II se limita a expor o que a Igreja admite e ensina, tenet et docet. O texto do cânone contém uma definição de fé; ele condena qualquer pessoa que negue à razão as luzes necessárias para conhecer o Deus verdadeiro. Além disso, o início do capítulo ensina, como uma doutrina certa, que à luz da razão, Deus pode ser conhecido como o princípio e o fim de todas as coisas. Ver Vacant, Études théologiques sur les constitutions du concile du Vatican, t. 1, c. II, § 59. Do cânone 1 resulta claramente a condenação do agnosticismo, sob qualquer forma que ele se apresente.

I. HISTÓRIA DO AGNOSTICISMO SOB SUAS FORMAS ANTIGAS.

1. GNOSTICISMO. — S. Irineu, Adv. haereses, l. I, 26, P.G., t. VII; Philosophumena, l. VII, P.G., t. XVI; S. Epifânio, Heres., XXIV, XXXI, P.G., t. XLI; Abbé Duchesne, Les origines chrétiennes (lições autografadas), Paris, 1878-1881, c. XI: A gnose no século II.

II. O AGNOSTICISMO NEO-PLATÔNICO.

J. Simon, Histoire de l’école d’Alexandrie, Paris, 1845, t. 1, l. II; E. Vacherot, Histoire critique de l’école d’Alexandrie, Paris, 1846-1851, IIIª parte; Barthélemy Saint-Hilaire, L’école d’Alexandrie, Paris, 1845; M.N. Bouillet, Les Ennéades de Plotin, chefe da escola neoplatônica, acompanhadas de resumos, notas e esclarecimentos, Paris, 1857: quinta Enéada.

III. FORMAS MODERNAS DO AGNOSTICISMO.

1. OBRAS DOS AUTORES AGNÓSTICOS OU RELACIONADAS AO CORRENTE AGNÓSTICO.

Hamilton, Discussions on philosophy and literature, education, etc., Londres, 1852; Lectures on metaphysics and logic, 4 vol., Londres, 1859; Mansel, Limits of religious thought, Londres, 1858; Stuart Mill, System of Logic, rationative and inductive, being a connected view of the principles of evidence and the methods of scientific education, Londres, 1843; trad. da 6ª ed. por Peisse, Système de logique déductive et inductive. Exposé des principes de la preuve et des méthodes de recherches scientifiques, Paris, 1866-1867; Herbert Spencer, System of synthetic philosophy, Londres, 1860-62; t. 1, First principles, trad. por Cazelle, Les premiers principes, 7ª ed., Paris, 1894, veja a 1ª parte. Existe um resumo da filosofia de Spencer, aprovado por ele: F. Howard Collins, An epitome of the synthetic philosophy, with a preface by H. Spencer, Londres, 1889. Esse resumo foi traduzido por Varigny, 2ª ed., Paris, 1895. As relações do agnosticismo de Spencer com o positivismo de Augusto Comte são claramente expressas em: The classification of sciences, to which are added reasons for dissenting from the philosophy of M. Comte, Londres, 1864, escrito reproduzido em Essays scientific, political and speculative, 4ª ed., Londres, 1888, t. III. Ver também vários artigos de H. Spencer no Nineteenth Century (particularmente janeiro e julho de 1884). Outros exemplos: Lewes, History of philosophy, Londres, 1847; Problems of life and mind, Londres, 1872-1879; Clifford, Lectures and essays, Londres, 1879; Duboys-Raymond, Die Grenzen des Naturerkennens, Leipzig, 1872.

II. EXPOSIÇÕES CRÍTICAS E REFUTAÇÕES DO AGNOSTICISMO MODERNO.

1° Sobre a filosofia de Hamilton: L. Peisse, Fragments de philosophie, par W. Hamilton, Paris, 1840; Ravaisson, Fragments de philosophie de Hamilton, na Revue des Deux Mondes, 1º de novembro de 1840; Stuart Mill, An examination of sir Hamilton’s philosophy and of the principal philosophical questions discussed in his writings, Londres, 1865, traduzido por Cazelle, Examen de la philosophie de W. Hamilton, Paris, 1869; Waddington, Essais de logique, Paris, 1875; O. W. Wight, The philosophy of sir W. Hamilton, Nova York, 1853; K. Ulvici, Engl. philosophie, na Zeitschr. f. Phil. und Kr., 1855; M. Veitch, Memoir of sir W. Hamilton, Londres, 1869; Mansel, The philosophy of the conditioned. Sir W. Hamilton and J. S. Mill, Londres, 1865; Franck, Dictionnaire des sciences philosophiques, Paris, 1875, art. Hamilton.

