Infabilidade Papal



I. INDICAÇÕES GERAIS.

A infalibilidade doutrinal da Igreja já tendo sido definida no artigo. Igreja, t. IV col. 2175, não precisamos mais definir aqui a infalibilidade pontifical, que, de acordo com o ensino do Concílio do Vaticano, não é outra senão a infalibilidade do magistério da Igreja considerada de forma geral:

Docemus et divinitus revelatum dogma esse definimus, Romanum pontificem, cum ex cathedra loquitur... ea infallibilitate pollere qua divinus Redemptor Ecclesiam suam in definienda doctrina de fide vel moribus instructam esse voluit.

Sess. IV, c. IV.

Lembremos apenas que a infalibilidade pontifical, assim como a infalibilidade da Igreja, não significa simplesmente a ausência de erro para o papa, mas sim uma preservação contra a possibilidade mesma do erro, e que essa preservação é devida a uma ação particular de Deus assistindo o papa em seu ensino público, para que esse ensino esteja para sempre isento de erro. Ver ASSISTÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO, t. i, col. 2123-2127.

2° Nossa tarefa principal será dupla: demonstrar, através do ensino neo-testamentário e do ensino tradicional, a instituição divina do magistério infalível do papa, e depois explicar o objeto e as condições de exercício desse divino magistério. Para este último ponto, estaremos autorizados a aplicar tudo o que foi anteriormente afirmado sobre o objeto e as condições de exercício do magistério eclesiástico considerado de maneira geral.

Como complemento ao nosso trabalho, examinaremos a questão da obrigação de aderir ao ensino pontifical mesmo quando não infalível, seja nos casos em que pode haver incerteza quanto à realização das condições necessárias para um ensino infalível, seja nos casos em que manifestamente não pode ser questão de ensino infalível.

Por fim, deveremos tratar incidentalmente da questão da possibilidade de uma falha na fé para o papa considerado mesmo como pessoa privada, devido a alusões frequentes que encontraremos sobre este assunto no estudo da tradição católica. Daremos uma visão histórica da controvérsia sobre esse ponto e indicaremos as conclusões que parecem devidas ser admitidas.

II. Ensino escritural sobre a INFALIBILIDADE PONTIFICAL.

Esse ensino está particularmente contido em Mateus, XVI, 18 ss., e Lucas, XXII, 32.

1° Texto de São Mateus.

Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam et portae inferi non praevalebunt adversus eam.

Mt. XVI, 18.

Embora o estudo especial desse texto pertença por direito ao artigo Papa, o colocaremos aqui em sua totalidade para não deixá-lo suspenso e para não fracionar uma demonstração escritural tão importante. Nosso estudo compreenderá, portanto, três pontos:

1. Demonstração da autenticidade deste texto contra seus adversários atuais;

2. Ensino contido nesse texto relativamente à primazia pontifical considerada de maneira geral;

3. Ensino relativo à infalibilidade pontifical.


1. Demonstração da autenticidade deste texto.

Esta autenticidade é negada por muitos críticos não católicos, que atribuem a cristãos do século II a redação dessas palavras, bem como sua inserção no texto do primeiro Evangelho. Isso é afirmado especialmente por A. Sabatier em Les religions d'autorité et la religion de l'esprit, 3ª ed., Paris, 1904, p. 209 ss.; A. Resch em Aassercanonische Paralleltexte zu den Evangelien, Leipzig, 1895, p. 185-196. A. Harnack sustentava a mesma ideia, tentando basear-se em duas citações de São Efrém que veremos em breve, Der Spruch über Petrus als den Felsen der Kirche, nos Sitzungsberichte da Academia de Ciências da Prússia, 1918, p. 637-651. A mesma posição é adotada por A. Loisy em Les Évangiles synoptiques, Ceffonds, 1908, t. II, p. 13 ss.

Para refutar essas alegações, no que se referem especificamente ao texto de São Mateus, será suficiente mostrar que os argumentos em que elas se baseiam carecem de valor.

a) Afirma-se que as palavras citadas não poderiam ter sido ditas por Jesus, porque seu ensino, restrito à pregação do reino de Deus, não contém nada do conceito de Igreja, tal como aparece na redação atual de São Mateus e na tradição católica.

Resposta.

a. Em breve indicaremos, ao expor a exegese do texto, qual é o sentido da expressão regnum coelorum no ensino do Novo Testamento, e particularmente em nosso texto. A partir dessas indicações, concluiremos que aqui o reino de Deus não é outro senão a Igreja, com seu conceito tradicional, tal como Jesus Cristo a estabeleceu.

b. A demonstração da instituição divina da Igreja, tal como foi anteriormente estabelecida, veja IGREJA, t. IV, col. 2115 ss., nos autoriza a concluir que as afirmações críticas que combatemos são desprovidas de fundamento. A partir dessa demonstração, podemos afirmar que o ensino de Nosso Senhor sobre a Igreja, tal como é garantido pelo testemunho constante e universal da tradição católica, é substancialmente idêntico ao que a Igreja católica sempre ensinou. Contudo, deve-se lembrar que houve, ao longo dos séculos cristãos, um progresso acidental no desenvolvimento do dogma da Igreja, no sentido explicado no artigo DOGMA, t. IV, col. 1641 ss. Mostramos no artigo IGREJA, ao estudar as diversas questões particulares, e ainda teremos a oportunidade de mostrar no artigo PAPA em que consistiu esse progresso.

c. Deve-se finalmente observar que a afirmação crítica que combatemos é uma concepção a priori, tendo como único fundamento a aceitação de um postulado que rejeita toda a revelação cristã e todo dogma cristão, bem como a divindade de Jesus Cristo. Com essas ideias preconcebidas, a revelação cristã, em vez de ser o ensino dado por Nosso Senhor a toda a humanidade, ao qual é devido o perfeito assentimento da fé, torna-se apenas a consciência adquirida pelo homem de sua relação com Deus, e a própria fé se torna a percepção consciente dessa relação.

É com base nessas ideias preconcebidas que se restringe a pregação de Jesus Cristo nos três primeiros Evangelhos a um aviso para se preparar para o julgamento universal que se aproxima e para o reino que está por vir. A. Loisy, Autour d'un petit livre, 2ª ed., 1903, p. 69, 131; Les Évangiles synoptiques, t. II, p. 8 ss. Não precisamos refutar aqui tais alegações, pois essa refutação pertence mais à apologética da revelação cristã, que precede logicamente a da Igreja e é objeto de outros artigos.

b) Afirma-se também que as palavras de "Tu es Petrus" não poderiam ter sido ditas por Nosso Senhor, porque tudo o que diz respeito à primazia atribuída a Pedro deve ser rejeitado como inverossímil.

Resposta.

a. Devemos primeiramente afirmar que se trata de uma questão de fato, que depende unicamente da vontade livre de Nosso Senhor, e não das concepções da crítica, por mais pretensões que ela queira emitir sobre o assunto. Como indica Leão XIII no início de sua encíclica Satis Cognitum sobre a unidade da Igreja, de 29 de junho de 1896, a questão é apenas saber como Nosso Senhor quis a sua Igreja:

Na verdade, não só a origem, mas toda a constituição da Igreja pertence à categoria das coisas realizadas pela vontade livre; por isso, deve-se retornar ao que realmente aconteceu, e a investigação não deve ser de que maneira a Igreja pode ser uma, mas de que modo aquele que a fundou quis que ela fosse uma.

Desde que essa vontade esteja manifestamente provada, todos têm o dever estrito de dar-lhe um perfeito assentimento.

b. As inverossimilhanças que se opõem à concepção católica não merecem qualquer consideração, porque são afirmações a priori, sem base em nenhuma prova, como mostra especialmente Ottiger em Theologia Fundamentalis, Friburgo-em-Brisgóvia, 1911, t. II, p. 105 ss., em relação às inverossimilhanças indicadas por Holtzmann em Lehrbuch der neutestamentlichen Theologie, Friburgo, Leipzig, 1897, t. I, p. 211, e por Grill em Der Primat des Petrus, Tubinga, 1904.

Em particular, afirma-se que as palavras de Jesus Cristo a São Pedro são inverossímeis, porque, se tivessem realmente sido pronunciadas, a preeminência de Pedro seria indiscutível, e São Paulo não poderia ter resistido publicamente a ele, como de fato fez, de acordo com seu próprio relato em Gálatas II, 14. Esse argumento é manifestamente defeituoso. Pois não se trata aqui de uma resistência à autoridade de Pedro exercida por algum ato doutrinal ou por algum mandamento. Trata-se apenas de uma correção caritativa feita a Pedro, porque, por condescendência com alguns judeu-cristãos vindos de Jerusalém e por temor de causar-lhes algum escândalo, ele havia deixado de frequentar as refeições dos cristãos convertidos do gentio, provavelmente as refeições das ágapes. Os inconvenientes dessa condescendência de Pedro tornaram-se evidentes devido ao fato de que outros judeu-cristãos, especialmente Barnabé, haviam seguido seu exemplo. São Paulo achou então necessário agir em relação a Pedro. A verdadeira natureza de sua ação emerge do próprio relato. In faciem ei restitiκατὰ πρόσωπον αὐτῷ ἀντέστην, significa uma contradição pública, sem necessariamente implicar veemência nos modos ou falta de respeito. Quia reprehensibilis eratὅτι κατεγνωσμένος ἦν, expressa o fato de que Pedro era criticado ou digno de crítica devido aos inconvenientes resultantes de sua conduta, sem sugerir de forma alguma a ideia de pecado cometido. A simulação atribuída a Pedro, συνευπείκησαν αὐτῷsimulaverunt cum illo, também não implica necessariamente um pecado, mas apenas que as observâncias legais eram seguidas sem serem consideradas obrigatórias. Quod non recte ambularent ad veritatem evangeliiὅτι οὐχ ὀρθοποδοῦσι πρὸς τὴν ἀλήθειαν τοῦ εὐαγγελίου, não marca necessariamente uma divergência do caminho correto da verdade evangélica. Houve apenas uma falta de prudência prática, da qual resultaram inconvenientes, que não foram notados desde o início, mas apenas depois de algum tempo, conforme a expressão de São Paulo cum vidissem. Quanto à frase quomodo gentes cogis judaizare?, é evidente que ela deve ser entendida apenas como uma referência à grande influência que Pedro exercia por seu exemplo.

É, portanto, evidente que São Paulo, ao fazer a Pedro essa correção caritativa para o bem dos fiéis, não foi contra a autoridade de Pedro, que de fato não havia sido exercida, nem por um ensinamento doutrinal, nem por um ato de comando. Deve-se concluir que essa passagem não pode fornecer nenhum pretexto, por mais leve que seja, para negar a autenticidade do texto de São Mateus.

c. Deve-se acrescentar ainda que a omissão dessa palavra em São Marcos e em São Lucas pode ser explicada de maneira muito plausível. Sabemos que São Marcos, que, em seu Evangelho, relata a pregação de Pedro, costumava omitir, como já observava Eusébio de Cesareia (Demonstr. evang., III, 121, PG, t. XXII, col. 216 ss.), tudo o que exaltava Pedro. Sabemos também que São Lucas omite facilmente o que tem alguma semelhança com palavras ou fatos relatados em outra parte de seu Evangelho. Portanto, não parece surpreendente que, falando de forma tão explícita no capítulo XXII, 30, sobre a primazia de Pedro expressa pelas palavras Confirma fratres tuos, ele não mencione isso aqui. Knabenbauer, Commentar. in Evangel. secundum Lucam, 2ª ed., Paris, 1905, p. 313.

d) Afirma-se que nosso texto é ignorado por São Irineu, que cita a confissão de Pedro e o louvor de Nosso Senhor sem mencionar nada sobre a primazia prometida a Pedro. Cont. haer., III, XVIII, 4, PG, t. VII, col. 934. Uma omissão que certamente permaneceria incompreensível se a promessa tivesse sido, naquela época, inserida no texto de São Mateus.

Resposta.

a. É verdade que o santo doutor cita apenas a confissão da divindade de Jesus Cristo feita muito explicitamente por São Pedro, e o louvor, não menos explícito, dado a Pedro por Nosso Senhor. E, após essa dupla indicação, Irineu menciona imediatamente a repreensão dada a Pedro por Nosso Senhor no versículo 23 do mesmo capítulo XVI, uma repreensão motivada pelo julgamento excessivamente humano de Pedro, que queria se opor ao cumprimento da paixão e morte de Nosso Senhor.

b. Dessa omissão da promessa feita a São Pedro, não se pode concluir que essa promessa fosse ignorada por São Irineu, pois é evidente, pelo contexto, que as partes citadas do texto evangélico se encaixam bem na tese defendida neste capítulo pelo santo doutor, enquanto que as palavras da promessa não teriam razão para serem incluídas. De fato, neste capítulo, o bispo de Lyon argumenta contra os gnósticos, que queriam ver em Nosso Senhor duas pessoas, Jesus e o Cristo (ver Docetas, t. IV, col. 1493 ss.), afirmando que não se deve dividir Nosso Senhor, e que a mesma pessoa do Verbo é verdadeiramente Filho de Deus e se fez homem. Para apoiar essa afirmação, vários textos bíblicos atestam, na única pessoa de Jesus Cristo, a posse das duas naturezas. Entre esses textos, Irineu cita, como relevante à sua tese, a confissão de Pedro, Mateus XVI, 16, com o louvor do Mestre divino, versículo 17, atestando a divindade de Jesus Cristo, e o anúncio da paixão e crucificação de Jesus, Mateus XVI, 21, atestando sua humanidade. Com essa ligação lógica que se encaixa tão bem na tese de Irineu, como não se poderia considerar natural a passagem de um texto a outro, sem qualquer menção ao que está contido nos versículos intermediários, que não se encaixam na tese? Portanto, não há razão para afirmar que a primazia prometida a Pedro, mencionada por São Mateus nos versículos intermediários, era ignorada por Irineu.

e) Obje-se ainda que o texto atual de Mateus XVI, 18, não deveria estar completo nos manuscritos lidos por Eusébio de Cesareia e por São Epifânio. Pois, em vários textos desses dois autores, a palavra de Nosso Senhor é relatada assim: Sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra elaCita-se Eusébio de Cesareia, De laudibus Constantini, XVII, PG, t. XX, col. 1433; Praepar. evangel., I, 3, PG, t. XXI, col. 35; Comment. in ps. XVII, 15 ss.; LIX, 11; LXVII, 34 ss., PG, t. XXIII, col. 173, 572, 720; Comment. in Is., XXVIII, 16; XXXIII, 20; XLIX, 16, PG, t. XXIV, col. 292, 329, 437. Também se citam de São Epifânio três passagens: Haer., XXX, 24; LVI, 3; LXX, 11, PG, t. XLI, col. 445, 993; t. XLII, col. 773.

Resposta.

a. É certo que o texto, em sua totalidade, é citado por esses dois autores em várias passagens onde eles trataram de São Pedro em particular, como se pode constatar em dois textos muito explícitos de Eusébio de Cesareia, De resurrectione, II, PG, t. XXIV, col. 1111; Demonstr. evang., III, 5, PG, t. XXII, col. 216 ss.; e em duas passagens não menos formais de São Epifânio, Haer., LIX, 7, PG, t. XLI, col. 1029; Ancoratus, IX, PG, t. XLIII, col. 33.

b. Quanto às passagens citadas onde apenas parte do texto das Escrituras é reproduzida, constatar-se-á facilmente, lendo o contexto, que a citação integral da frase das Escrituras não fazia parte do plano desses autores, que queriam falar apenas, de modo geral, sobre a perpetuidade da Igreja, como em quase todos os textos citados de Eusébio e em São Epifânio, Haer., XXX, 24, PG, t. XLI, col. 445, ou da perpetuidade da fé cristã ou da doutrina pregada por Jesus Cristo. Eusébio de Cesareia, Comment. in ps. LXVII, 34 ss., PG, t. XXIII, col. 720; São Epifânio, Haer., LVI, 3; LXX, 11, PG, t. XLI, col. 993; t. XLII, col. 773. Com esse objetivo determinado e muito claro no contexto, é compreensível que esses autores tenham reproduzido, nessas passagens, apenas a parte do texto das Escrituras que se referia imediatamente à perpetuidade da Igreja ou da fé cristã, omitindo por ora o que dizia respeito especificamente a São Pedro, sobre quem falaram explicitamente em outras partes, mas sem necessidade de menção direta aqui.

f) Finalmente, objeta-se que uma tradução armênia do comentário de São Efrém sobre o Diatessaron de Taciano nos dá, como resposta de Nosso Senhor a São Pedro, apenas as palavras: Beatus es Simon. Et portae inferi te non vincent. Evangelii concordantis expositio feita por São Efrém, Veneza, 1876, p. 153. Acredita-se que esse texto reproduz o próprio texto de Taciano, o que autoriza a concluir que a obra de Taciano continha as mesmas omissões; consequentemente, por volta de 170, na época em que foi composta, as palavras omitidas por São Efrém ainda não eram lidas no relato evangélico.

Resposta.

a. Deve-se primeiro observar que, em outras obras certamente autênticas onde São Efrém teve a oportunidade de falar diretamente sobre São Pedro, há alusões muito evidentes a Mateus XVI, 18, que mostram que, naquela época, o autor lia o mesmo texto das Escrituras que lemos hoje. Citaremos como muito explícitas as quatro passagens seguintes: Serm., IV, in hebdomad. sanctam, 1, Hymni et sermones, ed. Lamy, Malines, 1882-1902, t. I, col. 412; Comment. in Is., LXII, 2, t. II, col. 186; Hymni dispersi, II, 7, 12, t. IV, col. 686, 688. Ora, é certo que São Efrém não conhecia os Evangelhos separados e sempre citava apenas o Diatessaron de TacianoJ. Schäfer, Evangeliencitate in Ephräms des Syrers Kommentar zu den Paulinischen Schriften, Friburgo-em-Brisgóvia, 1917. Se, portanto, ele citou partes do texto de São Mateus XVI, 17-19, que faltam em sua Expositio, é porque ele as encontrava no Diatessaron de Taciano. Assim, o texto completo dessa passagem estava presente na obra de Taciano e, portanto, podemos concluir que ela existia no século II e era autêntica. Cf. J. Sickenberger, Eine neue Deutung der Primatstelle (Mateus XVI, 18), em Theologische Revue, 1920, col. 2-4.

b. Quanto à passagem citada da Expositio, ela contém, além das frases indicadas, duas alusões muito claras às palavras Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam. Na frase que segue quase imediatamente após a citação Beatus es Simon. Et portae inferi te non vincent, Efrém fala da Igreja edificada por Nosso Senhor sobre um fundamento sólido: Dominus cum Ecclesiam suam aedificaret, aedificavit turrim cuius fundamenta omnia quae erant superaedificanda portare possent. E um pouco mais adiante, ele se dirige a Pedro nestes termos: Tu es petra, illa petra quam erexit, ut Satanas in eam offenderet. Loc. cit.

c. Além disso, sabe-se que o objetivo de São Efrém nesta Expositio não era relatar integralmente todos os textos das Escrituras, mas apenas fornecer um breve comentário sobre o Evangelho considerado em seu conjunto, harmonizando os relatos dos quatro evangelistas de acordo com a ordem de Taciano. Op. cit., prefácio do tradutor, VIII.

g) Conclusão.

Visto que os argumentos críticos com os quais se tentou combater a autenticidade da promessa de Nosso Senhor em Mateus XVI, 18, não têm fundamento algum, e que, além disso, esse texto, como mostraremos em breve, sempre foi reconhecido pela tradição católica como contendo o ensinamento de Nosso Senhor, pode-se, com total segurança, concluir pela sua perfeita autenticidade.

2. Ensinamento contido neste texto relativamente à primazia perpétua de Pedro, considerada de forma geral.

Os críticos não católicos que admitem a autenticidade do Tu es Petrus sempre se esforçaram para combater a interpretação dada pelos teólogos católicos. No século XVI, sustentava-se comumente que o super hanc petram deveria ser entendido como se referindo a Nosso Senhor, o único fundamento ao qual não se poderia substituir outro; ou como a fé cristã simbolizada pela confissão de Pedro. Calvino, Instituição da Religião Cristã, l. IV, c. VI, 6, Genebra, 1561, p. 373; veja também as citações de Lutero e dos Centuriadores de Magdeburgo feitas por Belarmino, De romano pontifice, l. I, c. X.

Essas posições, desde então, foram praticamente reconhecidas como insustentáveis, e aqueles que desejam manter a autenticidade do texto recorrem a outra interpretação. É verdadeiramente a Pedro que Nosso Senhor dirigiu essas palavras. Mas, com isso, Ele queria apenas lhe conferir um privilégio pessoal e temporário, o de simbolizar, de certo modo, a unidade da Igreja, embora ele fosse, em tudo, igual aos outros apóstolos. Pedro exerceu esse privilégio especialmente ao pregar a fé primeiro aos judeus e aos gentios e ao admitir os gentios na Igreja pela primeira vez. Veja especialmente Gore, Roman catholic claims, Londres, 1909, p. 83 ss.; Hall, Authority ecclesiastical and biblical, Nova York, 1908, p. 161 ss.; Hastings Dictionary of the Bible, Edimburgo, 1900, t. III, col. 759.

Contra essas interpretações, tão contrárias ao texto evangélico, temos de demonstrar que o ensinamento contido no texto compreende duas afirmações: Pedro é o único beneficiário imediato da promessa de Nosso Senhor; Pedro, em virtude dessa promessa, deve ter sobre toda a Igreja uma verdadeira e perpétua primazia de jurisdição que comporte a plenitude do poder.

a) Pedro é o único beneficiário imediato da promessa de Nosso Senhor.

Pois é ele o único designado por todas as expressões que podem destacá-lo. Ele é identificado pelo nome que já carregava, Simão, filho de João, e pelo novo nome que Nosso Senhor lhe dá e que indica sua nova missão, Cefas, Pedro. Nas frases seguintes, o pronome tu é repetido várias vezes, com uma ênfase clara para afastar qualquer possibilidade de erro.

É isso também que significa a expressão super hanc petram, que só pode ser entendida em referência à pessoa de Pedro, estabelecido como o fundamento da Igreja, subordinado a Nosso Senhor. Pois o pronome hanc, embora às vezes possa se referir a um substantivo mais distante quando este é o sujeito principal do discurso, deve evidentemente se referir aqui a Simão Pedro, que é o objeto principal do pensamento de Nosso Senhor.

Além disso, na língua aramaica, que os judeus usavam comumente na época e que Nosso Senhor também deve ter usado, a mesma palavra Cefas, que significa rocha ou pedra, designa tanto a pessoa de Pedro quanto a rocha. Daí a necessidade rigorosa de identificar os dois, embora, conforme o uso dos gregos e dos latinos, haja duas palavras diferentes para designá-los.

Essa designação também resulta de todo o contexto. Pois a palavra de Nosso Senhor é uma resposta clara àquela de Pedro, et ego dico tibi. Assim como confessaste minha divindade, que meu Pai te revelou, eu te estabelecerei, como recompensa, o fundamento ou o chefe da Igreja.

Além disso, não se pode reconhecer valor algum aos argumentos citados a favor de uma interpretação que exclui Pedro como o único beneficiário da promessa de Nosso Senhor.

a. Não se pode apoiar na ideia de que todos os apóstolos, conforme dois trechos de São Mateus, XVIII, 18; XXVIII, 20, receberam os mesmos poderes. Pois, nesses dois trechos, trata-se dos apóstolos unidos a Pedro. Os poderes que lhes foram prometidos ou conferidos não o foram de maneira a destruir a promessa feita anteriormente a Pedro. Em outras palavras, esses poderes não foram prometidos ou dados independentemente de Pedro. Isso já era ensinado por Inocêncio III em uma carta ao patriarca de Constantinopla: E se você descobrir que isso foi dito a todos os apóstolos juntos, ainda assim, perceberá que a faculdade de ligar e desligar no Senhor foi atribuída não aos outros sem ele, mas a ele sem os outros, para que o que não pudesse ser feito pelos outros sem ele, ele pudesse fazer sem os outros, por privilégio concedido a ele pelo Senhor e pela plenitude do poder conferida. (Epist., conc., P.L., t. CCXIV, P.L., t. CCXIV, col. 760).

Isso também foi defendido no Concílio Vaticano, na discussão conciliar, pelo relator da comissão da fé, Monsenhor d'Avanzo. Collectio Lacensis, t. VII, col. 320 ss. E é o ensinamento formal de Leão XIII, na encíclica Satis Cognitum de 29 de junho de 1890: Certamente, as sagradas escrituras testemunham que as chaves do reino dos céus foram entregues a Pedro sozinho, e o mesmo poder de ligar e desligar foi concedido aos apóstolos com Pedro. Contudo, nunca foi testemunhado que os apóstolos receberam o supremo poder sem Pedro e contra Pedro.

b. Também não se pode apoiar em nenhum texto dos Padres para sustentar que super hanc petram deve ser interpretado apenas como referindo-se a Nosso Senhor, excluindo Pedro. Pois, como será mostrado no artigo Papa, os textos citados não são contrários à interpretação tradicional, expressamente afirmada em outros trechos por esses mesmos Padres. Enquanto aguardamos essa demonstração, basta, por ora, mostrar aqui, pela análise dos principais Padres citados nesta matéria, qual é o verdadeiro pensamento deles. Citaremos particularmente Santo Ambrósio, São Jerônimo e Santo Agostinho.

Santo Ambrósio, ao explicar Lucas IX, 20, onde está simplesmente relatada a confissão da divindade de Jesus por São Pedro, observa incidentalmente que Jesus, tendo dado quase todos os seus nomes aos apóstolos, também deu seu nome de pedra (Petra autem erat Christus, I Cor., X, 4) ao seu discípulo, ut et ipse sit Petrus, quod de petra habeat soliditatem constantiae, fidei firmitatem. (Expos. Evang. sec. Lucam, l. VI, n. 97, P.L., t. XV, col. 1694). É evidente que aqui há apenas uma alusão ao texto super hanc petram e que o pensamento de Santo Ambrósio deve ser buscado em dois trechos onde, referindo-se expressamente a esse mesmo texto, ele afirma formalmente que Pedro é a pedra sobre a qual, em virtude da promessa de Jesus, a Igreja está alicerçada. (De fide, l. IV, c. V, n. 22, P.L., t. XVI, col. 628; In ps. XL, n. 30, P.L., t. XIV, col. 1082). Também se pode ver, nesse mesmo sentido, uma alusão bastante evidente em De virginitate, c. XVI, n. 105, P.L., t. XVI, col. 292.

Nota-se, aliás, facilmente que, ao se ater estritamente ao texto citado, o nome Pedro é implicitamente atribuído a Pedro pelo fato de que, segundo a expressão de Ambrósio, Jesus dá ao seu discípulo seu nome de pedra.

Pouco tempo depois de Santo Ambrósio, e sem que se possa estabelecer qualquer dependência entre eles, São Jerônimo, ao comentar o texto Tu es Petrus, afirma que Pedro creu na petra que é Cristo; mas acrescenta expressamente que Jesus deu a Simão o nome de Pedro e que, segundo essa metáfora, Jesus lhe diz com verdade: aedificabo Ecclesiam meam super te (Comentário sobre o Evangelho de Mateus, P.L., t. XXVI, col. 117). Jerônimo afirma ainda, em outro lugar, que a Igreja é construída super illam petram, ou seja, sobre a autoridade de Pedro e de seus sucessores (Epist., XV, n. 2, P.L., t. XXII, col. 355).

Quase ao mesmo tempo, Santo Agostinho também afirma que Jesus, confessado por Cefas, é a pedra sobre a qual a Igreja está edificada (In Joannem Tract., CXXIV, c. XXI, P.L., t. XXXV, col. 1974; Serm., LXXVI, n. 1, P.L., t. XXXVIII, col. 419). No entanto, ele de modo algum deseja excluir Pedro como fundamento, já que ele é proclamado em outros trechos como a pedra sobre a qual a Igreja está construída (Enarr. in ps. XXX, n. 5; XLIX, n. 4, P.L., t. XXXVI, col. 242, 869). Além disso, em suas Retractationes, o santo doutor, após citar essas duas interpretações, anteriormente dadas por ele, não reprova nenhuma delas: Harum autem duarum sententiarum quae sit probabilior, eligat lector (L. I, c. XXI, P.L., t. XXXII, col. 618). Nota-se também que o único argumento trazido por Agostinho em favor da interpretação super hanc petram Christum, de que Jesus não disse tu es petra mas tu es Petrus, carece de valor, pois, no idioma aramaico falado por Jesus, a palavra é a mesma.

Quanto aos textos patrísticos em que super hanc petram recebe uma interpretação moral, aplicada a toda alma cristã, como em Orígenes (Comentário sobre Mateus, t. XII, n. 10, P.G., t. XIII, col. 997) e Santo Ambrósio (Expos. Evang. sec. Lucam, l. VI, n. 98, P.L., t. XV, col. 1694), é evidente que tal aplicação moral não pretende de forma alguma prejudicar a interpretação primeira e verdadeira, que é explicitamente reconhecida em outras circunstâncias. Orígenes (In Exod., homil., V, n. 4, P.G., t. XII, col. 329); Santo Ambrósio (De fide, l. IV, c. V, n. 22, P.L., t. XVI, col. 628; De virginitate, c. XVI, n. 105, ibid., col. 292; In ps. XL, n. 30, P.L., t. XIV, col. 1082).

c. Não se pode também objetar os textos de alguns Padres que interpretam super hanc petram como sendo a confissão de Pedro, pois, como veremos ao estudar a tradição dos séculos IV e V no artigo Papa, essas passagens, onde a confissão de Pedro é, de certa forma, apontada como sendo a rocha sólida sobre a qual a Igreja está edificada, não contradizem os textos muito claros em que esses mesmos Padres entendem super hanc petram como referindo-se a Pedro, o fundamento da Igreja.

Por ora, algumas indicações são relevantes em relação aos textos mais frequentemente citados de Santo Hilário, de Santo Epifânio e de São João Crisóstomo.

Santo Hilário de Poitiers († 366) afirma, em duas passagens do De Trinitate, que a Igreja foi construída sobre a fé de Pedro (VI, 36; II, 23, P.L., t. X, col. 186 sq.; 66). Mas, nessas passagens, onde a preocupação principal do santo doutor é defender contra os arianos a consubstancialidade do Verbo, seu objetivo é sobretudo ressaltar a fé de Pedro nessa divina consubstancialidade, como mostram a insistência com que comenta as palavras de Pedro: Tu es Christus Filius Dei vivi (col. 186) e o elogio que faz à sua confissão (col. 187). Assim, por uma espécie de aplicação acomodativa, ele chama a fé de Pedro de fundamento da Igreja. Essa fé possui as chaves do reino celestial; o que ela liga ou desliga na terra será ligado ou desligado nos céus (col. 187 sq.).

Contudo, essa aplicação acomodativa feita por Hilário nesses casos específicos não diminui em nada o valor doutrinal dos outros textos, mais numerosos e muito explícitos, onde o santo doutor interpreta super hanc petram referindo-se a Pedro mesmo como chefe da Igreja. Pedro recebeu as chaves do reino dos céus; sobre Pedro foi construída a Igreja, contra a qual as portas do inferno nunca prevalecerão; o que Pedro liga ou desliga na terra permanece ligado ou desligado no céu (In ps. CXXXI, 4, P.L., t. IX, col. 130; Comment. in Matth., XVII, 7, col. 1010; De Trinitate, VI, 20, P.L., t. X, col. 172). Veja Hilário, t. VI, col. 2454.

Da mesma forma, cita-se de Santo Epifânio († 403) esta frase, de que sobre a pedra da sólida fé de Pedro, Jesus Cristo estabeleceu sua Igreja (Haer., LIX, 7, P.G., t. XLI, col. 1029). Mas, ao ressaltar, por essas expressões, a fé de Pedro, que confessou excelentemente o Filho de Deus e o verdadeiro Filho de Deus, como indica a expressão Filius Dei vivi, Epifânio, no mesmo trecho, dá a Pedro o nome de pedra sólida sobre a qual, como um fundamento, nossa fé se apoia. E no parágrafo seguinte, ele chama ainda Pedro de fundamento muito firme da casa de Deus (Haer., LIX, 8, col. 1029); e entende nesse sentido as palavras de Nosso Senhor: Pasce oves meas (João XXI, 15). Em outros lugares, Epifânio afirma que Pedro foi escolhido por Nosso Senhor para ser o chefe de seus discípulos (Haer., LI, 17, col. 921).

Cita-se também uma passagem, aliás muito breve, de São João Crisóstomo, onde super hanc petram é entendido como a fé da confissão de Pedro (In Matth., homil. LIV, 2, P.G., t. LVIII, col. 534). Contudo, por essa palavra bem incidente, o santo doutor não deseja rejeitar o sentido literal de Pedro como fundamento da Igreja, pois na mesma frase ele afirma que por isso Nosso Senhor estabeleceu Pedro como pastor, e que em várias das frases seguintes essa mesma ideia dos poderes eminentes concedidos a Pedro é repetida várias vezes. A frase incidente onde super hanc petram é assim comentada não pode, portanto, ser mais que uma aplicação moral do texto evangélico, tendo por objetivo ressaltar, contra os arianos especialmente visados neste trecho, a excelência da fé na consubstancialidade do Verbo. Além disso, João Crisóstomo, em vários lugares, entende de Pedro como fundamento da Igreja o texto de São Mateus, XVI, 18 (In Joannem, homil. XIX, P.G., t. LIX, col. 122), onde interpreta João XXI, 15, no sentido do poder concedido por Nosso Senhor a Pedro sobre toda a Igreja; (De sacerdoitio, II, 1, P.G., t. XLVIII, col. 631), onde ele também entende das palavras relatadas por São Lucas, XXII, 31, como referindo-se apenas a Pedro. Cf. In Acta Apostolorum, homil. III, P.G., t. LX, col. 36 sq. Muitos também são os textos onde o santo doutor louva as altas prerrogativas de Pedro com expressões que contêm alucinações óbvias a Mateus XVI, 18, como quando chama Pedro de pedra infrangível, rocha imutável (De cleemosyna, homil. III, 4, P.G., t. XLIX, col. 208); coluna da Igreja, apoio da fé, fundamento da confissão da fé (Homilia de decem milium talentorum debito, 3, P.G., t. LI, col. 20). Veja também Homilia in illud: Hoc scitote quod in novissimis diebus, 4, P.G., t. LVI, col. 275; homilia IV, in illud: Vidi Dominum, P.G., t. LVI, col. 123.

d. Por fim, não se pode opor os textos onde Santo Agostinho diz que Pedro, ao receber as chaves, representava a Igreja. Pois Agostinho explica a ele mesmo, em dois desses trechos, em que sentido entende essa afirmação. Pedro representava a Igreja porque figurava os justos que são membros da Igreja, enquanto que na pessoa de Judas figuravam os ímpios (In Joannem Evang., tr. L, c. XII, P.L., t. XXXV, col. 1763). Da mesma forma, Pedro é indicado como simbolizando alegoricamente a vida presente da Igreja, com sua atividade, suas provações e seus sofrimentos, enquanto que João é o símbolo da vida contemplativa do céu. Ibid., tr. CXXIV, 5, col. 1973 sq. Assim, é permitido admitir também uma interpretação alegórica para o terceiro texto (Epist., LIII, P.L., t. XXXIII, col. 196), onde a afirmação é, aliás, puramente incidente. Não é evidente que tais interpretações alegóricas não podem privar de seu valor doutrinal os trechos onde Santo Agostinho afirma expressamente a primazia conferida a Pedro por Nosso Senhor? (Contra epistolam Manichaei, IV, P.L., t. XLII, col. 175; De baptismo contra donatistas, l. II, c. I, n. 2, P.L., t. XLIII, col. 127).

b) Pedro, único beneficiário da promessa de Nosso Senhor, deve, em virtude dessa promessa, ter sobre toda a Igreja uma verdadeira primazia de jurisdição, que comporta a plenitude de todo poder na Igreja, e essa primazia deve ser perpétua. É isso que expressam as três comparações que Nosso Senhor usa para definir o papel de Pedro na nova sociedade que deseja estabelecer: Pedro será o fundamento; Pedro terá as chaves; Pedro terá o poder de ligar e desligar.

