Atos dos Apóstolos


Atos dos Apóstolos, Πράξεις Ἀποστόλων, Acta ou Actus apostolorum
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I. Autor.

II. Data.

III. Objetivo.

IV. Texto e versões.

V. Comentários principais.

VI. Informações doutrinais.


I. AUTOR.

Os Atos dos Apóstolos são atribuídos a São Lucas pelo Concílio de Trento: Actus apostolorum a sancto Luca conscripti, sess. IV. Esta atribuição é plenamente justificada pelos testemunhos tradicionais e pelo exame intrínseco do livro.

É certo que, por volta do meio do século II, a Igreja Romana considerava São Lucas como o autor dos Atos. O Cânone de Muratori (160-170) diz de fato: Acta autem omnium apostolorum sub uno libro scripta sunt. Lucas optime Theophile comprehendit, quia sub praesentia eius singula gerebantur. São Irineu, que reuniu em sua pessoa as tradições da Ásia e da Gália, se expressa assim, após relatar vários fatos dos Atos: Omnibus his cum adesset Lucas, diligenter conscripsit ea, uti neque mendax neque elatus deprehendi possit. Cont. her., III, XIV, 1, P. G., t. VII, col. 914. Clemente de Alexandria, Strom., V, 12, P. G., t. IX, col. 124: Sicut et Lucas in Actibus apostolorum commemorat Paulum dicentem: Viri Athenientes... E cita o início do discurso no Areópago. Act., XVII, 22. Tertuliano, De jejun., X, P. L., t. II, col. 966: Porro, cum in eodem commentario Lucae et tertia hora orationis demonstretur, sub qua Spiritu Sancto initiati pro ebriis habebantur, et sexta, qua Petrus ascendit in superiora. Cf. Act., II, 15; X, 9. Finalmente, Eusébio de Cesareia, que resume as antigas tradições em sua História Eclesiástica, coloca os Atos entre os livros canônicos, admitidos sem contestação, τὰ ὁμολογούμενα, H. E., III, 25, P. G., t. XX, col. 268, e os atribui claramente a São Lucas.

O exame intrínseco do livro confirma poderosamente os testemunhos tradicionais. “Uma coisa é indubitável, diz o próprio Sr. Renan, Les Apôtres, Introd., p. X, é que os Atos tiveram o mesmo autor que o terceiro Evangelho e são uma continuação deste Evangelho. Não se insistirá em provar esta proposição, que nunca foi seriamente contestada. As prefaces que estão no início dos dois escritos, a dedicação de ambos a Teófilo, a perfeita semelhança de estilo e ideias, fornecem a esse respeito abundantes demonstrações.” De fato, dado que a unidade de estilo em toda obra supõe a unidade de autor; que o emprego do plural, nós, a partir do capítulo XX, revela claramente um companheiro de São Paulo, assim como os detalhes do relato mostram um testemunho frequentemente ocular; que entre os Atos e o terceiro Evangelho, há uma visível parentesco de estilo, de procedimento e de doutrina geral; que o livro inteiro denota um conhecimento histórico profundo do mundo grego e romano; que enfim todos esses caracteres reunidos convêm perfeitamente à pessoa de São Lucas, sem que nenhum outro escritor possa se prevalecer dos mesmos títulos: deve-se concluir logicamente que ele é o verdadeiro autor dos Atos dos Apóstolos. Ver Revue biblique, julho de 1895, p. 322-326.

Também todas as tentativas feitas pelos racionalistas para explicar de outra forma a origem deste livro são hipóteses gratuitas e muitas vezes inverossímeis. Ver Vigouroux, Dictionnaire de la Bible, t. I, col. 155. Começa-se, aliás, no mundo racionalista, a voltar a este ponto ao sentimento tradicional da Igreja Católica. Ver M. Blass, Acta apostolorum sive Lucae ad Theophilum liber alter, Göttingen, 1895; A. Harnack, Lukas der Arzt, etc., Leipzig, 1906; Die Apostelgeschichte, 1908.