2° Sobre o agnosticismo em geral e, mais especificamente, sobre o sistema de H. Spencer: Ravaisson, La philosophie en France au XIX siècle, Paris, 1868, § 7; Ollé-Laprune, De la certitude morale, Paris, 1880, c. IV, V; D. Cochin, L’évolution et la vie, Paris, 1886, c. II, III; Gruber, Le positivisme, depuis Comte jusqu'à nos jours, trad. Mazoyer, Paris, 1893, IIIª parte, c. 1; M. Mercier, Origines de la psychologie contemporaine, Louvain, 1897, c. III, a. 2.

III. DOUTRINA CATÓLICA RELATIVA AO CONHECIMENTO NATURAL DE DEUS.

1. PADRES DA IGREJA.

S. Gregório Nazianzeno, Orat. theolog., II, P.G., t. XXVI; S. Gregório de Nissa, Cont. Eunomium, l. XII, P.G., t. XLV; S. Basílio, Contr. Eunomium, l. I, P.G., t. XXIX.

2. TEÓLOGOS.

1° Teólogos antigos: P. Lombardo, Sent., l. I, disp. XXII, P.L., t. CXCI, e, de maneira geral, seus comentadores neste ponto, especialmente São Tomás, Parma, 1851, q. 1, a. 1, 2; Durand de Saint-Pourçain, q. I, Paris, 1508; Escoto, q. I, II, Paris, 1894; S. Tomás de Aquino, Opera omnia, Parma, 1852: Sum. theol., Iª, q. XIII, t. 1; Contra gentes, l. I, c. XXIV sq., t. VIII; Quest. disp., de potentia, q. VII, a. 7-9, t. VII; Opusc. LXIII, Super Boethium de Trinitate, q. VI, a. 3, 4, t. XVII; os Comentadores da Summa theologica (na q. XIII; ver também os comentários da q. XII, a. 7), especialmente Caetano, Commentaria, Veneza, 1596; Báñez, Scolastica commentaria in Iª partem, Salamanca, 1584; Molina, Comment. in Iª partem, Cuenca, 1592; Valentia, Comment. theologica, Ingolstadt, 1591; Tanner, Disput. theol. in omnes partes Summae theologicae, Ingolstadt, 1618; Vásquez, Opera, Lyon, 1631, t. 1; Suárez, Opera, Veneza, 1740, t. 1; Billuart, Cursus theologiae, Wurtzburgo, 1758, diss. IV, a. 12.

2° Teólogos modernos: Petau, Theologica dogmata, Paris, 1644; De Deo, l. I, cc. V-XIII; l. VII, c. IV; Thomassin, Dogmata theologica, Paris, 1680, De Deo, l. IV c. VI sq.

3° Teólogos contemporâneos: Franzelin, De Deo uno, 2ª ed., Roma, 1876, sect. II; Stentrup, Prelect. dogmaticae, De Deo uno, Innsbruck, 1879, th. IX, X, XI; KleutgenInstitut. theologicae, Ratisbona, 1881, t. 1, l. I, q. II; L. Billot, De Deo uno et trino, Roma, 1894, t. 1, l. I, c. III; L. de San, De Deo uno, Louvain, 1894, t. 1, parte I, c. 1; Kleutgen, Philosophie scolastique, trad. Sierp, Paris, 1870; Scheeben, Dogmatique, t. II, trad. Belet, Paris, 1880; M. d’Hulst, Mélanges philosophiques, Paris, 1892; Dict. apologétique de la foi, 1909, t. 1, col. 1-76.

A. DE LA BARRE.