Mas antes de indicar o sentido expresso por essas três comparações, é importante determinar o que deve ser dado a Ecclesiam meam.

a. A palavra Ecclesia, no Antigo Testamento, seja no grego dos Setenta, seja no grego original, significa mais frequentemente o povo israelita, povo escolhido de Deus, chamado por ele a uma vocação especial e particularmente dirigido ou governado por ele. (Deut. XXIII, 1, 3, 8; II Esd. XIII, 3; Lamentações, I, 10; Salmos, LXXXVIII, 6; CXLIX, 1). Nosso Senhor usa essa mesma expressão para designar seu povo ou a nova sociedade que deseja fundar. Mas ao acrescentar meam, ele nos avisa de que se trata de um povo novo ou de uma sociedade nova sobre a qual ele tem, como redentor, direitos especiais. Além disso, sabemos, pelo conjunto das profecias que anunciam a revelação cristã, que a aliança com o povo escolhido deveria terminar com a vinda do Messias e dar lugar a uma nova aliança, agora estendida a toda a humanidade e definitivamente estabelecida até a consumação dos séculos. Também somos avisados pela palavra aedificabo de que se trata de uma sociedade nova, ainda a ser estabelecida e cuja constituição Nosso Senhor vai determinar.

b. É dessa sociedade nova que Pedro, segundo a promessa de Nosso Senhor, deve ser o fundamento, uma vez que sobre ele deve ser construída. E como essa sociedade é um edifício moral, petra aqui não pode ter outro sentido senão metafórico. Como a pedra, servindo de fundamento a um edifício, lhe dá solidez e estabilidade, conforme Mateus VII, 24, ao mesmo tempo que coesão e unidade, assim Céfas proporcionará à Igreja de Jesus Cristo uma solidez perpétua e uma constante unidade, de tal modo que as potências do inferno nunca poderão prevalecer contra ela. E como, em uma sociedade, o que dá solidez e unidade é a autoridade, Céfas, para cumprir seu papel de fundamento na nova sociedade, deve, portanto, possuir essa autoridade. Essa autoridade ele deve exercer em nome de Jesus e dependendo dele, uma vez que a Igreja lhe pertence e que Jesus é o fundamento principal sobre o qual ela repousa. Mas essa autoridade deve ser efetiva sobre todos os membros dessa Igreja, uma vez que, para pertencer a Jesus e permanecer unidos a ele, devem se apoiar em Pedro e depender dele. Essa autoridade deve ser perpétua e durar até a consumação dos séculos, uma vez que a nova sociedade deve ter essa duração, como indicam a palavra absoluta non praevalebunt adversus eam e esta outra ecce ego vobiscum sum usque ad consummationem saeculi (Mateus XXVIII, 20), e que essa sociedade não pode subsistir sem seu fundamento, contra o qual todos os esforços do inimigo serão sempre impotentes.

Além disso, os outros sentidos que se quis dar às expressões "Pedro, fundamento da Igreja" estão em oposição ao próprio texto. Isso se aplica a essa interpretação que diz que Pedro é fundamento apenas no mesmo título que os outros apóstolos, chamados fundamentos (Efésios II, 20), porque foram os primeiros propagadores da doutrina de Nosso Senhor. O papel dos apóstolos, assim como o dos profetas, foi apenas temporário, enquanto o papel atribuído a Pedro, segundo a vontade formal de Nosso Senhor, deve ser um papel permanente até a consumação dos séculos. Pois é pelo fundamento de Pedro que uma solidez invencível é assegurada à Igreja até o fim dos tempos. Pela mesma razão, não se pode admitir que Pedro seja chamado de fundamento da Igreja apenas a título pessoal e temporário, no sentido de que deveria ser o primeiro a pregar o Evangelho aos judeus e aos gentios, e que também deveria admitir os gentios na Igreja.

c. A primazia de Pedro é também expressa pelas chaves do reino dos céus que Nosso Senhor promete dar a Pedro. O reino dos céus tem, quase exclusivamente, no Novo Testamento, o sentido geral de reinado do Messias, predito pelos profetas, esperado pelos judeus, anunciado pelo precursor, pregado por Jesus e por seus apóstolos, e estabelecido na terra por Jesus até o fim dos séculos. A essa acepção fundamental se ligam, conforme o contexto, várias acepções particulares: a pregação evangélica desse reino anunciado, proposto à aceitação de todos (Mateus V, 20; VII, 21; XIX, 14; XXI, 31, 43; XXV, 34; Marcos X, 14 sq.; XV, 43; Lucas IV, 43; IX, 2, 60; XII, 31 sq.; XVII, 17; XXIII, 51; Atos XXVIII, 23; I Coríntios VI, 9; Romanos XIV, 17); o glorioso advento de Jesus, vindo no fim dos tempos para exercer sobre todos os homens seu julgamento soberano (Mateus XVI, 28; Lucas XXI, 31); a glória celestial como termo final ao qual conduz o reino de Jesus iniciado na terra (Mateus V, 3, 10; VIII, 11; XXV, 34; Atos XIV, 22; II Tessalonicenses I, 5). Deve-se acrescentar uma última acepção que sugere precisamente Mateus XVI, 19: o reino dos céus é o reino do Cristo estabelecido na terra, até o fim dos séculos. A metáfora do versículo 19 sendo a continuação daquela do versículo 18, o "regnum coelorum" não pode ser senão a nova Igreja que Jesus acabara de anunciar e sobre a qual Pedro é estabelecido como fundamento. E é dela também que as chaves são confiadas a Pedro. Aliás, é verdade que a Igreja, da qual Jesus é o divino arquiteto, é designada pelo nome de reino dos céus, uma vez que aqui é o esboço do reino celestial. Esse nome também convinha para significar, contra as ideias carnais dos judeus sobre a dominação terrestre do Messias, o caráter e o objetivo sobrenatural da nova sociedade.

É dessa nova sociedade ou desse novo reino que Pedro receberá as chaves. Uma expressão evidentemente metafórica que se deve entender segundo o uso seguido em todas as línguas e em todos os países e, além disso, consagrado pelo Novo Testamento (Apocalipse I, 18; XXI, 1), e anteriormente pelo Antigo (Isaías XXII, 22). Segundo esse uso, a entrega das chaves de uma casa, de um edifício ou das portas de uma cidade significa a entrega da propriedade e do direito de administração dessa casa, desse edifício, ou a entrega do poder de reger ou governar. E como nenhuma restrição é formulada na promessa feita por Nosso Senhor, é, portanto, o pleno poder de reger ou governar a nova sociedade ou a nova Igreja que é prometido a Pedro.

d. A primazia de jurisdição prometida a Pedro sobre a nova sociedade é ainda expressa pela promessa do poder de ligar e desligar. É um fato bem conhecido que, na época de Nosso Senhor, segundo o uso comumente aceito, especialmente entre os rabinos, a expressão correspondente a "ligar" era empregada para significar o julgamento que se fazia sobre a extensão da obrigação da lei em determinado caso. Da mesma forma, "soltar" significava a declaração de que a lei não obrigava ou só obrigava em tal medida. Nosso Senhor alude a esse uso quando reprova os escribas e fariseus por imporem aos outros fardos pesados e intoleráveis, enquanto eles mesmos não querem movê-los com um dedo: "Alligant enim onera gravia et importabilia et imponunt in humeros hominum; digito autem suo nolunt ea movere" (Mateus XXIII, 4).

O mesmo sentido fundamental deve ser dado aqui a "ligar" e "soltar", mas com uma extensão maior, por causa do poder ilimitado prometido a Pedro, segundo o versículo 18 e o começo do versículo 19.

É, de fato, um poder ilimitado que é prometido a Pedro, como indicam as expressões tão absolutas empregadas por Nosso Senhor: "Quodcumque ligaveris super terram", portanto, a plenitude do poder legislativo, judicial e coercitivo, assim como do poder administrativo em toda a Igreja.

"Quodcumque solveris super terram" significa também a plenitude do poder de remeter ou fazer cessar todo laço, toda obrigação, sentença ou penalidade em toda a Igreja e para todos os seus membros, de tal sorte, contudo, que se mantenha o direito divino ou a instituição divina.

e. Essa primazia de jurisdição é prometida a Pedro de forma perpétua: isto é, a Pedro e a seus sucessores até a consumação dos séculos. Pois o fundamento sobre o qual a Igreja deve ser edificada e que deve garantir a ela uma solidez invencível contra todos os ataques de seus inimigos deve durar tanto quanto a Igreja. Ora, segundo o contexto, a Igreja deve durar até a consumação dos séculos, pois as potências do inferno, ou seja, os demônios com todos aqueles que compõem sua cidade infernal, e que exercerão seu poder contra ela, especialmente através da heresia, não a vencerão nem a subjugarão; suas agressões repetidas contra ela permanecerão, em última análise, sem sucesso. Esse é o sentido de "οὐ κατισχύσουσιν", que supõe uma luta, uma agressão violenta que, em última análise, não terá sucesso.

Alguns intérpretes entendem aqui "potência infernal" como a morada dos mortos, com base em alguns textos do Antigo Testamento (Isaías XXXVIII, 10; Jó XXXVIII, 17; Salmos IX, 15; CVII, 18. Ver INFERNO, t. V, col. 28 ss.). E eles dão essa interpretação: a morte, cujo império será, portanto, sempre firme e imortal. (Schauz, Apologia do Cristianismo, 3ª edição, Friburgo, 1906, p. 494; Prosper Schéfer, A autenticidade de São Mateus, XVI, 18, nas Recherches de science religieuse, setembro-novembro, 1920, p. 271 sq.). A perpétua da Igreja e, consequentemente, a primazia de Pedro é assim mantida. Mas o sentido de "οὐ κατισχύσουσιν", supondo a ideia de agressão ou luta, não é preservado.

c) Toda essa interpretação é confirmada pela tradição católica constante e pelo ensino da Igreja. Essa tradição será exposta em detalhe no artigo "Papa". Por ora, nos limitaremos a mencionar os Padres ou autores eclesiásticos do III, IV e do começo do V século, que citam ou ao menos indicam essa interpretação do texto de São Mateus. E adicionaremos, a partir do meio do V século, as principais declarações doutrinárias do Santa Sé ou dos concílios sobre esse ponto.

No III século, Tertuliano, "Prescrição", XXII, P. L., t. II, col. 34; "Contra os gnósticos", X, col. 142; S. Cipriano, "Da unidade da Igreja Católica", IV, edição Hartel, Viena, 1868, t. I, p. 212; "Epístola", LXIX, 8; LXXI, 3, P. L., t. IV, col. 406, 410; "Epístola", LXXIII, a Jubaiano, 7, 11, P. L., t. III, col. 1114, 1116; Orígenes, "Em Êxodo", Homilía V, 4, P. G., t. XII, col. 329; "Em João", tom. V, 3, P. G., t. XIV, col. 188.

No IV século, Afraates da Síria (f. cerca de 356), "Demonstrações", VII, 15, em Grallin, "Patrologia síriaca", I, 1, p. 335; "Demonstrações", XXII, 12, t. II, p. 35; S. Efrém, nos trechos citados anteriormente, assim como Eusébio de Cesareia e S. Epifânio; S. Hilário (f. 366), "Sobre a Trindade", Livro VI, c. XX, XXXVII, P. L., t. X, col. 172, 188; Comentário em Mateus, c. XVI, 7, P. L., t. IX, col. 1010; "Em Salmos" CXXI, 4; CXXXII, 8, col. 730, 836; S. Basílio (f. 379), "Contra Eunômio", Livro II, 4, P. G., t. XXIX, col. 580; S. Gregório de Nazianzo (f. 390), "Oral.", XXXII, 18, P. G., t. XXXVI, col. 193; S. Gregório de Nysa, "Oral.", II, de S. Estêvão, P. G., t. XLVI, col. 734; S. João Crisóstomo (f. 407), "Em Mateus", Homilía LIV, 2, P. G., t. LVIII, col. 534; S. Astério (f. 410), "Homilía em SS. Pedro e Paulo", P. G., t. XL, col. 268; Marinus Victorinus (f. 370), "Em Epístola de Paulo aos Gálatas", Livro I, P. L., t. VIII, col. 1155; S. Zenon de Verona (f. 380), "Tratado", Livro I, tr. XIII, 8; Livro II, tr. XIII, P. L., t. XI, col. 351, 430; S. Ambrósio (f. 397), "Sobre a fé", Livro IV, 50, P. L., t. XVI, col. 628; "Exposição do Evangelho segundo Lucas", Livro IV, 10; Livro VI, 97, col. 1633, 1694; "Em Salmo" XL, 30, P. L., t. XIV, col. 1802; S. Gaudêncio de Brescia (f. 410), "Sermão", XX, de Pedro e Paulo, P. L., t. XX, col. 995; S. Jerônimo (f. 420), "Epístola", XV, 2, P. L., t. XXII, col. 355; Comentário em Evangelho de Mateus, Livro III, 16, P. L., t. XXVI, col. 424.

Na primeira metade do V século, S. Agostinho (f. 430), "Exposição em Salmos" XXX, 5;  LXIX, 4; CIII, 2, P. L., t. XXXVI, col. 242, 869, 1359; S. Nil (f. 430), "Epístola", I, II, epístola CCLXI, P. G., t. LXXIX, col. 333; S. Cirilo de Alexandria (f. 444), "Em Isaías", Livro III, c. M, P. G., t. LXX, col. 729; Comentário em Mateus, XVI, 18, P. G., t. IXXII, col. 424; "Em João Evangelho", Livro II, P. G., t. LXXIII, col. 220.

A partir dessa mesma época, essa interpretação de Mateus XVI, 18, é manifesta em várias afirmações doutrinárias dos soberanos pontífices, notavelmente de S. Bonifácio I, Epístola XIV, 1, P. L., t. XX, col. 777, de S. Zósimo, Epístola XII, ibid., col. 676, de S. Leão I, Sermão III, 3, P. L., t. LIV, col. 146 sq., e de S. Símplício (f. 483), Epístola IV, P. L., t. LVIII, col. 40. Esse ensinamento é ainda mais evidente na profissão de fé do papa S. Hormisdas, imposta, após 517, a todos os bispos do Oriente que desejavam estar em comunhão com a Igreja romana. Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 171. Ver col. 164. Sabe-se que esse ensinamento foi reafirmado no IV Concílio Geral de Constantinopla em 870. Denzinger-Bannwart, n. 341, e frequentemente repetido nos documentos eclesiásticos dos séculos seguintes, foi solenemente definido pelo Concílio Vaticano:

A esta tão manifesta doutrina das Sagradas Escrituras, que a Igreja católica sempre entendeu, opõem-se abertamente as errôneas opiniões que, desviando-se da forma de governo estabelecida por Cristo Senhor em sua Igreja, negam que Pedro tenha sido, por Cristo, constituído a primazia sobre os apóstolos, ou individualmente ou em conjunto, mas afirmam que ele foi instruído diretamente por Cristo como fundamento próprio de jurisdição.

Sessão IV, c. I.

3. Ensinamento contido neste texto relativamente à infalibilidade pontifical.

Pode ser assim formulado, de acordo com tudo que precede:

a) Segundo a promessa formal de Jesus, Pedro será, até a consumação dos séculos, o fundamento sobre o qual a Igreja repousa. E por esse perpétuo fundamento de Pedro, a Igreja está divinamente assegurada de possuir, até o fim dos séculos, uma solidez à prova de todas as ataques das potências infernais, e "as portas do inferno não prevalecerão contra ela": quer esses ataques tenham por objeto a constituição divina da Igreja, ou a integridade da doutrina que lhe foi confiada pelo divino Mestre, em outras palavras, é a suprema autoridade de Pedro, estabelecida por Jesus como fundamento perpétuo da Igreja, que assegura a esta sua absoluta indefectibilidade na fé.

b) Para que Pedro, divinamente estabelecido como fundamento da Igreja até o fim dos séculos, possa assim garantir perpetuamente à Igreja essa universal e absoluta indefectibilidade na fé, é necessário que Pedro seja ele mesmo divinamente preservado de toda erro e até mesmo de toda possibilidade de erro, no ensino que impõe à crença de todos os fiéis. Caso contrário, a promessa de Jesus seria vã e o meio escolhido por sua divina sabedoria para assegurar à sua Igreja uma perpétua e absoluta indefectibilidade na fé seria não apenas ineficaz, mas mesmo absolutamente contrário ao fim que Jesus se propôs. A vontade de Jesus é, portanto, manifesta. Pedro, ensinando todos os fiéis, em virtude de sua autoridade suprema, deve garantir à Igreja uma absoluta e constante indefectibilidade na fé, sendo ele mesmo, no exercício dessa autoridade, divinamente preservado de toda possibilidade de erro na fé. O que significa, na realidade, que seu magistério supremo em relação à Igreja universal deve ser necessariamente infalível.

c) Essa interpretação do texto de São Mateus é confirmada pela tradição católica constante. Já indicada no final do IV século por São Ambrósio, "De fé", IV, 56, P. L., t. XVI, col. 628, e no V século pelo papa São Leão Magno (f. 461), Sermão LXII, c. II; LXXXIII, e. II, P. L., t. LIV, col. 350 sq., 430, e pelo papa São Símplício (f. 483), Epístola IV, P. L., t. LVIII, col. 40, foi ainda mais explicitamente afirmada no começo do VI século na fórmula de fé do papa São Hormisdas (f. 523): "A primeira salvação é guardar a regra da fé e não se desviar em nada dos preceitos de Cristo; e porque não se pode omitir a sentença de nosso Senhor Jesus Cristo, dizendo: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja', Mateus XVI, 18, estas coisas que foram ditas se comprovam pelos efeitos, porque na sede apostólica, sem mácula, sempre foi guardada a religião católica.Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 171. Ver col. 164.

Sabe-se, além disso, que esta profissão de fé foi de uso constante entre os gregos, que foi formalmente aprovada em 869 pelo IV Concílio de Constantinopla, P. L., t. CXXIX, col. 35 sq.; Mansi, Concil., t. XVI, col. 316, e que foi novamente solenemente confirmada pelo Concílio Vaticano, sess. IV, c. IV. Além disso, ao estudarmos em breve o ensinamento tradicional, teremos frequentemente a oportunidade de constatar, entre os autores eclesiásticos e teólogos, o ensinamento explícito muito frequente dessa interpretação do texto "Tu és Pedro".

2º Texto de São Lucas.

Ait autem Dominus: Simon, Simon, ecce Satanas expetivit vos ut cribraret sicut triticum. Ego autem rogavi pro te ut non deficiat fides tua: et tu aliquando conversus confirma fratres tuos.

Lucas XXII, 31.

Este texto se relaciona imediata e principalmente ao dogma da infalibilidade pontifical, e devemos estudá-lo aqui de maneira particular, mas sem nos deter em provar sua autenticidade, que nunca foi alvo de qualquer ataque ou discussão, embora se encontre exclusivamente em São Lucas. Além disso, após a demonstração da autenticidade do texto de São Mateus, o texto de São Lucas, que possui um paralelismo tão marcado com o de São Mateus, não pode apresentar qualquer dificuldade.

1. Exegese do texto.

A repetição da designação: Simon, Simon, no v. 31 e o quadruplo uso dos pronomes tutetuatuos, no v. 32, são uma prova manifesta de que Jesus, embora indique incidentalmente um perigo comum, expetivit vos ut cribraret sicut triticum, dirige particularmente a Pedro a promessa solene do v. 32. Era impossível tomar mais precauções para designar nominalmente Pedro. Que se recorde, além disso, o texto claramente paralelo de Mateus XVI, 16, onde Jesus usa expressões semelhantes para designar especialmente Pedro.

Ecce Satanas expetivit vos ut cribraret sicut triticum, indicam um perigo comum a Pedro e seus irmãos. Segundo a força da expressão ut cribraret sicut triticum, trata-se de um grande perigo. Satanás desejou agitar-vos como se agita o grão em uma peneira. Esses ataques violentos de Satanás têm por objetivo expulsar da alma de Pedro e de seus irmãos a fé cristã, uma vez que o remédio prometido por Jesus, de acordo com o restante de seu discurso, é a indefectibilidade na fé, assegurada a todos, a Pedro imediatamente e a seus irmãos mediatamente pela confirmação que Pedro lhes dará. Por fim, a inutilidade desses esforços do inferno é insinuada pela palavra expetivit, que significa um simples desejo; expressão que, além disso, concorda com Mateus XVI, 19, e "as portas do inferno não prevalecerão contra ela", expressando o insucesso final das ataques das potências infernais contra a Igreja.

Ego rogavi pro te. A oração de Jesus, sempre eficaz, "eu sabia que sempre me ouves", João XI, 42, é uma garantia assegurada de que a promessa que será feita a Pedro será infalivelmente cumprida.

Ut non deficiat fides tua, "para que a sua fé não falhe". Toda destruição da fé de Pedro, ou qualquer cessação, seja ela qual for, é, portanto, completamente afastada. É também evidente que a fé da qual se trata aqui é a fé no sentido teológico de assentimento à verdade revelada, segundo o uso mais habitual do Novo Testamento. Ver Fide, t. VI, col. 57 sq. É não menos certo que se trata aqui principalmente da fé de Pedro, falando ou ensinando como chefe da Igreja para confirmar seus irmãos, como indica especialmente a oração especial de Jesus pela fé de Pedro sozinho, apesar do perigo tão ameaçador para a fé de todos, segundo as palavras expetivit vos. A proteção contra esse perigo comum sendo, segundo a palavra formal de Jesus, a única indefectibilidade de Pedro na fé, deve ser, de fato, a indefectibilidade ou infalibilidade de Pedro falando como chefe da Igreja.

"Mas tu, quando convertido, confirma teus irmãos", é uma frase incidente que foi interpretada de várias maneiras; mas, de qualquer forma que se explique, o sentido da frase principal não pode ser alterado. Assim, deixando de lado a exposição crítica das diversas opiniões emitidas, limitamo-nos às seguintes observações:

a) Nenhum argumento realmente demonstrativo se opõe ao fato de que "conversus" se entenda como a anúncio da conversão de Pedro após sua negação. A simples ausência de uma indicação anterior da queda de Pedro, sendo um argumento puramente negativo, não é suficiente. Além disso, é evidente, de acordo com as palavras anteriores "expetivii vos", que o perigo é anunciado para todos, consequentemente também para Pedro.

b) Quanto às interpretações mais ou menos fundamentadas que atribuem a "conversus" o sentido adverbial, ou o sentido intransitivo de se voltar para alguém para ajudar e cuidar dele; ou ainda o sentido intransitivo de voltar à calma e tranquilidade; ou o sentido ativo de converter, trazendo de volta a Deus; pode-se, sem rejeitá-las absolutamente como inadmissíveis, afirmar que elas se ajustam com dificuldade ao sentido mais habitual de "conversus" no Novo Testamento, que é: voltar-se para Deus ao se afastar da infidelidade ou do pecado, seja que "conversus" seja acompanhado da expressão "a Deus", Atos IX, 35; XI, 21, ou de "a Deus", Atos XIV, 14; XV, 19; XXVI, 20, ou de "para o Senhor", II Coríntios III, 16, ou de uma expressão similar, I Pedro II, 25, seja que "conversus" seja usado sozinho, Mateus XIII, 15; Marcos IV, 12; Atos III, 19; XXVIII, 27.

"Confirma", conforme seu sentido habitual no Novo Testamento, Romanos I, 11; XVI, 25; I Tessalonicenses III, 2, 13; II Tessalonicenses II, 17; III, 3; Tiago V, 8; I Pedro V, 10; Apocalipse III, 2, significa, em sentido próprio, sustentar, tornar estável, firme, e, em sentido figurado, fortalecer. De acordo com o contexto, trata-se do fortalecimento da fé que Pedro deve dar a seus irmãos para garantir contra o perigo que ameaça a todos. É para essa finalidade que, segundo a promessa divina, Pedro é tornado ele mesmo indefectível na fé.

Quanto a "fratres tuos", não se pode restringir aqui o sentido apenas aos apóstolos, seja durante o tempo da paixão, onde Pedro, segundo o relato evangélico, longe de confirmar seus irmãos, fraquejou; seja durante o restante da vida dos apóstolos, pois, segundo todo o contexto, Jesus quer manifestamente que o fortalecimento procurado por Pedro se estenda, de direito, a todos aqueles cuja fé é ameaçada pelos esforços de Satanás, consequentemente a todos os fiéis de todos os tempos. É também isso que sugere a comparação com o texto claramente paralelo de Mateus XVI, 18, prevendo o insucesso final dos esforços contínuos de Satanás contra a Igreja até a consumação dos séculos.

2. O ensinamento contido neste texto relativo à infalibilidade pontifical é, portanto, certo. Pedro e seus sucessores até a consumação dos séculos, falando ou ensinando como chefes da Igreja, devem confirmar na fé, até o fim dos tempos, todos os fiéis considerados isoladamente ou coletivamente, fazendo-os participar de sua própria indefectibilidade. Mas, para que a promessa de Jesus não seja vã, e que os fiéis não sejam levados ao erro, é necessário que este ensinamento de Pedro e de seus sucessores, falando como chefes da Igreja, seja, em direito e em virtude da promessa divina, absolutamente e constantemente garantido contra toda possibilidade de falha na fé. Pedro e seus sucessores, ensinando, como chefes da Igreja, o que os fiéis são obrigados a crer, devem, portanto, ser infalíveis. Nenhuma dificuldade pode ser levantada em relação à queda ou à negação de Pedro, supondo que seja a verdadeira interpretação do texto da Escritura. Pois é evidente que a infalibilidade de Pedro, acompanhando sua primazia, lhe foi efetivamente conferida apenas após a ressurreição de Jesus Cristo. João XXI, 16.

3. Este ensinamento é confirmado pela interpretação constante da tradição católica, como mostraremos em breve. Basta notar, atualmente, que, desde a primeira indicação feita por São Ambrósio, De Fide, l. IV, n. 56, P. L., t. XVI, col. 628, este texto foi frequentemente citado pelos escritores eclesiásticos em favor da infalibilidade pontifical. Destacaremos especialmente Santo Cirilo de Alexandria, Comentário em Lucas XXII, 32, P. G., t. LXXII, col. 916; São Leão Magno, Sermão LXXXIII, 3, P. L., t. LIV, col. 431; Santo Gelásio, Epístola V, P. L., t. LIX, col. 30; Pelágio II, Epístola III, P. L., t. LXXII, col. 707; Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 246; o B. Urbano II, Epístola LVIII, LX, CXLV, P. L., t. CLI, col. 337, 341, 421; São Pedro Damião, Sermão XXIII, P. L., t. CXIV, col. 636; Inocêncio II, Epístola CCCCLXVII, P. L., t. CLXXIX, col. 517; Denzinger-Bannwart, n. 387; São Bernardo, Epístola CXC, P. L., t. CLXXXII, col. 1053 sq.; São Tomás, Contra Erros dos Gregos, XXXII, Sum. Theol., II-II, q. I, a. 10.

Sabe-se também que a autoridade deste texto em favor da infalibilidade pontifical foi confirmada por vários documentos eclesiásticos, notadamente por Santo Ágato, Epístola I, P. L., t. XXXVII, col. 1169, 1205, e São Leão IX, Epístola, c., n. 7, 32, P. L., t. CXLIII, col. 748, 765; e que foi formalmente  provada pelo Concílio Vaticano, fazendo esta declaração solene:

Os quais (isto é, os sucessores de Pedro) abraçaram e veneraram a doutrina apostólica todos os veneráveis Padres e santos doutores ortodoxos; sabendo plenamente que esta sagrada doutrina de São Pedro deve permanecer isenta de todo erro, segundo a divina promessa do nosso Senhor Salvador feita ao príncipe de seus discípulos: Eu rogarei por ti para que a tua fé não falhe; e tu, quando convertido, confirma teus irmãos.

Sess. IV, c. IV.

III. Ensinamento tradicional.

O período, desde os tempos apostólicos até cerca do ano 260, caracterizado principalmente pela crença na constante e integral permanência da doutrina apostólica em todos os sucessores de Pedro. — Esta crença é atestada pelo testemunho de São Irineu.

Este testemunho, que diz respeito diretamente à infalibilidade doutrinária, deve ser estudado aqui em vez do artigo Papa, onde teremos apenas que deduzir as conclusões relativas à primazia pontifical considerada de maneira geral.

O texto diz: "Contra os hereges, III, 3, 2Para esta Igreja, por causa da maior primazia, é necessário que toda a Igreja se reúna, ou seja, aqueles que são fiéis de todos os lados, na qual sempre foi conservada a doutrina que foi transmitida pelos apóstolos".

Devido à grande importância que sempre foi dada a este texto na demonstração católica, convém destacar claramente o ensinamento que ele contém. E, para isso, é necessário, antes de tudo, determinar bem, segundo a própria exposição de Irineu, o objetivo e, ao mesmo tempo, toda a trama de seu argumento.

1. O objetivo de Irineu é pôr fim a todas as escapatórias dos gnósticos, que, sob diversos pretextos, recusavam-se a se submeter à autoridade das Escrituras ou à da tradição. Cont. Hœr., l. III, c. II, P. G., t. VII, col. 846 sq. Ele recorre ao argumento que posteriormente é chamado de argumento de prescrição. Somente essas Igrejas possuem a verdade que remontam aos apóstolos por uma sucessão ininterrupta de bispos escolhidos por eles e que mantêm seu ensinamento. E como seria muito longo enumerar todas essas Igrejas, com a sucessão de todos os seus bispos, o bispo de Lyon apela para a tradição que vem dos apóstolos e para a fé anunciada aos homens, tal como estão na mais considerável de todas as Igrejas, a Igreja fundada e estabelecida em Roma pelos apóstolos Pedro e Paulo. Igreja conhecida por todos e cujo ensinamento chegou até nós pela sucessão dos bispos. Um ensinamento que confunde todos aqueles que, de qualquer maneira, seja em busca do que lhes agrada, seja por vaidade ou por cegueira, seja por apego ao mal, amassam onde não deveriam, antes do que é necessário. É com esta Igreja que todas as outras devem se concordar, por causa de sua eminente autoridade; com esta Igreja, por intermédio da qual o ensinamento que vem dos apóstolos é conservado por todos os fiéis, col. 849.

Então, após citar a lista dos bispos até Eleutério, que era então bispo de Roma, Irineu conclui: é por esta sucessão que, na Igreja, a tradição dos apóstolos e o ensinamento da verdade chegaram até nós, col. 851. Portanto, unicamente a esta Igreja que possui a tradição vinda dos apóstolos deve-se pedir a verdade, c. IV, col. 855 sq.

2. É a partir de todo esse conjunto da argumentação de Irineu que se deve, com a ajuda do contexto imediato, determinar o sentido das expressões principais do famoso texto. Não se deve perder de vista, no entanto, que o texto grego original dessa frase falta, e que só temos uma má versão, cuja literalidade é precisamente uma causa de obscuridade.

a) É bem a Igreja romana que é designada pelas palavras "ad hanc enim Ecclesiam". O pronome "hanc" designa manifestamente a Igreja da qual Irineu falou na frase anterior. E esta Igreja não é outra senão a Igreja fundada e estabelecida em Roma pelos apóstolos Pedro e Paulo, a Igreja que possui a tradição vinda dos apóstolos e cuja autoridade deve confundir todos os hereges. O fato de que se trata da Igreja romana é também provado pela conexão com a frase seguinte, onde se diz que os bem-aventurados apóstolos, fundando e estabelecendo esta Igreja, conferiram o episcopado a Lino, col. 849.

b) É portanto "com esta Igreja romana que é necessário que todas as Igrejas se concordem, por causa de sua autoridade eminente e porque, por ela, a tradição que vem dos apóstolos sempre foi conservada". Tal é, ao menos, a tradução que propomos do trecho essencial. — a. O acordo com a Igreja romana deve ser um acordo na fé. Esse sentido é exigido pelo que precede. Para refutar os hereges de seu tempo, mostrando que eles não têm a doutrina dos apóstolos, Irineu afirma que basta apelar para a Igreja romana, que, pela sucessão de seus bispos, mantém dos apóstolos a fé anunciada aos homens. Assim, são confundidos todos aqueles que, de qualquer maneira que seja, importam novidades além do que é necessário. Pelo fato de não se concordar com Roma, é então que se é confundido ou convencido de erro. Portanto, é realmente um acordo na fé que se deve ter com esta Igreja.

Esse sentido é também exigido por todo o parágrafo seguinte, onde Irineu mostra que é pelo ensinamento da sucessão ininterrupta dos bispos de Roma, desde a fundação da Igreja por São Pedro e São Paulo até o papa Eleutério, que a tradição vinda dos apóstolos, ou a pregação da verdade, chegou até esta época. Daí a mesma conclusão: é necessário concordar na fé com a Igreja de Roma, que sempre conservou a verdade apostólica.

Além disso, a interpretação diferente que se gostaria de dar a "convenire" não está de forma alguma provada e permanece em oposição a todo o contexto. Diz-se que "convenire", contendo uma ideia de movimento, deve ser entendido como a reunião em Roma dos fiéis de todas as partes do mundo, especialmente porque a ideia de movimento também é sugerida por "undique". É fácil entender que os fiéis tenham sido atraídos de todos os países para Roma por questões de diversas naturezas. E acrescenta-se que é pelo contato habitual com os fiéis do mundo inteiro que a Igreja de Roma se mantém na fé apostólica e que é preservada das opiniões estranhas à doutrina dos apóstolos. Veja J. Turmel, Histoire du dogme de la papauté, des origines à la fin du IV siècle, 2ª ed., Paris, 1908, p. 39, que expõe, com muita complacência, essa interpretação.

Essas razões estão longe de provar a conclusão que se pretende deduzir. O emprego da preposição "ad" com o verbo "convenire" não é suficiente para dar a "convenire" o sentido de se reunir ou de se encontrar. A preposição "ad" tem todas as chances de ser a tradução de "τὰς", que não inclui necessariamente essa ideia. Da mesma forma, as expressões "eos qui sunt undique fidèles" e "ab his qui sunt undique" não são suficientes para atribuir a "convenire" a ideia de encontro e excluir a ideia de acordo. Pois a palavra "undique", sendo usada várias vezes no Contra Hœr. no sentido de "ubique", nomeadamente l. III, c. XXXIV, 1, col. 966, nada se opõe a que seja o mesmo aqui. Sabe-se também que, entre os autores gregos, o uso de uma expressão em lugar de outra não é raro.

Quanto à ideia da manutenção da fé apostólica na Igreja romana pelo contato perpétuo com os fiéis do mundo inteiro, "ab his qui sunt undique", ela está em oposição a tudo que precede e a tudo que se segue, uma vez que todo esse contexto, conforme a exposição já feita, expressa a ideia da conservação da fé dos apóstolos, realizada pela própria Igreja romana.

b. A necessidade desse acordo na fé com a Igreja de Roma resulta da autoridade superior que ela possui no que diz respeito à fé.

a) Essa autoridade superior é significada por "ob polentiorum principalitatem". Deve-se notar que "principalitas" é habitualmente empregado pelo tradutor do Contra Hœr. no sentido de autoridade superior, e especialmente de autoridade pertencente a Deus. Veja particularmente l. I, c. XXVI, 1; XXX, 8; XXXI, 1; l. II, c. XXX, 9; l. IV, c. XXXVIII, 3, P. G., t. VII, col. 686, 699, 704, 822, 1108.

Esse sentido, aliás, é confirmado por todo o contexto imediato. É, de fato, o que sugere o fato enunciado na frase anterior, que todas as heresias devem ser consideradas condenadas, uma vez que estão opostas ao ensinamento da Igreja de Roma, col. 849.

A eminente autoridade da Igreja de Roma aparece também no parágrafo seguinte, nos dois trechos elogiando esta Igreja por ter reparado a fé dos coríntios ao lhes anunciar a tradição que havia recebido recentemente dos apóstolos, col. 850; ou atribuindo à sucessão dos bispos de Roma o ensinamento dos apóstolos tal como está na Igreja, e tal como chegou até este momento, col. 851.

Além disso, os outros sentidos que se tentou dar a "principalitas" não podem se conciliar com o contexto. Não se pode falar do prestígio político de Roma como capital do império. Pois essa ideia não se manifesta em lugar algum nas obras de Irineu e é excluída aqui por toda a sequência da argumentação. É um erro que J. Turmel, op. cit., p. 44, atribua às circunstâncias políticas as duas denominações "maximœ" e "omnibus cognitœ", col. 848, que podem bem se aplicar à autoridade eclesiástica de Roma.

A eminente superioridade de Roma não se deve também ao fato de ser a Igreja apostólica mais antiga. Nada prova que ela era a mais antiga. O contrário é mesmo certo, pois várias Igrejas do Oriente, nomeadamente Jerusalém e Antioquia, a superavam nesse aspecto. Além disso, a antiguidade não seria suficiente para que a autoridade de sua doutrina, sugerida por todo o contexto, se impusesse a todas as outras Igrejas.