II. DATA.

A tradição é silenciosa sobre a data precisa e o local da composição dos Atos. Admite-se geralmente, entre os católicos, que eles foram redigidos ou pelo menos terminados em Roma, no ano 64, no final do segundo ano de cativeiro de São Paulo. Este período da vida do apóstolo, sendo relativamente calmo, fornecia a São Lucas, que ainda vivia com ele, uma ocasião favorável para escrever seu livro. Esta conclusão é sugerida pela interrupção abrupta do relato, precisamente nesse momento, sem nos informar o desfecho de um processo cujas peripécias anteriores foram cuidadosamente contadas.

A maioria dos críticos protestantes e racionalistas atribui outra data aos Atos. Alguns, como M. Harnack, Die Chronologie der altchristlichen Literatur, II, 1, Leipzig, 1897, os situam sob o reinado de Domiciano, por volta do ano 93. Outros, como Baur (+1860) e sua escola, recuam a data até o século II. Esta última opinião é, aliás, geralmente abandonada hoje em dia, e com muita razão. Quanto à data atribuída pelo Sr. Harnack, ela é rejeitada por críticos como M. Blass, que prefere, no final das contas, a data tradicional.

III. OBJETIVO.

Os Atos têm como objetivo contar, para as gerações futuras, as origens e a difusão da Igreja, primeiro entre os judeus, I-IX, depois entre os gentios, X-XXVIII. Em outras palavras, mostram o progresso do cristianismo no mundo, durante cerca de trinta anos, seguindo o caminho indicado pelo próprio Jesus Cristo. Atos, I, 8. O papel de São Pedro é preponderante na primeira parte, I-IX, e o de São Paulo na segunda, X-XXVIII. Além deste objetivo principal dos Atos, deve-se admitir outro, que seria a apologia de São Paulo, e a intenção deliberada do autor de mostrar, na história do desenvolvimento da Igreja, a total concordância que existia entre São Pedro e o apóstolo dos gentios, sua plena concordância no ponto de vista dogmático e disciplinar? Alguns católicos, como o P. Semeria, Revue biblique, julho de 1895, p. 320, acreditam que a esta questão deve ser dada uma resposta afirmativa, mantendo, bem entendido, contra a escola racionalista de Tübingen, que sustenta uma opinião semelhante, a historicidade e a veracidade absoluta dos Atos. Onde Baur vê apenas uma preocupação apologética, inspirando a obra de São Lucas e transformando-a em uma espécie de romance histórico onde os fatos seriam alterados intencionalmente para conciliar as partes opostas de São Pedro e São Paulo, o P. Semeria proclama a existência de fatos rigorosamente históricos, colocados a serviço de uma tese de conciliação, por um uso judicioso dos documentos que o autor tinha à sua disposição. Esta teoria é engenhosa, mas muitos a consideram contestável.

IV. TEXTO E VERSÕES.

I. TEXTO.

São Lucas escreveu os Atos em grego, um grego regularmente puro, misturado, contudo, com numerosos aramaísmos, sobretudo na primeira parte de seu trabalho. Os principais manuscritos do texto são de dois tipos: os uncial, ou de escrita maiúscula, que são os mais antigos; os cursivos, ou de escrita corrente e minúscula, que vão do século X ao século XV. Entre os unciais, os principais são: o Vaticanus (B), século IV; o Sinaiticus (א), século IV; o Alexandrinus (A), século V; o Codex Ephraemi (C), século V; o Codex Bezae ou Cantabrigiensis (D), grego e latim, século VI; o Laudianus (E), grego e latim, século VI. Podem-se adicionar, embora menos importantes, o Mutinensis (H), século IX; o Angelicus (L), século IX; o Porfirianus (P), palimpsesto, século IX.

Os cursivos geralmente representam um texto muito inferior aos unciais; contudo, os manuscritos 13, 31, 61, 137, 180 oferecem aqui e ali lições muito antigas e dignas de atenção.

Segundo os críticos mais recentes e autorizados, Westcott e Hort, The New Testament in the Greek Original, Londres, 1881 (2ª ed., 1896), é o Vaticanus que deve ser seguido de preferência para reconstituir o mais possível o texto primitivo original, tal como saiu da pena de São Lucas.

