AFINIDADE, impedimento de casamento. Estudaremos esse impedimento primeiro entre os latinos, depois entre os orientais.
AFINIDADE, impedimento de casamento entre os latinos
I. Noção.
II. História.
III. Legislação atual.
IV. O impedimento de afinidade é de direito natural?
V. Afinidade que surge após o casamento.
I. Noção
Três impedimentos dirimentes do casamento resultam das leis que regem a propagação da espécie humana: são a parentela, a afinidade e a honestidade pública. A parentela ou consanguinidade (ver este termo) provém, como o nome indica, da identidade de sangue e da unidade de origem. A afinidade tem como causa o ato material da união sexual e, por fim, a honestidade pública (ver este termo) é gerada pelo casamento contraído ou até mesmo pelos esponsais.
O decreto de Graciano, parte II, causa XXXV, questão V, define a afinidade como: Propinquitas personarum proveniens ex copula carnali perfecta, omni carens parentela. Essas últimas palavras são um tanto redundantes; elas servem apenas para expressar a distinção teórica entre afinidade e consanguinidade, embora na prática esses dois impedimentos possam coexistir. A afinidade, portanto, é a relação criada como resultado do ato carnal consumado entre duas pessoas e que persiste entre uma dessas pessoas e os parentes da outra. Não há afinidade entre as duas pessoas que realizaram a união sexual, nem entre os parentes de uma e os da outra, mas entre cada uma delas e os consanguíneos da outra, por exemplo, entre o homem e os parentes da mulher com quem teve relações conjugais, e vice-versa.
Para isso, é necessário que a união sexual seja completa. Não é preciso que a geração de um filho ocorra de fato, mas o ato realizado deve ser de natureza a poder gerá-lo; por outro lado, para que exista afinidade, não importa se o ato foi lícito ou ilícito, voluntário ou até mesmo involuntário. Se for cometido, por exemplo, por meio de violência absoluta ou até mesmo com uma pessoa adormecida, embriagada ou anestesiada, a afinidade ainda assim existirá e produzirá seus efeitos jurídicos.
A afinidade tem em comum com a parentela o fato de também haver uma origem, graus e linhas ascendentes ou descendentes, diretas e colaterais. Para a afinidade, a origem, stipes, é constituída (como um todo, per modum unius) pelas duas pessoas, autores do ato do qual provém. Os graus são o intervalo que separa uma ou outra dessas pessoas dos parentes da outra, pois os graus de parentela em relação a uma tornam-se os graus de afinidade em relação à outra.
A linha direta é composta pelos parentes de uma ou outra dessas mesmas pessoas: são, na linha ascendente, o sogro e a sogra (socer e socrus, etc.) e, na linha descendente, o genro e a nora (privignus, privigna, vitricus e vitrica). Cf. Graciano, Decret., parte II, causa XXXV, questão V, cân. 5. Na linha colateral, os parentes de uma das pessoas, autores da afinidade, serão, em relação à outra, de igual grau de afinidade. Assim, o irmão e a irmã estão no primeiro grau de parentela da linha colateral; da mesma forma, o cunhado e a cunhada (levir, glos, fratria, sororius) estarão no primeiro grau de afinidade na linha colateral.
A Igreja, que não tem jurisdição sobre os infiéis, considera a afinidade produzida antes do batismo como juridicamente existente e constituindo um impedimento de direito eclesiástico quando a conversão dos infiéis ocorre e eles são colocados sob sua autoridade. Diversas decisões estabeleceram a verdade dessa afirmação. Basta citar uma das mais recentes. Acta Sanctae Sedis, t. XXXI, fasc. 8. Há pouco tempo, um prefeito apostólico apresentou o seguinte caso bastante estranho e complicado, solicitando a dispensa necessária:
André M..., outrora pagão e depois convertido e batizado, desejava casar-se com N. N..., catecúmena que deveria ser batizada em breve. No entanto, essa pessoa, N. N..., era a segunda esposa (ilegítima, portanto) do pai de André, já falecido, que, vivendo na infidelidade, teve cinco esposas, das quais a primeira, a única legítima, ainda estava viva. Além disso, a mesma N. N..., após a morte do pai de André, foi esposa ilegítima do irmão desse mesmo André; além do mais, ela também havia sido esposa ilegítima do avô de André. Havia, portanto, várias afinidades, todas decorrentes de atos ilícitos cometidos antes do batismo dessa mulher.