Pode-se ainda menos afirmar que Irineu falava somente do Ocidente, onde, entre as Igrejas apostólicas, Roma era a mais antiga. Essa suposição é excluída por duas razões: Irineu escrevia principalmente para os orientais e aqui ele quer falar de todas as Igrejas.

Finalmente, não basta dizer com Harnack que, entre as Igrejas fundadas pelos apóstolos, a de Roma tem a maior autenticidade, porque foi fundada pelos apóstolos mais ilustres; e que, como tal, deve servir de regra na fé. Lehrbuch der Dogmengeschichte, 3ª ed., t. I, p. 46. Pois Irineu reconhece a todas as Igrejas fundadas pelos apóstolos esse direito de servir de regra na fé. E a autoridade atribuída aqui à Igreja de Roma é uma autoridade que não pertence a nenhuma outra Igreja, ou que supera claramente a de todas as outras Igrejas.

b) Dessa autoridade superior da Igreja de Roma, a "incidente in qua" nos oferece ainda uma confirmação, se a ligarmos, como todo o contexto sugere, à Igreja de Roma. Deve-se, em primeiro lugar, reconhecer que nada se opõe a que esse sentido seja adotado. Pois se sabe que, em grego, não é raro que uma "incidente" se relacione a um substantivo mais distante quando este é mais importante. O "Contra Hœr." oferece alguns exemplos, notadamente I. IV, c. XX, 5, col. 1034.

Esse sentido, certamente possível, é sugerido em todo o contexto pela tripla repetição dessa mesma ideia já mencionada: que a Igreja romana possui a tradição dos apóstolos, vindo até nós pela sucessão de seus bispos; e que, ao indicar essa tradição e essa fé, confunde todos aqueles que "prœterquam oportet colligunt"; que a Igreja romana, possuindo assim a tradição dos apóstolos, reparou a fé dos coríntios, ao lhes anunciar a tradição que ela mesma havia recebido; que o ensinamento e a pregação da verdade chegaram a todos os fiéis pela sucessão dos bispos de Roma.

Além disso, na hipótese que liga a "incidente in qua" a "omni ecclesiam", tal como é exposta por Harnack, op. cit., l. I, p. 446, e Turmel, op. cit., p. 41, o sentido obtido não é senão uma tautologia. Segundo Harnack, o sentido da frase é que toda Igreja, na medida em que é fiel à tradição ou tem a verdadeira fé, necessariamente se concorda com a Igreja romana: "necessariamente" não significando aqui a ideia de comando ou dever, mas apenas uma espécie de necessidade lógica, porque não pode ser de outra forma.

Mas não seria uma espécie de tautologia dizer que as Igrejas de todos os países, na medida em que são fiéis à tradição apostólica, concordam, de fato e por uma necessidade absoluta, com a Igreja romana, sendo esta supostamente fiel à mesma tradição? Busca-se corrigir essa tautologia introduzindo a ideia de uma obrigação de concordar com a Igreja romana. Mas então, o que significa a expressão "in qua", que poderia sugerir que a obrigação não recai sobre todas as Igrejas, mas apenas sobre aquelas assim designadas?

Por fim, mesmo nesta hipótese, embora ainda seja possível manter para "potentiorem principalitatem" o sentido de autoridade superior exigido pelo contexto, este é muito diminuído. Ao ligar "in qua" à Igreja de Roma, confere-se muito mais destaque à autoridade dessa Igreja. Pois é por meio do exercício constante dessa autoridade, ou, segundo a expressão de Irineu no final do parágrafo seguinte, pela sucessão dos bispos de Roma, que a tradição que está na Igreja, vinda dos apóstolos, e o ensino da verdade chegaram até os fiéis do presente.

Argumenta-se que "in qua" não pode referir-se à Igreja romana, pois isso implicaria que a tradição apostólica foi preservada na Igreja romana pelas outras Igrejas, segundo as palavras "ab his qui sunt undique".

Sem tomar partido pelas diversas soluções, mais ou menos fundamentadas, propostas ou aprovadas por vários críticos que admitem uma interpolação do texto original ou a substituição de uma preposição por outra feita pelo tradutor, pode-se responder que, tomando o texto ou, melhor, a tradução como a temos, nada impede que "in qua" seja interpretado no sentido de "pela qual". Sabe-se que esse sentido é frequentemente encontrado nas Escrituras; também não é raro no "Contra as Heresias". Veja-se especialmente I, III, c. XII. 4; XVIII, 1; I, IV, c. XXI, 3; I, V, c. II, 2, col. 896, 932, 1045, 1125. E, em particular, neste trecho, está em perfeita harmonia com o contexto, pois, de acordo com o que precede e o que segue, a autoridade da Igreja manifesta-se sobretudo por essa constante preservação da tradição vinda dos apóstolos.

c) De todo esse exposto, resulta, portanto, que "necesse est" deve ser entendido como uma verdadeira obrigação moral de concordar na fé com a Igreja romana devido à sua eminente autoridade em questões de fé. Além disso, os críticos que desejam entender "necesse est" no sentido de uma necessidade lógica baseiam-se principalmente no fato de que o incidente "in qua" deve referir-se a "omnem ecclesiam". Opinião cuja pouca fundamentação e graves inconvenientes foram constatados.

3. Toda essa exegese do texto de Santo Irineu mostra o ensino que ali está manifestamente contido em relação à autoridade doutrinal da Igreja de Roma ou do bispo de Roma. Essa autoridade doutrinal aparece manifesta a partir de duas afirmações: que é por meio da Igreja romana, ou seja, pela pregação ou ensino dos bispos que governaram essa Igreja desde Pedro até Eleutério, que a tradição vinda dos apóstolos sempre foi preservada pelos fiéis do universo; e que há uma obrigação para todas as Igrejas particulares ou para todos os fiéis de concordarem com a Igreja romana nessa fé assim preservada.

Não se pode objetar que Irineu fala apenas da Igreja romana, e não do bispo de Roma, pois na frase já citada várias vezes, col. 851, Irineu diz expressamente que é pela sucessão dos bispos de Roma, que ele cita desde Lino até Eleutério, que a tradição que vem dos apóstolos e o ensino da verdade chegaram até o seu tempo. Por essa frase final, que resume todo o seu pensamento sobre esse ponto, ele atribui, portanto, aos bispos de Roma a conservação da tradição dos apóstolos, da qual ele havia falado no parágrafo anterior, col. 849.

As afirmações de Santo Irineu também autorizam a admitir, entre os fiéis daquela época, uma crença bastante evidente na suprema autoridade doutrinal ou na infalibilidade doutrinal do bispo de Roma. É o que supõe essa afirmação de que o meio mais seguro de confundir todos os hereges é apelar para a sucessão dos bispos da Igreja romana, que possui a tradição dos apóstolos e a fé anunciada por eles, e com a qual todos os fiéis são obrigados a concordar na fé. Para que tal apelo fosse, no julgamento de Irineu, universalmente considerado o meio mais seguro de confundir todos os que estão fora da verdade, deve ter sido bem manifesto aos fiéis daquela época que os bispos de Roma ensinavam a verdadeira tradição dos apóstolos; esse julgamento contém, na verdade, a crença na infalibilidade do bispo de Roma.

E como essa doutrina não aparece, de acordo com a linguagem de Irineu, como uma coisa nova naquela época, deve-se admitir que ela era crida há muito tempo e remontava ao tempo apostólico, tanto mais que Santo Irineu, de acordo com toda a sua argumentação contra os gnósticos neste trecho, rejeita qualquer doutrina que não tenha o ensino dos apóstolos, tal como é conservado na Igreja romana.

II. O Período desde o ano 260 até o pontificado de São Leão Magno, em 444, caracterizado por algumas intervenções doutrinais dos soberanos pontífices, ao mesmo tempo que por testemunhos explícitos de vários Padres e doutores.

 Intervenções doutrinais do papa São Dênis em 260 e do papa São Félix em 269.

1. O papa São Dênis, por volta do ano 260, escreve a Dênis, bispo de Alexandria, e provavelmente também aos outros bispos do Egito e da Líbia, uma carta doutrinal já mencionada anteriormente, t. IV, col. 424 e seguintes. Temos dessa carta apenas um fragmento, preservado por Santo Atanásio. "De Decretis Nicenae Synodi", n. 26, P. G., t. XXV, col. 461 e seguintes. Nesse documento, o papa São Dênis, falando em seu nome, embora tenha consultado o presbitério romano, reprova, como contrários à fé, não apenas os sabelianos já condenados anteriormente, mas também aqueles que então falavam da geração do Verbo de maneira a sugerir que ela era, de alguma forma, uma produção ou criação: aqueles que ousam chamar de criação a divina e inefável geração do Filho de Deus são, pelo testemunho da Escritura, evidentemente condenados como falsos, col. 465. Não se deve separar em três divindades a admirável e divina unidade. Também não se deve, pelo termo produção, diminuir a soberana dignidade e grandeza de Nosso Senhor. Mas deve-se crer em Deus Pai todo-poderoso, em Jesus Cristo, seu Filho, e no Espírito Santo. Deve-se crer particularmente que o Verbo é um com o Pai, segundo as palavras das Escrituras: "Eu e o Pai somos um" (João X, 30); "Eu estou no Pai, e o Pai está em mim" (João XIV, 10). Assim, a divina Trindade e a santa pregação da divina monarquia serão integralmente mantidas, col. 465.

O que devemos observar particularmente aqui é que este ato do papa São Dionísio é considerado, por Santo Atanásio, como um julgamento soberano, que condena definitivamente com anátema, já naquela época, o que mais tarde foi a heresia ariana. Pois Dionísio, bispo de Roma, tendo escrito também contra aqueles que dizem que o Filho de Deus é uma criatura, κτίσμα ou ποίημα, é manifesto que esta heresia dos arianos inimigos de Cristo foi anatematizada, não apenas de ontem, mas já há muito tempo. De sententia Dionysii, 13, P. G., t. XXV, col. 500. Palavras que, ao mesmo tempo que exprimem a firme convicção de Atanásio, de que este julgamento soberano do papa condenava definitivamente com anátema este novo erro, autorizam também a admitir que, já na época do papa São Dionísio, o julgamento pontifical era universalmente considerado como decidindo soberanamente uma questão doutrinal, uma vez que esses dois atos são manifestamente apontados como estreitamente correlativos: julgamento definitivo do papa sobre um erro doutrinal e anátema lançado por todos contra esse mesmo erro.

2. Por volta de 209, o papa São Félix envia ao bispo Máximo e ao clero de Alexandria uma carta doutrinal motivada pelos erros de Paulo de Samósata, concernente ao dogma da encarnação. Jaffé, Regesta pontificum romanorum, 2ª ed., Leipzig, 1885, t. I, n. 140; Hefele, Histoire des conciles, trad. Leclercq, Paris, 1907, t. I, p. 204. Desta carta, possuímos apenas um curto fragmento citado por São Cirilo de Alexandria no Concílio de Éfeso: “Sobre a encarnação do Verbo e a fé, cremos em nosso Senhor Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, que Ele é o Filho eterno de Deus e o Verbo, não porém um homem assumido por Deus, como sendo outro que Ele. Pois o Filho de Deus não assumiu um homem, para que este fosse outro distinto dele: mas, sendo perfeito Deus, tornou-se simultaneamente homem perfeito, encarnado da Virgem.” S. Cirilo de Alexandria, Apologeticus adversus orientales, P. G., t. LXXVI, col. 343; Epistolae S. Felicis papae, P. L., t. V, col. 156; Mansi, Concil., t. I, col. 1114. A autoridade com que o bispo de Roma fala, e o fato de que esta afirmação doutrinal é citada no Concílio de Éfeso como uma autoridade irrefutável, mostram que se trata de um ato doutrinal que exige a submissão de todos.

2° Testemunhos de vários Padres e doutores no IV e na primeira metade do V século.

Santo Atanásio (m. 373) rende uma homenagem explícita à suprema autoridade doutrinal do papa no texto já citado, afirmando que, pela decisão do papa São Dionísio, a heresia ariana já havia sido anatematizada há muito tempo. De sententia Dionysii, 13, P. G., t. XXV, col. 500.

São Basílio (m. 379), que já havia escrito várias vezes a Santo Atanásio de Alexandria sobre os assuntos do Oriente, dirige-lhe uma nova carta em 371, onde manifesta sua intenção de escrever ao bispo de Roma sobre esses mesmos assuntos. Como seria difícil tomar decisões a este respeito em um concílio, porque essas medidas poderiam ser facilmente impedidas pelos inimigos da paz, Basílio aconselha o bispo de Roma a exercer ele mesmo sua autoridade, αὐθεντήσαι περὶ τὸ πρᾶγμα, enviando homens capazes de corrigir os perversos da região, e também capazes de anular tudo o que foi feito pela força no Concílio de Rimini e desde então. Basílio pedirá também, em seu nome e em nome de outros, que esses enviados do bispo de Roma exterminem também a heresia de Marcelo de Ancira, como perniciosa e estranha à verdadeira fé. Epist., LXIX, n. 1, P. G., t. XXXII, col. 432.

Notamos que M. Turmel, que, em sua Histoire du dogme de la papauté, menciona e interpreta, a seu modo, várias cartas anteriores de Basílio a Santo Atanásio, omite de mencionar o que há de mais característico na carta LXIX, ou seja, o pedido de que o papa exerça ele mesmo sua autoridade e envie homens capazes de realizar o que foi anteriormente indicado. J. Turmel, op. cit., p. 351. Deve-se também observar que a carta de São Basílio, mencionando este pedido de intervenção do bispo de Roma como um assunto corriqueiro e ordinário, autoriza a concluir que, naquela época, não era apenas uma convicção pessoal de Basílio, mas também a convicção de todos, mesmo no Oriente, que o bispo de Roma possuía o poder de julgar soberanamente, por si mesmo, as questões doutrinais.

São Epifânio (m. 403), em seu Ancoratus, escrito em 374, falando da primazia de Pedro, louva a solidez dessa pedra sobre a qual a Igreja está construída, e pela qual as potências do inferno, ou seja, as heresias e os hereges, nunca prevalecerão contra a Igreja. Pois a fé foi perfeitamente firmada naquele que recebeu as chaves do céu e que liga e desliga tanto na terra quanto no céu. Nele está a resposta para todas as questões sobre a fé. Ancoratus, IX, P. G., t. XLIII, col. 33.

São Jerônimo (m. 420), ao consultar em 376 o papa São Dâmaso sobre a questão doutrinária de uma ou três hipóstases em Deus, destaca a suprema autoridade doutrinária do papa por estas duas afirmações:

a) É na única cadeira de Pedro que o legado da fé é mantido incorruptível: "Por isso, julguei que deveria consultar a cátedra de Pedro e a fé louvada por boca apostólica... Somente entre vós a herança dos pais é mantida incorrupta." (Epist., XV, 2, P. L., t. XXII, col. 355).

b) É necessário, para não estar separado de Jesus Cristo, manter a comunhão na fé com a cátedra de Pedro, sobre a qual a Igreja foi edificada: "Não sigo outro primeiro senão Cristo, e estou unido em comunhão com tua bem-aventurança, isto é, com a cátedra de Pedro. Sei que a Igreja foi edificada sobre essa pedra. Todo aquele que comer o cordeiro fora desta casa é profano... Todo aquele que não junta com Cristo, espalha; isto é, quem não é de Cristo, é do anticristo" (col. 355).

Santo Ambrósio (m. 397) reconhece, como se verá em breve, a suprema autoridade doutrinária do papa São Sirício na condenação por ele proferida contra o erro de Joviniano. (Epist., XLII, 14, P. L., t. XVI, col. 1128). Em outro lugar, ele interpreta o texto "Roguei por ti, para que tua fé não desfaleça" (Lc 22, 32) no sentido de que Jesus firmou a fé de Pedro e estabeleceu o apóstolo como o sustentáculo de sua Igreja. (De fide, l. IV, c. V, 56, P. L., t. XVI, col. 628). Ver também De virginitate, XVI, n. 105, col. 292 ss.; De incarnationis dominicae sacramento, IV, 32; V, 34, col. 826-827.

Santo Agostinho (m. 430), a respeito da aprovação dada pelo papa Inocêncio I aos decretos dos dois concílios de Cartago (416) e Milevo (417) que condenaram os erros pelagianos, formula este julgamento que só pode referir-se a um ato doutrinário considerado como soberanamente obrigatório para todos e, consequentemente, infalível: "Já sobre esta causa dois concílios foram enviados à Sé Apostólica, e também vieram as respostas. A causa está encerrada; quem dera que algum dia o erro terminasse." (Serm., CXXXI, 10, P. L., t. XXXVIII, col. 734). Cf. P. Batiffol, Le catholicisme de saint Augustin, Paris, 1920, t. II, p. 404-405.

São Cirilo de Alexandria (m. 444) afirma a suprema autoridade doutrinária do bispo de Roma quando declara, em uma carta ao papa São Celestino, pouco antes do Concílio de Éfeso, que é costume antigo das Igrejas avisar o bispo de Roma quando a fé está em perigo. Ver Éfeso (Concílio de), t. V, col. 158; Mansi, Concil., t. IV, col. 1012, 1016. E é conforme a esse costume que ele próprio submete ao papa a questão doutrinária levantada pelo erro de Nestório. (Epist., VIII, entre as cartas de São Celestino, n. 1, P. L., t. L, col. 447).

Note-se também em São Cirilo este significado dado a confirma fratres tuos: "sê o sustentáculo e o mestre daqueles que vêm a mim pela fé" (Comment. in Lucam, XXII, 32, P. G., t. LXXII, col. 916); e esta interpretação de super hanc petram (Mt 16, 18): ele chama de pedra a fé inabalável do discípulo. (In Isaiam, l. IV, Orat., n. 2, P. G., t. LXX, col. 940).

3º Intervenções doutrinárias da Sé Apostólica no IV e na primeira metade do V século.

Citaremos especialmente os papas São Dâmaso, São Sirício, São Inocêncio I e São Celestino.

O papa São Dâmaso (m. 384), por volta de 370, envia aos bispos da Ilíria uma carta na qual declara sem valor tudo o que ocorreu no Concílio de Rimini, porque o bispo de Roma, cujo parecer deveria ser solicitado antes de todos os outros, cujus ante omnes fuit expectanda sententia, não deu nenhum consentimento. (Epist., I, P. L., t. XIII, col. 349; Sozomeno, H. E., l. VI, c. XXIII, P. G., t. LXVII, col. 1349 ss.; Teodoreto, H. E., l. II, c. XVII, P. G., t. LXXXII, col. 1052 ss.). Prova bem manifesta de que a suprema autoridade doutrinária pertence unicamente ao papa.

No fragmento Ea gratia que nos foi preservado, P. L., t. XIII, col. 350, ver Dâmaso, t. IV, col. 1842, o papa Dâmaso fala manifestamente com uma soberana autoridade doutrinária, quando afirma que sua comunhão, ou seja, de acordo com o conjunto de suas cartas, a comunhão da Igreja Católica, é dada a todos os que seguem esta fé muito explícita:

De uma só virtude, de uma só majestade, de uma só divindade, afirmamos, no entanto, que existem três pessoas inseparáveis... Nem o Filho diferente em obra, nem diferente em poder... mas verdadeiro Deus gerado de verdadeiro Deus... também a imagem do Pai, de modo que quem o viu, viu também o Pai. Ele mesmo, pela graça de nossa redenção, nasceu da Virgem, para que o homem perfeito fosse misturado com o homem que pecou... O Espírito Santo também é incriado, e de uma só majestade, de uma só virtude, com Deus Pai e nosso Senhor Jesus Cristo.

(col. 351 ss.)

A mesma autoridade doutrinária soberana aparece na Confessio fidei catholicae, enviada em 380 pelo papa Dâmaso a Paulino de Antioquia, contendo 24 anátemas contra aqueles que negam a perfeita consubstancialidade do Espírito Santo com o Pai e o Filho, contra o erro de Sabélio, contra os arianos, eunomianos, macedonianos, fotinianos, apolinaristas, e terminando com esta conclusão muito formal: "Esta, portanto, é a salvação dos cristãos, que crendo na Trindade, isto é, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, na verdadeira e única divindade, e no poder e majestade e substância idênticas, acreditemos sem dúvida que é uma só, para que mereçamos alcançar a vida eterna." (col. 358 ss.).

O papa São Sirício (m. 398), por volta do ano 388, em uma carta dirigida à Igreja de Milão, condena o erro de Joviniano e seus seguidores: "Para que, pela sentença divina e por nosso julgamento, condenados para sempre, permaneçam fora da Igreja; e, contra esse erro, ele ensina a verdadeira doutrina: 'Nós, certamente, não desprezamos os votos matrimoniais que assistimos com o véu, mas honramos com maior reverência as virgens consagradas a Deus que o matrimônio gera.'" (Epist., VII, n. 3 ss. P. L., t. XXIII, col. 1171). Este ato pontifical deve ser considerado como um ato de suprema autoridade doutrinária, segundo o julgamento de Santo Ambrósio e de todos os bispos reunidos com ele em Milão: "Aqueles que tua Santidade condenou, saiba que entre nós também, segundo teu julgamento, foram condenados." (Santo Ambrósio, Epist., XLII, n. 14, P. L., t. XVI, col. 1128). Além disso, o mesmo documento episcopal indica, de maneira geral, a obrigação imposta a todas as ovelhas do rebanho de Jesus Cristo de ouvir e seguir o ensinamento do pontífice romano, a quem todo o rebanho foi confiado: "Reconhecemos nas cartas de tua Santidade as vigílias do bom pastor, que guardas fielmente a porta que te foi confiada, e com piedosa solicitude guardas o rebanho de Cristo, digno de que as ovelhas do Senhor te ouçam e te sigam." (n. 1, col. 1124).

Sob o papa São Inocêncio I (m. 417), os Padres dos dois concílios de Cartago (410) e de Mileve (417) submeteram suas decisões contra os erros pelagianos à sua suprema aprovação, seguindo a antiga tradição e sabendo bem o que era devido à Sé Apostólica, "para que toda pronunciação justa dessa Sé fosse confirmada". (S. Inocêncio I, Epíst., xxix, n. 1, P.L., t. xx, col. 583). Também seguiram a regra antiga observada em todo o mundo, sobretudo quando uma questão de fé estava em discussão: "principalmente quando se ventila uma questão de fé, todos os irmãos e bispos devem referir-se a Pedro, isto é, ao autor de sua dignidade e honra" (Epíst., xxx, n. 2, col. 590).

Por solicitação formal desses dois concílios, o papa São Inocêncio I pronunciou-se sobre toda essa questão doutrinal com um julgamento que foi reconhecido como soberano e definitivo (Epíst., xxix, xxx, col. 582 ss., 589 ss.), conforme indica o texto já citado de Santo Agostinho (Serm., cxxxi, 10, P.L., t. xxxviii, col. 734).

E o que atesta que essa tradição de considerar o bispo de Roma como possuidor da suprema autoridade doutrinal já existia há muito tempo na Igreja é esse elogio de Inocêncio I aos bispos da África, que, ao consultar o bispo de Roma sobre a questão da doutrina católica a ser defendida contra os pelagianos, haviam agido "segundo a regra antiga, que vocês sabem ser seguida por todo o mundo" (Epíst., xxx, 2, P.L., t. xx, col. 590). Esse mesmo elogio é novamente dado por Inocêncio aos bispos da África em outra circunstância: "preservando o exemplo da antiga tradição e lembrando-se da disciplina eclesiástica" (Epíst., xxix, 1, col. 583).

O papa São Celestino I (m. 432), por volta de meados do ano 430, antes do Concílio de Éfeso, a pedido formal de São Cirilo de Alexandria, que havia submetido ao papa a questão doutrinal levantada pelo erro de Nestório, segundo o antigo costume das Igrejas de comunicar todas essas questões à Sé Apostólica (Epíst., viii, entre as cartas de São Celestino I, n. 1, P.L., t. L, col. 447), pronunciou por conta própria uma sentença definitiva de condenação e excomunhão contra Nestório (Epíst., xi, n. 4, col. 463). Essa sentença foi anunciada por Celestino aos outros bispos do Oriente (Epíst., xii, n. 2, col. 467), a Nestório em particular (Epíst., xiii, col. 469 ss.), ao clero e ao povo de Constantinopla (Epíst., xiv, col. 497) e, finalmente, ao próprio concílio, ao qual o papa encarregou de executar sua sentença (Epíst., xviii, 5, col. 511).

Além disso, a suprema autoridade doutrinal do papa foi expressamente reconhecida pelo concílio (t. v, col. 157 ss.; P.L., t. l, col. 504; Mansi, Concil., t. iv, col. 1211, 1287 ss.), como testemunha de forma muito explícita a carta em que os Padres do concílio informam ao papa sobre tudo o que ocorreu em suas reuniões (Epíst., xix, n. 2, 6, P.L., t. I, col. 516, 522).

4º Conclusão

Constatamos durante todo esse período, especialmente na segunda metade do século IV e na primeira metade do século V, um progresso notável em relação ao exercício do direito de intervenção doutrinal dos pontífices soberanos e à exposição dos textos das Escrituras que afirmam a autoridade doutrinal de Pedro e de seus sucessores.

1. Na época anterior, não encontramos nenhuma intervenção doutrinal bem explícita e caracterizada. Nesta segunda fase, essas intervenções são bastante numerosas, especialmente na segunda metade do século IV, com os papas São Dâmaso e São Sirício, e na primeira metade do século V, com os papas São Inocêncio I, São Zózimo e São Celestino I.

O que confere ainda maior significado a essas intervenções é que o direito de intervenção é atestado de maneira bastante clara, especialmente na primeira metade do século V, tanto pelos próprios pontífices soberanos quanto pelos principais doutores da época, quando afirmam a tradição obrigatória para todos, reconhecida há muito tempo, de recorrer ao bispo de Roma quando se trata de decidir questões de fé. Isso foi particularmente constatado em várias cartas de São Inocêncio I, São Zózimo e São Cirilo de Alexandria.

Ao mesmo tempo em que se produzem essas intervenções dos soberanos pontífices, sua suprema autoridade doutrinal é universalmente afirmada, como atestam particularmente no século IV, Santo Atanásio, São Basílio, São João Crisóstomo, Santo Epifânio, São Jerônimo, Santo Ambrósio, e no século V, Santo Agostinho, e os Padres do Concílio de Éfeso, que reconhecem como obrigatória para todos a decisão doutrinal emitida pelo papa São Celestino na questão de Nestório.

2. Também há progresso na exposição das Escrituras sobre esta verdade da autoridade doutrinal do bispo de Roma. Vários Padres mencionam, de maneira bastante clara, a prova escriturística contida no texto Tu es Petrus, como fazem Santo Epifânio e São Jerônimo, ou no texto Ego rogavi pro te, segundo Santo Ambrósio e São Cirilo de Alexandria.

Terceiro Período, desde o meio do século V até o início do século XV, caracterizado principalmente por intervenções doutrinais mais frequentes dos soberanos pontífices, ao mesmo tempo em que por afirmações mais explícitas de sua autoridade provenientes de declarações doutrinais do magistério eclesiástico, ou de testemunhos dos principais autores eclesiásticos ou teólogos. São essas intervenções e essas afirmações que serão estudadas para cada um dos séculos desse período.

1º Na primeira metade do século V e no século VI.

1. Principais intervenções ou afirmações doutrinais dos soberanos pontífices.

a) O papa São Leão Magno, em 449, antes do Concílio de Calcedônia, em sua célebre carta ao bispo Flaviano de Constantinopla, Epist., XXVIII, P.L., t. LIV, col. 755 ss., expõe, com uma suprema autoridade, a fé que todos devem seguir relativamente à encarnação, e ordena que seu julgamento seja executado por aqueles aos quais ele dá a comissão. O julgamento doutrinal do papa é considerado pelo próprio concílio como definitivo e estritamente obrigatório para todos, Epist., XCVIII, entre as cartas de São Leão Magno, c. 1, P.L., t. LIV, col. 952; Mansi, Concil., t. VI, col. 147 ss., 155Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 149. Aliás, isso foi expressamente afirmado pelo papa São Simplício, Epist., IV, P.L., t. LVIII, col. 39, pelo papa São Hormisda em seu formulário de fé, Denzinger-Bannwart, n. 171, e, consequentemente, por toda a tradição católica fiel a este formulário de fé.

Por outro lado, a suprema autoridade doutrinal do papa São Leão também se manifestou pela confirmação que ele deu a pedido de Marciano, Epist., CX, às decisões do concílio. São Leão I, Epist., CXIV, P.L., t. LIV, col. 1029.

Não somente São Leão age como possuidor da autoridade doutrinal, mas ele a afirma expressamente. Instruindo seus fiéis de Roma, no aniversário de sua consagração, ele declara que Pedro foi estabelecido fundamento perpétuo da Igreja, Na fortaleza recebida de Pedro, perseveramos; tendo recebido o governo da Igreja, não o abandonou, cuja autoridade vive sempre em seu trono, na qual vive o poder e se destaca a autoridade, e cuja fé foi divinamente dotada de tal firmeza que nenhuma perversidade herética jamais pôde corromper, nem a perfídia pagã pôde superar.Serm., III, c. III, P.L., t. LIV, col. 146 ss. Palavras que expressam manifestamente, não apenas o fato da constante permanência da fé cristã integral em todos os sucessores de Pedro, mas também uma absoluta impossibilidade de qualquer erro na fé, em virtude da instituição divina, portanto, uma autoridade doutrinal infalível.

Em outra circunstância, São Leão, instruindo esses mesmos fiéis de Roma, interpreta assim o texto Simon, Simon ecce Satanas expostulavit ut vos cribraret sicut triticum. Luc. XXII, 31 ss. O perigo era comum a todos os apóstolos e todos igualmente necessitavam do auxílio da proteção divina, pois o demônio queria sacudi-los e esmagá-los a todos. No entanto, Nosso Senhor cuida de Pedro de maneira especial. Sua oração é, na verdade, pela fé de Pedro: Como se a condição dos outros fosse mais certa no futuro, se a mente do governante não fosse vencida. Em Pedro, portanto, a fortaleza de todos é fortalecida, e o auxílio da graça divina é assim ordenado, de modo que a primazia, que por Cristo é concedida a Pedro, pelos apóstolos é conferida por meio de Pedro.  Serm., LXXXIII, 3, col. 431. Se compararmos esse texto com a passagem citada anteriormente, é evidente que também aqui se trata de uma prerrogativa perpétua de Pedro, sempre viva em seus sucessores. Deve-se notar, aliás, que esse uso teológico do texto Ego rogavi pro te, em favor do privilégio da infalibilidade pontifícia, é o primeiro registrado na história desse dogma, exceto por uma breve indicação de Santo Ambrósio, que já assinalamos.

b) O papa São Simplício († 483), após louvar a carta do papa São Leão, que deve servir de regra de fé relativamente à encarnação de Nosso Senhor, acrescenta que, nos sucessores de Pedro, persiste sempre a fé de Pedro: "Pois persiste em seus sucessores esta mesma norma da doutrina apostólica, à qual o Senhor confiou o cuidado de todo o rebanho, à qual prometeu não faltar até o fim do mundo, e à qual as portas do inferno jamais prevalecerão; cuja sentença, o que for ligado na terra, Ele testemunhou que não pode ser desatado nem no céu." Epist., IV, P.L., t. LVIII, col. 40.

c) O cânon escritural dos livros do Antigo e do Novo Testamento, atribuído ao papa São Gelásio († 496), recorda que a primazia da Igreja romana provém não de estatutos sinodais, mas da instituição de Jesus Cristo, conforme Mat. XVI, 18 ss. Depois conclui: "É, portanto, a primeira sede do apóstolo Pedro, a Igreja romana, não tendo mancha, nem ruga, nem algo semelhante." Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 163: P.L., t. LIX, col. 159. Expressões que, segundo todo o contexto desse decreto, onde se trata unicamente de preservar toda a Igreja da contaminação do erro, que poderia advir de livros não aprovados ou rejeitados pela autoridade eclesiástica, significam manifestamente que a Igreja romana, em virtude de sua primazia divinamente instituída, é, por esse mesmo fato, garantida contra toda possibilidade de erro. Se este decreto não é do papa São Gelásio, pelo menos prova a crença da Igreja na infalibilidade pontifícia na época em que foi composto.

d) O papa São Hormisda († 523) impôs aos bispos do Oriente que desejavam estar em comunhão com a Igreja romana um formulário de fé contendo várias afirmações que expressam, de maneira equivalente, a infalibilidade pontifícia.

a. O formulário declara que, conforme a promessa de Jesus Cristo, Mat. XVI, 18, a religião católica sempre esteve sem mácula na sé apostólica, e que na sé apostólica está sempre a íntegra, verdadeira e perfeita solidez da religião cristã.

b. Também é afirmada a obrigação de aderir ao ensinamento da sé apostólica, sob pena de ser privado da comunhão da Igreja católica. Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 171 ss.

Sabe-se, aliás, que este formulário de fé, que por muito tempo foi no Oriente o símbolo da ortodoxia católica e da união com Roma, foi solenemente proclamado regra de fé pelo VIII Concílio Ecumênico em 869, Denzinger-Bannwart, n. 336, e pelo Concílio Vaticano, sess. IV, c. iv, ibid., n. 1832 ss.

e) O papa Bonifácio II (†532). A pedido de São Cesário de Arles, que solicitou a aprovação pontifícia para os decretos do Concílio de Orange sobre a doutrina da graça, "Solicitando que, para remover qualquer ambiguidade, confirmássemos a sua confissão... com a autoridade da Sé Apostólica.", Bonifácio II, após recordar a doutrina católica sobre os pontos em litígio, deu sua aprovação: "Portanto, conhecendo o afeto, saudamos e aprovamos a vossa confissão mencionada acima, que está de acordo com as regras católicas dos Padres.". Epist., i, P. L., t. lxv, col. 31, 33. Deve-se observar que foi por causa desta aprovação especial do papa que o Concílio de Orange, apesar de ser simplesmente regional, sempre foi considerado na Igreja universal como dotado de uma soberana autoridade doutrinal.

f) O papa Pelágio II (†590), em uma carta aos bispos cismáticos da Ístria em 585, interpretou com autoridade as palavras de Nosso Senhor, Lucas, XXII, 32: "Considerai, caríssimos, que a verdade não pode mentir nem a fé de Pedro jamais poderá ser abalada ou mudada: pois, quando o diabo pediu para peneirar todos os discípulos, o Senhor testemunha que rogou apenas por Pedro e desejou que ele confirmasse os demais.". Epist., iii, P. L., t. lxxii, col. 707; Denzinger-Bannwart, n. 246.

2. Testemunhos explícitos dos principais doutores ou personagens eclesiásticos.

a) São Pedro Crisólogo (†450). — Em fevereiro de 449, alguns meses antes da carta de São Leão a Flaviano, Pedro Crisólogo, respondendo a Êutiques, exortou-o a aderir com perfeita obediência às cartas do bispo de Roma: "Porque o bem-aventurado Pedro, que vive e preside em sua própria sede, concede a verdade da fé aos que a buscam". E acrescenta imediatamente: "Nós, por zelo pela paz e pela fé, não podemos ouvir questões de fé fora do consentimento do bispo da cidade de Roma". Epist., lxv, entre as cartas de São Leão Magno, P. L., t. liv, col. 743.

b) Teodoreto, bispo de Ciro (†458), em uma carta a Renato, arquidiácono de Roma, afirma que a Santa Sé de Roma tem a hegemonia sobre todas as Igrejas do mundo por muitos títulos, e antes de tudo porque permaneceu isenta de toda corrupção herética, e que nunca se sentou neste trono alguém com ideias heréticas. Epist., cxvi, P. G., t. lxxxiii, col. 1324. E, em uma carta subsequente ao mesmo arquidiácono, Teodoreto expressa ainda essa convicção de que aqueles que aderem à fé apostólica, isto é, à fé da Igreja de Roma, encontram nela um porto seguro e conveniente. Epist., cxviii, col. 1328.

São Fulgêncio de Ruspe (†533) e quinze outros bispos africanos, escrevendo por volta de 519 àqueles que haviam sido enviados do Oriente a Roma pela causa da fé, falam assim da autoridade doutrinal da Igreja de Roma: "O que a Igreja Romana, que é o cume do mundo, mantém e ensina, todo o orbe cristão crê, sem hesitar na justiça, e não hesita em confessar para a salvação". Epist., xvii, n. 21, P. L., t. lxv, col. 465.

c) Testemunho dos bispos das Gálias no século V e VI.

