2º Domingo do Advento - O Escândalo



EVANGELHO (Mat. XI 2—10)

Naquele tempo, estando João no cárcere, como tivesse ouvido as obras de Cristo, enviou dois de seus discípulos a dizer-lhe:
És tu o que há de vir ou devemos esperar outro?
E, respondendo, Jesus disse-lhes: Ide e contai a João o que ouvistes e vistes.
Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e os pobres são evangelizados.
E bem-aventurado aquele que não encontrar em mim motivo de escândalo.
E tendo eles partido, começou Jesus a falar de João às turbas: Que fostes ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento?
Mas, que fostes ver? Um homem vestido de roupas delicadas? Mas os que vestem roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis.
Mas que fostes ver? Um profeta? Sim, vos digo eu, e ainda mais do que profeta.
Porque este é aquele de quem está escrito: Eis que eu envio o meu anjo adiante de ti, o qual preparará o caminho diante de ti.

COMENTÁRIO MORAL

O escândalo

Recolhamos do Evangelho de hoje uma frase do divino Mestre, de profunda significação. Depois de ter citado as obras maravilhosas que fazia como prova de sua missão divina, Nosso Senhor termina, dizendo: — Feliz aquele que não se escandalizar de mim. Meditemos hoje esta frase divina para recolhermos o ensino que o Mestre quer ministrar-nos, examinando:

1º O que é o escândalo?
2° Qual é a sua gravidade.

I. O que é o escândalo?

Os romanos chamavam scandalum as pedras que se encontram às vezes no caminho e que fazem tropeçar o viandante. Há dessas pedras de tropeço nos caminhos naturais da vida, e as há igualmente no caminho sobrenatural que a nossa alma deve trilhar.
Aquele que põe ocasiões de pecado dá escândalo (escândalo ativo). Aquele que esbarra nessa pedra, sendo induzido a pecar, recebe o escândalo (escândalo passivo). Pode uma pessoa escandalizar outra diretamente, induzindo-a intencionalmente ao pecado; sendo esta provocação feita de propósito para perder sua alma, é chamada: diabólica.
O escândalo indireto existe quando alguém provoca um mal pelo seu exemplo ou pelas suas palavras, sem a intenção de fazer o mal, mas sim por leviandade ou vício, como é, por exemplo, a jogatina, a bebedeira, a preguiça, as modas inconvenientes, conversações livres, falta de comportamento na igreja, etc. Quanto ao escândalo passivo, ou escândalo recebido, este provém do escândalo ativo, direto ou indireto, embora possa acontecer que uma obra boa em si e na intenção venha a ser, para o próximo, uma ocasião de pecado.
Esse desvio pode acontecer:
1. Por causa da ignorância ou da falta de critério, que enxerga o mal onde não existe em realidade: é o escândalo dos fracos.
2. Por causa da malícia de quem quer escandalizar-se, interpretando tendenciosamente os ditos ou feitos alheios: é o escândalo dos fariseus, de que fala várias vezes Nosso Senhor: — Ai de vós! Fariseus hipócritas!

II. Gravidade do escândalo

Esta gravidade deduz-se de duas razões: pelo mal que faz e pelo contágio com que se espalha.
1. Se é um crime tirar a vida do corpo, crime mais execrando é tirar a vida da alma. Ora, o escandaloso, pelo seu mau exemplo, pode facilmente perder as almas fracas, que se deixam levar mais facilmente pelos maus exemplos do que pelos bons. Por isso, Nosso Senhor amaldiçoa aquele que dá escândalo: Ai do mundo por causa dos escândalos! ... Ai daquele homem por quem vem o escândalo... (Mat. XVIII, 7,8) Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço a mó que um asno faz girar, e que o lançassem no fundo do mar. (ibid. 6)
2.  Quanto mais grave é o escândalo, tanto mais contagiosos são os resultados. O caráter desta gravidade varia conforme as circunstâncias. Essas circunstâncias são:
a) A intenção do escandaloso. Quanto melhor o autor conhece a malícia de seu pecado, tanto mais pesada é sua responsabilidade. Desse modo, é claro que o escândalo direto, sendo calculado, é pior por natureza do que o escândalo indireto. Por exemplo: conversar na igreja, de propósito, para perturbar a oração dos fiéis ou o serviço divino, pode até ser um pecado grave: é um escândalo direto. Conversar sem reflexão ou maldade, mas por leviandade, seria um pecado mais leve, porque é um escândalo indireto.
b) A influência da pessoa que escandaliza os outros; assim, a falta de um superior, de uma autoridade, é mais grave do que a de um inferior ou de um pobre ignorante.
c) A qualidade das pessoas escandalizadas influi também na gravidade do pecado. Escandalizar crianças, inocentes, pessoas fracas, em maior ou menor número. Nosso Senhor tem uma maldição especial para quem escandalizar crianças. (Mat. XVIII. 6)
d) A gravidade das faltas, que o escândalo motivar, por sua vez, exercerá sua influência sobre a gravidade do escândalo, de modo que um pecado venial em si pode tornar-se mortal, se provocar faltas graves por parte dos escandalizados.