Em 14 de dezembro de 1898, a S. C. do Santo Ofício respondeu:
Se ambos os noivos, tendo contraído afinidade na infidelidade, pedem para se casar após terem recebido o batismo, é necessário recorrer ao Santo Padre para obter a dispensa.
Diante dessa decisão, devemos concluir:
1° que a afinidade, produzida entre pagãos, constitui um impedimento entre eles quando são convertidos;
2° que a afinidade pode ser múltipla;
3° que o Santo Padre pode dispensar e de fato dispensa, independentemente do número e proximidade dos graus, quando a afinidade é produzida por atos ilícitos.
II. História
1° Lei mosaica
Este impedimento é mencionado na legislação mosaica no capítulo XVIII do Levítico, mas é restrito aos graus mais próximos. Sabe-se que, por vezes, a lei ordenava agir contrariamente a esse princípio. É conhecida a instituição do levirato, pela qual um homem, casado ou não, devia unir-se à viúva de seu irmão morto sem deixar descendência, para gerar filhos que, juridicamente, não seriam seus, mas receberiam a herança e continuariam a família do falecido. O pai natural reconstituía assim a família de seu irmão levado pela morte; isso era chamado de suscitare semen fratri suo. Deut., XXV, 5, 6. Na ausência ou recusa do irmão, esse direito e dever passavam aos parentes mais próximos, como é constatado na história de Rute. Cf. Gên., XXVIII; Rute, III, IV.
2° Lei romana
O direito romano admitia a lei da afinidade e proibia o casamento na linha direta. Os imperadores cristãos estenderam essa proibição ao primeiro grau da linha colateral. Ver IV, § 3, col. 522.
O direito romano aceitava a afinidade apenas quando produzida pelo casamento (per nuptias); mas sempre a considerava, fosse o casamento consumado ou não, conforme seu axioma: Nuptias facit non concubitus sed consensus.
3° Lei eclesiástica
A legislação eclesiástica modificou em dois pontos as disposições do direito romano. Ela estabeleceu o impedimento de honestidade pública proveniente do simples fato de se ter contraído casamento ou mesmo noivado. Além disso, ela estendeu o impedimento de afinidade a qualquer ato, lícito ou ilícito, ao qual se aplicasse a palavra do Gênesis: Erunt duo in carne una, seja no casamento, no concubinato ou até mesmo em uma união transitória e passageira. Ela se baseou nisso na dura e vigorosa palavra do apóstolo: Qui adhaeret meretrici unum corpus cum illa efficitur, I Cor., VI, 16. Assim, o impedimento existe todas as vezes que o fato da união carnal foi realizado.
O Concílio de Elvira (305), cânon 61, trata como ilícito apenas o casamento de um viúvo com a irmã de sua primeira esposa. Mas o impedimento de afinidade se expandiu gradualmente. Quando, mais tarde, no início da Idade Média, a Igreja determinou sua legislação de maneira mais precisa, uma ideia parecia preocupar os legisladores. Os bárbaros haviam acabado de invadir a Europa, e os pontífices procuravam fundir os novos habitantes com os sobreviventes do Império Romano; seu desejo era misturar, tanto quanto possível, as famílias dos invasores com as dos habitantes mais antigos, a fim de criar, por meio dessas uniões familiares multiplicadas, as novas nações que deveriam se formar no solo europeu. Eles também parecem ter querido reagir contra os casamentos entre parentes, que eram comuns nos costumes germânicos e poderiam ser trazidos pela restrição das aglomerações rurais às quais os servos estavam ligados.
Por isso, o impedimento de consanguinidade (ver PARENTESCO) foi estendido até o sétimo grau, seguindo a contagem canônica; o mesmo ocorreu com a afinidade, que já havia sido assimilada de forma geral à consanguinidade como impedimento de casamento, pelo Concílio de Roma de 721.
Além disso, foram admitidos três tipos de afinidade, que são difíceis de compreender e explicar, exceto por meio de um exemplo. Este é o método que usou Bento XIV, cuja passagem traduzimos a seguir. De synodo, l. IX, c. XIII, n. 2.
Se Tício, irmão de Caio, contraía e consumava seu casamento com Berta, esta contraía afinidade com Caio (ainda é assim atualmente): este é o primeiro tipo de afinidade. — Se, com a morte de Tício, Berta se casasse com Semprônio, a afinidade do segundo tipo associaria Semprônio, o segundo marido de Berta, com Caio e com todos os parentes do falecido Tício. — Se, por fim, Berta morresse, e Semprônio se casasse novamente com Névia, a afinidade do terceiro tipo existiria entre esta e Caio e todos os parentes de Tício.