Por volta de 450, vários bispos das Gálias, ao agradecer ao papa São Leão por sua carta a Flaviano, prestaram uma homenagem muito explícita à sua soberana autoridade doutrinal: "Além disso, crescemos com uma grande e ineffável gratulação peculiar a Ti, porque aquela página especial de vossa doutrina é celebrada em todas as reuniões das Igrejas, de modo que a verdadeira concordância de todos declare os méritos do que foi estabelecido na principal sede apostólica, onde ainda são revelados os oráculos do espírito apostólico". Epist., lxviii, entre as cartas de São Leão Magno, c. i, P. L., t. liv, col. 889.

Perto do final do ano 451, quarenta e quatro bispos das Gálias reunidos em Arles, escrevendo, pela mesma ocasião, ao papa São Leão, se expressam da mesma maneira: “Esses escritos de vosso apostolado são inscritos nas tábuas do coração por todos aqueles que não negligenciam os sacramentos da redenção, como um símbolo de fé, e são guardados na memória com tenacidade, para estarem mais prontos a esmagar os erros dos hereges.” (Epist., xcix, entre as cartas de São Leão Magno, c. ii, col. 967).

No Concílio de Orléans em 549, os bispos gauleses reprovam os erros de Nestório e de Êutiques, conforme as condenações já emitidas pela Sé Apostólica: “Em primeiro lugar, a nefasta seita que, consciente de sua própria maldade e se afastando da verdadeira fé católica, outrora fundou Êutiques, ou qualquer outra doutrina impiamente proferida por Nestório, que a Sé Apostólica Santa condena, também nós, execrando as mesmas seitas com seus autores e seguidores, as anatematizamos e condenamos com o vigor desta constituição presente, pregando a ordem reta e apostólica da fé em nome de Cristo.” (Can. 1, Mansi, Concil., t. ix, col. 129).

2° Nos séculos VII e VIII.

1. Intervenções ou afirmações doutrinais dos pontífices soberanos.

a) O papa São Agatão (†681), em sua carta “Ad augustos imperatores” sobre a questão do monotelismo, indica com plena autoridade, antes da celebração do concílio, a doutrina que todos devem seguir, sob pena de estarem fora da fé ortodoxa. (Epist., I, P. L., t. Lxxxvii, col. 1168 ss., 1205, 1208, 1212). Ver Agatão, 1. 1, col. 559 ss. Essa soberana autoridade doutrinal é plenamente reconhecida pelos Padres do VI Concílio em sua carta ao papa Agatão. (Epist., IV, entre as cartas de São Agatão, col. 1247 ss.) Eles declaram que o bispo da primeira Sé de toda a Igreja é, para eles, um sábio médico dado por Deus, expulsando vigorosamente, com os remédios da ortodoxia, a contaminação da peste herética, e dando aos membros da Igreja saúde e força. Os Padres deixam ao papa a decisão do que deve ser feito, pois ele se apoia sobre a pedra inabalável da fé, (στὴν στερεὰν πέτραν, τῆς πίστεως). Eles reconhecem a carta de Agatão como um escrito da cabeça dos apóstolos, (τὰ γράμματα ὡς ἀπὸ τῆς κορυφαίας τῶν ἀποστόλων αὐθεντίας θεολογηθέντα), col. 1247. Eles afirmam que, na definição de sua fé, foram guiados pelos ensinamentos do papa, (ταῖς ὑμετέραις διδασκαλίαις ὁδηγούμενοι), col. 1251; e pedem ao papa que confirme, por um rescrito, a fé que acabaram de definir, (ἣν καὶ αὐτὸς διὰ τῆς ὑμετέρας ἀντιγράφου ἐπιστηριχθῇ τὴν ὑμετέραν εὐκλήνικον πατριαρχικὴν δήλωσιν), col. 1251Ver Honório I, col. 117.

A carta de Agatão também contém um ensinamento formal sobre a autoridade doutrinal da Igreja Romana. (Ver t. I, col. 560 ss.) A Igreja Romana ou Igreja Apostólica nunca se desviou do caminho da verdade para abraçar qualquer erro, e jamais se poderá provar que tenha errado. Ela sempre guardou, com uma fé sem mancha, aquilo que recebeu desde o princípio da fé cristã, conforme a palavra: “Eu, porém, roguei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, quando te converteres, confirma teus irmãos” (Lc XXII, 32), palavra pela qual Jesus prometeu que a fé de Pedro não poderia falhar, e que ele confirmaria seus irmãos. (Epist. I, P. L., t. lxxxvii, col. 1169, 1205).

b) O papa São Adriano I (†795), em 785, antes do II Concílio de Niceia, em uma carta doutrinal a Constantino e Irene sobre o culto das imagens, solicita, em nome da principal autoridade que lhe pertence por instituição divina, que se siga, em toda essa questão, a fé ortodoxa de sua Igreja Romana, doutrina que ele expõe longamente. (Epist., LVI, P. L., t. xcvi, col. 1218 ss., 1234). Só será aceito em sua comunhão quem aderir plenamente a essa doutrina, col. 1234.

Por volta da mesma época, Adriano, escrevendo a Tarásio de Constantinopla, também lhe solicita, e pelas mesmas razões, que siga, em relação ao culto das imagens, a doutrina da Sé Apostólica. (Epist., LVii, col. 1240).

A soberana autoridade doutrinal do papa Adriano I é plenamente reconhecida pelo II Concílio de Niceia. Quando os legados do papa perguntam ao concílio sobre a aprovação das duas cartas doutrinais do papa, todo o concílio responde unanimemente: "Nós as seguimos, nós as recebemos, nós a elas aderimos." (Mansi, Concil., t. xii, col. 1086).

2. Principais afirmações de autores ou personagens eclesiásticos.

Em 649, os bispos africanos da Numídia, Bizacena e Mauritânia, escrevendo ao Papa Martinho I, reconhecem, como os bispos africanos do século V ao escreverem para Inocêncio I, que, segundo as regras antigas, o que concerne à fé deve, mesmo nas províncias distantes, ser submetido ao conhecimento da Sé de Roma, "para que, pela autoridade deste, a justa pronunciação que tivesse sido feita fosse confirmadae que dali as Igrejas, como de sua própria fonte de nascimento, receberiam o início da pregação, e pelos diversos lugares do mundo manteriam incorrupta a pureza dos sacramentos da fé para a salvação"Mansi, Concil., t. X, col. 920.

São Máximo, o Confessor (m. 666), em uma de suas cartas, rende homenagem à indestrutível confissão de Pedro na fé; contra essa fé, a boca maliciosa dos hereges, aberta como as portas do inferno, será para sempre impotente. Epist., XIII, P. G., t. XCI, col. 512.

3º Nos séculos IX e X.

1. Afirmações doutrinárias do magistério eclesiástico.

a) O Papa São Nicolau I (m. 867), em 860, numa carta ao imperador Miguel, afirma explicitamente que Pedro, por suas orações, continua a sustentar a Igreja, edificada sobre sua fé sólida, e que a sustenta de tal modo que, pela regra da verdadeira fé, reforma prontamente a loucura daqueles que caem em erro, e que as portas do inferno, ou seja, as sugestões dos espíritos malignos e os ataques dos hereges, não podem quebrar a unidade da Igreja. Epist., IV, P. L., t. CXIX, col. 773. São Nicolau I também exige que se siga, relativamente ao culto das imagens, a doutrina ensinada por seus veneráveis e ortodoxos predecessores, col. 777.

Em uma carta a Fócio, em 862, o mesmo Papa insiste novamente sobre a primazia da Igreja Romana, Epist., XII, col. 785 ss.; e, porque a universalidade dos fiéis exige a doutrina e a integridade da fé desta Santa Igreja Romana, que é a cabeça de todas as Igrejas, é necessário que o pontífice romano, a quem todos os fiéis foram confiados, vigie com tanto mais cuidado a guarda do rebanho de Jesus Cristo quanto maior for o desejo de dilacerar esse rebanho, col. 786.

Em 865, numa nova carta ao imperador Miguel, Nicolau I reafirma a autoridade doutrinal soberana da Sé Apostólica por meio desta fórmula já em uso há vários séculos: É evidente, de fato, que o julgamento da Sé Apostólica, cuja autoridade não é maior, não poderá ser revogado por ninguém, nem a ninguém é permitido julgar com base no seu julgamentoEpist., LXXXVI, col. 954.

Em uma carta ao clero de Constantinopla em 866, o mesmo Papa declara que aqueles que atacaram o culto das imagens "enquanto não concordarem conosco sobre essas questões, e não estiverem de acordo com os decretos dos santos pontífices romanos e os ensinamentos de outros padres católicos, nós os declaramos anátema de Cristo e da Igreja católica e apostólica"Epist., CIV, n. 6, col. 1078.

b) O IV Concílio Ecumênico de Constantinopla (869-870) manifesta claramente sua crença, ao menos implícita, no dogma da infalibilidade papal, ao aprovar solenemente o formulário de fé do Papa São Hormisdas, tão explícito em favor da infalibilidade pontifical. Ver t. III, col. 655, 1295.

2. Principais afirmações dos autores eclesiásticos.

a) No Oriente, São Teodoro Estudita (m. 828), em sua carta CXXIX, pede que, para pôr fim à controvérsia sobre o culto das imagens, se envie uma delegação a Roma para que, de lá, se receba a certeza da fé: Κάκειθεν δεξέσθω τὸ ἀσφαλές τῆς πίστεωςEpist., l. II, epist. CXXIX, P. G., t. XCIX, col. 1420. Isso supõe claramente no pontífice romano o poder supremo de declarar, de maneira obrigatória para todos, o que se deve crer, e o poder de declará-lo de maneira infalível. Pois a certeza da fé, que deve resultar do ensinamento do pontífice romano, não pode existir se esse ensinamento não for infalível. São Teodoro também é bastante explícito sobre a primazia do pontífice romano. Epist., l. II, epist. LXXXVI, col. 1332.

b) No Ocidente.

São Pascásio Radberto (m. 860), explicando o texto Tu es Petrus, Mateus XVI, 16 ss., afirma que é uma e a mesma coisa dizer que os ataques das forças infernais jamais prevalecerão contra a fé de Pedro, ou que jamais prevalecerão contra a Igreja que, por essa fé, está fundada em Jesus Cristo. É tudo a mesma coisa, pois nem o fundamento pode ser destruído, nem tal fé pode falhar em sua firmeza, nem a Igreja pode ser abalada pelo choque das tempestades. Expositio in Matth., l. VIII, c. XVI, P. L., t. CXX, col. 561. Afirmar que a fé de Pedro jamais pode falhar em firmeza até o fim dos tempos é, claramente, afirmar que os sucessores de Pedro são infalíveis quando usam sua autoridade suprema para guiar a fé dos fiéis.

São Odão de Cluny (m. 942) reproduz a interpretação de Lucas XXII, 32, dada anteriormente por São Leão I, que, embora o perigo seja comum a todos, Jesus ora especialmente por Pedro, "Por causa da fé de Pedro, suplica-se de maneira apropriada, como se o estado dos outros fosse mais seguro se a mente do líder não fosse vencida. Em Pedro, portanto, é fortalecida a força de todos, e a ajuda da graça divina é assim ordenada de modo que a firmeza que Cristo concedeu a Pedro é conferida aos apóstolos através de Pedro". Serm., I, P. L., t. CXXXIII, col. 713.

Alto de Vercelli (m. 961) conclui do texto Tu es Petrus, Mateus XVI, 16 ss., que a Santa Igreja foi edificada sobre a pedra da solidez da fé apostólica, e que os poderes do inferno não podem prevalecer contra ela. De pressuris ecclesiasticis, part. I, P. L., t. CXXXIV, col. 53. Isso é uma afirmação clara da infalibilidade de Pedro e de todos os seus sucessores.

4º No século XI.

1. Afirmações doutrinais dos soberanos pontífices.

a) O papa São Leão IX (†1054), em uma carta a Miguel Cerulário, em 1053, após ter relembrado as promessas infalíveis de Jesus Cristo: as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mat. XVI, 18) e eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça, e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos (Luc. XXII, 32), baseia-se nessas promessas para fazer a seguinte declaração:

É pelo trono do príncipe dos apóstolos, ou seja, pela Igreja Romana, tanto por São Pedro quanto por seus sucessores, que todas as opiniões dos hereges foram reprovadas e repelidas, e que os corações de todos os irmãos foram confirmados na fé de Pedro, que até hoje nunca falhou e não falhará até o fim dos séculos.

(Epist. c, n. 7, P. L., t. CXLIII, col. 748)

Esse ensinamento é repetido um pouco mais adiante na mesma carta e também apoiado em Lucas XXII, 32:

Com essas palavras, demonstrou-se que a fé dos irmãos seria ameaçada por diversas falhas, mas que, pela fé inabalável e indefectível de Pedro, como por uma âncora firme, ela seria apoiada e confirmada no fundamento da Igreja universal. Ninguém pode negar isso, exceto quem evidentemente ataca essas mesmas palavras da Verdade, pois assim como uma porta é guiada por seu eixo, assim também o bem-estar de toda a Igreja é governado por Pedro e seus sucessores. Assim como o eixo permanece imóvel e conduz a porta, Pedro e seus sucessores têm livre julgamento sobre toda a Igreja, uma vez que ninguém pode remover seu status, porque a Sé Suprema não é julgada por ninguém.

(Epist. c, n. 32, col. 765)

Esse ensinamento é novamente repetido em uma carta a Pedro de Antioquia, em 1054, também apoiado em Lucas XXII, 32: "A venerável e eficaz oração obteve que até agora a fé de Pedro não falhou, nem se acredita que falhará no trono de seu sucessor até o fim dos tempos; mas continuará a confirmar os corações dos irmãos, ameaçados por diversas provações de fé, como tem feito até agora." (Epist. CXI, col. 770).

b) O Beato Urbano II (†1099), em várias cartas, após afirmar a plenitude do poder concedido a Pedro, acrescenta: "Ele também, tanto por sua própria firmeza quanto pela confirmação da fé alheia, espera de Deus, o autor de tudo, que a promessa feita a ele se cumpra: 'Eu roguei por ti, Pedro, para que tua fé não desfaleça, e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos'." (Epist. LVIII, LX, CXLV, P. L., t. CLI, col. 337, 341, 421).

2. Afirmações dos principais autores eclesiásticos.

São Pedro Damião (†1072), em um de seus sermões, ensina que a Igreja Romana é a mãe e mestra de todas as Igrejas, e que a ela foi dito: "Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça." (Serm. XXIII, P. L., t. CXLIV, col. 636).

São Anselmo de Lucca (†1086), em sua obra contra o antipapa Guiberto, declara que, devido à oração feita por Jesus Cristo para que a fé de Pedro não falhasse, a fé do único patriarca romano, fé na qual ele deve confirmar seus irmãos, jamais poderá falhar. (Contra Guibertum antipapam, l. II, P. L., t. CXLIX, col. 469).

5º No século XII.

1. Afirmações doutrinais dos soberanos pontífices.

a) Primeiramente, destacamos que vários papas dessa época reproduzem a fórmula anteriormente empregada por Urbano II; entre eles, o papa Pascoal II (Epist. CLXXVIII, P. L., t. CLXIII, col. 194); o papa Eugênio III (†1153, Epist., CDIX, P. L., t. CLXXX, col. 1435); o papa Anastácio IV (†1154, Epist. XXIX, P. L., t. CLXXXVIII, col. 1019); e o papa Alexandre III (Epist., CCLX, MCCCXXII, P. L., t. CC, col. 301 sqq, 1148 sqq).

b) Inocêncio II (†1143), respondendo em 1140 aos arcebispos e bispos do concílio realizado em Sens, sobre os erros de Abelardo, apoia-se na autoridade que pertence ao sucessor de Pedro, com base nas palavras de Jesus Cristo: "E tu, quando te converteres, confirma teus irmãos", para condenar os falsos dogmas desse inovador, cujo exame final lhe foi submetido. (Epist. CDLXVII, P. L., t. CLXXIX, col. 517; Denzinger-Bannwart, n. 387). Deve-se ainda observar que os bispos da França, em sua súplica ao papa Inocêncio II, haviam expressamente reconhecido sua soberana autoridade doutrinal: "É tua responsabilidade, beatíssimo padre, zelar para que em teus dias nenhuma mancha de heresia macule o ornamento da Igreja. A ti foi confiada a esposa de Cristo, amigo do esposo; cabe a ti, por fim, apresentá-la a Cristo como uma virgem pura." (Epist. CXCI, entre as cartas de São Bernardo, P. L., t. CLXXXII, col. 358).

c) No papa Alexandre III (f. 1181), encontram-se, com a fórmula já mencionada em Urbano II, duas declarações características. Todos aqueles que pertencem ao rebanho de Jesus Cristo estão submetidos ao magistério de Pedro, devem se submeter ao magistério e doutrina de Pedro, segundo a palavra de Jesus. Lucas, xxii, 32. "Todas as vezes que houver uma dúvida sobre algum artigo de fé, deve-se recorrer com confiança à predita Igreja Romana como a mãe e mestra da fé cristã, cuja função é alimentar, instruir e confirmar os povos na fé com a palavra de Deus, sem a qual fé, como testemunha o apóstolo, é impossível agradar a Deus"Epístola, MDXLVII bis, P. L., t. cc, col. 1259.

2. Afirmações dos principais autores eclesiásticos.

Ivo de Chartres (f. 1117) insere em sua coleção canônica as autoridades anteriormente citadas dos papas Agatão e Leão IX. Decreto, parte V, c. XLII, P. L., t. CLXI, col. 337 sq.

Godefroi de Vendôme (f. 1132), em uma carta ao papa Pascoal II, afirma que, agora ainda, a fé de Pedro sempre tem a mesma força em sua sede, que tem o costume de nunca errar; e que Jesus escolheu Pedro para fortalecer a Igreja pela força da fé de Pedro. Epístola, VII, P. L., t. CLVI, col. 42 sq.

Hildeberto de Le Mans (f. 1133), em um de seus sermões, após citar o texto "Et tu aliquando conversus confirma fratres tuos" (E tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos), acrescenta que Pedro é o fundamento ao qual a Igreja está unida; pois é pela fé de Pedro que todos os membros aderem à Igreja. Sermão, XCVIII, P. L., t. CLXXI, col. 795.

São Bernardo (f. 1153), na carta em que denuncia a Inocêncio II os erros de Abelardo, elogia assim a autoridade doutrinal do papa: "É necessário que vossa autoridade apostólica seja instruída sobre os perigos e escândalos que surgem na Igreja, especialmente aqueles que dizem respeito à fé. Pois considero que é digno que os danos causados à fé sejam reparados, principalmente onde a fé não pode sofrer nenhuma falha. Considero, portanto, que os danos à fé devem ser reparados principalmente onde a fé não pode falhar. Este é o privilégio desta sede." O santo doutor prova isso pelo texto de São Lucas, XXII, 32: "Pois a quem mais foi dito: 'Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça'?" Portanto, o que se segue é exigido do sucessor de Pedro: "E tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos." Ele, então, pede ao papa que exerça sua autoridade: "De fato, vós preencheis o lugar de Pedro, cuja sede ocupais, se confirmardes os corações vacilantes na fé com vossa admoestação, se destruirdes os corruptores da fé com vossa autoridade.Epístola, CXC, ou tratado a Inocêncio II, P. L., t. CLXXXII, col. 1053 sq.

Anselmo de Havelberg (f. 1154), nas conferências que teve com os gregos, durante sua estadia em Constantinopla, provou especialmente a primazia da Igreja e o magistério do pontífice romano: "Portanto, sabendo o Senhor que outras Igrejas seriam extremamente afligidas por impulsos heréticos, e que a Igreja Romana, que ele mesmo fundou sobre Pedro, jamais seria debilitada na fé, disse a Pedro: 'Eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça, e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos', como se ele lhe dissesse: 'Tu, que recebeste esta graça, para que, quando os outros naufragarem na fé, permaneças sempre imóvel e constante na fé, confirma e corrige os vacilantes, e, como o provedor, doutor, pai e mestre de todos, assume o cuidado e a preocupação por todos.' Ele merecidamente recebeu o privilégio de preeminência sobre todos, aquele que recebeu de Cristo o privilégio de guardar a integridade da fé acima de todos.Diálogos, livro III, c. V, P. L., t. CLXXXVIII, col. 1213 sq. Um pouco mais adiante, Anselmo prova que a Igreja Romana possui, em virtude da instituição divina, dois privilégios: "a saber, acima de todos, a pureza incorrupta da fé, e sobre todos, o poder de julgar," livro III, c. XII, col. 1223.

Embora o Decretum de Graciano (f. 1158), considerado em sua totalidade, não forneça nenhum testemunho conclusivo em favor da infalibilidade pontifícia, mencionamo-lo aqui, porque, nos séculos seguintes, ele forneceu argumentos tanto aos adversários quanto aos defensores da infalibilidade pontifícia.

Contra a infalibilidade pontifícia, invocou-se a atitude tomada por Graciano em relação a Anastácio II. O autor do Decreto relata primeiro a decretal, aliás autêntica, de Anastácio II, reconhecendo a validade dos sacramentos conferidos por Acácio de Constantinopla após sua deposição, e estabelecendo de forma geral a validade dos sacramentos conferidos por ministros indignos. Em seguida, ele acrescenta: "Por ter agido de maneira ilícita e anticânonica, contra os decretos de seus predecessores e sucessores, Anastácio é rejeitado pela Igreja Romana, e sabe-se que ele foi golpeado por Deus, assim lê-se: "Por isso é repudiado pela Igreja Romana e consta que foi ferido por Deus desta maneira." Segue-se a nota extraída do Liber Pontificalis, que justifica a afirmação de Graciano. Decreto, I, dist. XIX, c. 8 e 9, P. L., t. CLXXXVII, col. 109 sq.; ed. Friedberg, t. I, col. 63 sq. Observa-se apenas que a avaliação severa de Graciano não recai sobre o decreto dogmático de Anastácio, mas apenas sobre as colusões das quais este papa teria sido culpado com hereges declarados. Nisso, Graciano apenas seguia sua época, que unanimemente considerava Anastácio como um dos papas que caiu na heresia. Ainda no século XIV, Dante deu a Anastácio um lugar em seu Inferno, canto XI, 9, "aquele que Fotino desviou do caminho reto." Veja J. Döllinger, Die Papstfabeln des Mittelalters, p. 124 sq.

Em favor da infalibilidade, pode-se citar o dictum de Graciano assim formulado: Jesus Cristo, concedendo a Pedro, prae omnibus et pro omnibus, as chaves do reino dos céus, dá sua palavra, que orou especialmente pela fé de Pedro e lhe ordenou que confirmasse seus irmãos com estas palavras: Ego rogavi pro te ut non deficiat fides tua, et tu aliquando conversus confirma fratres tuosDecreto, parte I, dist. XXI, ed. Migne, col. 115; Friedberg, col. 67.

Decretum ainda contém vários cânones favoráveis à infalibilidade pontifícia, quase todos de origem pseudo-isidoriana. A santa e apostólica Igreja romana, mãe de todas as Igrejas, nunca se desviou da verdadeira fé apostólica e mantém intacta, até a consumação dos séculos, a regra da fé cristã que recebeu de seus fundadores. Decreto, parte II, causa XXIV, q. I, c. 9, cânone pseudo-isidoriano, ed. Migne, col. 1268; Friedberg, col. 969. A fé da Igreja romana nunca favoreceu nenhuma heresia e destrói todas elas, c. 10, cânone pseudo-isidoriano, ed. Migne, col. 1268; Friedberg, col. 969. Na Sé apostólica, a religião católica sempre foi isenta de mancha, c. 11, cânone pseudo-isidoriano, ed. Migne, col. 1268; Friedberg, col. 969. Sempre que a questão da fé é levantada, há a obrigação para todos, fiéis e bispos, de se referirem a Pedro, para que este possa, em todo o mundo, ser útil a todas as Igrejas, segundo a carta do papa São Inocêncio I, em 417, aos bispos do Concílio de Mileve, c. 12, ed. Migne, col. 1269; Friedberg, col. 970. Cabe ao papa, que guarda a fé e o trono de Pedro, corrigir o que possa ter sido dito de forma menos prudente ou cautelosa em relação à fé. A santa Igreja romana, que sempre permaneceu imaculada, sempre permanecerá assim no futuro, com a ajuda da providência divina e do bem-aventurado apóstolo Pedro, e ela continuará, em todos os tempos, a estar protegida de todos os ataques da heresia e firmemente inabalável, c. 14, cânone pseudo-isidoriano, ed. Migne, col. 1269; Friedberg, col. 970. Não é permitido ensinar ou pensar de maneira diferente do que foi ensinado pelo bem-aventurado Pedro e os outros apóstolos, porque São Pedro é o chefe de toda a Igreja, a quem todos os assuntos importantes devem ser referidos, c. 15, cânone pseudo-isidoriano, ed. Migne, col. 1270; Friedberg, col. 970.

6º No século XI.

1. Intervenções doutrinais ou afirmações dos soberanos pontífices.

a) No papa Inocêncio III (f. 1216), encontram-se, mais ou menos, as mesmas expressões que nos seus predecessores do século XII. Ele afirma, em várias circunstâncias, que Jesus orou especialmente para que a fé de Pedro não falhasse (Lucas, 22, 32); que, em consequência, cabe a Pedro e aos seus sucessores confirmar os outros, de tal forma que a necessidade de lhes obedecer seja imposta. Regesta, l. II, epíst. ccix, P. L., t. ccxiv, col. 760; Registrum de negotio romani imperii, epíst. lxxxv, P. L., t. ccxvi, col. 1091.

Deve-se também mencionar o título de mãe e mestra de todos os fiéis dado à Igreja Romana pelo IV Concílio de Latrão em 1215. Denzinger-Bannwart, n. 433, 436.

b) O papa Clemente IV, em 1267, determina, por sua única autoridade, a profissão de fé exigida de Miguel Paleólogo, imperador de Constantinopla, visando à união projetada com a Igreja Romana. Nesta profissão de fé, o papa, por sua própria iniciativa, insere a afirmação explícita de vários dogmas que, até então, não tinham sido objeto de tal afirmação, nem nas profissões de fé, nem nas declarações dos concílios: nomeadamente, a crença no Espírito Santo procedendo ex Patre Filioque, a crença no purgatório e na eficácia dos sufrágios oferecidos pelas almas do purgatório, e toda a doutrina sobre os sacramentos. Denzinger-Bannwart, n. 463 sq.

Deve-se também notar a insistência com que a profissão de fé propõe a crença da Igreja Romana como a regra de fé que todo fiel católico deve seguir, assim como a afirmação muito explícita da autoridade doutrinal soberana do papa: Et sicut prae caeteris tenetur fidei veritatem defendere, sic et si quae de fide subortae fuerint questiones, suo debent judicio definiriDenzinger-Bannwart, n. 466. Sabe-se, além disso, que essa profissão de fé foi solenemente aprovada e aceita pelo II Concílio Ecumênico de Lyon em 1274.

c) Convém especialmente observar que as condenações feitas, nessa época, com autoridade soberana pelos pontífices romanos, têm por objeto não apenas a reprovação do que é direta e imediatamente contrário à fé, como a condenação feita contra os cátaros e outros hereges do mesmo gênero, Denzinger-Bannwart, n. 444, mas também o que é contrário à fé de maneira mais indireta e distante, como o abuso teológico de novas expressões emprestadas da filosofia ou de raciocínios puramente naturais, n. 442 sq. Ver Église, t. iv, col. 2182.

2. Afirmações dos principais teólogos.

Citaremos particularmente Inocêncio III em seu tratado De sacro altaris mysterio composto antes de seu pontificado, Santo Tomás e São Boaventura.

a) Inocêncio III (f. 1216) insiste na impossibilidade de qualquer erro na fé da Sé Apostólica, de acordo com o texto Ego autem pro te rogavi: “Portanto, cabe a Pedro, como mestre, confirmar os outros, cuja fé não falhou em nenhuma tentação. Pois a fé da Sé Apostólica, sempre fundada sobre a rocha firme da estabilidade, nunca pôde ser manchada pelas impurezas dos erros; mas permanecendo sem ruga e sem mancha, conforme a necessidade dos tempos, limpou as manchas dos erros dos outros.” De sacro altaris mysterio, l. I, c. viii, P. L., t. ccxvii, col. 778.

b) Em São Tomás (f. 1274), manifesta-se um progresso muito acentuado na expressão do dogma da infalibilidade pontifícia que, sem ser o objeto de um estudo especial, é, no entanto, claramente indicado. Em sua refutação dos erros dos gregos, o santo doutor mostra particularmente, pelo texto de São Lucas 22, e pelo testemunho de vários Padres orientais, que cabe ao pontífice romano determinar quae fidei sunt (o que pertence à fé). Contra errorem Graecorum, c. XXXII.

Nas Quaestiones quodlibetales, São Tomás, examinando esta questão: Utrum omnes sancti qui sunt per Ecclesiam canonizati, sint in gloria (se todos os santos canonizados pela Igreja estão na glória), estabelece este princípio geral: Certe é certo que o julgamento da Igreja universal não pode errar em questões de fé. Depois, com base na identificação que ele estabelece entre a autoridade doutrinal da Igreja e a do papa, conclui que se deve aderir à decisão do papa, que determina o que pertence à fé. Quodlibet., IX, q. VII, a. 16. Não examinaremos aqui a resposta dada por São Tomás à questão particular da canonização dos santos. Ver t. iv, col. 2182 sq. Queremos apenas destacar sua conclusão sobre a natureza e o objeto da infalibilidade pontifícia. Em sua natureza, ela deve ser identificada com a infalibilidade da Igreja. Em seu objeto, ela se estende a tudo o que pertence à fé, incluindo o que indiretamente lhe pertence, de acordo com a doutrina de São Tomás previamente indicada. Ver Depósito da Fé, t. IV, col. 528 sq.

Na Suma Teológica, a autoridade doutrinal do soberano pontífice é apoiada nas palavras de Jesus Cristo: Ego pro te rogavi (Lucas 22, 32). Cabe a essa autoridade determinar ea quae sunt fidei (as coisas da fé) para que sejam sustentadas por todos com fé inabalável. IIa IIae, q. 1, a. 10. Essa determinação doutrinal pode se estender a tudo o que é necessário para a explicação da fé contra insurgentes errores (contra os erros insurgentes), ad lum. Como exemplo dessa determinação feita pela autoridade doutrinal soberana do papa, São Tomás indica o símbolo atribuído a Santo Atanásio, que se tornou uma regra de fé pela aprovação do soberano pontífice: quia integram fidei veritatem ejus doctrina breviter continebat, auctoritate summi pontificis est recepta, ut quasi regula fidei habeatur (porque continha em sua doutrina a verdade completa da fé de forma resumida, foi recebida pela autoridade do sumo pontífice como regra de fé), ad 3um.

c) Em São Boaventura, encontra-se apenas as fórmulas já em uso antes dele. Nas Quaestiones disputatae de perfectione evangelica, ao tratar da obediência devida ao soberano pontífice, ele mostra o fundamento dogmático na primazia estabelecida por Jesus Cristo. Ele afirma particularmente que toda a solidez da Igreja vem de Pedro, unde et tota firmitas ipsius Ecclesiae principaliter manat a soliditate unius Petrae et unius Petri qui est vicarius Petrae (de onde toda a firmeza da própria Igreja provém principalmente da solidez de uma só Pedra e de um só Pedro, que é o vigário da Pedra); o que ele prova por Mateus 16, 18, e Lucas 22, 32; ele também acrescenta um cânon pseudo-isidoriano inserido no Decreto de Graciano sob o nome de São Jerônimo. De perfectione evangelica, q. IV, a. 3, Opera, Quaracchi, 1891, t. V, p. 195.

Em seu comentário sobre São Lucas, o santo doutor declara que foi concedido a Pedro, ut de Ecclesia ejus nunquam deficiat vera fides (que a verdadeira fé nunca falte em sua Igreja), conforme Lucas 22, 32. Comment, in Evangelium Lucae, c. IX, n. 34, t. VII, p. 227. Um pouco mais adiante, o texto Ego autem rogavi pro te ut non deficiat fides tua (Eu roguei por ti para que a tua fé não desfaleça) é explicado, seja sobre Pedro, que caiu, mas que não permaneceu em sua queda, seja sobre a Igreja de Pedro, pela qual Jesus Cristo orou e que, embora seja abalada, não naufraga. Hoc enim posuit Deus in illa Ecclesia ad confirmationem aliarum (Pois Deus colocou isso naquela Igreja para a confirmação das outras). Comment, in Evang. Lucae, c. XXII, n. 43, p. 552.

Na Apologia pauperum, São Boaventura observa que, se, no tempo do sacerdócio prefigurativo, aqueles que se opunham à decisão do sumo sacerdote eram punidos com a morte, muito mais, sob a lei da verdade e da graça, quando a plenitude do poder foi manifestamente dada ao vigário de Jesus Cristo, "é evidente que não deve de forma alguma ser tolerado o mal na fé ou nos costumes ao contradizer sua definição dogmática, aprovando o que ele reprova, reconstruindo o que ele destrói, defendendo o que ele condena. Apologia pauperum"c. I, t. VIII, p. 235.

7° No século XIV.

1. Intervenções doutrinais dos soberanos pontífices.

Não podendo relatar em detalhes todas essas intervenções, muito numerosas nessa época, limitamo-nos a indicar suas principais características.

a) Às vezes, os papas, por sua única autoridade, definem a doutrina à qual todos os fiéis são estritamente obrigados a aderir, mesmo em questões que até então não tinham sido objeto de um ensinamento muito explícito. Tal foi, em particular, a declaração de Bento XII em 1336, relativa ao momento em que começa a visão beatífica para as almas suficientemente purificadas ao deixarem esta vida terrestre. Denzinger-Bannwart, n. 530 sq. Ver t. ii, col. 657-658.

b) Às vezes também, os papas, por sua única autoridade, condenam vários erros como sendo heresias formais, ou como marcados de heresia. Isso aconteceu particularmente com os fratricelos, cujas assertivas foram reprovadas como heréticas, ao menos em parte, Denzinger-Bannwart, n. 490; e com os erros de Marsílio de Pádua e João de Jandun, rejeitados como contrários à Escritura e à fé católica, e como heréticos no que diz respeito à constituição da Igreja. Ibid., n. 495 sq., 500.

c) Além disso, os papas reprovam, tanto junto com artigos heréticos como fora de qualquer condenação de heresia, proposições falsas, perigosas, suspeitas ou errôneas, como as proposições principalmente filosóficas de Nicolau de Outrecour condenadas por ordem de Clemente VI em 1348, ibid., n. 553 sq., e várias assertivas atribuídas a Eckart, n. 501 sq.

d) Sem tentar determinar aqui, para cada um desses diversos casos, até que ponto cada decisão é considerada estritamente infalível, basta-nos constatar que a autoridade doutrinal do papa se exerce como uma autoridade obrigatória para todos em tudo o que pertence à fé, e que ela é, segundo a doutrina de São Tomás, praticamente identificada com a autoridade doutrinal da Igreja.

2. Afirmações dos autores eclesiásticos.

Nessa época, quando os teólogos ou canonistas falam da Igreja e do papado, é sobretudo para refutar as pretensões cesaristas dos legistas da época ou os erros de Marsílio de Pádua e João de Jandun relativos à constituição da Igreja, ou os erros cesaristas de Ockham e seus partidários. Somente de maneira incidental eles falam da infalibilidade pontifícia. Suas afirmações são, no entanto, bastante explícitas. Citaremos particularmente Egídio Romano, Fasitelli e Triumphi.

a) Discípulo de São Tomás, Egídio Romano (f. 1316) reproduz e acentua sua doutrina. "Cabe ao sumo pontífice e à plenitude de seu poder ordenar o símbolo da fé e estabelecer o que parece dizer respeito aos bons costumes, pois, seja sobre a fé ou sobre os costumes, qualquer questão que surgisse competiria a ele dar a sentença definitiva, estabelecer e firmemente ordenar o que os cristãos deveriam crer. Esta função lhe advém de sua primazia, que lhe confere a responsabilidade e o poder de regulamentar na Igreja tudo o que pertence à fé e também o que pertence aos costumes. Os outros doutores procedem per viam doctrinae; somente o papa pronuncia com autoridade: o que deve ser mantido como doutrina ... (pertencerá exclusivamente ao sumo pontífice"De ecclesiastica potestate, prólogo, Florença, 1908, p. 7.