Entre os outros manuscritos unciais, o Codex Bezae tem uma importância especial, porque, segundo Westcott e Hort, loc. cit., t. II, p. 149, "ele dá, melhor que qualquer outro manuscrito grego, uma imagem fiel do estado em que os Atos eram geralmente lidos no século IV e provavelmente em grande parte do século V." Além disso, serve de base para uma teoria recente sobre a origem dos Atos. Se devemos acreditar em M. Blass, que formulou pela primeira vez esta teoria, loc. cit., Introd., São Lucas teria dado sucessivamente duas edições de seu livro: a primeira teria como principais testemunhas o Códice Bezae, o palimpsesto latino de Fleury e a versão siríaca filoxeniana; a segunda seria aquela que representa a imensa maioria dos manuscritos e das versões. Esta teoria teve como resultado atrair a atenção dos críticos para a recensão ocidental do texto e fazê-la reconhecer um valor maior do que se acreditava anteriormente.

Entre os manuscritos cursivos, o 2 e o 4, de origem bizantina e tardia, merecem ser mencionados, porque Erasmo usou apenas eles para constituir o primeiro texto impresso dos Atos, que ele publicou em 1516, e que se tornou depois, com leves modificações, o célebre textus receptus, cuja importância os protestantes muito exageraram. A maioria o reconhece hoje em dia.

II. VERSÕES.

As antigas versões têm uma importância crítica considerável, e muitas vezes igual, às vezes até superior à dos manuscritos, quando sua antiguidade é bem comprovada, porque representam então um texto mais antigo. As principais são: as latinas, as siríacas e as egípcias.

A versão latina mais antiga dos Atos é comumente chamada ítala, desde Santo Agostinho, que a prefere às outras versões ou recensões existentes em sua época. De doctr. christ., II, 15, P. L., t. XXXIV, col. 46, ela data talvez do meio do século II. No final do século IV, São Jerônimo deu uma revisão dela, que faz parte da Vulgata atual. Os principais manuscritos dos Atos assim revisados são o Amiatinus e o Fuldensis, século IV. Ver Wordsworth e White, Novum Testamentum D. N. J. C. Latine, Oxford, 5 tomos em fascículos. A edição oficial na Igreja é a de Sisto V, revisada e corrigida por ordem de Clemente VIII. As leis eclesiásticas proíbem qualquer alteração na terceira edição clementina, publicada em 1598.

A principal e mais antiga das versões siríacas é a Peshito, do século II, que é notável por sua exatidão geral e literalidade. Não a possuímos mais hoje, segundo Westcott e Hort, senão em um texto completamente revisado, nos séculos III ou IV, por ordem da autoridade eclesiástica. Mais tarde, em 508, uma nova tradução, quase servil, foi feita sob os cuidados do bispo Filoxeno. Ela foi revisada em 616 por Tomás de Heracleia. Há finalmente uma terceira versão siríaca, dita de Jerusalém, que Tischendorf coloca no século V, e outros críticos em uma época mais baixa.

As versões egípcias ou coptas são a versão boárica, do século II, que é completa; e a versão saídica, do século III, que é fragmentária.

Notemos ainda a versão etíope, do século IV ou V; a versão armênia, do século V.

V. COMENTADORES PRINCIPAIS.

1° Antigos: São João Crisóstomo, que tem sessenta homilias sobre os Atos, P. G., t. LI, col. 65-124; t. LX, col. 13-384; Cassiodoro, Complexiones in Actus apost., P. L., t. LXX, col. 1881-1406; V. Bede, Expositio super Acta apost. et Liber retractationis in Actus apost., P. L., t. XCII, col. 937-1032; Teofilacto, In Acta apostolorum, P. G., t. CXXV, col. 483-1132.

2° Modernos: Erasme, Adnotationes, Bale, 1516; Vatable, Adnotationes, Paris, 1545; Gagnus, Scholia, Paris, 1552; Arias Montanus, Elucidationes in Acta, Antuérpia, 1575; Lue de Bruges, Notationes, Antuérpia, 1583; Lorin, S. J., In Acta apost. commentaria, Lyon, 1605; G. Sanchez, S. J., Commentarii in Actus apost., Lyon, 1616; Fromond, Actus apostolorum... illustrali, Louvain, 1654.