Esta tripla afinidade constituía um impedimento dirimente. Embora as duas últimas espécies de afinidade não se estendessem até o sétimo grau, como a primeira, é fácil compreender as dificuldades práticas que deveriam resultar de uma legislação tão complexa, cuja aplicação era ainda mais dificultada pela ausência de registros civis autênticos. Muitas vezes, casamentos deveriam ser nulos, mesmo com a mais completa boa-fé, o que deveria causar escândalos e processos frequentes e lamentáveis.
Essas dificuldades e perigos serviram como base para o famoso decreto emitido por Inocêncio III no Concílio de Latrão, formulado no capítulo 8, Non debet, do título XIV, De consanguinitate et affinitate, no IV livro das Decretais. Sobre o segundo e o terceiro tipo de afinidade, como os expusemos, o pontífice declara:
Revogando, com a aprovação do concílio, as constituições editadas sobre este ponto, decretamos por meio desta constituição que aqueles que contraem dessa forma podem unir-se livre e legitimamente.
Além disso, por meio do mesmo decreto, o pontífice restringiu os dois impedimentos de consanguinidade e de afinidade ao quarto grau, e não mais ao sétimo, como era anteriormente: Prohibitio quoque copulae conjugalis quartum consanguinitatis et affinitatis de cetero non excedat.
III. LEGISLAÇÃO ATUAL
O decreto conciliar de Latrão que acabamos de expor não fazia distinção entre a afinidade produzida no casamento e aquela proveniente de um ato ilícito. Isso ainda resultava em graves inconvenientes práticos e sérios escândalos, principalmente devido à dificuldade de provar o impedimento no foro externo. O Concílio de Trento achou, portanto, necessário intervir novamente e modificar a legislação secular da Igreja. Sem mudar a disciplina de Inocêncio III no que diz respeito à afinidade criada por atos conjugais legítimos, ele adotou a seguinte disposição, cujos termos devem ser estudados com cuidado para resolver certas dificuldades práticas:
O santo concílio, apoiando-se em motivos muito graves, restringe o impedimento que resulta da afinidade contraída em consequência de um ato de fornicação, e que dirime o casamento subsequente, apenas àqueles que estão unidos no primeiro e segundo grau. Declara que, nos graus posteriores, essa afinidade não impedirá o casamento a ser contraído doravante.
Sess. XXIV, c. IV, De ref. matrim.
A estas palavras, já muito claras, São Pio V, em seu motu proprio, Ad Romanum pontificem, de 28 de novembro de 1566, deu um comentário autorizado: "Declaramos", disse ele, "e pela autoridade apostólica decretamos que hoje não resta nenhum impedimento que proíba, nos graus posteriores, a livre e lícita celebração de casamentos."
Assim, agora, a lei eclesiástica é muito clara. Existe um impedimento dirimente até o quarto grau, quando a afinidade provém do casamento, e até o segundo grau quando a afinidade é produzida por um ato ilícito. Pois os teólogos e canonistas concordam com a prática da Igreja ao dizer que o Concílio de Trento, pelo termo fornicatio, entendeu designar todos os atos de luxúria consumada, como o adultério, o incesto, o sacrilégio, etc.
No entanto, certas questões ainda são discutidas sobre o impedimento de afinidade e exigem uma solução clara. Que regra deve ser seguida, por exemplo, quando a afinidade é causada por um ato formalmente lícito, mas materialmente ilícito, como no caso de um casamento putativo? — Acreditamos que a restrição imposta pelo Concílio de Trento não deve produzir efeito aqui, e baseamos nossa opinião tanto na letra quanto no espírito da decisão conciliar. Pois: 1° o Concílio de Trento usa os termos affinitatem ex fornicatione contractam. Ora, o ato em questão não deve nem pode ser chamado de ato de fornicação, já que se supõe que seus autores agiram de boa fé, sem agir de maneira ilícita, e porque, finalmente, a disposição do Concílio de Trento, sendo restritiva em relação a uma lei anterior, deve ser interpretada estritamente e em favor da lei previamente existente. — 2° Os motivos que levaram os Padres do Concílio de Trento a restringir o impedimento de afinidade são: o escândalo resultante, nesses casos, de um processo de nulidade, e a dificuldade de provar no foro externo os atos secretos por sua natureza, como os pecados contra a castidade. Mas esses motivos não são aplicáveis ao caso que nos ocupa atualmente. Não há escândalo em constatar a nulidade de um casamento putativo, uma vez que as partes, tendo agido de boa fé, não são culpáveis. Além disso, tal casamento pode ser perfeitamente provado, pois, embora inválido, foi público e constatado publicamente pela presença de testemunhas autorizadas e pela publicação dos proclamas.