Este caráter "definitivo" dos atos pontifícios implica evidentemente sua infalibilidade. A tradição, ainda um pouco confusa de Graciano e dos canonistas, é aqui claramente fixada no sentido pontifício.

b) Alexandre Fasitelli (†1325), também chamado Alexandre de Saint-Elpidius, se inspira notoriamente em Egídio. Querendo provar que o poder de jurisdição, no soberano pontífice, vem diretamente de Jesus Cristo, ele oferece, entre outros argumentos, este que é deduzido da unidade de fé que deve existir na Igreja Católica. Como dúvidas podem surgir e surgem constantemente em relação à fé, é necessário que alguém tenha o poder de julgar e de dar uma decisão nessas matérias, e que tenha esse poder diretamente daquele que foi principalmente o ordenador e edificador da Igreja e da fé. Pois, embora outros doutores possam raciocinar sobre essas questões, uma decisão soberana e final pode e deve pertencer apenas ao vigário universal da Igreja, que deve dirigir e governar toda a Igreja: "autoridade e determinação para tratar e investigar essas questões só pode e deve pertencer ao vigário universal da Igreja, que deve dirigir e governar toda a Igreja"Tractatus de potestate ecclesiastica, tr. I, c. IV, Lyon, 1498, sem paginação. A mesma afirmação se encontra em Hervé de Nédellec (†1323), Tractatus de potestate papæ, em Rocaberti, Bibliotheca maxima pontificia, Roma, 1698, t. VII, p. 703.

c) Agostinho Triumphi, também chamado Agostinho de Ancona (†1328), reproduz a doutrina de São Tomás, de quem foi discípulo. Examinando a questão: utrum ad papam spectet determinare quæ sunt fidei? (se cabe ao papa determinar o que pertence à fé?), ele responde que a fé de toda a Igreja é uma, segundo o testemunho da Escritura. Efésios, iv, 5. A determinação do que é de fé pertence, portanto, àquele que é o chefe de toda a Igreja, ou seja, ao soberano pontífice, sucessor de Pedro e chefe da Igreja pela qual o Salvador orou particularmente. Lucas, XXII, 32. Summa de ecclesiastica potestate, q. X, a. 2, Colônia, 1475, sem paginação.

d) No que diz respeito particularmente à Igreja da França nessa época, citaremos um decreto do bispo de Paris em 1324 e uma declaração da Universidade de Paris em 1387.

a. Em 1324, o bispo de Paris, Estêvão (Stephanus de Borreto), publicou um decreto anulando a condenação proferida em 1276 por Estêvão Tempier, bispo de Paris, contra vários artigos de São Tomás, na medida em que tocam ou se afirma tocarem a sã doutrina de São Tomás, referido e eminente doutor. Essa anulação é motivada pela estima que a Santa Igreja Romana, mãe de todos os fiéis e mestra da fé e da verdade, tem por esse eminente doutor, fundada na firmíssima confissão de Pedro, vigário de Cristo, à qual a aprovação e reprovação das doutrinas, a declaração das dúvidas, a determinação do que deve ser mantido e a refutação dos erros pertencem como regra universal da verdade católicaDuplessis d'Argentré, Collectio judiciorum de novis erroribus, Paris, 1728, t. I, p. 222 sq.; Denifle-Chatelain, Chartularium universitatis Parisiensis, n. 838, Paris, 1891, t. II, p. 280 sq.

b. Em 1387, numa carta ao papa de Avignon, que havia tomado o nome de Clemente VII, e que a França considerava o papa legítimo, Pedro d'Ailly, chanceler da Universidade de Paris, falando em nome da universidade e expressando sua doutrina relativamente aos deveres dos fiéis para com a Sé Apostólica, afirma, em nome da universidade, que todos se submetem ao julgamento da Sé Apostólica, dizendo, com São Jerônimo, que essa é a fé que eles aprenderam na Igreja Católica e que desejam, em tudo o que pode ter sido imprudentemente avançado, menos habilmente ou menos cuidadosamente exposto, ser corrigidos por aquele que detém tanto a fé quanto a Sé de Pedro. Sfondrati, Gallia vindicata, diss. IV, p. II, em Rocaberti, t. VI, p. 884.

8º Conclusão.

Ao mesmo tempo em que se constata, entre os soberanos pontífices, intervenções doutrinais mais frequentes do que na época anterior, observa-se, pela primeira vez no século V, e nos séculos seguintes, afirmações doutrinais dos soberanos pontífices declarando, segundo o ensinamento de Nosso Senhor, que a fé de Pedro e de seus sucessores nunca pode falhar. Tais são, no século V, as afirmações de São Leão I e as dos papas São Agatão, São Nicolau I e São Leão IX nos séculos seguintes.

Também se constata na Igreja universal um progresso na expressão da crença muito explícita na autoridade doutrinal suprema dos bispos de Roma. Essa crença é particularmente atestada por vários concílios ecumênicos, especialmente o de Calcedônia, o III e o IV de Constantinopla e o II de Niceia, que se submetem plenamente às decisões doutrinais anteriormente proferidas pelo papa.

Muito evidente ainda é a expressão dessa mesma crença entre os autores eclesiásticos desse período, nos quais se observa um conhecimento mais explícito do dogma da infalibilidade pontifical, como pode ser observado particularmente em São Tomás no século XIII. Também se nota um uso, ainda que pouco detalhado, mas mais explícito do que na época anterior, dos dois textos bíblicos, Mateus 21, 18 e Lucas 22, 32, e um uso frequente do ensinamento dos soberanos pontífices nessa matéria, especialmente desde a formação das coleções canônicas da Idade Média.

IVª PERÍODO, desde o início do século XV até o início do século XVI. Esta época é caracterizada pelo vigoroso desenvolvimento das doutrinas que reduzem o poder administrativo e doutrinal do papa e que logo tomam o nome de galicanismo. As lamentáveis discussões do grande cisma, nas quais foi comprometida a autoridade do soberano pontífice, explicam de maneira bastante suficiente o ressurgimento das teorias que já haviam sido avançadas no século anterior pelos teólogos do círculo de Luís da Baviera. No entanto, os defensores do papado não ficaram sem resposta. Diante do galicanismo, a doutrina ultramontana se define e se acentua.

 Os mais notáveis representantes do galicanismo nessa época são Pedro d’Ailly, Gerson e Tudeschi.

Pedro d’Ailly (†1420), por seus erros sobre a Igreja e sobre o papa, mencionados no volume I, col. 647, foi levado a rejeitar, ao menos teoricamente, a infalibilidade pontifical. Segundo ele, o papa pode se enganar em questões de fé, como Pedro, a quem Paulo disse ter resistido, Gálatas 2, 11, porque Pedro era repreensível, não caminhando corretamente na verdade do Evangelho. Tractatus de Ecclesiæ, concilii generalis, romani pontificis et cardinalium auctoritate, parte III, cap. IV, nos Opera de Gerson, Antuérpia, 1706, t. II, col. 958. Segundo uma opinião citada aqui e não criticada por d’Ailly, a isenção de todo erro, garantida pela palavra de Jesus Cristo, Mateus 16, 18 e Lucas 22, 32, deve ser entendida unicamente como aplicável à fé da Igreja universal, representada em um concílio geral, ou, de acordo com outra opinião também citada sem qualquer crítica, deve ser entendida simplesmente como aplicável à fé da Igreja universal, que tem o privilégio especial de não errar na lei. No entanto, pode-se crer piedosamente na inerrância de um concílio geral quando ele se baseia nas Sagradas Escrituras ou em uma autoridade inspirada pelo Espírito Santo; caso contrário, ele de fato se enganou frequentemente. Loc. cit. Contudo, tudo isso é afirmado com alguma hesitação, não determinando de forma definitiva, mas sugerindo doutrinariamente. E, por fim, o autor se submete à definição do concílio: pois submeto a definição dessa questão à determinação do sagrado concílioLoc. cit.

Gerson (†1429) admite que, às vezes, é permitido declinar o julgamento do papa em questões de fé e apelar para outra autoridade. Ele baseia essa afirmação em um decreto do Concílio de Constança na sessão de 6 de abril de 1415; decreto não aprovado por Martinho V e, consequentemente, sem autoridade. Ver tomo III, col. 1220 e seguintes. Gerson também se apoia no fato da resistência de São Paulo à autoridade de Pedro, a quem é atribuída, naquela circunstância, uma falha na fé, porque ele não caminhava então na verdade do Evangelho. Gerson assegura que não há nisso contradição com a bula de Martinho V, de 10 de março de 1418, proibindo qualquer apelo da sentença do papa a um futuro concílio. Pois essa constituição, que não merece nenhuma reprovação teológica, é suscetível de uma interpretação muito razoável e verdadeira, a saber, que não é permitido apelar do julgamento do papa ou declinar seu julgamento em questões de fé, não indistintamente e em todos os casos, mas quando o papa faz tudo o que dele depende, quando não parece desviar-se da fé e quando ele caminha corretamente segundo a verdade do Evangelho, sem acepção de pessoas. O que é verdadeiramente o caso de Martinho V, segundo sua afirmação e conforme o teor da constituição mencionada. Quomodo et an liceat in causis fidei a summo pontifice appellare seu ejus judicium declinare, tratado escrito em 1418, Gerson, Opera, Antuérpia, 1706, t. II, col. 303 e seguintes, 308.

Nicolau Tudeschi, também chamado Nicolau da Sicília ou Panormitanus (†1445), admite certa superioridade do concílio sobre o papa no que diz respeito à fé. Ele conclui que o papa não pode dispor contra o que foi estabelecido por um concílio. Segundo ele, se o papa fosse movido por razões e autoridades melhores do que aquelas sobre as quais o concílio se baseia, deveria prevalecer a decisão do papa, porque o concílio pode errar, como já errou no passado sobre o casamento entre o raptor e a raptada. Tudeschi acrescenta até que, em matéria de fé, a palavra de um leigo deveria ser preferida à do papa, se ele fosse movido por razões e autoridades melhores do Novo e Antigo Testamento do que o papa.

Quanto ao texto Ego rogavi pro te ut non deficiat fides tua, deve-se entendê-lo como aplicável à Igreja enquanto ela é a coleção de todos os fiéis. Essa promessa de Jesus Cristo seria mesmo suficientemente cumprida se a fé permanecesse em uma única alma, como aconteceu após a paixão de Jesus, quando a fé permaneceu intacta na única alma de Maria. Commentaria in Decretal, l. I, tit. vi, c. iv, n. 3, Veneza, 1617, l. 1, p. 108.

Afirmações bastante semelhantes às de Tudeschi também são encontradas em Angelo de Clavasio e Denis, o Cartuxo. Angelo Carletti de Clavasio (†1495), apoiando-se no Decreto de Graciano, afirma que o papa pode errar na fé, mas não toda a Igreja. Summa angelica, art. Papa, q. ix, Veneza, 1525, fol. 618. Denis, o Cartuxo ou de Ryckel (†1471), comparando a autoridade do papa e a de um concílio geral, afirma que um concílio geral não pode errar na fé, nem no que diz respeito aos bons costumes, porque ele é, nessas determinações, imediatamente guiado pelo Espírito Santo. Portanto, nessas matérias, deve-se seguir a determinação da Igreja ou os estatutos do concílio como se fossem a determinação e a decisão do Espírito Santo. E como o papa pode errar na fé, nos costumes e em outras coisas necessárias à salvação, não parece que se deva, em última instância e com certeza, seguir o seu julgamento, uma vez que ele não é uma regra infalível, nem um fundamento incapaz de desviar-se. De auctoritate summi pontificis et generalis concilii, l. I, a. 29, Opera omnia, Tournai, 1908, t. XXXVI, p. 570 e seguintes. Por isso, Denis conclui que a decisão final em matéria de fé parece pertencer a um concílio geral, porque não se pode dar assentimento à decisão do papa sem receio, enquanto se pode aderir com certeza à determinação feita pela Igreja. No entanto, cabe à autoridade do papa formular um símbolo de fé, ainda que a pessoa a quem tamanha autoridade seja confiada seja, como as outras, frágil e sujeita ao pecado. Em consequência, diante de uma decisão proveniente de tal pessoa, não se está necessariamente tão certo como em relação às decisões da Igreja universal infalível, à qual cabe declarar a justa conformidade de um símbolo de fé redigido pelo papa. Do mesmo modo, quando o concílio não está atualmente reunido, deve-se recorrer principalmente ao papa, que, em consideração à sua fraqueza, não tem o costume de resolver questões difíceis sem a aprovação da Igreja ou sem a presença de um concílio. Loc. cit., p. 571 e seguintes.

2º A paridade dessas opiniões se manifesta, nessa mesma época, um primeiro desenvolvimento teológico do dogma da infalibilidade pontifícia, particularmente em Tomás Netter, São Antonino de Florença e o cardeal Torquemada.

1. Tomás Netter, também chamado de Waldensis (†1445), prova, por diversos testemunhos dos Padres, que o papa possui, desde a antiguidade, o poder inquebrantável de determinar as verdades da fé e de debelar e cancelar todas as falsidades heréticas. Doctrinale antiquitatum fidei Ecclesiae catholicae, l. II, a. 3, c. 47, Veneza, 1571, t. I, p. 284 e seguintes; e que a Igreja romana, pelo ensino do papa, está perpetuamente protegida de todo erro na fé, l. II, c. 48, p. 287 e seguintes. Em favor dessa imunidade contra o erro na fé, é citada a autoridade de Lucas 22, 32, e de Mateus 16, 18, p. 287, 289; e dessas autoridades escriturísticas, Netter conclui que Pedro, que foi o primeiro a confessar a geração divina, recebeu primeiro, de Jesus Cristo, a prerrogativa da autoridade para que a Igreja fosse fundada sobre sua fé, antes dos outros apóstolos, p. 288; e que aquele a quem Jesus disse Ego rogavi pro te ut non deficiat fides tua é o mestre único pelo qual o ensino da fé na Igreja é uno, p. 287.

Objeta-se contra esta passagem de Netter: Talvez pudesse haver a suspeita de algum sábio fiel, talvez de um bispo e, entre algum pertinaz, de algum clero, seja da universidade, seja do sínodo episcopal, ou mesmo de algum decreto comum da Igreja Romana, talvez até de um concílio geral dos padres do mundo, porque nenhum desses é a Igreja Católica simbólica, nem reivindica para si que lhe seja dada fé sob pena de perfídia, p. 196.

É manifesto que aqui o objetivo de Netter é unicamente destacar a brilhante autoridade do magistério ordinário da Igreja universal. Essa autoridade é dada como tão indiscutível, aos olhos de todos, que qualquer um que não lhe obedeça imediatamente é condenado por todos, sem nenhuma hesitação, como um rebelde; enquanto que, para as outras autoridades, até mesmo para um concílio geral e para algum decreto da Igreja Romana, toda possibilidade de suspeita contra sua verdade ou obrigação não é absolutamente descartada, pelo menos em algum caso particular e entre algum pertinaz. A autoridade dos decretos da Igreja Romana não é, portanto, de forma alguma negada; ela é simplesmente considerada menos brilhante, pelo menos em algum caso particular, do que a autoridade do magistério ordinário da Igreja universal.

Quanto à frase nec vindicat sibi fidem dari sub poena perfidiae (nem reivindica para si que lhe seja dada fé sob pena de perfídia), aplicada aos decretos da Igreja Romana, assim como às outras autoridades mencionadas, ela pode simplesmente significar que não há necessariamente a obrigação de aderir a eles sob pena de perda da fé católica; o que, nos séculos seguintes, e na ausência de uma definição formal até o Concílio Vaticano, ainda foi admitido por muitos teólogos.

Em outra passagem, Netter afirma incidentalmente que a promessa de Jesus, Ego rogavi pro te (Eu rezei por ti), feita a Pedro, deve ser entendida como aplicada à Igreja universal espalhada por toda a terra, l. II, c. xix, n. 1, l. 1, p. 193. Essa afirmação, que aparece com bastante frequência entre os melhores defensores da infalibilidade pontifícia, como mostramos anteriormente, significa que a promessa feita a Pedro é, na realidade, em benefício da Igreja universal. Nada parece impedir que o mesmo sentido seja atribuído à frase de Netter.

2. São Antonino de Florença (†1459) insiste particularmente que a infalibilidade doutrinal pertence ao papa, não como pessoa privada, pois, nesse aspecto, o papa é capaz de pecar e errar, mas ao papa in concílio e requerendo a ajuda da Igreja universal. Summa theologica, parte III, título XXII, capítulo III, Verona, 1740, tomo III, coluna 1188. Expressões que, no século seguinte, deram origem a uma controvérsia, mas que não parecem ter sido compreendidas pelo arcebispo de Florença no sentido de uma condição absolutamente necessária para o exercício da infalibilidade pontifical em um caso particular.

São Antonino fundamenta a infalibilidade pontifical na instituição divina, segundo a promessa formal de Jesus a Pedro: Ego rogavi pro te ut non deficiat fides tua (Eu roguei por ti para que tua fé não desfaleça). Loc. cit. Nenhum detalhe é dado sobre a maneira como o magistério pontifical deve ser exercido, mas a maneira muito clara com que São Antonino afirma o caráter soberano e pleno da primazia pontifical exclui, em seu pensamento, qualquer subordinação ou dependência do papa em relação a um concílio ou a qualquer outra autoridade, parte III, título XXIII, capítulo III, col. 1273-1275. Quanto a esta observação, que, em um concílio geral, aqueles que são inferiores ao papa parecem mais como conselheiros, potius videntur consultorescol. 1279, ela deve, por causa do corretivo empregado, não ser tomada muito literalmente.

3. O cardeal João de Torquemada (†1468) prova, por diversos testemunhos da tradição e pela Escritura, esta afirmação: Que o julgamento da Sé Apostólica sobre aquilo que diz respeito à fé e à salvação humana não pode errarSumma de Ecclesia, livro II, capítulo CIX, Roma, 1489, sem paginação. A principal prova escriturística é o texto Ego rogavi pro te, Lucas 22, 32, cuja interpretação em favor da infalibilidade pontifical é sustentada por várias autoridades, especialmente pelo ensinamento dos papas São Leão Magno, São Agatão e São Leão IX, e pelo testemunho de São Bernardo, que já citamos anteriormente. De todas essas provas, Torquemada conclui que a opinião contrária é temerária e oposta à doutrina de Jesus Cristo e dos Padres, e que se comete um erro muito pernicioso ao se suspeitar de falsidade nas definições da Sé Apostólica, nas declarações de fé, nas condenações dos hereges e nas canonizações dos santos. A resposta às várias objeções, livro II, capítulo CXIII, fornece então a Torquemada a oportunidade de precisar a doutrina da infalibilidade pontifical. O papa, como homem privado, pode errar na fé, tenendo malam opinionem circa ea quae fidei sunt (sustentando uma opinião errada sobre aquilo que pertence à fé). Mas ele não pode errar sententiando in judicio de his quae sunt fidei (julgando em um veredicto sobre aquilo que pertence à fé). Esta infalibilidade provém da promessa divina e da assistência do Espírito Santo. Ela se estende a tudo o que toca à fé em matérias tão difíceis quae fidem tangunt (que dizem respeito à fé). Afirma-se que o papa, antes de tomar uma decisão sobre essas matérias, sempre consulta cum dominis cardinalibus et aliis doctis patribus (com os senhores cardeais e outros padres doutos), mas nada autoriza a admitir que, no pensamento do autor, essa consulta seja necessária para o exercício da infalibilidade pontifical.

Quanto a essa objeção de que o papa, podendo cair em heresia, poderia também emitir uma definição em favor da heresia à qual teria assim aderido, Torquemada dá simplesmente a resposta que considera a melhor. Se o papa se tornar herege, ele deixa, por esse mesmo fato, de ser papa; sua definição herética, se emitisse uma, não seria mais uma definição da Sé Apostólica e, portanto, não teria mais o privilégio da infalibilidade. É manifesto que a hipótese considerada aqui é unicamente a de um papa caindo em heresia como pessoa privada, tentando em vão emitir uma definição com uma autoridade que já não possui.

4. Biel (†1495), aplicando ao papa as palavras de Jesus a Pedro, Lucas 22, 32, afirma que o sucessor de Pedro deve confirmar seus irmãos per praedicationem, videlicet et doctrinam verae fidei et evangelii (pela pregação e pela doutrina da verdadeira fé e do evangelho). Sacri canonis missae lucidissima expositio, leitura XXXIII, Brescia, 1576, p. 146. Falando sobre o decreto de Sisto IV referente à Imaculada Conceição de Maria, ele declara que todas as questões de fé devem ser referidas à Sé Apostólica e que todos os fiéis são obrigados a se submeter à sua determinação, sendo temerário afirmar ou pensar contrariamente a esse decreto pontifical. In IV Sent., livro III, dist. III, questão I, Brescia, 1574, p. 49. Além disso, em várias ocasiões, falando das definições de fé, ele usa como sinônimos as expressões determinatio Ecclesiae aut summi pontificis (a determinação da Igreja ou do sumo pontífice). In IV Sent., livro IV, dist. XIII, questão II; livro III, dist. III, questão I, p. 223, 49. Isso supõe no papa, em matéria doutrinal, a plenitude da autoridade dada por Nosso Senhor à sua Igreja.

 Ao mesmo tempo, vários documentos eclesiásticos dessa época, ao afastarem os erros contrários à infalibilidade pontifical, serviram para o progresso desse dogma. Assim, a constituição de Martinho V, de 10 de março de 1418, e a bula Exsecrabilis de Pio II, de 18 de janeiro de 1459, ao condenarem a proposição segundo a qual é permitido apelar da decisão do papa para a de um concílio, destacaram a soberana independência do magistério do papa em relação a qualquer outra autoridade, seja qual for. Ver Constança (Concilierfe), tomo III, col. 1222, e Denzinger-Bannwart, nº 717.

O mesmo ensinamento também resultou da definição do Concílio de Florença, afirmando que o pontífice romano possui na Igreja a plenitude de toda a autoridade. Portanto, também a plenitude da autoridade doutrinal, e a infalibilidade doutrinal que esta implica. A infalibilidade pontifical também resultou claramente da condenação feita por Sisto IV, em 9 de agosto de 1479, contra a proposição de Pedro de Osina: Ecclesia urbis Romae errare potest (A Igreja da cidade de Roma pode errar). Denzinger-Bannwart, nº 730.

 Como conclusão deste período, deve-se, ao lado dos poucos erros mencionados, notar, pelo menos entre os teólogos ultramontanos, um progresso muito manifesto, principalmente no que diz respeito à exposição doutrinal e à demonstração teológica da infalibilidade pontifícia. Na exposição doutrinal, o conceito de independência do papa, em relação ao concílio ou a qualquer outra autoridade, é formalmente expresso por Santo Antonino de Florença. Também se esclarece, como faz Torquemada, que a infalibilidade pontifícia se estende apenas aos julgamentos que o soberano pontífice emite no que diz respeito à fé. O progresso também se manifesta na exposição da prova escriturística e, sobretudo, patrística dos dois textos evangélicos, Mateus 16, 18 e Lucas 22, 32, que se começa a desenvolver com um pouco mais de amplitude, contra os erros da época.

5ª PERÍODO, desde o início do século XVI até a definição dogmática do Concílio Vaticano (1870), período caracterizado por um desenvolvimento dogmático muito notável da infalibilidade pontifícia. Nos limitaremos a uma indicação sumária do movimento geral das ideias sobre os principais pontos relativos a este dogma.

1º Provas escriturísticas e patrísticas do dogma da infalibilidade pontifícia. 

1. Provas escriturísticas.

A principal prova escriturística invocada pelos defensores da infalibilidade pontifícia nessa época é o texto "Ego rogavi pro te ut non deficiat fides tua" (Lucas 22, 32). Geralmente, o texto é apenas citado, ou se acrescentam breves indicações exegéticas ou patrísticas, entre as quais, sobretudo, a autoridade dos soberanos pontífices, como São Leão Magno, São Agatão e São Leão IX; isso é o que fazem notavelmente Pighi, Hierarchiae ecclesiasticœ assetio, l. IV, c. VIII, Colônia, 1538, fol. 130; Gregório de Valência, Analysis fidei catholicœ, parte VII, Ingolstadt, 1585, p. 241 e seg.; Ferri, Tractatus de virtutibus theologicis, t. I, q. XII, em Rocaberti, Bibliotheca pontificia maxima, Roma, 1698, t. XX, p. 388.

Às vezes, no entanto, em apoio a esse texto escriturístico, são trazidos alguns argumentos exegéticos. Como exemplo, podemos citar especialmente Bellarmino no século XVI e André Duval no século XVII.

Bellarmino, em sua argumentação escriturística, combate duas interpretações errôneas. Contra a primeira, que atribui a Ego rogavi o sentido de que Nosso Senhor rezou apenas pela Igreja Universal para que sua fé não desfalecesse, Bellarmino mostra que apenas Pedro foi designado por Nosso Senhor como o beneficiário imediato das promessas divinas, por todas as expressões que marcam especialmente a pessoa de Pedro e pelas palavras confirma fratres tuos, que, na outra hipótese, não teriam sentido algum. Quanto à segunda interpretação, que entende as palavras de Nosso Senhor apenas como referentes à perseverança pessoal de Pedro, ela está em oposição formal com o contexto. Pois Jesus, para afastar o perigo comum (ut cribraret vos), certamente pediu para Pedro um privilégio que deveria servir ao benefício comum: o que de forma alguma se ajusta à hipótese indicada. Além disso, tudo no contexto indica que Jesus pede para Pedro algo especial, embora seja para o benefício dos outros. Ora, a perseverança pessoal de Pedro na graça ou na amizade de Deus não é uma graça especial, visto que uma graça semelhante foi pedida por Jesus, pouco depois, para todos os apóstolos: Pater sancte, serva eos in nomine tuo quos dedisti mihi (João 17, 11).

Bellarmino, portanto, adota esta terceira interpretação, que é a verdadeira: Jesus pediu para Pedro e seus sucessores dois privilégios intimamente ligados: a indefectibilidade na fé e o privilégio de nunca ensinar nada contra a fé. Na concepção de Bellarmino, esses dois privilégios formam, de fato, apenas um, pois, de acordo com todos os testemunhos que ele cita, a indefectibilidade é prometida ao chefe da Igreja para que ele próprio fortaleça ou confirme todos os seus irmãos na fé. De romano pontifice, l. IV, c. III.

No século XVII, André Duval complementa a demonstração de Bellarmino ao refutar os argumentos pelos quais Edmond Richer († 1631) e Simon Vigor († 1624) haviam atacado a interpretação tradicional do texto Ego rogavi pro te. (De suprema romani pontificis in Ecclesiam potestate, parte II, q. i, Paris, 1877, p. 107 e seg.).

No século XVIII, Pierre Ballerini († 1769) insiste principalmente nos testemunhos patrísticos em favor dessa mesma interpretação do texto de São Lucas. (De vi ac ratione primatus romanorum pontificum, Münster, 1845, p. 276 e seg.).

b) Os defensores da infalibilidade pontifícia, nessa época, citam frequentemente também o texto Tu es Petrus et super hanc petram ædificabo Ecclesiam meam et portæ inferi non prævalebunt adversus eam (Mateus 16, 18), muitas vezes sem apresentar nenhuma prova ou oferecendo apenas uma breve demonstração exegética e patrística. Podemos citar particularmente Pighi, loc. cit.; Bernardini de Lucca († 1585), Concordia ecclesiastica, l. IV, c. ii, Florença, 1552, p. 191 e seg.; Gregório de Valência, op. cit., p. 219; Bellarmino, De romano pontifice, l. IV, c. iii; São Francisco de Sales, Controverses, parte II, c. vi, a. 4, Œuvres, Annecy, 1892, t. i, p. 246; Duval, De suprema romani pontificis in Ecclesiam potestate, parte II, q. i, Paris, 1877, p. 107; Platel († 1681), Synopsis cursus theologici, parte III, c. i, p. iv, 5ª ed., Douai, 1704, t. iii, p. 79; Ferré, loc. cit.; Dominique da Santíssima Trindade († 1687), De summo pontifice romano, c. xvi, p. iv, em Rocaberti, op. cit., t. x, p. 311.

Os teólogos que mais insistem nas provas patrísticas em favor da infalibilidade pontifícia, com base em Mateus 16, 18, são, no século XVII, Macedo, e no século XVIII, Pierre Ballerini.

Francisco Macedo († 1681) explica assim a linguagem dos Padres, que, em sua interpretação desse texto, destacam principalmente a fé de Pedro. Ele diz: não é que os Padres tenham negado que o texto deva ser entendido como se referindo à pessoa de Pedro, estabelecido ele mesmo como fundamento da Igreja. Mas consideraram, em Pedro, a razão pela qual ele mereceu de Jesus o elogio que todos os seus sucessores igualmente merecem. Na concepção desses Padres, especialmente São Hilário, São Gregório de Nissa, São João Crisóstomo, São Jerônimo e Santo Agostinho, o sentido é realmente: Christus super hanc fidelem petram ædificavit Ecclesiam. Disto Macedo conclui: Igitur non potest unquam Petrus a fide deficere (De auctoritate papæ, q. i, a. 1, em Rocaberti, op. cit., t. xii, p. 165 e seg.). Macedo afastava assim a principal dificuldade crítica levantada por Launoi do ponto de vista patrístico.

Pierre Ballerini coloca a mesma observação no início de sua longa lista de testemunhos patrísticos, p. 269 e seg.

c) O texto Pasce oves meas (João 21, 17), frequentemente mencionado na demonstração da infalibilidade pontifícia, não é objeto, durante este período, de nenhum desenvolvimento exegético ou patrístico.

2. Autoridade da tradição.

Esta autoridade é frequentemente citada, seja em apoio das provas escriturísticas, como em Bellarmino e Macedo, seja separadamente, como faz Dominique da Santíssima Trindade (Bibliotheca theologica, l. III, sect. iv, c. xvi, Roma, 1668, t. iii, p. 282 e seg., ou em Rocaberti, t. x, p. 312 e seg.), ou para ambas as demonstrações. Ballerini, op. cit., p. 275 e seg., 279 e seg.

Essa demonstração patrística não está isenta de falhas. Foram inseridos alguns testemunhos inautênticos, como os de São Lúcio I e São Félix I, emprestados por Bellarmino (De romano pontifice, l. IV, c. III) das falsas Decretais, ainda aceitas com confiança. Também se encontram, nessa demonstração, respostas discutíveis ou até mesmo incorretas dadas a certas dificuldades históricas, que serão tratadas em outros artigos do Dicionário.

Apesar dessas poucas falhas, de caráter mais secundário, essa demonstração mantém seu valor substancial e merecia ser tratada de maneira mais justa por J. Turmel, que, após citar as críticas pouco fundamentadas de Launoi contra a demonstração patrística de Bellarmino, oferece apenas uma resistência bastante fraca. (Histoire de la théologie positive du concile de Trente au concile du Vatican, Paris, 1906, p. 293 e seg.).

3. Certeza dogmática da infalibilidade pontifical.

Esta questão surge como consequência da demonstração escritural e patrística. Nos séculos XVI e XVII, ainda se afirma com bastante frequência que a infalibilidade pontifical, embora seja uma verdade certa, não é, no entanto, expressamente de fé, seja porque a Igreja ainda não havia proferido uma definição expressa sobre este ponto, seja devido às afirmações opostas de vários teólogos ou canonistas com certa consideração. Stapleton († 1598), Controversia III capitalis, De primario subjecto potestatis ecclesiasticœ, q. iv, em Rocaberti, t. xx, p. 84 sq.; Bannez, Commentaria in II-II, q. i, a. 10, dub. II, Veneza, 1602, p. 113, 119; Bellarmino, De romano pontifice, l. IV, c. ii; Tanner († 1632), In Summam S. Thomæ, t. III, disp. I, q. iv, dub. vi, em Rocaberti, op. cit., t. i, p. 39; Duval, op. cit., p. 105; Platel, op. cit., t. III, p. 80.

Entretanto, desde o século XVI, Pighi, op. cit., fol. 129; Cano, De locis theologicis, l. VI, c. vii, Opéra, Veneza, 1759, p. 161, e Grégoire de Valence, op. cit., p. 309, 311, afirmam explicitamente que a infalibilidade pontifical é uma verdade de fé católica. No século XVII, essa mesma afirmação aparece com mais frequência, notavelmente em Suarez, De fide, tr. I, disp. V, sect. viii, n. 4; Nugno († 1614), Commentarii ac disputationes in III S. Thomam, q. xx, a. 3, em Rocaberti, op. cit., t. viii, p. 257; Oregi († 1635), Summa theologica, tr. II, c. v, em Rocaberti, t. iv, p. 633; Perez († 1637), Pentateuchum fidei, l. V, dub. vi, c. i, em Rocaberti, t. iv, p. 806; Gravina († 1643), Catholicœ præscriptiones adversus hæreticos, q. ii, a. 1, em Rocaberti, t. viii, p. 425; Sylvius, Controversiœ, l. IV, q. II, a. 8, Opéra, Antuérpia, 1598, t. v, p. 313; Lao († 1663), Tractatus de summo pontifice, dub. iii, em Rocaberti, t. iii, p. 604 sq.; Chiroli, Lumina fidei divinœ, disp. III, diff. vi, em Rocaberti, t. iii, p. 340; Macédo († 1681), De auctoritate papæ, q. v, a. 1, em Rocaberti, t. xii, p. 213; Brancati de Lauria († 1693), In III Sent., De virtutibus theologicis, disp. V, a. 1, em Rocaberti, t. xv, p. 25.

No século XVIII, muitos teólogos ainda criticam a fórmula de Bannez e Bellarmino. Citemos particularmente: Viva († 1710), Damnalet et heses, quae prodr., n. 7, Pavia, 1715, t. i, p. 3; Gotti († 1742), Theologia scholastico-dogmatica, tr. I, q. i, dub. VI, Veneza, 1750, l. 1, p. 60; Billuart († 1757), De fide, diss. IV, a. 5, p. i; Pierre Ballerini († 1769), De vi ac ratione primatus romanorum pontificum, c. XV, p. XI, Münster, 1845, p. 326; Kilber († 1783), De principiis theologicis, disp. I, c. iii, a. 4, na Theologia Wirceburgensis, Paris, 1852, l. 1, p. 349, 380; S. Alphonse de Liguori, Theologia moralis, l. 1, n. 110.

No século XIX, as posições teológicas permanecem quase as mesmas até a definição proferida pelo Concílio do Vaticano.

2° Negação para o magistério pontifical de toda dependência necessária, seja de um concílio, seja de uma aprovação posterior dada pela Igreja universal.

1. No século XV, alguns autores como Tudeschi e Angelo de Clavasio ainda são dominados pelas ideias de Pierre d'Ailly e de Gerson, e sustentam de certa forma a superioridade do concílio sobre o papa em matéria de fé.

No início do século XVI, essas teorias são combatidas por Caietano em dois opúsculos publicados em 1511 e 1512. Caietano demonstra, de uma maneira geral, que o papa está acima da potestade da Igreja universal e do concílio geral, como se distingue contra o papa, de acordo com a instituição de Jesus Cristo. De comparatione auctoritalis papæ et concilii, c. vii. Opúsculos todos, Turim, 1582, p. 12 sqDemonstração completada no restante deste opúsculo, c. xi sq., p. 20 sq., e em um segundo opúsculo publicado em 1512, Apologia de comparata auctoritate papæ et concilii, p. 44-66. O poder de determinar com infalibilidade o que é de fé reside principalmente no soberano pontífice; e mesmo, segundo Santo Tomás, a autoridade da Igreja universal, como se a chama, não é outra senão a do papa. De comparatione auctoritatis papæ et concilii, c. IX, p. 17.

Alguns anos depois, em 1516, Silvestre de Priério († 1523) também combate as afirmações de Tudeschi, mas sem se desvincular totalmente do que estas tinham de errado. Silvestre admite, com a tradição católica, que o papa não erra enquanto fala como chefe da Igreja, ou seja, quando se serve do auxílio dos membros da Igreja, per concilia et orationes et hujusmodi, ou quando dá uma decisão como chefe da Igreja, sobre dúvidas para as quais é consultado. Summa Silvestrina, art. Concilium, n. 3; art. Fides, n. 10 sq., Lyon, 1594, t. I, p. 151, 441. Ao mesmo tempo, a dependência em relação ao concílio é admitida, na medida em que o papa está submetido ao concílio no que é manifestamente de fé, e se o papa erra nisso com obstinação, ele se deposita a si mesmo e não é mais chefe da Igreja, p. 151. Contudo, em caso de dissenso em matéria de fé entre o papa e o concílio, é necessário dar a preferência ao papa, não porque suas razões são consideradas melhores, pois tal julgamento não pode ser feito com autoridade, mas porque o papa, como chefe da Igreja, tem pleno poder para resolver as dúvidas em matéria de fé, p. 151, 441.