III. Conclusão

Sendo o escândalo um pecado de graves consequências, é preciso que todo católico o afaste cuidadosamente. Fugindo do escândalo direto, sempre e claramente proibido, desde que o fim é mau. No escândalo indireto, evitando o que é evidentemente mau; e nas obras lícitas, porém más em aparência, evitá-las também, desde que não haja necessidade premente.
Quanto ao escândalo dos fracos, a caridade aconselha que se abandone até uma obra boa, quando houver perigo de redundar em ocasião de pecado para alguém. Limitemo-nos aos belos exemplos dos santos a este respeito: Eleazar preferindo morrer antes que dar escândalo.

EXEMPLOS

1. Eleazar

Um dos mais belos exemplos de fidelidade à lei de Deus é o de Eleazar, que preferiu morrer antes que escandalizar seus patrícios. O santo ancião era um dos primeiros doutores da lei de Israel, quando o ímpio Antíoco obrigou os judeus a sacrificarem aos ídolos. Abriram-lhe a boca à força, obrigando-o a comer carnes proibidas ou a morrer. O ancião escolheu a morte. Aconselharam-lhe os amigos que para escapar à morte fingisse comer dessas carnes ou fingisse sacrificar aos ídolos. Eleazar respondeu com firmeza e dignidade:

Não é digno da minha idade usar de uma tal ficção, pois dela pode resultar que muitos jovens, julgando que eu, aos noventa anos, tenha passado para a vida dos pagãos, venham também eles, por causa deste meu fingimento, para conservar um pequeno resto de uma vida corruptível, a cair em erro; e com isso eu atrairia a vergonha e a execração sobre a minha velhice. Se eu posso livrar-me, presentemente, dos suplícios dos homens, não poderia entretanto fugir à mão do Todo-poderoso, nem na vida, nem depois da morte. Deste modo morrerei valorosamente, mostrando-me digno da minha velhice e deixando aos jovens um exemplo de fortaleza. E logo que acabou de dizer estas palavras foi arrastado para o suplício. (II Macabeus VI. 18-30)

2. Os grandes culpados

Um soldado francês chamado Bonard foi condenado a ser fuzilado. Tinha cometido vários crimes. Arrependeu-se e preparou-se piedosamente para a morte. Ao chegar no lugar da execução, disse: Morro arrependido, pedi perdão a Deus, e nele ponho toda a minha confiança; porém há homens que são mais culpados do que eu: são esses escritores e jornalistas que me perderam, inspirando-me o desprezo da religião e a revolta contra a autoridade.
Tinha razão, sem dúvida, mas era culpado de ter lido tais escritos. Os escândalos são incêndios; vê-se onde começam, mas ignora-se onde irão parar.

3. Maus companheiros

Refere Collet que um estudante, que possuía em alto grau as virtudes que se podem desejar num moço, mas que, por desgraça, muito frequente naquela idade, deu com um mau companheiro, que, entregue às mais vergonhosas paixões, ateou no coração do moço fogo criminoso que consumia o seu; de sorte que, desde então, se tornou um grande libertino.
Seus amigos, aflitos, suplicaram-lhe que voltasse ao bom caminho deixado; mas tudo foi inútil. Deu-se, então, uma certa noite, o infeliz acordou dando horríveis gritos; os presentes acudiram, tentando acalmá-lo, e chamaram um sacerdote, que o exortou a voltar-se para Deus.
O moribundo, com um olhar aterrorizado, fixou-o e, com voz terrível, pronunciou estas tristes palavras: "Ai daquele que me perverteu! É em vão que invoco o socorro de Deus; já está aberto o inferno para me tragar."
Dito isso, virou-se para o outro lado e expirou em meio à mais horrível desesperação.