IV. O IMPEDIMENTO DE AFINIDADE É DE DIREITO NATURAL?
Surge outra questão, puramente teórica. Por que direito são constituídos os impedimentos de afinidade? A afinidade em si é de direito natural, pois, como dissemos, ela existe mesmo quando a união que a produziu ocorreu entre pagãos; mas será que é o direito natural que proíbe o casamento entre pessoas unidas pela afinidade, ou essa proibição sempre decorre do direito eclesiástico?
Para estabelecer a verdade em tais casos, o argumento utilizado pelos canonistas é o seguinte: A Igreja acredita que pode dispensar, e de fato dispensa, de um impedimento? Na verdade, o poder de dispensar é correlativo ao poder de legislar. Portanto, quando é dada uma dispensa de um impedimento, isso prova que o impedimento é de direito eclesiástico. Quando, ao contrário, a Igreja declara que se recusa absolutamente a conceder dispensa, mesmo pelos motivos mais graves, conclui-se geralmente que o impedimento em questão é de direito divino. Assim, como a Igreja nunca concede dispensa, sob nenhum motivo, do impedimento de parentesco em primeiro grau, conclui-se com razão que esse impedimento é de direito divino.
Além disso, os infiéis estão sujeitos às prescrições do direito divino, mas não às do direito eclesiástico. Se um infiel se converte, tendo contraído casamento com um impedimento de direito eclesiástico, esse casamento é considerado válido. Ao contrário, ele é julgado inválido e nulo se o impedimento for de direito divino. Assim, se um pagão se casou com uma prima, seu casamento será considerado válido; no entanto, seu casamento seria julgado nulo se ele tivesse contraído matrimônio com sua filha ou irmã.
Com base nesses princípios, é certo que o impedimento de afinidade é simplesmente de direito eclesiástico na linha colateral, mesmo em primeiro grau. Com frequência, solicita-se e se obtém dispensa para esse tipo de casamento, como entre cunhados, e esses casamentos, como vimos, eram até mesmo prescritos na antiga Lei, no caso do levirato.
A dificuldade é maior quando se trata da afinidade na linha direta, e aqui devemos fazer uma nova distinção. Quando a afinidade resulta de um ato ilícito, às vezes, embora raramente, concede-se dispensa, como já constatamos. Assim, permite-se que um homem se case, quando há motivos graves e sérios, com a filha de sua amante ou concubina, desde que o nascimento da filha tenha ocorrido antes das relações ilícitas, a fim de evitar o risco de um casamento entre um pai e sua "filha". Aqui, portanto, pela aplicação do princípio acima enunciado, o fato de concessão de dispensas prova o direito da Igreja de dispensar, e consequentemente a natureza do impedimento, que nesse caso é de direito eclesiástico.
A dificuldade é mais considerável quando se trata da afinidade proveniente do casamento, como, por exemplo, na união de um viúvo com a filha ou a mãe de sua legítima esposa. Nesse caso, sempre se recusa a dispensa solicitada, e, segundo o princípio mencionado anteriormente, deve-se concluir que o impedimento de afinidade é, nesse caso, de direito divino. Assim, pensam, aliás, vários teólogos e canonistas de grande prestígio, como São Antonino, Navarro, Pedro e Domingo de Soto, Catarina, Covarruvias, Belarmino, Vásquez, Laymann, Estius, Silvius, de Lugo, Conninck, Pirhing, Reiffenstuel, Gotti, d’Annibale. Os argumentos e textos em favor dessa tese são expostos com grande erudição pelo estudioso Monsenhor Rosset, que apoia essa opinião com toda a sua autoridade. De matrimonio, t. III, a. 12, § 3.