3° No século XIX, entre os católicos: Beelen, Comment. in Acta apost., 2 in-4°, 2ª ed., Louvain, 1864; Patrizi, S. J., In Actus apost. commentarii, Roma, 1867; Bisping, Exegetisches Handbuch, Munster, 1871, t. IV; Crelier, Les Actes des apôtres, Paris, 1883; J. Felten, Die Apostelgeschichte, 1892; J. Knabenbauer, Comment. in Actus apost., Paris, 1899; J. Belser, Die Apostelgeschichte, 1985.

Entre os protestantes: Baur, Paulus der Apostel, 1867; Baumgarten, Apostelgeschichte, 1852; Page et Walpole, The Acts of the Apostles, 1895; Nösgen, Commentar über die Apostelgeschichte des Lukas, 1892; Wendt, Die Apostelgeschichte, 8ª ed., 1899; H. Holtzmann, Die Apostelgeschichte, 3ª ed.; 1901; Rackham, The Acts of the Apostles, 1901, etc.

VI. INFORMAÇÕES DOUTRINAIS.

I. DIVINIDADE DO CRISTIANISMO.

Três classes gerais de fatos contribuem para estabelecê-la. São elas: 1° o testemunho dos apóstolos; 2° seus milagres; 3° os principais caracteres da Igreja nascente.

1° O testemunho dos apóstolos.

O objetivo principal que os apóstolos têm em seus discursos aos judeus é provar que Jesus de Nazaré é o Messias divino anunciado e esperado há séculos: II, 36; IV, 27; X, 37, 38; IX, 22; XVII, 3; XVIII, 28; daí segue-se que o cristianismo é uma religião divina. Ora, para fazer essa demonstração e alcançar seu objetivo, os apóstolos usam dois meios: 1) Eles afirmam o grande fato da ressurreição de Jesus e se apresentam como os testemunhos autorizados desse milagre: I, 22; II, 32; III, 15; IV, 33; V, 32, etc. Essa é a função primeira de seu apostolado e como o resumo de seus discursos. E essa afirmação é a expressão sincera de um conhecimento certo: sua atitude diante do sinédrio, IV, V, prova sua sinceridade; e suas relações anteriores com Jesus, I, 2, 3, 21, 22, bem como seu conhecimento das Escrituras, II, 24-36, demonstram sua competência. 2) Eles citam e interpretam as Escrituras, aplicando a Jesus diversos trechos messiânicos do Antigo Testamento, especialmente aqueles que dizem respeito à sua ressurreição, II, 24-36; XIII, 16-38, etc.

2° Os milagres dos apóstolos.

Esses milagres provam a divindade de sua missão e, por conseguinte, da religião que ensinam. Os Atos mencionam, de forma geral, "os muitos prodígios e milagres que faziam os apóstolos," II, 43; V, 12, etc.; e, em particular, vários milagres notáveis de São Pedro, III; IX, 33-35; IX, 36-42; e vários de São Paulo, XIII, 11; XIV, 9; XVI, 18; XIX, 12; XX, 10; XXVIII, 5, 8, 9.

3° Principais caracteres da Igreja nascente.

1. A intervenção milagrosa do Espírito Santo na fundação definitiva da Igreja, no Pentecostes, II, 1-5.

2. A vida fervorosa dos primeiros cristãos, II, 44-47; IV, 32.

3. A propagação rápida e o desenvolvimento considerável do cristianismo na Palestina, II, 41; IV, 4; V, 14; VIII; IX, 31; na Fenícia, em Chipre e até na Síria, XI, 19-22, em cerca de doze anos; depois na Cilícia, na Macedônia, na Acaia e na Ásia, XV-XXI, e até Roma, XXVIII, 14-31, em cerca de vinte anos.

4. A coragem dos apóstolos e dos discípulos, IV, 13, 19, 20; V, 40, 41, etc., coragem que às vezes chega ao martírio, VII, 59; XII, 2.

5. A solicitude milagrosa de Deus para com os apóstolos, V, 19, especialmente São Pedro, XII, e São Paulo, XVI.

II. ECLESIOLOGIA.

A Igreja nos aparece, desde o início: 1° como uma sociedade autônoma e distinta do judaísmo; 2° provida de uma hierarquia que se desenvolve conforme as circunstâncias; 3° dotada de seus poderes e de seus caracteres essenciais.