Esta opinião atrasada de Tudeschi é ainda sustentada por Tomás Illyricus († 1528). Depois de provar que todas as causas maiores, na Igreja, pertencem ao papa, Tomás excetua a causa da fé, onde o papa não pode decidir nada sem um concílio: exceção que ele tenta apoiar no Decreto de Gratien, Prima pars, dist. XIX, c. ix. Tomás acrescenta que o papa pode errar na fé, mas não toda a Igreja. Como prova dessa última afirmação, o autor cita Gratien, Prima pars, dist. XL, c. vi, do qual já falamos anteriormente. Outra conclusão de Illyricus é que os textos afirmando, como a carta de São Jerônimo ao papa Damaso, que a Igreja romana não pode errar, devem ser entendidos da Igreja universal, justamente chamada de Igreja romana. Tractatus de summa potestate, Turim, 1523, sem paginação.

Uma opinião bastante semelhante é defendida por Alfonso de Castro († 1558), em uma obra publicada em 1534. O papa pode errar na fé, como de fato ocorreu com Libério e Anastásio II. A Igreja universal é a única a estar a salvo de todo erro, porque é ensinada pelo Espírito Santo. Adversus hæreses, l. I, c. IV, Colônia, 1543, fol. IV. A sede apostólica que não pode errar na fé não é somente o papa. Sed sedes apostolica quæ nunquam erravit, comprehendit iam collegium cujus concilio juvatur pontifex quam ipsum pontificem, l. I, c. viii, fol. xv. Castro, no entanto, é muito explícito sobre a primazia de Pedro e sobre seu privilégio de confirmar seus irmãos, l. XII, fol. CLXXIV sq.

Adrien de Utrecht, que mais tarde se tornou papa sob o nome de Adriano VI († 1523), emitiu incidentalmente esta afirmação de que, se por Igreja romana se entende seu chefe, é certo que ela pode errar, mesmo em relação à fé, ao afirmar a heresia, hæresim per siam determinationem aut decretalem asserendo; pois, na verdade, houve vários pontífices romanos hereges. Questiones in IV Sententiarum. De sacramento confirmationis, a. 3, Paris, 1516, fol. xviii.

2. Em contraposição às opiniões errôneas que acabamos de citar, os teólogos ultramontanos dos séculos XVI e XVII ensinam, como uma verdade muito certa, muitas vezes até como uma verdade de fé, que o papa, no exercício de seu magistério infalível, não é dependente da autoridade de um concílio. Esses teólogos eram, aliás, auxiliados nisso pelo ensinamento do V concílio de Latrão, afirmando a autoridade do papa sobre o concílio, Denzinger-Bannwart, n. 740, e pela condenação feita por Leão X contra esta proposição 28ª de Lutero: “Se o papa, com grande parte da Igreja, sentisse assim ou de outra maneira, nem por isso estaria errado; ainda assim, não é pecado ou heresia sentir de forma contrária, especialmente em matéria não necessária para a salvação, até que, por um concílio universal, uma [opinião] seja reprovada e a outra aprovada.” Denzinger-Bannwart, n. 768.

Pighi († 1534), depois de ter demonstrado, por muitas provas da tradição, o privilégio da infalibilidade pontifical, conclui que este privilégio é assegurado não apenas ao sede apostólica, mas a todos os sucessores de Pedro. “Por isso, é claro para nós não apenas o privilégio da cátedra, mas muito mais o privilégio da fé infalível de Pedro e de seus sucessores, para confirmar os irmãos na fé.” Este privilégio é assegurado a todos os sucessores de Pedro, de tal maneira que eles são os únicos a possuí-lo e que nenhum concílio pode participar desta infalibilidade a não ser que esteja unido ao papa e se apoie em sua autoridade. Hiérarchise ecclesiasticae, l. IV, c. viii, Colônia, 1538, fol. cxxxvi sq.

Melchior Cano († 1560) rejeita expressamente a opinião de alguns teólogos que ele chama de non satis acuti, que, fazendo uma distinção entre a Igreja romana e o pontífice romano, afirmavam que este pode errar na fé, enquanto aquela nunca é capaz de errar. De locis theologicis, l. VI, c. vii, Veneza, 1759, p. 163. Ele rejeita também a tese daqueles que faziam depender a autoridade doutrinal do papa da de um concílio. Ele mostra contra eles que, se o julgamento da Santa Sé fosse falível, e o de um concílio sempre certo e verdadeiro, seria irrazoável rejeitar um apelo do julgamento pontifical ao daquele concílio. Ora, tal apelo, nas causas de fé, é contrário à prática constante e universal na Igreja. “Nunquam enim admissa est appellatio in causis fidei a sede romana,” l. VI, c. vii, p. 161.

Stapleton († 1598), depois de ter citado as principais provas da tradição em favor da infalibilidade do papa, conclui que, de acordo com todos esses testemunhos, o pontífice romano possui sozinho supremum et absolutissimum fidei judicium. Principiorum fidei doctrinalium demonstratio methodicacontrov. II, l. VI, c. xvii, 2ª éd., Paris, 1582, p. 240.

Gregório de Valence († 1603) combateu especialmente aqueles que queriam subordinar a autoridade doutrinal do papa à de um concílio. Tal afirmação está em evidente oposição à fé católica sobre a primazia de Pedro e de seus sucessores. Somente aquele que detém o poder espiritual supremo na Igreja tem o poder de determinar, com autoridade infalível, as controvérsias de fé; poder que certamente pertence apenas ao pontífice romano, não a um concílio à parte do papa. Analysis fidei catholicae, parte VIII, Ingolstadt, 1585, p. 402. Também é expressamente afirmado que os concílios gerais têm uma autoridade infalível somente quando são aprovados pelo pontífice romano, p. 400 sq.

Bannez († 1604) considera que é uma temeridade escandalosa afirmar que um concílio é superior ao papa, valde temerarium esse et scandalosum multarumque hæresum fomentum, asserere quod concilium sit supra papam. A infalibilidade do papa, ensinando sozinho em público no julgamento da fé, foi, segundo o juízo de Bannez, definida por Leão X, por sua bula de 15 de junho de 1520, condenando a proposição 28ª de Lutero, anteriormente citada. Bannez conclui que é um ensinamento apostólico, que seria certamente considerado como tal por todos os fiéis, se, desde o concílio de Constança, o demônio não tivesse semeado a discórdia na Igreja a esse respeito. Commentaria in II-II, q. i a. 10, dub. II, Veneza, 1602, col. 113, 119.

Bellarmino († 1621) reprova, em diversas ocasiões, o erro de aqueles que queriam, em matéria de fé, submeter o papa à autoridade de um concílio geral. De romano pontifice, l. IV, c. i; De conciliis et Ecclesia, l. I, c. xvii.

Suarez († 1618) mostra que a autoridade doutrinal não foi dada ao papa dependente de um concílio, mas que ela foi dada ao concílio dependente do papa, e ele considera que é uma verdade de fé. De fide, part. I, disp. V, sect. viii, n. 4, 6.

Sylvius († 1648) prova que a autoridade dos concílios não é requerida para que o pontífice possa infalivelmente definir as coisas da fé, porque a infalibilidade não está em um concílio de bispos, nem em uma reunião de conselheiros, mas naquele a quem Jesus disse: “Ego rogavi pro te ut non deficiat fides tua”, ou seja, em Pedro e em seus sucessores legítimos. Controv., l. IV, q. II, a. 8, Opéra, Antuérpia, 1698, t. v, p. 134.

A mesma doutrina é sustentada na França, nessa época, contra o erro de Richer, que pretendia que a autoridade doutrinal infalível está em toda a Igreja, ou em um concílio geral que a representa, e que o papa, chefe ministerial da Igreja, não pode obrigar a Igreja sem que esta dê seu consentimento prévio, ou sem que tenha sido consultada. De ecclesiastica et politica potestate, n. 6, 8, Paris, 1611, p. 8, 13 sq. Citaremos particularmente, Mauclère († 1622), De monarchia divina, ecclesiastica et seculari christiana, part. II, l. IV, c. iv sq., Paris, 1622, col. 496 sq.; Duval, op. cit., p. 105; Louis Abelly († 1699), Déjense de la hiérarchie de l'Église, Paris, 1659, p. 110 sq.

A esses testemunhos deve-se juntar duas cartas dos bispos da França reconhecendo plenamente a obrigação imposta pelas decisões doutrinais do papa, antes que fossem sancionadas pelo consentimento da Igreja universal. Em 1651, 25 bispos da França, escrevendo a Inocêncio X, a respeito dos erros de Jansênio, testemunham que é a prática constante da Igreja referir-se à Santa Sé, devido à fé indestrutível de Pedro, as causas que concernem à fé. Para pôr fim às controvérsias, pedem ao papa que tome, sobre as proposições mais particularmente perigosas ou cuja discussão é mais ardente, uma decisão certa que dissipe toda obscuridade, acalme os ânimos, termine todo diferendo e devolva à Igreja a tranquilidade. Duplessis d'Argentré, Collectio judiciorum de novis erroribus, Paris, 1736, t. III, p. 260.

Após a condenação feita por Inocêncio X contra as cinco proposições extraídas do Augustinus, esses mesmos bispos, expressando ao papa seus agradecimentos e sua perfeita submissão, reconhecem que a autoridade do papa divinamente estabelecida é, segundo a palavra de Jesus Cristo e segundo a tradição constante, uma autoridade soberana em toda a Igreja, que todos os cristãos são obrigados a lhe dar mentis ubsequium, e que o papa Inocêncio X, por Pedro somente, triunfará certamente sobre a nova heresia. Assim como os bispos do IV concílio aclamavam São Leão Magno, assim os bispos aclamam hoje Inocêncio X, cujus ore Petrus locutus estDuplessis d'Argentré, loc. cit., p. 275.

Por causa do erro sustentado na 4ª proposição da declaração galicana de 1682, ver Declaração de 1682, t. IV, col. 197 sq., a exposição católica, no final do século XVII assim como no século XVIII, apresenta um novo aspecto. O principal esforço dos teólogos ultramontanos em relação às asserções galicanas é provar que as decisões doutrinais do papa, para serem infalíveis e irreformáveis, não precisam ser sancionadas pelo consentimento subsequente da Igreja universal. Essa reivindicação é principalmente apoiada nas palavras escriturísticas que conferem a autoridade suprema apenas a Pedro e a seus sucessores, e no testemunho constante da tradição que reconhece essa suprema autoridade nos únicos pontífices romanos. Frequentemente, também, por meio de uma argumentação ad hominem, se prova contra os galicanos, colocando-se no seu próprio terreno, que mesmo aceitando tal condição, o que se declara, contudo, inadmissível, deveria necessariamente admitir o caráter soberano da infalibilidade pontifical, aceito de fato pela Igreja universal fora da fração galicana. Além disso, é importante notar que o fato subsequente da crença da Igreja universal pode ser considerado como um sinal manifesto do ensino obrigatório e infalível dado anteriormente apenas pelo papa.

Por fim, deve-se observar que os teólogos ultramontanos foram ajudados nessa luta pela condenação feita por Alexandre VIII, em 7 de dezembro de 1690, contra esta proposição: “Frívola e completamente inconsistente é a alegação da autoridade do pontífice romano acima de um concílio ecumênico e também sobre a infalibilidade ao decidir questões de fé.” Denzinger-Bannwart, n. 1319. Ver t. I, col. 761-762.

Entre os teólogos que assim lutaram, no final do século XVII e no século XVIII, contra a ideia de que uma ratificação do ensino pontifical pelo consentimento da Igreja universal era necessária, deve-se mencionar especialmente: d'Aguirre († 1699), Auctoritas infallibilis et summa cathedræ S. Pétri, disp. I, sect. I, Salamanca, 1683, p. 2 sq.; Viva, Damnalœ llicses, Pavia, 1715, t. I, p. 3 sq.; t. III, p. 117 sq.; Ciotti, Theologia scholastico-dogmatica, t. I, q. III, dub. VI, Veneza, 1750, t. I, p. 61 sq.; Billuart, De fide, diss. IV, a. 5, § 2; Orsi († 1761), De irreformabili romani pontificis in definiendis fidei controversiis judicio, 2ª edição, Roma, 1772; Pierre Ballerini, op. cit., p. 222 sq., 255 sq.; Kilber, op. cit., l. I, p. 349 sq.; S. Afonso de Ligório, Theologia moralis, l. I, n. 115.

Mesmo na França, apesar da predominância do galicanismo teológico, como foi exposto no art. Galicanismo, t. VI, col. 1097 sq., os defensores da verdade católica não faltaram completamente. Entre 1682 e 1689, foi publicado, sem nome de autor, um trabalho reproduzindo outros escritos contemporâneos sobre o mesmo assunto e reivindicando plenamente a doutrina católica, sob este título: Cathedrœ apostolicœ œcumenicæ auctoritas ex occasione quatuor cleri gallicani propositionum anno 1682 in parisiensi ecclesiastico conventu editarum, asserta et vindicata, obra inserida na Bibliotheca maxima pontificum de Rocaberti, t. VII. O autor afirma que a fé do sucessor de Pedro, ensinando a Igreja, é firme quoad se et quoad ipsam rei veritatem, antes que o consentimento da Igreja se una a ela, t. VII, p. 664. Mas esse mesmo consentimento, quando se une, nos dá uma certeza maior, de tal forma que se pode dizer que, quoad nos, é mais certo que o julgamento do papa se originou de Pedro e da sua cátedra apostólica, p. 665. A infalibilidade do papa independentemente da ratificação da Igreja é provada pelos textos escriturários: Lucas XXII, 32; Mateus XVI, 18; João XXI, 15 sq., p. 671 sq. Após citar, em favor dessa doutrina, os testemunhos da tradição cristã, o autor menciona os testemunhos referentes especialmente às Igrejas da França, seja nas épocas antigas, seja na época em que escrevia, p. 692 sq.

Alguns anos depois, dom Mathieu Petitdidier, abade de Saint-Pierre de Senones, publicou em Luxemburgo seu Traité théologique sur l'autorité et l'infaillibilité des papes, 1724. Nele, ele prova, em particular, que o julgamento do papa, para ser infalível, não precisa da ratificação subsequente da Igreja, p. 355 sq.

Deve-se também notar que as assembleias do clero da França, realizadas em Paris em 1700, 1705, 1713 e 1714, prestaram praticamente homenagem à soberana infalibilidade do papa, aderindo à verdade já julgada por ele, especialmente nas duas constituições apostólicas Vineam Domini de 16 de julho de 1705 e Unigenitus de 8 de setembro de 1713. Em 7 de setembro de 1705, os bispos da França escreveram ao papa Inocêncio XI, que receberam seu ensino como os bispos das Gálias haviam recebido anteriormente o do papa São Leão Magno, e como os Padres do IVº concílio haviam recebido o ensino do mesmo São Leão. Todos estavam de acordo que é necessário cuidar com zelo para que, entre os fiéis confiados à sua solicitude, ninguém possa impunemente ensinar, escrever ou dizer o contrário. Procès-verbal de l'assemblée générale du clergé de France realizada em Paris em 1705, Paris, 1706, p. 262. Mesma declaração na carta endereçada ao papa em 5 de fevereiro de 1714 relativa à constituição UnigenitusProcès-verbal de l'assemblée des 112 cardinaux, archevêques et évêques, realizada em Paris em 1713 e 1714, Paris, 1714, p. 101 sq.

Notemos, para concluir este breve esboço, que no século XIX as opiniões teológicas sobre o ponto que nos ocupa atualmente permanecem mais ou menos as mesmas até a definição do concílio do Vaticano.

3ª Negação para o papa de toda verdadeira necessidade de empregar os meios naturais e sobrenaturais que ajudem a conhecer a verdade “ensinar aos fiéis, ou pelo menos a negação de toda necessidade prática de examinar se esses meios foram empregados.”

No século XV, Santo Antonino de Florença, para designar a infalibilidade do papa, falando não como pessoa privada, mas como chefe da Igreja, usou essas expressões: “papa ulens concilio et requirens adjutorium universalis Ecclesiae,” Summa theologica, part. III, tit. XXII, c. III, Verona, 1740, t. III, col. 1188, sem determinar se essa condição é necessária para a infalibilidade em si, ou apenas para seu legítimo exercício.

No século XVI, em Silvestre de Priério († 1523), essas expressões são sinônimas de “papa quamdiu est caput Ecclesiae” e “ut caput Ecclesiae.” Summa sylvestrina, art. Concilium, n. 3; art. Ecclesia, n. 3, Lyon, 1594, t. I, p. 151, 298. Silvestre já havia usado a mesma linguagem em um opúsculo contra Lutero, Errata et argumenta Martini Luthieri recitata detecta repulsa et copiosissime trita, Roma, 1520, opúsculo inserido por Rocaberti em sua Bibliotheca pontificia maxima, Roma, 1699, t. XIX, p. 281.

Viguier († 1553) vai mais longe. Ele declara expressamente que o papa, para proceder como papa e ser consequentemente infalível, deve observar os ritos acostumados, ou seja, deve convocar um concílio de bispos, fazer orações e invocar o Espírito Santo, cuja assistência foi prometida à Igreja. Institutiones, De virtutibus fidei, 3, Veneza, 1560, p. 103.

Pighi († 1534) parece admitir alguma obrigação moral para o papa, de consultar antes de exercer sua autoridade infalível, não uma necessidade absoluta para o exercício mesmo da infalibilidade doutrinária. Depois de ter provado de forma sólida que o privilégio da infalibilidade pertence, em virtude da oração de Jesus Cristo, não apenas a Pedro, mas também a todos os seus sucessores para que confirmem seus irmãos na fé, Pighi conclui que aqueles que ocupam a cadeira de Pedro devem, nas questões difíceis que lhes são apresentadas, se ajudar de um concílio sacerdotal, de acordo com o uso eclesiástico observado desde os primórdios. Contudo, é afirmado expressamente que este concílio sacerdotal não tem por si mesmo, nem por um privilégio próprio, nenhuma garantia de ortodoxia, mas apenas, ex privilegio Petri ecclesiasticae hierarchiae, “para que ninguém impelido por Cristo falhe em confirmar os irmãos na fé.” Hierarchiae ecclesiasticae, 1. IV, c. VIII, Colônia, 1538, fol. 136. Essa observação final, desenvolvida com certa insistência por Pighi, autoriza a admitir que, em seu pensamento, há, para o papa, no caso indicado, uma obrigação moral de consultar, não uma necessidade absoluta para o exercício da infalibilidade doutrinária.

Segundo Cano († 1560), Deus, que prometeu à sua Igreja a firmeza na fé, não pode deixar de assegurar efetivamente os auxílios pelos quais essa firmeza é conservada, “Pois é sempre o pontífice que faz o que em si está, e convoca o concílio quando pronunciam sobre a fé: causa caduca se alguém de nós pensar de outra forma.” Quando Jesus disse a Pedro: “Eu orei por você para que a sua fé não desfaleça,” compreendemos claramente que Jesus obteve de seu Pai, “para que o que diz respeito ao julgamento sobre a questão da fé, chegasse a Pedro, seja vindo de Deus, seja esperado por um homem.” Daí Cano conclui: “Assim nunca eu admitirei que o pontífice ou o concílio omitam alguma diligência necessária para decidir questões de fé.” De locis theologicis, l. V, c. V. Obras, Veneza, 1759, col. 133.

Gregório de Valença († 1603) reproduz as afirmações de Cano, acrescentando que não há nenhuma razão sólida “para que devamos considerar que a diligência de estudo é necessária ao pontífice, não só para que ele utilize sua autoridade infalível de maneira apropriada e sem culpa, mas também para que a utilize completamente. Analysis fidei catholicae, part. VIII, Ingolstadt, 1585, p. 325 sq.

Belarmino († 1621) limita-se a mostrar a conciliação prática entre as duas opiniões. Aqueles que rejeitam a necessidade estrita de pesquisas e cuidados diligentes, querem simplesmente afirmar que a infalibilidade doutrinária não está em um concílio ou em uma reunião de conselheiros, “mas no próprio pontífice.” Aqueles que admitem essa mesma necessidade, entendem-na apenas como uma obrigação moral de consultar, “explicando que o pontífice deve fazer o que em si está, consultando homens sábios e peritos na matéria em questão.” De romano pontifice, l. IV, c. II.

Segundo Bannez († 1601), as pesquisas e cuidados diligentes são necessários para a própria infalibilidade, mas, na verdade, nunca faltarão. Commentaria in ii-II,q. I, a. 10, dub. n, Veneza, 1602, col. 125. Daqui em diante, todos os teólogos concordam com essa conclusão de que não há motivo para se inquirir praticamente se o papa considerou atentamente a questão antes de emitir seu julgamento; seja que pensem, com Bannez, que da parte do papa, pesquisas diligentes são necessárias, mas que nunca faltarão, seja que julguem, com Gregório de Valença, e este é o maior número, que essa necessidade não está provada e que não existe. Citaremos particularmente entre os teólogos dos séculos XVII e XVIII: Nugno, Commentarii ac disputationes in III partem S. Thomæ, q. xx, a. 3, diff. 3, na Rocaberti, t. VIII, p. 259; Suárez, De fide, tr. I, disp. V, sect. VIII, n. 11; Tanner, In Summam S. Thomas, t. III, disp. I, q. IV, dub. VI, na Rocaberti, t. I, p. 40; Gravina, Catholicae praescriptiones adversus haereticos, q. II, a. 1; Pro sacro deposito fidei catholicae et apostolicae fideliter a romanis pontificibus custodito apologeticus, XIX, 22, na Rocaberti, t. VIII, p. 429, 489 sq., 1040; Duval, op. cit., p. 123; Silvius, op. cit., p. 315; André Lão († 1663), Tractatus de summo pontifice, Roma, 1663, na Rocaberti, t. III, p. 605; Dominique da Santa-Trindade, op. cit., na Rocaberti, t. X, p. 456; Brancati de Lauria, op. cit., na Rocaberti, t. XV, p. 46 sq.; Viva, op. cit., t. I, p. 2; Billuart, loc. cit.; Ballerini, op. cit., p. 295; Kilber, op. cit., t. I, p. 348 sq.; S. Afonso de Ligório, Theologia moralis, 1. I, n. 110.

Durante todo esse período, um único autor ultramontano faz exceção, Hyacinthe Serry († 1738). Em uma obra publicada em 1732, Serry sustentou que os pontífices romanos, ao julgarem em causas de fé, são infalíveis somente quando se pronunciam solenemente, ou seja, quando consultam previamente, segundo o uso atual, os cardeais que hoje constituem o clero romano, "com a consulta prévia à Igreja estabelecida dentro do perímetro da cidade, ou, como o uso atual determina, sendo destinada à consulta dos eminentíssimos cardeais que hoje formam o clero romano"De romano pontifice in ferendo de fide moribusque judicio falli et fallere nescio, Pavia, 1732. Para apoiar essa tese, o autor publicou uma dissertação nova, Infallibilitatis pontificia; justis terminis circumscriptie explicatio atque defensio, dissertatio apologetica, Colônia, 1734. Mas, como a obra foi colocada no Índex por um decreto do Santo Ofício de 14 de janeiro de 1733, a opinião não encontrou mais nenhum defensor entre os autores católicos.

4º Condições requeridas quanto à definição ela mesma.

1. Até o final do século XVII, as indicações dadas pelos teólogos se aplicam explicitamente às únicas definições ex cathedra referentes às verdades da fé. Segundo Cano, o papa deve emitir um julgamento que obrigue todos os fiéis a crer na verdade definida. De locis theologicis, l. V, c. VIII, Veneza, 1759, p. 165. Consequentemente, o que, nos decretos dos papas, como nos decretos dos concílios, é citado como exemplo ou como resposta a uma objeção, ou indicado obiter et in transcursu prœter inslitutum prœcipuum de quo erat potissimum controversia, não pertence à fé ou não é juízo da fé católica, l. V, c. V, p. 136.

Segundo Gregório de Valença († 1603), há definição infalível quando o papa, ut persona publica, afirma uma verdade relativa à fé e obriga a Igreja universal a aceitá-la, Analysis fidei catholicae, p. 311, 313. O papa deseja assim obrigar a Igreja universal somente no que ele determina de propósito deliberado, Por instituição. O que se pode deduzir é ou dos erros contrários contra os quais os pontífices definem algo, ou do modo e forma de afirmar 'como se algo sob anátema fosse estabelecido', ou se afirmam que é certo pela fé.” Commentaria theologica, In II-II, disp. I, q. I, p. VII, q. VI, § 41, Lyon, 1603, t. III, col. 259 sq.

Bannez, com o objetivo de determinar a quais sinais se pode reconhecer uma definição pontifical infalível, estabelece este princípio: que esses sinais são praticamente os mesmos que os quais se reconhecem as definições feitas pelos concílios. Assim, há definição infalível de fé nos três casos seguintes: quando o erro oposto é condenado como herético, quando a verdade definida é expressamente proposta como devendo ser aceita e crida por todos os fiéis, e quando é dito expressamente na definição: “per consilio fratrum hoc vel illud definimus.” Se nenhum desses sinais se encontra, a definição pontifical não é realmente infalível, non est omnibus modis ipsa pontificis definitio infallibilis, ainda que o pontífice profira algo absolutamente e insira sua pronunciação no volume de seu direito. Contudo, haveria temeridade, especialmente no que diz respeito à fé, negar o que está definido nos decretos de um concílio geral ou provincial confirmado pelo soberano pontífice, mesmo que, nesses decretos, não se encontre nenhum dos sinais indicados. Commentaria in II-II, q. I, a. 10, dub. II, Veneza, 1602, p. 127.

Esse ensino de Baimez é geralmente encontrado entre os teólogos do século XVII: Suárez, De fide, tr. I, disp. V, sect. VIII, n. 4, 7; Nugno, Commentarii ac disputationes in III S. Thomae, q. xx, a. 3, em Rocaberti, t. VIII, p. 256; Duval, De suprema romani pontificis in Ecclesiam potestate, Paris, 1877, p. 107, 149 sq., 151; Gravina, Catholicœ prœscriptiones adversus hæreticos, q. II, a. 14, em Rocaberti, t. VII, p. 495 sq.; Sylvius, op. cit., p. 313; Platel, op. cit., t. III, p. 91; Cárdenas, Crisis theologica, Veneza, 1710, t. I, p. 64 sq.; t. IV, p. 9 sq.

2. Desde o final do século XVII, em consequência da controvérsia relativa aos fatos dogmáticos, a infalibilidade do papa, assim como a da Igreja, é geralmente afirmada de maneira muito explícita, em relação aos fatos dogmáticos. Ver Église, t. IV, col. 2188 sq. Incidentalmente, também a infalibilidade do papa, assim como a da Igreja, é afirmada para as conclusões teológicas referentes às matérias que pertencem indiretamente ao depósito da fé, col. 2184 sq., e mesmo para as proposições condenadas pelo papa como errôneas, temerárias ou escandalosas. Cárdenas, op. cit., t. I, p. 58; Viva, op. cit., l. I, p. 8 sq. Contudo, deve-se notar que no século XVIII alguns teólogos ainda empregam expressões que parecem restringir a infalibilidade do papa às únicas definições de fé. Ballerini, op. cit., p. 292 sq., 316, 320; Kilber, op. cit., t. I, p. 348. Essas expressões não devem ser tomadas muito literalmente. Assim, Ballerini declara ele mesmo que se deve incluir entre as definições de fé os decretos apostólicos que têm por objeto a condenação de algum erro contrário ao dogma, op. cit., p. 316, e que nos dogmas de fé deve-se entender a doutrina do direito natural e divino. Ibid.

3. Também deve-se notar que, desde o século XVI, os teólogos admitem explicitamente a infalibilidade do papa no que diz respeito às leis promulgadas para a Igreja universal, à canonização dos santos e à aprovação dos ordens religiosas. Ver t. IV, col. 2185 sq.

5° Conclusão.

1. De tudo que foi dito, deve-se concluir que houve, durante esse período, um progresso considerável no desenvolvimento das provas escriturísticas e patrísticas do dogma da infalibilidade pontifical e na exposição do conceito teológico dessa mesma infalibilidade.

O progresso no desenvolvimento das provas escriturísticas e patrísticas é muito notável entre alguns teólogos como Bellarmino no século XVI, André Duval no XVII e Pierre Ballerini no XVIII.

O progresso realizado na exposição do conceito teológico da infalibilidade pontifical diz particularmente respeito aos seguintes pontos:

a) A partir do século XVI, encontra-se entre quase todos os teólogos ultramontanos um conceito muito explícito da independência do magistério pontifical em relação aos concílios; e desde o final do século XVII, essa mesma independência é explicitamente proclamada em relação ao consentimento da Igreja universal. Essa doutrina deve ser solidamente apoiada na Escritura e na tradição católica constante.

b) Desde o final do século XVI, os teólogos concordam em afirmar explicitamente que não há nenhuma necessidade de verificar se o papa fez pesquisas diligentes antes de emitir um julgamento supremo em matéria de fé, seja porque essas pesquisas não são necessárias para a infalibilidade, seja porque a Providência vela constantemente para assegurar sua execução.

c) Desde o final do século XVI também, os teólogos concordam em aplicar, às definições do magistério pontifical, os princípios anteriormente admitidos e que dizem respeito às definições do magistério da Igreja consideradas de maneira geral; e deles deduzem as condições necessárias para que haja uma definição infalível do magistério pontifical.

d) Desde o final do século XVII, a infalibilidade do papa, assim como a da Igreja, é geralmente afirmada de maneira muito explícita em relação aos fatos dogmáticos e em tudo o que pertence indiretamente ao depósito da fé.

2. Um novo progresso dogmático é realizado em 1870 pela definição do concílio do Vaticano, que proclama a completa independência do magistério pontifical em relação aos concílios ou em relação ao consentimento da Igreja universal, e que ensina ao mesmo tempo que o magistério infalível do papa deve se estender a tudo que pertence à fé e aos costumes. O concílio do Vaticano deve ser estudado à parte; citaremos aqui apenas a definição promulgada pelo concílio sobre a infalibilidade pontifical.

Por isso, nós ensinamos e definimos que é um dogma revelado que quando o pontífice romano fala ex cathedra, ou seja, quando cumpre sua função de pastor e doutor de todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, ele define uma doutrina pertencente à fé e aos costumes que deve ser mantida por toda a Igreja universal, pela assistência divina que lhe foi prometida no bem-aventurado Pedro.

Por isso, a infalibilidade do pontífice romano, suas definições são irreformáveis por si mesmas, não em virtude do consentimento da Igreja. Se alguém, porém, presunçosamente ousar contradizer nossa definição, o que Deus queira que seja impedido, seja anátema.

É à luz dessa definição que vamos estudar as conclusões doutrinárias sobre a natureza, o objeto e o modo de exercício da infalibilidade pontifícia. Antes, permitam-nos observar aqui, como última conclusão de nosso esboço histórico, a soberana influência dessa definição sobre o pensamento teológico. Ao mesmo tempo em que foram completamente dissipados os últimos vestígios do galicanismo teológico, ver t. vi, col. 1116, houve, como constatamos em breve, uma afirmação mais explícita das condições requeridas para uma definição pontifical infalível e uma maior precisão do papel que pertence ao magistério ordinário do papa.

IV. Conclusões doutrinárias sobre a NATUREZA, o objeto E O MODO de EXERCÍCIO DA INFALIBILIDADE PONTIFÍCIA, PRINCIPALMENTE SEGUNDO A DEFINIÇÃO DADA PELO CONCÍLIO DO VATICANO.

Após a exposição das provas escriturísticas e tradicionais em favor da infalibilidade pontifícia, será útil indicar aqui, de forma sintética, as principais conclusões doutrinárias que decorrem de toda essa documentação, principalmente segundo a autoridade do Concílio do Vaticano.

1. CONCLUSÕES SOBRE A NATUREZA DA INFALIBILIDADE PONTIFÍCIA.

1º Conclusão.

O magistério infalível do papa é, em seu exercício, absolutamente independente, tanto da autoridade de um concílio, quanto de uma aprovação posterior dada pela Igreja universal.

1. É o que indica o ensino neotestamentário, particularmente em Lucas, XXII, 32. Pois, segundo a palavra de Jesus, como demonstramos anteriormente, Pedro sozinho e seus sucessores até o fim dos séculos, possuem, de maneira absoluta e sem nenhuma restrição, o privilégio de confirmar na fé os fiéis de todos os tempos, considerados isoladamente ou coletivamente. Pedro e seus sucessores, ao terem que comunicar a todos a firmeza na fé, não podem eles mesmos recebê-la daqueles que devem confirmar.

2. Isso também resulta das provas tradicionais anteriormente citadas:

a) Mesmo nos quatro primeiros séculos, a autoridade doutrinária do pontífice romano era reconhecida como a autoridade doutrinária suprema, à qual todos deviam absoluta submissão e com a qual era necessário estar em comunhão de fé, se quisessem pertencer à Igreja Católica. E nos séculos seguintes, essa prática se manteve constante e universal.

b) Desde o começo do século V, documentos muito explícitos atestam que os concílios ecumênicos reconheciam o magistério supremo dos pontífices romanos e se submetiam plenamente às suas decisões, notadamente em Éfeso, Calcedônia, no III e no IV concílio de Constantinopla e no II concílio de Nicéia. Ver Concílios, t. III, col. 653 sq.

3. O erro teológico afirmando a superioridade do concílio sobre o papa em matéria de fé, sustentado por alguns autores nos séculos XV e XVI, mas combatido por quase todos os teólogos católicos, foi frequentemente reprovado pela Igreja, ao mesmo tempo que a tese geral da superioridade do concílio sobre o papa. Ver Papa.

4. No século XVII, a mesma reprovação atingiu o erro teológico afirmando a necessidade de uma ratificação ou aprovação dada pelo menos tacitamente pela Igreja às decisões doutrinárias do papa, para que fossem realmente infalíveis. Esse erro foi positivamente condenado pela Igreja, em várias ocasiões, no 4º artigo da Declaração do clero da França de 1682, notadamente por Pio VI, na bula Auctorem fideiDenzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 1.598 sq. Ver t. IV, col. 204.

5. Finalmente, o Concílio do Vaticano proclamou solenemente como verdade de fé que as definições do pontífice romano são de si mesmas irreformáveis, e que não o são em virtude do consentimento da Igreja: ideoque ejusmodi romani pontificis definitiones ex sese, non autem ex consensu Ecclesiæ irreformabiles esse. Sess. IV, c. IV.

Deve-se notar que as palavras non autem ex consensu Ecclesiæ foram acrescentadas pelo concílio à primeira redação, precisamente para afastar o erro segundo o qual uma ratificação subsequente da Igreja era necessária para que a definição pontifical fosse infalível. Acta et decreta concilii Vaticani, Collectio Lacensis, t. VII, col. 458.

6. Deve-se concluir daí que a infalibilidade do papa é uma infalibilidade absoluta, pessoal e separada?

a) Se, pela expressão infaillibilidade absoluta, se quisesse apenas dizer que a infalibilidade pontifical não é, em seu exercício, de modo algum subordinada à autoridade de um concílio geral ou a uma aprovação posterior da Igreja universal, nada se oporia a que a expressão pudesse ser empregada. Mas é mais justo dizer, com Monsenhor Casser, relator da Comissão da fé no concílio do Vaticano, que a infalibilidade pontifical não é, em nenhum sentido, absoluta, porque a infalibilidade absoluta pertence a Deus somente. Toda outra infalibilidade tem seus limites e suas condições. A infalibilidade pontifical é restrita em seu sujeito, que é o papa ensinando a Igreja universal em virtude de seu poder supremo; ela é restrita em seu objeto, que deve se relacionar à fé e aos costumes; ela é também restrita em seu exercício, uma vez que supõe uma definição do que todos os fiéis são obrigados a crer, a manter ou a rejeitar. Collectio Lacensis, t. VII, col. 401 sq.

b) Se, por infaillibilidade pessoal, se quiser expressar a infalibilidade que pertence à pessoa pública do papa, na qualidade de pastor supremo ensinando toda a Igreja, a expressão pode ser empregada. Esta expressão é, de fato, aprovada nesse sentido por muitos teólogos, em contraposição à distinção galicana entre o trono de Roma e o ocupante desse trono: o primeiro sempre preservado de todo erro que tenha alguma duração, o segundo não estando a salvo de algum erro momentâneo que não atinja o trono em si. Collectio Lacensis, t. VII, col. 398 sq. Mas a infalibilidade pontifical, ao menos no que diz respeito ao dogma definido pela Igreja, não pode ser chamada pessoal nesse sentido em que pertenceria ao papa considerado como pessoa privada.

c) Quanto à expressão infaillibilidade separada, nada se oporia ao seu uso, se se quisesse apenas significar que a infalibilidade pontifical é, em seu exercício, absolutamente independente, tanto da autoridade de um concílio, quanto de uma aprovação posterior dada pela Igreja universal. Mas a expressão deveria ser rejeitada se se quisesse excluir nos bispos, dispersos ou reunidos em concílio, toda autoridade doutrinária mesmo dependente.

d) Em resumo, essas expressões, embora suscetíveis de um sentido verdadeiro, não devem ser empregadas sem alguma explicação, por causa do abuso que se poderia fazer delas; abuso que certamente existiu na controvérsia anti-infalibilista, antes e durante o concílio do Vaticano, sobretudo por ocasião do volume de Monsenhor Maret, Du concile général et de la paix religieuse, Paris, 1869. Ver Granderath, Histoire du concile du Vatican, trad. franc., Bruxelas, 1908, t. I, p. 294 sq.