No entanto, outros autores de não menor valor defendem a doutrina oposta, como sendo pelo menos mais provável. São eles: Caetano, Sa, Sanchez, Pontius, Castropalao, Diana, Gonet, Gonzalez, os Salmanticenses, Viva, Pignatelli, Schmalzgrueber, Billuart, Ferraris, Alasia, Gousset, Perrone, de Angelis, Gasparri, Vecchiotti, etc. Estes reconhecem que, se a Igreja, por respeito à dignidade e à santidade do casamento, se recusa a conceder dispensa no caso que discutimos, isso não prova que, rigorosamente, ela não tenha o direito essencial e estrito de dispensar. Gasparri, De matrimonio, t. 1, n. 697.
Embora remeta nossos leitores aos autores que acabamos de mencionar e aos textos que reproduzem, como as prescrições dos concílios de Agde, em 506, e de Épaone, em 517, citadas em dois sentidos opostos pelos defensores de ambas as opiniões, parece-nos que há um argumento capaz de inclinar a balança a favor da tese defendida em segundo lugar. Na verdade, a causa que produz a afinidade é em si independente do casamento e do vínculo estabelecido pelo sacramento. Essa relação, essa aliança, é causada pelo fato da união carnal, que cria um vínculo, um quase-parentesco entre um dos autores e os parentes do outro. Ora, esse ato material é o mesmo, seja ele lícito ou ilícito. Portanto, se a relação criada, se o impedimento produzido, não é de direito divino em um dos casos previstos, quando a ação é ilícita, o mesmo deverá ocorrer no outro caso, quando a afinidade é produzida no casamento. A afinidade, a nosso ver, pode com razão ser comparada à parentela; ora, para esta, não há diferença legal, seja ela legítima ou natural, porque em ambos os casos a consanguinidade, a identidade de sangue, existe igualmente. Portanto, o impedimento de afinidade, mesmo em primeiro grau da linha direta e proveniente do casamento, também seria de direito eclesiástico.
Apressemos-nos em acrescentar e reafirmar que compreendemos muito bem a sabedoria e prudência da Igreja ao recusar sempre a concessão de uma dispensa desse tipo. Pode-se admitir, aliás, que os sentimentos de pudor e respeito, que devem ser considerados em matérias tão delicadas, não são exatamente os mesmos nos dois casos. Essa diferença por si só justificaria as recusas que a Igreja, vigilante guardiã da santidade do casamento, muito justamente opõe aos pedidos de dispensa nesse caso difícil.
V. AFINIDADE QUE SURGE APÓS O CASAMENTO
Resta-nos fazer uma última observação e expor uma questão debatida. Existem certos impedimentos, e a afinidade é um deles, que podem surgir entre dois cônjuges após a celebração e consumação do casamento, e o caso que estamos discutindo ocorre com frequência. Se Primo, casado com Prima, tiver relações ilícitas com Secunda, irmã de Prima, a afinidade passará a existir entre os dois cônjuges, pois Prima, esposa de Primo, é parente em primeiro grau de Secunda. Nesse caso, o impedimento que surge não dissolve e nem pode dissolver o casamento preexistente, que é absolutamente indissolúvel por direito divino; porém, ele priva o cônjuge culpado de seus direitos até que uma dispensa seja concedida e as consequências jurídicas de sua culpa sejam apagadas. Ver IV. ADULTÉRIO e o vínculo do casamento do século V ao XVI, § 2, col. 489. Mas surge uma nova questão: deve-se aplicar a este caso a restrição estabelecida pelo Concílio de Trento, e a afinidade produzirá seus efeitos apenas até o segundo grau ou até o quarto grau? Acreditamos que, neste caso, a legislação mais recente não é aplicável. Trata-se de uma lei restritiva que deve ser interpretada estritamente. O Concílio de Trento e a constituição subsequente de São Pio V dizem claramente que o impedimento é removido no que diz respeito aos casamentos a serem contratados: In ulterioribus vero gradibus statuit (synodus) hujusmodi affinitatem matrimonium postea contractum non dirimere. Ora, no caso que estamos analisando, não se trata de um casamento a ser contratado, mas de um casamento já contraído. Portanto, a restrição não é aplicável, e a lei anterior permanece intacta. A afinidade contraída entre os cônjuges, em consequência das relações ilícitas e adúlteras de um deles com os parentes do outro, existe e produz seus efeitos jurídicos até o quarto grau.
Fontes: Rosset, De sacramento matrimonii, Saint-Jean-de-Maurienne, 1895, t. III, a. 12, n. 1912-1982, p. 472-539; Gasparri, Tractatus canonicus de matrimonio, Paris, 1891, t. 1, n. 685-704, p. 476-495. — Para a história do impedimento de afinidade: Phillips, Lehrbuch des Kirchenrechts, II parte, Ratisbona, 1862, § 287, p. 1043-1050; Freisen, Geschichte des canonischen Eherechts, 2ª ed., Paderborn, 1898, § 39, 45, p. 439-507; Esmein, Le mariage en droit canonique, Paris, 1891, t. 1, p. 374-383; t. II, p. 260, 261, 348 e seguintes.
A. PILLET.
I. AFINIDADE, impedimento de casamento entre os orientais
I. Gregos.
II. Sírios jacobitas.
III. Nestorianos.
IV. Armênios.
V. Ritos unidos.
1. IGREJA GREGA
A base da legislação matrimonial nas antigas Igrejas foi o código do Levítico, XVIII, 8, 14-16, 18; XX, 11-12, 14, 19-21, que proibia o casamento, na linha direta, de um israelita com: a) a mãe de sua esposa, b) a filha de um primeiro casamento de sua esposa, c) a neta da mesma, d) a esposa de seu pai e e) a esposa de seu filho; e, na linha colateral, com: f) a esposa de seu irmão, exceto no caso de levirato, g) a esposa de seu tio paterno apenas, e h) a irmã de sua esposa, enquanto esta última estivesse viva. Michaelis, Mosaisches Recht, t. III, Frankfurt, 1775, p. 225, 307. Não encontramos, nos primeiros séculos da Igreja, disposições particulares, e os antigos textos canônicos apenas retomam as prescrições mosaicas. Apostolorum epitimia, II, 16-19; Pitra, Juris ecclesiastici Graecorum historia et monumenta, Roma, 1864, t. 1, p. 106. Além disso, os textos aos quais nos referimos não dizem respeito ao casamento.
Somente no século IV, à medida que as decisões dos doutores, os cânones conciliares e as leis do império formam o direito canônico dos bizantinos, é que se vê as antigas prescrições bíblicas acomodarem-se aos usos da Europa Oriental. São Basílio determina vários pontos com base no costume. Ele diz, por exemplo, que a Igreja não aceita o casamento de um homem com a irmã de sua esposa falecida. Esses cônjuges são excluídos da comunhão até que se separem, cân. 87. Carta a Diodoro de Tarso. Pitra, Juris ecclesiastici Graecorum, p. 602. Ele reconhece que a lei de Moisés não estendia essa proibição além da morte da primeira esposa, mas, diz ele, esta era a lei antiga, que foi substituída pela de Cristo, p. 603, 604. Uma mulher também não deveria se casar com o irmão de seu primeiro marido, cân. 23, p. 589. Pelo cânone 68, ele declara de forma geral que os casamentos nos graus proibidos incorrerão nas penas do adultério, p. 597.
O Concílio in Trullo completa a legislação de São Basílio e proíbe o casamento com uma prima, o casamento de pai e filho com mãe e filha ou com duas irmãs, da mãe e filha com dois irmãos, e, por fim, de dois irmãos com duas irmãs, cân. 54. Pitra, t. II, p. 51, 52. Justiniano não reconhecia afinidade na linha colateral além dos irmãos e irmãs por aliança; mas, no século XI, o casamento foi proibido entre primos de segundo grau. Miguel Cerulário, Epist., 1, P. G., t. CXIX, col. 850, e a afinidade foi estendida até o sexto grau e além. Segundo Mateus o Monge, a proibição na linha colateral se estendia ainda mais longe, mas não indefinidamente. Ela parava no sétimo grau. Questões e causas matrimoniais, P. G., ibid., col. 1225-1298. Cf. Zonaras, Do casamento entre primos, 3, P. G., t. CXXXV, col. 432.
Aqui, é importante notar que os orientais contam os graus de parentesco da mesma maneira que o direito civil, estabelecendo tantos graus quantas pessoas houver em ambas as linhas; os canonistas romanos contam apenas em uma linha. Ver o artigo anterior.