2ª conclusão.

A infalibilidade pontifical, como a do magistério da Igreja considerada de uma maneira geral, provém da assistência divina afastando perpetuamente todo perigo de erro; assistência especialmente prometida a Pedro e a seus sucessores até a consumação dos séculos, segundo todas as provas anteriormente expostas.

É o ensino formal do concílio do Vaticano na definição do dogma da infalibilidade pontifical: per assistentiam ipsi in beato Petro promissamSess. IV, c. IV. Ver Assistência do Santo Espírito, t. I, col. 2126 sq.

3ª conclusão.

1. A infalibilidade pontifical, pertencendo apenas aos atos nos quais o papa age com a plenitude de seu poder apostólico, encontra-se somente nos atos que emanam efetivamente do papa e são manifestados como tais, e que possuem, além disso, as condições necessárias para um ensinamento infalível.

É isso que mostra o ensino tradicional, conforme expomos. Segundo esse ensino, a infalibilidade doutrinária pertence ao papa que define, em virtude de sua suprema autoridade apostólica e na qualidade de doutor e pastor da Igreja universal, a doutrina que deve ser mantida por todos os fiéis. É também o ensino formal do concílio do Vaticano na definição de fé. Sess. IV, c. IV.

2. Daí se segue, como foi mostrado anteriormente, que os decretos doutrinais das Congregações romanas, mesmo munidos da aprovação comum do papa, enquanto permanecerem tais e forem publicados como tais, não gozam do privilégio da infalibilidade. Ver Congregações, t. III, col. 1108 sq. Às vezes, o papa os faz seus e os publica em seu nome. É, por exemplo, o caso do decreto Lamenabili, do Santo Ofício, de 3 de julho de 1907. Pois Pio X realmente o fez seu pela Motu proprio Præstantia de 18 de novembro de 1907. Ver outros exemplos mais antigos em L. Choupin, S. J., Valeur des décisions doctrinales et disciplinaires du saint-siège, Paris, 1907, p. 52-56. Contra Bouix, o autor estabelece, além disso, que essa aprovação in forma specifica não transforma sempre e necessariamente a decisão anterior em uma definição ex cathedra. Ela o faria somente "se o papa manifestasse suficientemente sua intenção, sua vontade de proferir uma sentença definitiva, absoluta sobre a questão.P. 55.

4ª conclusão.

Quando o magistério infalível é exercido conjuntamente pelo papa e pelos bispos, dispersos ou reunidos em concílio, deve-se afirmar, ao menos como uma conclusão bem provável do ensino escritural, do ensino tradicional e do ensino do concílio do Vaticano, que a infalibilidade pontifical reside primeiramente e principalmente no papa, de tal modo que ela está nos bispos apenas por participação e de maneira dependente.

1. É isso que mostra o ensino escritural de Mateus, XVI, 18, e de Lucas, XXII, 32, afirmando que Pedro e seus sucessores possuem sozinhos a infalibilidade de uma maneira imediata e principal, enquanto que os apóstolos e seus sucessores até a consumação dos séculos, confirmados eles mesmos na fé por Pedro, têm a indestrutibilidade na fé ou a infalibilidade apenas por intermédio de Pedro e sob sua dependência. As palavras subsequentes dirigidas conjuntamente a Pedro e seus colegas, Mateus, XXVIII, 20, não podendo modificar a promessa absoluta anteriormente feita a Pedro, Mateus, XVI, 18; Lucas, XXII, 32, devem ser entendidas de tal modo que Pedro é sempre o fundamento da Igreja e que, por meio dele, a fé dos outros apóstolos é afirmada e tornada indestrutível.

2. É também o testemunho formal da tradição católica, ao menos desde o V século. Este ensino se encontra explicitamente nas palavras anteriormente citadas de São Leão Magno, declarando expressamente que, segundo a oração infalível de Jesus, a firmeza na fé é concedida a Pedro por Jesus, para que Pedro mesmo a confie aos apóstolos. Serm., LXXXIII, c. III, P. L., t. LIV, col. 431; que tudo na Igreja repousa sobre a fé de Pedro e que esta fé foi munida, por Jesus Cristo, de tal solidez que a perversão herética e a infidelidade nunca puderam corrompê-la. Serm., III, c. III, col. 140 sq. Observamos, ao estudar os testemunhos da tradição, que esse ensino de São Leão, desde o V século até nossa época, é frequentemente reproduzido, seja como interpretação dos textos escriturais, seja fora de toda citação escritural, e que, sobretudo desde o XVI século, esta doutrina se firmou particularmente em contraposição ao erro teológico que subordinava as decisões doutrinais do papa à suposta autoridade superior de um concílio ou à aprovação ou ratificação final da Igreja universal.

3. Este ensino tem, aliás, um fundamento sólido no dogma da primazia pontifical, tal como é ensinado pelo concílio do Vaticano. Sess. IV, c. III. Uma vez que a plenitude de toda autoridade reside primeiramente e principalmente no papa, como se pode concluir do ensino do concílio, é permitido afirmar também que a plenitude da autoridade doutrinária, isto é, a infalibilidade doutrinária, reside no papa primeiramente, principalmente e imediatamente, ver Collectio Lacensis, t. VII, col. 357 sq., de tal modo que os bispos ensinando com o papa possuem essa infalibilidade apenas por participação e com dependência na medida em que seu ensino está unido ao do papa.

4. Quanto à função de juízes da fé que, segundo a tradição católica, pertence certamente aos bispos ensinando conjuntamente com o papa, ela pode ser exercida em toda verdade, seja antes, seja depois de uma definição pontifical.

a) Tendo a definição pontifical, os bispos reunidos em concílio ou dispersos podem, apoiando-se nos ensinamentos ou documentos conhecidos até então, emitir um julgamento doutrinal sobre a matéria que lhes é submetida. A seguir, esse julgamento é conhecido como participante da infalibilidade doutrinária pelo fato de ser ratificado ou confirmado pelo papa, com a autoridade que ele detém de Jesus Cristo.

b) Após a definição pontifical, os bispos dispersos ou reunidos em concílio podem, antes de se unirem à decisão do papa, examinar a questão, em virtude da autoridade que lhes pertence, para emitir, à luz dos argumentos escriturais ou tradicionais que examinaram, um julgamento doutrinal conforme ao do papa e que, consequentemente, participe de sua infalibilidade. Esse julgamento doutrinal dos bispos não pode ter como objetivo consolidar a autoridade doutrinária do papa, uma vez que ela é consolidada pelo próprio Jesus Cristo, mas apenas dar, à decisão doutrinal do papa, mais brilho exterior pela coesão muito manifesta de todo o episcopado unido ao ensino do papa. Mostramos anteriormente, no estudo da tradição católica, que, de fato, essa foi a prática seguida nos concílios de Éfeso e de Calcedônia e no VI concílio geral (III de Constantinopla), onde os bispos, após declarar seu dever e sua vontade formal de se submeter às decisões doutrinais já proferidas pelo papa, examinaram, no entanto, em virtude de sua autoridade episcopal, à luz dos ensinamentos da Escritura e da tradição, a matéria já definida e deram sua plena adesão à decisão pontifical por meio de um julgamento doutrinal motivado. É nesse sentido que eles apuseram suas assinaturas aos atos do concílio com essa fórmula: ego definiens subscripsi. É o que os concílios em si frequentemente fizeram em relação às decisões infalíveis já tomadas por concílios anteriores. Ver Collectio Lacensis, t. VII, col. 397 sq.; Concílios, t. III, col. 665. É, aliás, manifesto que a qualidade de juízes da fé é atribuída aos bispos pelo concílio do Vaticano: sedentibus Nobiscum et judicantibus universi orbis episcopis. Denzinger-Bannwart, n. 1781.

II. CONCÍLIOS RELATIVOS AO OBJETO DA INFALIBILIDADE PONTIFICAL.

1º Uma vez que, segundo o ensino do concílio do Vaticano, o papa possui essa infalibilidade com a qual Jesus Cristo quis munir sua Igreja na definição da doutrina da fé e dos costumes, sess. IV, c. IV, e que essa infalibilidade da Igreja se estende não somente ao que é revelado por Jesus Cristo, mas também a todas as verdades sem as quais o depósito da fé não poderia ser defendido com eficácia, nem proposto com suficiente autoridade, é, portanto, uma verdade bem certa que a infalibilidade pontifical tem a mesma extensão.

2º Esta verdade é também manifesta a partir dessas palavras da definição vaticana, que o papa é infalível, "cum omnium christianorum pastoris et doctoris munere fungens, pro suprema sua apostolica auctoritate, doctrinam de fide vel moribus ab universa Ecclesia tenendam definit". Sess. IV, c. IV. A expressão "tenendam" foi aqui substituída pela palavra "credendam" da primeira redação, para não restringir as definições ex cathedra às únicas verdades de fé, Acta concilii Vaticani, Collectio Lacensis, t. VII, col. 1704 sq., portanto, é bem certo que a infalibilidade pontifical pode ter como objeto todas as verdades conexas à fé.

 Segundo este ensino do concílio do Vaticano, nossa conclusão tem a mesma certeza teológica que a própria infalibilidade do magistério eclesiástico relativamente ao objeto indireto do depósito da fé. Ver Igreja, t. IV, col. 2196.

O concílio reservou-se o direito de tratar essa questão em um capítulo subsequente do esquema De Ecclesia, deixando-a no estado em que se encontrava então e com a certeza teológica que lhe pertence. Ver Collectio Lacensis, t. VII, col. 415 sq.

III. CONCLUSÕES RELATIVAS ÀS CONDIÇÕES REQUISITAS PARA UMA DEFINIÇÃO PONTIFICAL INFALÍVEL OU EX CATHEDRA NO SENTIDO DO DECRETO DO CONCÍLIO DO VATICANO.

Ver Ex CATHEDRA, t. V, col. 1731 sq.

1ª condição.

O papa deve falar como pastor e doutor de todos os cristãos, uma vez que, segundo os textos escriturais e os documentos tradicionais previamente indicados, a infalibilidade doutrinária é garantida a Pedro e a seus sucessores na medida em que ensinam aos fiéis a doutrina que estes são obrigados a crer ou a manter. Portanto, não basta que o papa fale como pessoa privada ou como autor particular. Contudo, não é necessário que o papa se dirija explicitamente à Igreja inteira; basta que o faça implicitamente ou equivalentemente, ao definir uma matéria que declara obrigatória para todos os fiéis, como indicam as palavras subsequentes do decreto conciliar: "cum omnium christianorum pastoris et doctoris munere fungens pro suprema sua apostolica auctoritate doctrinam de fide vel moribus ab universa Ecclesia tenendam definit". Sess. IV, c. IV. É também certo que esse ensino declarado obrigatório para todos os fiéis não está necessariamente vinculado a nenhuma forma externa determinada. Basta que o ensino seja tornado obrigatório para todos. Assim, no concílio do Vaticano, várias emendas cujo objetivo era fazer determinar algumas condições que seriam sempre requeridas, como uma consulta aos bispos reunidos em concílio ou dispersos, ou um estudo diligente da Escritura ou da tradição, ver emendas 22, 24, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 45, Collectio Lacensis, t. VII, col. 375 sq., foram rejeitadas pela quase unanimidade dos membros do concílio, col. 421. O relator fez observar que, em todo o passado, onde a Santa Sé havia frequentemente proferido julgamentos dogmáticos, nunca se havia falado de qualquer regra canônica que pudesse ser estabelecida. Essa nova regra pela qual um concílio quisesse controlar o exercício do magistério pontifical suporia, de alguma forma, este princípio errôneo, tantas vezes condenado, de que o concílio é superior ao papa. Uma tal regra seria, aliás, inútil, uma vez que sua observação não poderia ser verificada pelos bispos e pelos fiéis dispersos no mundo católico. Essa regra também seria muito perigosa, porque daria lugar a muitas dificuldades e ansiedades. Portanto, o papa deve ser livre para empregar a forma externa que julgar a melhor ou a mais oportuna para manifestar o ensino que deseja tornar obrigatório para todos, col. 401 sq. Pois, segundo a afirmação do relator, quaisquer que sejam as circunstâncias, a assistência divina prometida a Pedro e a seus sucessores é tão eficaz que impediria o julgamento do papa se ele devesse ser errôneo, tão eficaz que asseguraria sempre a infalibilidade do julgamento que o papa pronuncia como definitivo e obrigatório para todos, col. 401.

2ª condição.

É necessário que se trate de uma verdade ou de uma doutrina relacionada à fé e aos costumes, que essa verdade seja em si mesma uma verdade revelada, ou que seja apenas uma verdade conexa à revelação, no sentido anteriormente indicado, doctrinam de fide vel moribus ab universa Ecclesia tenendam.

3ª condição.

É necessário que o papa defina, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, que a doutrina em questão deve ser mantida pela Igreja universal. "cum... doctrinam de fide vel moribus ab universa Ecclesia tenendam definit."

1. A definição que se menciona aqui é um juízo doutrinal explícito e final, proferido pelo papa relativamente à fé e aos costumes, de tal maneira que todos os fiéis possam estar certos de que tal doutrina é considerada pelo papa como pertencente à revelação, ou ter com ela uma conexão certa.

a) Uma vez que, segundo o decreto conciliar, há identidade entre o magistério do papa e o da Igreja considerado de uma maneira geral, deve-se tomar aqui as palavras "definit tenendam" no sentido em que eram até então habitualmente entendidas pelos teólogos, quando falavam do magistério eclesiástico considerado de uma maneira geral. Ora, está bem demonstrado que, na linguagem habitual dos teólogos desde o século XVI, segundo os testemunhos anteriormente citados, essas mesmas palavras ou palavras equivalentes significavam, particularmente para as decisões doutrinais proferidas pelos concílios gerais, um juízo final sobre a fé ou a doutrina que todos devem crer ou admitir. É nesse sentido que os teólogos costumavam afirmar que somente isso realmente se enquadra na definição conciliar que o concílio deseja realmente compreender ou definir, de acordo com o objetivo que se propõe, as expressões que utiliza e os erros que deseja condenar formalmente. Daí conclui-se habitualmente que não se deve entender na definição, nem os argumentos ou razões que não são expressamente impostos ao assentimento dos fiéis, nem os motivos da definição, nem as coisas incidentalmente ditas ou louvadas no concílio, nem o que é dito incidentalmente em um texto conciliar, sem que o concílio queira de modo algum compreendê-lo na definição ou impô-lo à crença ou ao assentimento formal dos fiéis.

A conclusão é, portanto, manifesta. As palavras "definit tenendam" da definição vaticana devem ser entendidas, segundo o sentido comumente admitido até então, como um juízo explícito e final sobre o que todos devem crer ou manter firmemente.

b) Essa é, aliás, a interpretação formulada no relatório de Monsenhor Casser, em nome da Comissão da Fé. A palavra "definit" não deve ser tomada em seu sentido jurídico, de pôr fim a uma controvérsia sobre uma heresia ou sobre uma doutrina de fé. Essa palavra significa um juízo direto e final proferido pelo papa relativamente à fé e aos costumes, de tal maneira que todos os fiéis possam estar certos da intenção do Soberano Pontífice, e que saibam que tal doutrina é considerada por ele como herética, próxima da heresia, certa ou errônea. Collectio Lacensis, t. VII, col. 474 sq.

c) Deve-se concluir com o Cardeal Billot, op. cit., p. 655, que a condição exigida pelas palavras "definit tenendam" pode faltar de duas maneiras: ou porque as expressões que o papa utiliza não contêm juízo doutrinal, ou porque esse juízo não é um juízo final, manifestamente exigente do assentimento da fé ou de uma adesão firme.

a. Há manifestamente ausência de juízo doutrinal quando o papa se contenta em proibir qualquer inovação, como fez o papa Santo Estêvão I na questão dos rebaptizantesDenzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 46, ou a mais forte razão quando o papa pede simplesmente que se abstenham de qualquer controvérsia sobre uma matéria determinada, até que a Santa Sé defina o que se deve crer ou admitir, como fez Pio II relativamente à discussão sobre a união da pessoa do Verbo com as gotas de sangue derramadas por Nosso Senhor durante a paixão, Denzinger-Bannwart, n. 251.

Há também ausência de juízo doutrinal quando, toda questão de doutrina estando plenamente salvaguardada, trata-se unicamente da oportunidade ou da inoportunidade de um juízo a ser proferido sobre uma simples questão de fato, por exemplo, se tal pessoa ou tal obra merece condenação devido a erros reais, ou se é preferível abster-se de uma condenação formal, devido a graves inconvenientes que podem resultar dessa condenação e porque o perigo imediato não existe mais. Pode-se citar, como exemplo, o caso do papa Vigílio na questão dos Três Capítulos. Ver Constantinopla (concílio de), t. III, col. 1231 sq. e Vigílio.

Há também ausência de juízo doutrinal quando se trata unicamente da inoportunidade de uma expressão considerada, a torto e com base em relatos falsos e insuficientemente verificados, como dando lugar a consequências desagradáveis. Vários autores aplicam isso ao caso do papa Honório I. Veja em sentido contrário Honório I, col. 110-111. Finalmente, há ausência de juízo doutrinal explícito em todos os casos em que se trata de um ensinamento pontifical efetivamente contido nas leis promulgadas pelo papa para a Igreja universal, ou nos decretos pontifícios sobre a aprovação do culto dos santos ou a aprovação das ordens religiosas. Esse ensinamento pontifical é infalível no sentido e nas condições anteriormente explicados para o magistério da Igreja, t. IV, col. 2197 sq. Mas não há o ato requerido para uma definição no sentido do decreto conciliar.

b. Há certamente ausência de juízo final no sentido indicado, sempre que há uma simples afirmação de uma doutrina proposta ou recomendada como melhor para a defesa da verdade revelada, como ocorre frequentemente nos atos do magistério ordinário dos soberanos pontífices. Falaremos em breve sobre esse ensinamento pontifical não infalível que aparece com frequência nas encíclicas de Leão XIII e de Pio X.

2. Uma vez que somente o juízo direto e final proferido pelo papa relativamente à fé e aos costumes constitui a definição infalível no sentido do decreto conciliar, é certo que a autoridade infalível deve ser estritamente limitada ao que o papa deseja definir, de acordo com o objetivo que se propõe, com as expressões que utiliza ou com os erros que deseja condenar formalmente.

a) Não se deve, portanto, entender em tal definição as razões ou os argumentos sobre os quais ela se baseia, a menos que esses argumentos estejam em si mesmos expressamente definidos, como os textos de Mateus, XVI, 18; e de Lucas, XX, 32, cujo sentido foi definido pelo concílio do Vaticano. Sess. IV, c. I, IV.

Assim, na bula Ineffabilis Deus de Pio IX, de 8 de dezembro de 1854, que define o dogma da Imaculada Conceição de Maria e é unanimemente aceita como ato ex cathedra, as provas ou indicações bíblicas deduzidas pelo documento pontifical de Gênesis, III, 15, ou das figuras da pureza perfeita de Maria no Antigo Testamento, segundo a interpretação dos Padres, não são, de acordo com a declaração do papa, nem de acordo com o objetivo que se propõe, objeto de um juízo doutrinal desejado como positivamente obrigatório para todos os fiéis. Veja col. 1207.

A mesma afirmação deve, com mais razão, aplicar-se a textos citados, nos documentos pontificais, de uma maneira simplesmente acomodativa, como os dois textos: "Ecce duo gladii hic", Lucas, XXII, 38; "Converte gladium tuum in vaginam", Mateus, XXVI, 52; João, XVIII, 11, na bula Unam Sanctam de Bonifácio VIII.

b) Não se deve também entender na definição pontifical o que é afirmado incidentalmente, a ocasião da definição, sem que o papa queira de modo algum defini-lo ou impô-lo à crença ou ao assentimento dos fiéis. Assim, na bula mencionada Ineffabilis Deus, não se considerará como compreendidas na definição várias afirmações sobre a mediação universal da muito santa Virgem Maria e a onipotência efetiva de sua intercessão; afirmações feitas incidentalmente e sem que haja qualquer indício de que o papa as imponha obrigatoriamente à adesão dos católicos.

É ainda isso que se deve pensar sobre essa afirmação incidental, ao final da mesma bula, que quem tiver a presunção de pensar, em seu coração, "secus ac a nobis definitum est", saiba que está condenado por seu próprio juízo, que naufragou no que diz respeito à fé e que se separou da unidade da Igreja. É manifesto que, por essa afirmação incidental, o papa não quis resolver a controvérsia teológica sobre os heréticos ocultos, classificados por vários teólogos entre os membros da Igreja visível, enquanto sua heresia não estiver expressa exteriormente, ou, segundo outros teólogos, totalmente separados da Igreja visível porque sua fé puramente exterior não pode constituir um vínculo realmente suficiente.

c) Pela mesma razão, não se deve também entender, na definição pontifical, as conclusões que são legitimamente deduzidas à luz do contexto. Pois essas conclusões, embora possam ser certas e, na maioria das vezes, não possam ser negadas sem pôr em risco a verdade revelada ou a própria infalibilidade do papa, não são, no entanto, diretamente propostas à fé ou à aceitação dos fiéis como é requerido para uma definição propriamente dita. Isso é, aliás, o que todos os teólogos católicos admitem em relação às definições proferidas pelos concílios.

3. Quanto aos sinais pelos quais se pode reconhecer as definições pontificais infalíveis, deve-se, de acordo com a observação feita anteriormente, aplicar os sinais que eram comumente dados pelos antigos teólogos para reconhecer as definições infalíveis do magistério da Igreja considerado de uma maneira geral. Basta que o papa manifeste formalmente sua vontade de reprimir ou condenar um erro como diretamente ou indiretamente oposto à fé, ou de declarar uma doutrina como estritamente obrigatória para todos os fiéis, seja impondo-a sob pena de anátema, seja propondo-a como verdade de fé, ou como não podendo ser rejeitada sem comprometer a fé. Embora, para significar essa vontade, nenhuma expressão seja, em princípio, rigorosamente requerida, existem expressões que são, de acordo com a apreciação universal, sinais certos de uma definição propriamente dita. Citaremos como exemplos os casos em que uma verdade é declarada verdade de fé ou verdade revelada, especialmente com as expressões definimusauctoritate apostolica definimus, ou os casos em que uma proposição é condenada como herética ou como contrária à fé, especialmente com as expressões definitive damnamus e reprobamus, auctoritate Dei et beatorum apostolorum Petri et Pauli damnamus et reprobamusVeja Collectio Lacensis, t. VII, col. 285; cardeal Billot, op. cit., p. 657 sq.

Citaremos, a título de exemplo, alguns documentos pontificais que, de acordo com os princípios que acabamos de lembrar, são habitualmente, ou bastante habitualmente, considerados como contendo uma definição infalível:

a) A carta já mencionada do papa são Leão I ao bispo Flaviano de Constantinopla, onde é exposta, com uma autoridade soberana, a fé que todos devem seguir em relação à encarnação, Epist., XXVIII, P. L., t. LIV, col. 755 sq., e que foi, como já mostramos anteriormente, considerada pelo concílio de Calcedônia como um juízo doutrinal definitivo e obrigatório para todos, e mencionada como tal em toda a tradição católica, particularmente no formulário de fé do papa santo Hormisdas. Denzinger-Bannwart, n. 171.

b) A carta dogmática do papa santo Agatão relativa à questão das duas vontades em Jesus Cristo, indicando com plena autoridade, antes da celebração do concílio, a doutrina que todos devem seguir, sob pena de estarem fora da fé ortodoxa. Epist., I, P. L., t. LXXXVII, col. 1168 sq., 1205, 1208, 1212. Veja Agatão, t. I, col. 559 sq. Mostramos que a soberana autoridade doutrinal desse documento foi plenamente reconhecida pelos Padres do VI° concílio em sua carta ao papa Agatão. Epist., IV, entre as cartas de santo Agatão, P. L., t. LXXXVII, col. 1247 sq. Cf. col. 1608.

c) A bula Unam sanctam de Bonifácio VIII, de 18 de novembro de 1302, pelo menos quanto à sua declaração final, referente à submissão necessária de toda criatura humana ao pontífice romano. Denzinger-Bannwart, n. 469. Veja Bonifácio VIII, t. II, col. 1001.

d) A constituição Benedictus Deus de Bento XII, de 29 de janeiro de 1336, referente à visão beatífica concedida, imediatamente após a morte corporal, às almas completamente purificadas. Veja Bento XII, t. II, col. 657 sq.; Denzinger-Bannwart, n. 530 sq.

e) A bula Exsurge Domine de Leão X, de 15 de junho de 1520, condenando 41 proposições de Lutero como heréticas e errôneas e exigindo de todos os fiéis uma reprovacão absoluta. Denzinger-Bannwart, n. 741 sq.

f) A constituição apostólica Cum occasione de Inocêncio X, de 31 de maio de 1653, condenando cinco proposições extraídas do Augustinus de Jansenio e proibindo a todos os fiéis de aceitá-las, sob pena das censuras impostas contra os heréticos e seus fautores. Denzinger-Bannwart, n. 1092 sq.

g) A constituição apostólica Celestis pastor de Inocêncio XI, de 19 de novembro de 1687, reprovando de uma maneira definitiva 68 proposições de Michel de Molinos em favor do quietismo. Denzinger-Bannwart, n. 1221 sq.

h) A constituição de Inocêncio XI Cum alias, de 12 de março de 1699, condenando com a plenitude do poder apostólico 23 proposições do livro de Fénelon. Denzinger-Bannwart, n. 2156; n. 1237 sq. Veja t. V, col. 2155-2156.

i) A constituição Unigenitus de Clemente XI, de 8 de setembro de 1713, condenando 101 proposições de Quesnel como heréticas ou errôneas e ordenando a todos os fiéis de não ter nesta matéria outro sentimento que aquele que é expresso nesta constituição. Denzinger-Bannwart, n. 793 sq.

j) A constituição Auctorem fidei de Pio VI, de 28 de agosto de 1794, condenando as proposições heréticas ou errôneas do conciliábulo de Pistoia e exigindo expressamente a todos os fiéis que conformem seu sentimento à doutrina ensinada nesta constituição. Denzinger-Bannwart, n. 1501 sq.

k) A bula Ineffabilis Deus de Pio IX, de 8 de dezembro de 1854, pela parte que contém a definição do dogma da Imaculada Conceição. Veja acima, col. 845 sq.

l) “Muitos teólogos e canonistas acrescentariam voluntariamente a famosa encíclica Quanta cura de Pio IX.” Choupin, Valor das decisões doutrinais e disciplinares da Santa Sé, p. 23. A infalibilidade do Syllabus, que teve seus partidários, está hoje quase abandonada. Ibid., p. 105-124.

m) A encíclica Pascendi de 7 de setembro de 1907 e o decreto Lamentabili de 3 de julho de 1907 foram, desde o tempo de sua aparição, objeto de julgamentos contraditórios. Vários teólogos viram neles atos do magistério infalível, naquele a causa de sua importância doutrinal, neste por razão do Motu proprio Praestsntia, de 18 de novembro de 1907, onde Pio X apropria-se do decreto e o acompanha de censuras. Outros tiveram uma opinião diferente. Para o P. Choupin, a encíclica é apenas “o ato mais alto do magistério pontifical após a definição ex cathedra.” Quanto ao decreto, que inicialmente era apenas um ato do Santo Ofício, o mesmo autor considera que o Motu proprio não lhe adiciona “o que lhe faltava para ser uma decisão estritamente e formalmente papal.” Veja Choupin, nas Études de 5 de janeiro de 1908, t. CXIV, p. 119-123; Revue du clergé français, 15 de janeiro de 1908, t. III, p. 247-248; Vermeersch, S. J., na Revue pratique d'apologétique, 15 de julho de 1908, p. 622-623. Esses escrúpulos dos especialistas, em presença dos atos pontificais mais graves, mostram qual cuidado de precisão e rigor deve ser aplicado na aplicação dos princípios estabelecidos pelo texto do concílio do Vaticano.

n) Nenhuma encíclica de Leão XIII é mencionada como contendo uma definição ex cathedra no sentido anteriormente indicado, embora possa haver, como mostraremos em breve, vários ensinamentos infalíveis sobre verdades anteriormente definidas, ou sempre ensinadas pelo magistério ordinário, e que são relembradas pelo papa e propostas como verdades certas.

4. De tudo o que precede resulta que pode haver às vezes alguma incerteza prática relativamente ao julgamento particular a ser feito sobre um documento pontifical. Nesses casos, deve-se levar em conta as observações seguintes:

a) A dificuldade não é maior do que no caso de incerteza do mesmo gênero relativamente às definições propostas pelos concílios gerais. As observações habitualmente feitas pelos teólogos em relação a esse caso devem encontrar aqui também sua aplicação. Collectio Lacensis, t. VII, col. 285.

b) Na ausência de prova certa a favor de uma definição estritamente obrigatória, pode-se sempre prudentemente manter o princípio non est imponenda obligatio de qua certo non constat, para não impor a obrigação proveniente de uma definição estrita, embora possam existir, nas circunstâncias, outras obrigações.

c) Embora uma obrigação estrita proveniente de uma definição certa então falte, há, na maioria das vezes, nesta ocorrência, uma obrigação, em si mesma grave, resultante, como mostraremos em breve, de um ensinamento mesmo não infalível do magistério ordinário do papa.

V. CONCLUSÕES SOBRE AS CONDIÇÕES REQUERIDAS PARA QUE HOUVE ENSINO PONTIFICAL INFALÍVEL PROVENIENTE DO MAGISTÉRIO ORDINÁRIO DO PAPA.


1. Pois, segundo o decreto do concílio do Vaticano, o papa possui a infalibilidade dada por Jesus à sua Igreja e que, para a Igreja, essa infalibilidade pode se estender aos atos do magistério ordinário, na medida e nas condições previamente indicadas; veja Igreja, t. IV, col. 2193 sq., deve-se afirmar que o papa ensinando sozinho, em virtude de seu magistério ordinário, é infalível na mesma medida e nas mesmas condições. Para que haja infalibilidade, é necessário que a verdade ensinada seja proposta como tendo sido definida anteriormente, ou como tendo sempre sido crida ou admitida na Igreja, ou como sendo atestada, pelo consentimento unânime e constante dos teólogos, como verdade católica.

2. Como exemplos de ensinamento infalível do magistério ordinário do papa, indicaremos particularmente, nas encíclicas de Leão XIII, os seguintes ensinamentos:

a) Na encíclica Arcanum, de 10 de fevereiro de 1880, sobre o casamento cristão, a divina instituição do sacramento do casamento, a indissolubilidade do casamento e o poder exclusivo e integral da Igreja sobre o casamento cristão.

b) Na encíclica Diuturnum, de 29 de junho de 1881, a origem divina do poder residindo na sociedade civil, verdade ensinada como evidentemente atestada nas Sagradas Escrituras e nos monumentos da antiguidade cristã.

c) Na encíclica Immortali Dei, de 1º de novembro de 1885, a soberana independência da Igreja que possui, em virtude de sua instituição divina, plena e absoluta autoridade em todas as matérias que são suas.

d) Na encíclica Providentissimus Deus, de 18 de novembro de 1893, particularmente esses dois ensinamentos sobre os Livros Santos: a noção católica de sua inspiração e a ausência de todo erro no texto sagrado fielmente conservado.

e) Na encíclica Salis cognitum, de 29 de junho de 1896, toda a doutrina católica sobre a primazia pontifical que é proposta como doutrina definida e universalmente reconhecida na Igreja.

Além disso, observar-se-á que, em todos esses casos, segundo as explicações dadas anteriormente, a infalibilidade se estende somente ao que é diretamente proposto como verdade já definida ou sempre crida ou admitida na Igreja, e que não se estende às razões ou explicações adicionadas a esse ensino.

Deve-se também notar que, embora tal ensinamento infalível do papa possa, por direito, segundo o ensinamento do concílio do Vaticano, sess. III, c. 3, ser suficiente para que a verdade ensinada seja verdade de fé católica, não parece ser suficiente para isso, de fato e de acordo com a conduta habitual da Igreja. De fato, em vários casos particulares, a Igreja julgou necessário intervir, por uma definição solene, para proclamar tal verdade assim ensinada como verdade de fé católica, ou ao menos para determinar o sentido preciso em que ela pertence à fé católica. A. Vacant, Estudos teológicos sobre as constituições do concílio do Vaticano, t. II, p. 117 sq.

V. RESPOSTA A ALGUNS OBJEÇÕES.


1ª objeção - Não se pode admitir como um dogma revelado uma proposição cuja definição teológica explícita não é encontrada antes do século XV e que, desde essa época, tem sido, mesmo na Igreja Católica, objeto de numerosos e persistentes ataques.

Resposta.

 Para que uma verdade possa ser explicitamente definida como verdade de fé ou como verdade revelada, em qualquer época da história da Igreja, é suficiente que tenha sido implicitamente revelada no sentido anteriormente explicado, veja Dogma, t. IV, col. 1642, e que, na tradição católica, tenha sempre sido crida como implicitamente revelada, seja porque essa crença deve ser considerada como contida na crença em uma verdade relacionada onde estava manifestamente compreendida, seja porque essa crença tenha podido ditar sozinha uma prática constante e universal na Igreja.

Ora, segundo as explicações dadas ao longo deste artigo, é manifesto, ao menos após o progresso dogmático realizado, nesta matéria, ao longo dos séculos cristãos, que a infalibilidade pontifical, não sendo outra coisa senão a plenitude da autoridade doutrinal na Igreja, está manifestamente compreendida na plenitude de toda autoridade conferida a Pedro e a seus sucessores na Igreja; plenitude que é certamente uma verdade revelada de acordo com Mat., XVI, 18, e Jo., XXI, 16 sq., e de acordo com o ensino constante da tradição católica.

É também certo que, segundo a demonstração feita no início deste artigo, a infalibilidade pontifical, mesmo nos quatro primeiros séculos, estava efetivamente contida, de uma maneira bastante evidente, na crença formal na soberana autoridade doutrinal do papa, e na prática constante e universal de recorrer à Igreja ou ao Sede de Roma e de se manter ao seu ensino ou à sua decisão quando a fé estava em perigo. Essa crença, aliás, recebeu, nos séculos seguintes, um desenvolvimento considerável, que analisamos em detalhe, até o momento em que se manifestou, no século XV, o conceito explícito do dogma da infalibilidade pontifical, por ocasião das negações formuladas abertamente pela primeira vez nessa época pelos partidários da superioridade do concílio sobre o papa.

2º As negações anti-infalibilistas, como se manifestaram desde o século XV até o concílio do Vaticano, não têm, especialmente para a França, a importância efetiva que lhes atribuem. Elas se referiam principalmente, não à existência, mas sim à natureza da infalibilidade pontifical e ao seu modo de exercício, como mostra o artigo 4º da Declaração do clero da França de 1682, veja t. IV, col. 197 sq., exigindo a aprovação ou a ratificação subsequente, pelo menos tácita, da Igreja, para que as definições pontificais devessem ser consideradas como realmente infalíveis. Assim, a controvérsia se centrava principalmente neste ponto: a ratificação ou aprovação subsequente da Igreja é necessária e em que medida o é? Veja Galicanismo, t. VI, col. 1103 sq.

É, aliás, um fato bem constatado que essas doutrinas galicanas eram muitas vezes bastante mitigadas entre muitos indivíduos; era habitual estar bastante submisso de fato aos ensinamentos do soberano pontífice, nos meios simplesmente galicanos, fora do partido jansenista ou daqueles que se deixavam guiar por ele. A maioria das vezes se submetia praticamente, mesmo antes que a ratificação ou aprovação da Igreja universal pudesse se tornar manifesta. Vimos várias provas bastante evidentes disso.