Inicialmente, a proibição atingia as alianças que, pela desproporção da qualidade dos contratantes, confundiriam o estado das famílias. Ver Basílio, Epist. cit., P. G., col. 605; Zonaras, 5, 7, col. 433. Importava, de fato, manter as sucessões de heranças. Zonaras, 9, P. G., col. 436. É por isso que o impedimento de afinidade é designado no direito bizantino pelo termo syngeneia, que é propriamente "o direito de suceder como parente próximo". A aplicação do princípio da proporção das alianças justifica as aparentes anomalias da legislação. Assim, diz Mateus o Monge, o casamento no sexto grau poderia ser permitido, enquanto o sétimo era proibido, dependendo do caso. P. G., t. CXIX, col. 1231. Pelo mesmo motivo, o patriarca Sisínio, no século X, proibiu o casamento de dois irmãos com a tia e a sobrinha. Ibid.
Por fim, como os esponsais têm para os orientais o valor de um compromisso sancionado pelas cerimônias da Igreja, existe a proibição de se casar com a irmã ou mesmo a prima da noiva após a morte desta ou o rompimento dos esponsais. Miguel Ângelo, cân. 4, P. G., t. CXIX, col. 793. Além disso, é comprovado que essa legislação complexa sofreu variações diversas. Ver Zonaras, P. G., t. CXXXV, col. 429. Enquanto alguns se apegavam às restrições estabelecidas pelo costume ou expressas pela lei, outros desenvolveram o princípio do impedimento de afinidade a ponto de estabelecer que todos os parentes do marido e da esposa se tornavam aliados entre si. Encontraremos a aplicação dessa regra no direito canônico dos nestorianos. Mas entre os gregos, a afinidade parece ser reconhecida apenas nos seguintes casos: entre um homem e 1º as ascendentes de sua esposa, 2º a filha de sua esposa de um primeiro casamento e as outras descendentes de sua esposa, 3º sua sogra (penthera), que não se casa com um viúvo da filha de seu marido de um primeiro casamento, e 4º, finalmente, a filha de uma esposa de quem ele teria anteriormente se divorciado.
O tio e o sobrinho podem se casar, um com a tia e o outro com a sobrinha, pois não haverá confusão de parentesco; as leis e os sínodos, diz Mateus, o afirmaram expressamente, P. G., t. CXIX, col. 1234; enquanto, se o pai e o filho se casassem com duas primas, a ordem de sucessão seria confundida. Vê-se que essas proibições não decorrem apenas de leis formais, mas também resultam, em parte, de um sentimento de conveniência: "O que é lícito nem sempre é conveniente". Mateus, loc. cit., p. 1240. Zonaras diz em termos semelhantes: "Nem tudo o que é lícito é apropriado e decoroso". P. G., t. CXXXV, col. 436.
Hoje, as dispensas reduzem a rigidez dessas prescrições para o quinto e até mesmo para o quarto grau. Elas são concedidas pelo tribunal eclesiástico patriarcal ou pelo bispo diocesano, dependendo do caso.
A multa pecuniária da antiga legislação bizantina subsiste sob a forma de taxas regulares, variando respectivamente de cinquenta a quinhentas ou dois mil piastras. As dispensas são obtidas com mais dificuldade quando se trata de segundas e, especialmente, terceiras núpcias.
A Igreja russa procede de maneira semelhante à Igreja grega, da qual se originou. A afinidade impede o casamento até o sexto grau, inclusive. Pode-se obter dispensa do bispo ou do consistório diocesano até o quarto grau.
II. SÍRIOS JACOBITAS
Bar-Hebraeus, em seu Nomocanon (c. VIII, s. III), enumera, entre as causas que impedem o casamento, a afinidade, gaributé, que ele define como "a consanguinidade dos consanguíneos". Mai, Scriptorum veterum, t. X, p. 66-68. Ela é contada até a sétima pessoa, da mesma maneira que os graus de consanguinidade, somando-se os graus das duas linhas. Bar-Hebraeus demonstra, pelo exemplo seguinte, que Isaac e Rebeca estavam separados por sete graus de parentesco:
O impedimento de afinidade se estende entre uma das partes e os ascendentes e descendentes da outra parte, seus colaterais e os aliados destes, até a sétima pessoa — entre o esposo e seu paraninfo (memakkréné, aquele que o apresenta ao casamento), e sua descendência direta até a quinta pessoa; — entre a esposa e a descendência de sua paraninfo até a terceira pessoa, conforme as definições de Dinis de Telmahar e de Tiago de Edessa.
Outro tipo de afinidade, peculiar aos sírios, é a colactaneidade. Ela inclui as mesmas proibições, mas sob a condição formal de que a amamentação tenha durado dois anos inteiros e tenha sido exclusiva. A mistura de água, leite de outra pessoa ou qualquer tipo de decocção faz cessar esse tipo de impedimento matrimonial. Bar-Hebraeus, p. 67.