Pode-se, portanto, concluir que, diante de um erro assim restrito em sua duração, em seu objeto e em suas aplicações práticas, o testemunho da tradição católica constante, tal como foi exposto, mantém toda a sua força.

2ª objeção. — Não se pode admitir que, em uma época tardia da história da Igreja, uma definição de fé seja promulgada em favor de uma nova prerrogativa pontifical, produzindo dentro da Igreja profundas mudanças orgânicas, e tornando, do lado de fora, toda entente efetiva com os poderes civis, senão impossível, ao menos muito difícil.

Resposta.

 De acordo com toda a nossa demonstração, não é verdade que tenha sido definida uma nova prerrogativa pontifical produzindo dentro da Igreja mudanças profundas. Houve simplesmente uma manifestação mais explícita de uma crença constantemente aceita anteriormente, sob as múltiplas formas indicadas no estudo das provas tradicionais.

 Entretanto, deve-se reconhecer que, especialmente em certos meios onde reinava anteriormente um galicanismo mais ou menos nuançado, ocorreu, em consequência do abandono das velhas opiniões e do novo prestígio da autoridade pontifical, uma mudança que, sem ser praticamente muito profunda, pôde dar, a certos espíritos pouco refletidos ou mal informados, a ilusão, mais ou menos voluntária, de uma profunda mudança na doutrina e na constituição da Igreja. Isso foi o que observou Newman, em 1874, relativamente à falsa atitude adotada pelos bispos ingleses e irlandeses sobre a questão da infalibilidade e da autoridade do papa, em 1826, no momento do projeto de lei sobre a emancipação dos católicos. Esse fato pode ter dado alguma ocasião, após 1870, à confusão e aos ataques apaixonados de políticos como Gladstone, assim como o observou Newman em sua resposta a Pusey, A letter to the duke of Norfolk, 1874, em Certain difficulties felt by anglicans in catholic teaching considered, Londres, reimpressão, 1910, p. 187 sq.

Essa observação pode também se aplicar à carta de 30 de julho de 1870, na qual o chanceler austríaco Beust afirmava que as doutrinas promulgadas pelo concílio colocavam as relações do Estado com a Igreja em uma base completamente nova, uma vez que esta estendia o círculo de sua competência e concentrava ao mesmo tempo na pessoa do papa todos os poderes que pretendia exercer. Collectio Lacensis, t. VII, col. 1722; Granderath, Histoire du concile du Vatican, trad. Conrad Kirch, Bruxelas, 1913, t. III, pars II, p. 341 sq.

3º Não é verdade que a definição da infalibilidade pontifical, ao aumentar consideravelmente os direitos da Igreja, tenha tornado agora toda entente efetiva com os poderes civis, senão impossível, ao menos muito difícil.

1. Àqueles que desejariam raciocinar do ponto de vista católico, temos o direito de responder, de acordo com tudo o que foi dito anteriormente, que a definição vaticana não fez mais do que dar uma forma mais completa ao que sempre foi crido até então, pelo menos praticamente, seja relativamente à infalibilidade pontifical, seja relativamente à natureza da primazia pontifical. As relações da Igreja com os poderes civis, especialmente quando estes reconhecem e observam seus deveres em relação à Igreja, não podem, portanto, ser de modo algum modificadas. Elas permanecem como Leão XIII as declarou em sua encíclica Immortale Dei, como a tradição católica as havia afirmado nos séculos anteriores.

2. Quanto aos políticos que não se submetem ao ensino católico e que professam querer deixar à Igreja a liberdade no que diz respeito à sua organização puramente interna, têm o direito de responder que se trata precisamente aqui de uma questão puramente dogmática ou de ordem puramente interna, que deve, portanto, ultrapassar todas as reivindicações dos poderes civis.

3. É evidente que a definição vaticana não se opõe de modo algum a que, para assegurar relações convenientes entre os soberanos pontífices e os chefes de Estado, acordos ou concordatas sejam concluídos, os quais garantam, com a concordância, a paz e a liberdade. Isso é o que indica, especialmente, este trecho da encíclica Immortale Dei de Leão XIII, de 1º de novembro de 1885: "Acontece por vezes que surgem momentos em que outro tipo de acordo também contribui para uma liberdade tranquila, evidentemente quando certos governantes das repúblicas e o pontífice romano concordam sobre algum assunto específico. Nesses tempos, a Igreja oferece provas de uma piedade madura, pois costuma aplicar tanta flexibilidade e indulgência quanto for possível."

3ª objeção.

O desacordo dos teólogos católicos, mesmo após a definição vaticana, relativamente às condições requeridas para uma definição ou para um ensinamento realmente infalível, torna a doutrina católica sobre toda essa questão, quase inefetiva e inaplicável.

Resposta.

 Do ponto de vista doutrinal, as divergências ainda existentes, conforme o que foi notado anteriormente, dizem respeito unicamente à interpretação das palavras definit tenendam do decreto do concílio do Vaticano. Sess. IV, c. iv. E pode-se ainda dizer, sem exagero, que a controvérsia mal existe, uma vez que, segundo o ensino comum e autorizado, essas palavras significam uma definição propriamente dita, ou seja, segundo o sentido habitualmente aceito para as definições conciliares, um julgamento doutrinal explícito e final sobre a fé ou sobre a doutrina que todos devem acreditar ou manter firmemente.

 Do ponto de vista do julgamento concreto sobre os diversos casos particulares, deve-se observar que as divergências de apreciação não ultrapassam, em número e importância, as divergências que se encontram para várias definições conciliares, e que não impedem um julgamento certo sobre um bom número de definições pontificais comumente aceitas por todos.

Quanto às numerosas objeções históricas frequentemente citadas contra a infalibilidade pontifical, elas serão ou já foram tratadas em artigos particulares com todos os detalhes que comportam, particularmente para os papas Libério, Vigílio e Honório I.

VI. Duas questões complementares: a obrigação de aderir ao ensinamento pontifical não infalível e o privilégio da isenção da heresia atribuído, por alguns teólogos, ao papa considerado mesmo como pessoa privada. — Devemos, como corolário de nosso trabalho, formular algumas conclusões relativas a essas duas questões que frequentemente se encontraram em nosso caminho ao longo deste estudo.

I. CONCLUSÕES RELATIVAS À OBRIGAÇÃO DE ADERIR AO ENSINO PONTIFICAL NÃO INFALÍVEL.

1ª conclusão sobre a existência dessa obrigação.

1. Essa obrigação é uma consequência rigorosa dos princípios anteriormente estabelecidos. Provou-se que a Igreja possui a autoridade de ensinar não apenas as verdades pertencentes à revelação, mas também todas aquelas sem as quais o depósito da revelação não poderia ser defendido com eficácia, nem proposto com uma autoridade suficiente; e que esse poder se estende não apenas ao que é estritamente definido e imposto a todos os fiéis, mas também ao que é desaprovado como constituindo algum perigo mais ou menos imediato para a fé, ou ao que é reconhecido como melhor para a defesa ou para a segurança da fé. Ver Depósito da fé, t. iv, col. 528; Igreja, t. iv, col. 2199 sq.; Congregações romanas, t. III, col. 1110. Essa autoridade doutrinal pertencente incontestavelmente ao magistério da Igreja, pertence também ao magistério pontifical que, de acordo com todas as nossas demonstrações anteriores, possui a plenitude do poder conferido à Igreja.

2. É manifesto, de acordo com os numerosos documentos anteriormente citados, que a obrigação de aderir a um ensino pontifical não infalível sempre foi admitida na Igreja, pelo menos implicitamente, pelo fato de que o dever de submeter-se ao papa sempre foi reconhecido, e que essa obrigação nunca foi restrita exclusivamente aos apenas ensinamentos infalíveis. Essa lei aparece mais manifesta a partir do século XIII, devido às intervenções frequentes dos papas em matéria doutrinal, mesmo fora de toda definição infalível; e essas intervenções, além disso, foram sempre aceitas com submissão, mesmo quando o ensino pontifical não tinha título certo para ser considerado como infalível. Citaremos especialmente a condenação de várias propostas de Guilherme de Saint-Amour por Alexandre IV em 1256, Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 449 sq., alguns artigos reprovados em Eckhart por João XXII em 1329, como male sonantestemerarios e suspectos de haeresi, com outros condenados absolutamente como heréticos, n. 529; assim como os decretos pontificais de Sisto IV em 1476 e em 1483, elogiando a devoção à Imaculada Conceição da Santíssima Virgem e reprovando aqueles que a condenavam, n. 734 sq.


No século XVI, o cardeal João de Torquemada afirma como uma verdade constante que os decretos dos papas que não estão contidos nos cânones dos concílios, e onde é manifesto que o ensino infalível está geralmente ausente, devem ser aceitos com submissão por todos os fiéis. Summa de Ecclesia, l. II, c. cviii.

No século XVI, Belarmino reconhece como admitido por todos os católicos que o papa decidindo sozinho, ou com seu concílio particular, aliquid in re dubia, que ele possa errar ou não, deve ser ouvido com obediência por todos os fiéis. De romano pontifice, l. IV, c. ii.

Da mesma forma, Bannez, relativamente aos decretos dos concílios gerais ou dos concílios provinciais confirmados pelo papa, observa que é temerário negar esses decretos, especialmente no que diz respeito à doutrina da fé, mesmo quando os sinais que atestam uma definição infalível não se encontram de modo algum. Commentaria in II-II, q. I, a. 10, dub. II, Veneza, 1602, p. 127.

É verdade que, no século XVI e nos séculos seguintes, muitos teólogos frequentemente insinuam que o papa fala ut doctor privatus, quando não ensina infallibiliter ut pontifex; assim Belarmino, De romano pontifice, l. IV, c. xxii; Bannez, loc. cit. Mas se se examinam atentamente todas essas afirmações, além do mais frequentemente contraditas por afirmações totalmente opostas, é fácil constatar que são apenas respostas dadas, incidentalmente, a algumas objeções históricas, sem que se tenha pretendido estabelecer, com isso, uma doutrina que se aplique geralmente a todos os casos em que a infalibilidade pontifical não existe.

3. Essa autoridade doutrinal não infalível foi particularmente afirmada na segunda metade do século XIX.

a) Pio IX, em sua carta ao arcebispo de Munique de 21 de dezembro de 1863, declara que os católicos que se dedicam ao estudo das ciências devem, além da submissão aos dogmas definidos pela Igreja, também praticar a submissão às decisões doutrinais das Congregações romanas. Denzinger-Bannwart, Enchiridion, n. 1684. Submissão que, de acordo com o conjunto de todo esse texto, é considerada como obrigatória em consciência, sem que, no entanto, se trate de um ensino infalível. Daí deve-se concluir que a mesma submissão é devida, com maior razão, aos ensinamentos semelhantes dados pelo papa em si, fora de uma definição propriamente dita.

b) A mesma conclusão deve ser deduzida da encíclica Quanta cura de 8 de dezembro de 1864, reprovando a ousadia daqueles que, impacientes com o jugo da sã doutrina, pretendem que se pode, sem pecado e sem lesão à profissão da fé católica, recusar o assentimento e a obediência aos julgamentos e decretos da Santa Sé relativos ao bem geral, aos direitos e à disciplina da Igreja e que não pertencem aos dogmas da fé. Ibid., n. 1698.

c) Deve-se também citar algumas fórmulas de subscrição impostas pela Santa Sé em várias circunstâncias onde não se tratava de um ensinamento pontifical infalível. Em 1866, professores da Universidade de Lovaina, cujo ensino havia sido enviado a Roma, tiveram que aderir a esta fórmula: Decisionibus sanctae sedis apostolicae die 2 martii et 30 augusti huius anni plene perfecte absolute me subjicio, et ex animo acquiesco. Ideoque ex corde reprobo et rejicio quamcumque doctrinam oppositam. Franzelin, Tractatus de divina traditione et Scriptura, 2ª edição, Roma, 1875, p. 135. Subscripções semelhantes haviam sido anteriormente exigidas do abade Bautain em 1840 e de Bonetti em 1855, p. 136. Veja esses nomes.

d) Da mesma forma, o Concílio Vaticano, em 1870, recordou a obrigação que recai sobre todos não apenas de fugir da heresia, mas também de observar as constituições e decretos da Santa Sé, proscrevendo e proibindo as opiniões perversas que não são mencionadas expressamente pelo concílio e que estão mais ou menos próximas da heresia. Denzinger-Bannwart, n. 1820. Palavras que, além dos decretos doutrinais das Congregações romanas, visam certamente também constituições e decretos pontificais, mesmo não infalíveis. Vacant, Études théologiques sur les constitutions du concile du Vatican, Paris, 1895, t. II, p. 334 sq. É, além disso, manifesto que este grave aviso, apoiado na necessidade de fugir de toda contaminação mais ou menos próxima da heresia, indica que se trata aqui de uma adesão da inteligência.

e) Um pouco mais tarde, Leão XIII, na encíclica Immortal Dei de 1º de novembro de 1885, declarava que, em matéria de opiniões que quer que sejam, tudo o que os pontífices romanos tenham transmitido ou venham a transmitir, é necessário tanto manter com um juízo firme quanto professar abertamente, sempre que as circunstâncias exigiremO que é particularmente requerido no que concerne às liberdades modernas, para as quais é oportuno seguir o julgamento da Sé Apostólica, e que todos tenham o mesmo parecer que ela sanciona. Declarações que exigem certamente uma adesão da inteligência, mesmo para decisões que não são necessariamente infalíveis..

4. Observou-se que os documentos que acabaram de ser citados exigem uma adesão da inteligência ao ensino proposto, embora este não seja infalível. Para conciliar essa obrigação com a não infalibilidade do ensino, deve-se levar em conta as seguintes observações:

a) Não se trata aqui de um assentimento firme como o da fé, que tira sua absoluta certeza da infalível veracidade de Deus sobre a qual se apoia. Pois não há ensinamento revelado. O assentimento exigido é simplesmente um assentimento prudente, apoiado na certeza moral da verdade proposta ou recomendada.

b) Essa certeza moral repousa principalmente nos motivos seguintes: a prudente maturidade com a qual a Igreja procede ao exame doutrinal, as provas tradicionais ordinariamente citadas, e a sabedoria comprovada dos papas em todas essas ocorrências, sabedoria tal que, nas numerosas intervenções doutrinais provenientes imediatamente do papa, não se pode citar uma única onde o erro tenha sido ensinado ou favorecido.

c) A certeza moral do ensino proposto ou recomendado é suficiente para que a autoridade docente tenha o direito de exigir um assentimento prudente. Em princípio, deve ser assim; caso contrário, a Igreja ou o papa não poderia proteger adequadamente os fiéis contra todos os perigos que ameaçam sua fé. Pois é necessário que a Igreja ou o papa possa garantir a defesa integral não apenas das verdades reveladas, mas também de tudo que tem uma conexão íntima com essas verdades. É necessário que o papa possa afastar não apenas os perigos de uma perversão imediata da fé, mas também, conforme o concílio do Vaticano, anteriormente citado, aquilo que está mais ou menos próximo da perversão herética. Para isso, não basta que o papa possa, com uma autoridade infalível, definir o que é de fé ou o que tem uma conexão íntima com a fé. É necessário que ele possa também, com autoridade, proibir o que, em seu juízo, é perigoso para a fé, mesmo de uma maneira menos imediata, e deve por essa razão ser rigorosamente evitado; que ele possa também com autoridade prescrever o que, em seu juízo, é muito útil ou muito eficaz para a defesa integral das verdades que pertencem indiretamente ao depósito da fé.

Na verdade, a Igreja e os papas sempre procederam assim e seu poder sempre foi universalmente reconhecido pelos fiéis.

d) Contra a certeza moral com a qual o ensino pontifical se apresenta à inteligência, normalmente não pode haver senão dúvidas ou suspeitas infundadas ou imprudentes, que devem ser afastadas seja com a ajuda dos motivos de ordem intelectual sobre os quais se apoia a certeza moral do ensino, seja pela influência da vontade que deve, por deferência à autoridade, inclinar a inteligência para uma adesão considerada praticamente muito prudente.

Se, em um caso particular, dúvidas que parecem bem fundamentadas impedem a inteligência e bloqueiam sua adesão ao ensino proposto, deve-se, para pôr fim a essa situação mental, submeter suas dúvidas a guias capazes de esclarecer a inteligência, ou submetê-las à própria autoridade.

5. Deve-se praticamente insistir muito no cumprimento integral da obrigação de aderir ao ensino pontifical, mesmo não infalível, porque é a melhor garantia para a perfeita integridade da fé que, por isso, estará sempre defendida contra todos os perigos. É ao mesmo tempo a melhor garantia de uma total submissão aos ensinamentos infalíveis da Santa Sé.

Esse dever deve ser cumprido de maneira mais particular por aqueles que exercem alguma autoridade na Igreja ou que podem, de alguma forma, colaborar, com caridade e submissão, à obra do ministério eclesiástico, especialmente em nossa época em que, seguindo as insistentes recomendações tão frequentemente repetidas por Leão XIII e Pio X, é soberanamente importante que toda a ação católica de todos os fiéis, em toda a sua vida pública, ocorra com unidade de ideias e com a concordância das inteligências e das vontades. Condições manifestamente necessárias para o pleno sucesso desejado, mas condições que nunca poderão ser suficientemente realizadas sem uma constante submissão da inteligência aos ensinamentos do soberano pontífice, mesmo fora das definições infalíveis no sentido do decreto do concílio do Vaticano.

6. Como exemplos desse ensino pontifical obrigatório, embora não infalível, indicaremos de maneira muito geral:

a) Muitos decretos doutrinais dos soberanos pontífices, inseridos no Corpus juris, e citados com bastante frequência, em teologia dogmática ou em teologia moral, em favor de uma afirmação doutrinal ou de uma obrigação moral.

b) Muitas afirmações doutrinais, nas encíclicas de Leão XIII e de Pio X, onde um ensino é elogiado, recomendado ou simplesmente afirmado, sem nenhuma indicação de sua pertença à revelação ou à tradição católica constante e universal e sem nenhuma indicação de obrigação estrita imposta pela fé ou pela submissão devida à autoridade soberana do pontífice romano. Não acreditamos ser necessário relatar aqui nenhum exemplo particular. Apenas faremos observar que, nesses casos, assim como para as definições infalíveis das quais falamos anteriormente, os argumentos ou motivos sobre os quais o ensino doutrinal é apoiado no documento pontifical não são o objeto direto e imediato do julgamento doutrinal. Eles não caem, portanto, sob a obrigação direta que ele impõe, embora possa normalmente haver temeridade em rejeitar esses argumentos ou motivos, especialmente se a adesão ao julgamento doutrinal deva ser por isso posta em perigo. Assim, na encíclica Rerum novarum de Leão XIII, de 16 de maio de 1891, deve-se distinguir entre os argumentos múltiplos e muito desenvolvidos e as afirmações doutrinais, que tratam principalmente da legitimidade do direito de propriedade privada, como decorrendo do direito natural, da reprovação do socialismo, da legitimidade da intervenção legislativa do Estado nos casos e conforme a medida indicada, e dos direitos pertencentes às corporações segundo o direito natural.

7. Devemos distinguir dos decretos doutrinais não infalíveis, os decretos principalmente disciplinares, cujo objeto principal e primordial é o cumprimento de alguma injunção positiva, acompanhada, é verdade, de considerações e argumentos de ordem intelectual, mas sem que estes caiam, ao menos por si mesmos, diretamente e necessariamente, sob a obrigação imposta. Contudo, notemos ainda aqui que haveria facilmente temeridade e perigo em rejeitar esses argumentos, mesmo fora de toda obrigação de adesão que possa existir em virtude de outros ensinamentos da revelação cristã ou da Santa Sé.

À categoria dos decretos principalmente disciplinares, podemos associar todos os documentos positivos referentes ao principal civil do pontífice romano. Acreditamos ser desnecessário insistir mais uma vez na temeridade que haveria em rejeitar, contrariamente ao juízo do papa, os argumentos sobre os quais, em todos os documentos pontifícios, a manutenção dos direitos da Santa Sé é apoiada.

À categoria dos decretos principalmente disciplinares, parecem também pertencer os numerosos documentos de Leão XIII e de Pio X, prescrevendo o uso da filosofia escolástica de Santo Tomás, particularmente para os seminários e os institutos religiosos. Os argumentos muito graves sobre os quais esta medida disciplinar é apoiada, especialmente na encíclica AEterni Patris de 4 de agosto de 1879, não são objeto de um juízo doutrinal que a Santa Sé queira tornar, por si, estritamente obrigatório, além do que é imposto à obediência. Mas haveria grande temeridade e perigo manifesto em rejeitá-los ou em não levar em conta, especialmente se a observância das prescrições pontifícias deve, por isso, ser posta em perigo, como há todo motivo para temer.

A mesma observação deve ainda ser aplicada aos argumentos e às considerações sobre os quais estão apoiadas as prescrições delineadas por Pio X, em vários documentos principalmente disciplinares relativos à ação católica e à questão social, como o Motu proprio sobre a ação popular cristã de 18 de dezembro de 1903, as encíclicas In forma proposito de 11 de junho de 1905 e Pleni l'animo de 28 de julho de 1906, aos bispos da Itália, e a carta encíclica Singulari quadam de 15 de novembro de 1912 aos bispos da Alemanha. Deve-se observar, além disso, que, entre os argumentos ou considerações usados nesses documentos, vários, embora não sejam objeto de um juízo doutrinal, devem, segundo outros ensinamentos pontificais, ser considerados certamente verdadeiros. Tal é, por exemplo, na carta encíclica Singulari quadam, esta afirmação de que a questão social e as controvérsias a ela relacionadas, relativamente ao contrato e à duração do trabalho, ao salário e às greves, não são questões puramente econômicas que podem ser resolvidas fora da autoridade da Igreja, uma vez que é, ao contrário, muito verdade, segundo o ensino de Leão XIII na encíclica Graves de communi de 18 de janeiro de 1901, que a questão social é, antes de tudo, uma questão moral e religiosa, e que, por essa razão, deve ser resolvida principalmente de acordo com a lei moral e o critério da religião.

2º conclusão sobre a gravidade da obrigação imposta e a malícia específica da falta cometida no caso de insubmissão a tal ensinamento pontifical.

1. A gravidade da obrigação imposta, em um caso dado, por tal ensinamento pontifical deve ser medida de acordo com os seguintes princípios:

a) Deve-se levar em conta os princípios expostos em teologia moral relativamente à obrigação das leis eclesiásticas, considerando também os perigos mais ou menos próximos e mais ou menos graves aos quais a fé pode estar exposta;

b) Deve-se igualmente considerar o conhecimento e a advertência do sujeito, bem como a circunstância de escândalo, mais ou menos grave, que pode se apresentar, às vezes também a circunstância do desprezo à autoridade eclesiástica, se ela realmente existisse, o que é bastante raro.

2. A malícia específica da falta cometida no caso de insubmissão a tal ensinamento pontifical deve ser avaliada segundo os seguintes princípios:

a) Há sempre em si a violação de uma lei da Igreja que obriga gravemente em uma matéria que pertence imediatamente à sua autoridade.

b) Há frequentemente, per accidens, falta contra a virtude da fé na medida em que, ao desobedecer ao magistério pontifical, se expõe a algum perigo mais ou menos grave em relação à fé.

c) Pode facilmente também haver falta contra a caridade, pelo escândalo dado ou pelo dano espiritual que se pode causar ao redor de si pela desobediência, conforme a posição que se ocupa e a influência que se pode exercer.

II. CONTROVÉRSIA TEOLÓGICA SOBRE O PRIVILÉGIO DA ISENÇÃO DA HERESIA, ATRIBUÍDO, POR ALGUNS TEÓLOGOS, AO PAPA CONSIDERADO MESMO COMO PESSOA PRIVADA.

1° Panorama histórico.

1. Encontra-se no Decretum de Graciano esta afirmação atribuída a São Bonifácio, arcebispo de Maguncia, e já citada sob seu nome pelo cardeal Deusdedit († 1087), assim como por Yves de Chartres, Decretum, v, 23, que o papa pode falhar na fé: Ninguém dentre os mortais presume corrigir as falhas deste (ou seja, do papa) aqui, pois ele há de julgar a todos e por ninguém será julgado, a não ser que seja encontrado desviando-se da fé, part. I, dist. XL, c. 6.

Posteriormente, essa mesma doutrina é encontrada até mesmo entre os partidários mais convicto do privilégio pontifical. Inocêncio III refere-se a isso em um de seus sermões: Tu me és tão necessária que, enquanto para os outros pecados eu tenha apenas Deus como juiz, por causa do único pecado que se comete contra a fé, eu poderia ser julgado pela Igreja. P. L., t. ccxvii, col. 656. Os grandes teólogos escolásticos geralmente negligenciaram considerar essa hipótese; mas os canonistas dos séculos XII e XIII conhecem e comentam o texto de Graciano. Todos admitem sem dificuldade que o papa pode cair em heresia como em qualquer outro erro grave; eles se preocupam apenas em investigar por que e em quais condições ele pode, neste caso, ser julgado pela Igreja. Para alguns, essa é a única exceção à inviolabilidade pontifical. Non potest accusari nisi de haresi, está na Summa Lipsiensis (antes de 1190). Outros equiparam à heresia o cisma, a simonia, a incontinência, mas o pecado contra a fé permanece sempre o caso típico que lhes serve para regular o procedimento. Deve-se tratar de um assunto que interesse toda a Igreja. Rufino (c. 1164-1170) resume assim as opiniões de seu tempo: Em uma causa que diz respeito a toda a Igreja, pode-se ser julgado, mas não em uma que diga respeito a uma pessoa ou a várias. O mesmo autor precisa que se deve entender esta regra da heresia obstinada. A primeira sé não será julgada por ninguém, a menos que tenha errado obstinadamente em questões de fé. O que supõe, para João de Faênza, que o papa culpado foi secundo et tertio commonitus. Não há mais razão, neste caso, de invocar a primazia: para Huguccio († 1210), o papa é então menor que qualquer católico.

A partir do século XIII, os Decretalistas tendem a se ater à letra de Graciano, que os Decretistas estendiam voluntariamente a casos semelhantes. Os primeiros, portanto, reservam o Julgamento do papa para o único caso de heresia. Nisi in crimine haeresis, diz Bernardo de Pávoa († 1213), Excipitur unum solum crimen super quo Papa accusari possit, pronuncia o célebre Hostiensis (Henri de Ségusio, † 1271). Mas a eventualidade deste último caso é sempre prevista sem a menor hesitação. Restringida ou ampliada, a ideia de Graciano dominou todo o direito canônico da Idade Média.

Fr. Schulte, Die Stellung der Concilien, Päpste und Bischöfe, Praga, 1871, p. 188-205 e Apêndice 253-268, elaborou, em apoio ao "velho catolicismo", um dossiê muito completo desses textos, na sua maioria inéditos ou de difícil acesso.

2. No século XV, a mesma doutrina persiste ainda em numerosos autores que, como seus predecessores, acrescentam que o papa é, neste caso, imediatamente deposto da dignidade pontifical ou destituído pelo próprio fato, Torquemada, Summa de Ecclesia, I, II, c. cxii, Roma, 1469, sem paginação. Segundo outros teólogos, o papa pode, neste caso, ser julgado por um concílio. Nicolau Tudeschi, ou Panormitanus († 1445), Commentaria in Decretalia, I, I, tit. IV, c. 4, n. 3, Veneza, 1617, I, p. 108; Tomás Netter ou Waldensis († 1430), Doctrinale antiquitalum fidei Ecclesiae catholicae, II, a. 3, c. 80, Veneza, 1571, I, p. 397.

3. No início do século XVI, a opinião do cardeal Torquemada é reproduzida por Caietano, De romani pontificis institutione et auctoritate, c. XIII, Opuscula omnia, t. I, tr. II l, Turim, 1582, p. 93 sq., e por Silvestre de Priério, Summa silvestrina, art. Papa, n. 4, Lyon, 1594, t. II, p. 276. Em contraste com essa afirmação, Pighi afirma que, de acordo com a promessa de Jesus Cristo, tomada em toda sua extensão, Mt. XV, 18, é impossível que o papa seja herético, porque, faltando o fundamento da Igreja ou cessando de estar unido a Jesus Cristo, seria verdadeiro dizer que as potências do inferno prevaleceram contra a Igreja. Pighi confirma sua conclusão por este fato providencial, certamente demonstrado, diz ele, que até então não houve nenhum papa herético, o que autoriza a concluir que não haverá nenhum até o fim dos séculos. Hiérarchiae ecclesiasticae assertio, IV, c. VIII, Colônia; 1538, fol. cxxxi sq. Esta afirmação de Pighi foi imediatamente combatida por Melchior Cano, que, após ter rejeitado a maioria das explicações dadas por Pighi para justificar vários papas em relação à fé, conclui que não se pode negar que o soberano pontífice possa ser herético, uma vez que, de fato, há um exemplo ou talvez dois. De lacis theologicis, VIII, c. VIII. Opéra, Veneza, 1759, p. 170. Cano foi seguido por Domingos Soto, In IV Sent, dist. XXII, q. II, a. 2, Veneza, 1575, t. I, p. 1040; Gregório de Valência, Analysis fidei catholicae, part. VIII, Ingolstadt, 1585, p. 310; Bannez, Commentaria in II-II, q. i, a. 10, dub. II, Veneza, 1602, col. 115 sq.

Pighi teve, no entanto, alguns defensores. Belarmino sustentou como provável esta proposição extraída de Pighi: é provável e pode-se acreditar piamente que o soberano pontífice, considerado como pessoa privada, não pode ser herético ao aderir com obstinação a um erro contrário à fé. Esta proposição é mostrada conforme à ordem providencial e apoiada pelos fatos. É mais conforme à ordem providencial que aquele que deve, segundo a ordem estabelecida por Deus, confirmar todos os outros na fé, seja ele mesmo sempre a salvo de toda falha privada. Sem dúvida, Deus pode, de um coração herético, tirar a confissão da verdadeira fé, como colocou outrora palavras verdadeiras na boca da jumenta de Balaão. Mas isso seria violento e não segundo a ordem habitual da divina Providência que dispõe todas as coisas com suavidade. A afirmação é, além disso, corroborada pelos fatos. Todas as objeções históricas tiradas dos supostos erros na fé ensinados por vários papas são discutidas uma a uma, de modo a provar a conclusão proposta pelo erudito controversista. De romano pontifice, IV, c. vi sq.

No século XVII, a opinião de Pighi e de Bellarmino foi defendida como provável por vários teólogos, notavelmente por Suárez. De fide, I, disp. X, sect. VI, n. 12; Gravina († 1643), Catholicœ praescriptiones adversus hœreticos, q. II, a. 5, em Rocaberti, t. VIII, p. 462 sq.; Domingos da Santíssima Trindade, De summo pontifice romano, sect. IV, c. XVI, em Rocaberti, t. X, p. 458; d'Aguirre, Auctoritas infallibilis et summa cathedrae; de São Pedro, II, disp. XXV, sect. I, n. 2, Salamanca, 1683, p. 362.

Essa opinião também foi considerada como provável por alguns teólogos cuja preferência era pelo sentimento de Cano, particularmente por Nugno († 1614), Commentarii ac disputationes in III S. Thomae, q. XX, a. 3, em Rocaberti, t. VIII, p. 256; Tanner, In Summam S. Thomae, t. III, disp. I, q. IV, dub. IV, em Rocaberti, t. I, p. 37; Duval († 1638), De suprema romani pontificis in Ecclesia potestate, part. II, q. I, Paris, 1877, p. 100 sq.; Teófilo Raynaud († 1663), Corona aurea super mitram romani pontificis, Epilegomena, II, 7, Opéra, t. X, p. 146 sq.; Vicente Ferré († 1682), Tractatus de virtutibus theologicis, t. I, q. XII, em Rocaberti, t. XX, p. 395 sq.; Brancati de Lauria († 1693), In III Sent., De virt. theol., disp. VIII, a. 5, em Rocaberti, t. VI, p. 111 sq.; e os teólogos de Salamanca, Cursus theologicus. De fide, disp. IV, dub. I, n. 7 sq.

Encerramos nossas indicações ao final do século XVII, porque, desde essa época, a controvérsia teológica apresenta pouco interesse, as posições permanecendo as mesmas, e a questão tendo, na maioria das vezes, uma breve menção entre os teólogos.

2° Conclusão teológica. — Embora não se possa demonstrar que, para o papa considerado como pessoa privada, o privilégio da isenção de toda heresia esteja contido no dogma da infalibilidade pontifical, também não se pode demonstrar que esse privilégio seja inadmissível. Pode-se até estimar com alguma probabilidade que, dada a doutrina da infalibilidade pontifical, a existência desse privilégio parece mais conforme à ordem providencial tal como ela se manifesta habitualmente a nós.

1. Nenhuma das provas invocadas em favor da infalibilidade pontifical demonstra o privilégio em questão. Os dois textos bíblicos, Mat., XVI, 18, e Luc., XXII, 22, de acordo com a argumentação previamente estabelecida e com a interpretação constante dos teólogos, provam apenas a infalibilidade do papa ensinando, como pastor e doutor de toda a Igreja, o que os fiéis são obrigados a crer ou admitir. É também tudo o que prova, segundo toda a nossa exposição, o testemunho da tradição católica.

2. Não se pode também demonstrar que o privilégio em questão seja inadmissível. Ele não se opõe a nenhum princípio certo da teologia; e, por outro lado, as falhas atribuídas a certos papas ou não são absolutamente certas em relação à história, ou não dizem respeito à fé. Ver Arianismo, I, col. 1825 sq., e Libério.

3. Pode-se mesmo pensar, com alguma probabilidade, que, dada a doutrina da infalibilidade pontifical, a existência do mencionado privilégio parece mais conforme à ordem providencial tal como ela se manifesta habitualmente a nós. Ver Collectio lacunsis, t. VII, col. 357. Pois, segundo a ordem providencial tal como ela nos é manifestada pelo testemunho constante da tradição, a infalibilidade pontifical nos é garantida, não por uma inspiração divina ou por algum ato análogo, mas por uma simples assistência do Espírito Santo, afastando todo perigo ou toda possibilidade de erro no juízo doutrinal proferido pelo papa e tornado obrigatório para todos os fiéis. Ora, na hipótese indicada, essa simples assistência não seria suficiente, uma vez que a inteligência daquele que deveria ensinar a verdade divina poderia estar em algum momento oposta a essa verdade. Dever-se-ia admitir uma inspiração divina toda especial e um movimento excepcional no gênero daquele que, segundo a expressão de Belarmino, pôs palavras na boca da jumenta de Balaão; procedimentos sem dúvida possíveis à onipotência divina, mas que não se harmonizam com a conduta habitual da Providência. Esta opinião vale o que valem as razões que a apoiam; mas não é de nenhum modo garantida pela Igreja, nem adotada por todo o conjunto dos teólogos.

Além dos numerosos trabalhos citados ao longo deste artigo, pode-se consultar os tratados De Ecclesia que tratam todos da infalibilidade pontifical, o Kirchenlexikon, 2ª ed., Friburgo em Brisgô, 1901, t. XII, col. 348 sq., a Catholic Encyclopedia, Nova Iorque, 1910, t. VII, p. 790 sq., e o Dicionário apologético da fé católica, t. III, col. 1333-1371 e 1422-1534.

Especialmente para os textos neotestamentários que tratam das prerrogativas de São Pedro, ver J. Corluy, Spicilegium dogmalico-biblicum, Gante, 1884, t. I, p. 32-71; C. A. Kellncr, Über die « iürsprünliche » Form des Matth. XVI, 18-19, Zeitschrift für katholische Théologie, Innsbruck, 1920, p. 147-169; Kessel, Der Spruch über Petrus als Felsen der Kirche, em Pastor bonus, 1920, p. 193-207, 326-333, 393-413, 471-487; J. Sickenberger, Eine neue Deutung der Primatstelle, Mt. XVI, 16, em Theologische Revue, 1920, col. 1-7; L. Fonck, Tu es Petrus, em Biblica, Roma, 1920, t. I, p. 240-264; Prosper Schepens, L'authenticité de saint Matthieu, XVI, 18, nas Recherches de science religieuse, setembro-novembro de 1920, p. 271-302; H. Dickmann, Mt. XVI, 18, em Biblica, Roma, 1921, p. 65-69. Os principais documentos eclesiásticos sobre a infalibilidade do papa encontram-se em Cavallera, Thesaurus doctrinœ catholicx, Paris, 1920, n. 168, 188, 193, 325, 332, 378, 541.

E. DUBLANCHY.