III. NESTORIANOS
Sua legislação, que foi inicialmente a dos gregos do século IV, se conforma parcialmente, em seus desenvolvimentos, aos costumes dos povos com os quais os cristãos da Pérsia e da Caldeia mantinham relações. Assim, eles modelaram sua prática relativa aos graus proibidos de casamento com base na lei muçulmana (Corão, IV, 26, 27), como fizeram para a sucessão de heranças. Assémani, Bibliotheca orientalis, t. III a, p. 236. Abdisho conta 65 casos que impedem o casamento, entre os quais encontramos a proibição estendida a casos de afinidade muito distantes. Por exemplo, um homem não pode se casar com a madrasta ou a cunhada de seu tio ou tia, Collectio canonum, tract. II, 1, 22, 25; Mai, Script. vet., t. X, p. 40; nem com a sobrinha de sua nora, p. 49, nem com a nora de sua filha, p. 54, nem com a filha, irmã ou sobrinha dessa nora, p. 57, 58, 61, 62. A mulher está sujeita aos mesmos impedimentos matrimoniais que o homem; além disso, ela tem a obrigação de se casar apenas com um cristão, uma obrigação decorrente do costume geral dos orientais, pelo qual a mulher segue o rito de seu marido.
A sanção para casamentos não canonicamente contraídos é a excomunhão, renovada pelo patriarca Jesuyab de Arzun (595), cân. 43, seguindo a disciplina grega, cf. Abdiésu, cân. 23; Mai, p. 51; e ainda vigente nos dias de hoje, ver Badger, The Nestorians and their rituals, Londres, 1852, t. II, p. 182, 278, ao menos na teoria, mais do que na prática. Esse autor gosta de contrastar a severidade dos cânones dos nestorianos com a flexibilidade das dispensas que os caldeus unidos obtêm de Roma, p. 278. No entanto, é importante dizer que os próprios nestorianos estão habituados a solicitar as mesmas dispensas ao seu patriarca, mediante uma pequena oferta, Biblioth. orientalis, t. III, p. 608; e até a utilizá-las sem solicitar, e consequentemente sem custos. Tomás de Jesus, Liber de conversione omnium gentium, t. VII b, p. 353. Sem dúvida, é nesse sentido que deve ser reduzida, por outro lado, a acusação muito generalizada de não observar os graus proibidos, feita contra os nestorianos por José I, patriarca caldeu unido, em seu livro Miroir pur, IV, 4. Biblioth. orientalis, loc. cit.
IV. ARMÊNIOS
De acordo com os cânones disciplinares dos armênios, a afinidade é um impedimento para o casamento até o quarto grau, inclusive. Canones synodi Armeniorum (século IV), cân. 13; Mai, Script. vet., t. X b, p. 294. As penalidades, sempre muito severas, do código armênio impõem aos transgressores dessa lei a excomunhão perpétua, a penitência eclesiástica até o leito de morte, e uma multa equivalente à metade de seus bens. Os bispos ou padres que, conscientemente, permitirem essas uniões não canônicas são punidos com multa e, se necessário, depostos. O décimo sexto cânone do patriarca Sion (século VI) renova o antigo decreto, negligenciado sobretudo pelos nobres que se casavam no terceiro e quarto graus, p. 308. Contudo, o vigésimo segundo dos cânones atribuídos a Nerses, o Grande, proíbe a união no terceiro grau apenas, e tolera a do quarto, mediante a penitência dos bígamos, p. 313. Esses cânones referem-se mais diretamente ao impedimento de consanguinidade, mas o décimo cânone do concílio de 688, ao renová-los, proíbe o casamento entre cunhado e cunhada, p. 315.
V. RITOS UNIDOS
Os ritos unidos correspondentes a essas diversas comunidades cristãs separadas, primeiramente na prática e depois nas decisões de seus concílios, se aproximaram, até certo ponto, dos costumes da Igreja latina, especialmente os maronitas. Os melquitas mantêm-se mais próximos ao rito grego, e os sírios, como os caldeus, buscam voltar, nas disposições mais recentes de seus patriarcas, à observância de suas antigas tradições, tanto quanto o Sagrado Trono de Roma pode legitimá-las. Ver Acta et decreta conciliorum... rituum orientalium, Collectio lacensis, Friburgo-em-Brisgau, t. II.
J. Parisot.