Embora recrutada exclusivamente, no início, dentro do judaísmo, a Igreja era, no entanto, profundamente distinta dele, pela doutrina especial que professava, II, 42; IV, 32-35; por seus ritos sacramentais, o batismo e a fração do pão, II, 41, 42; por suas reuniões especiais em casas privadas, em Jerusalém, para a fração do pão, II, 46. Essa distinção se acentuou ainda mais alguns anos depois, pela conversão e introdução dos gentios na Igreja, XI, bem como pelas decisões do concílio de Jerusalém, XV, que implicavam a abolição das observâncias mosaicas.

A Igreja nascente foi governada inicialmente pelo colégio apostólico, II, 42; IV, 32-35, etc. Mas logo os apóstolos tiveram que se associar a colaboradores, chamados diáconos, para ajudá-los nos serviços de ordem material, e sem dúvida também de ordem litúrgica, VI, 1-6. Pouco depois, os Atos mencionam outra categoria de pastores, chamados ora presbíteros, ora bispos. Cf. XX, 28; XX, 17. Essa terminologia um pouco flutuante parece indicar que o presbiterato e o episcopado (veja esses termos) ainda não eram, naquele momento específico, duas funções claramente separadas, e indicaria a favor da opinião de que o episcopado unitário só existiu após a morte dos apóstolos. Por outro lado, outras passagens dos Atos mostram claramente que a Igreja de Jerusalém, pelo menos, já era governada por um bispo propriamente dito, São Tiago. O que prova isso é o lugar excepcional que esse personagem ocupa na igreja em questão, XII, 17; XV, 13; XXI, 18. Dentro do colégio apostólico, a preeminência de São Pedro é visível. Ele exerce autoridade, ao tomar a iniciativa da eleição de um décimo segundo apóstolo, cuja necessidade e condições ele proclama, I, 15-23; ao castigar severamente a falta de Ananias e Safira, V, 1-11; ao condenar o crime de Simão, o mago, VIII, 20-24; ao receber, primeiro, os judeus e depois os gentios na Igreja, II, 41; X, 9-48; ao exercer sua solicitude não apenas sobre o colégio apostólico, que ele vinga da calúnia, II, 15-21, mas sobre todas as igrejas particulares que ele percorre e visita, IX, 32; ao resolver, no concílio de Jerusalém, com uma declaração doutrinária importante, a questão de princípio que estava em debate sobre as observâncias mosaicas, XV, 7-12Sua prisão por Herodes e sua libertação por um anjo estão cercadas de todos os caracteres que o indicam como um líder de partido, Atos XII, 1-12. Finalmente, considerado como pregador e taumaturgo, seus discursos e milagres têm, na primeira parte dos Atos, um destaque e uma importância muito superiores aos dos outros apóstolos, dos quais é o porta-voz, I, 15-23; I, 14-41; III; IV, 8-13;  V, 8-9, 15, etc.

A Igreja já está munida de seus caracteres e de seus poderes essenciais. Ela é una, embora dispersa em diversos países, IX, 31; santa, em seus líderes que sofrem com alegria por Cristo, V, 41, e em seus membros que vivem com fervor, II, 44-47; IV, 32, 34, 35; finalmente, católica, no sentido de que seu divino fundador previu sua expansão até os confins da terra, I, 8, e de que os apóstolos deram a essa predição, em cerca de trinta anos, uma execução magnífica, ainda que parcial. Atos, passim.

A Igreja exerce seu poder doutrinal por meio de uma pregação ininterrupta, passim, e por decisões dogmáticas, XV, 11, 19, 28; seu poder de ordem, pela concessão do batismo, II, 41, etc., pela imposição das mãos, VI, 6; VIII, 17; XIII, 2, 3, etc., pela fração do pão, II, 42, 46, etc.; seu poder disciplinar, pelos decretos do Concílio de Jerusalém, XV, 29.

III. TEOLOGIA (propriamente dita).

Os Atos mencionam:

1º) A existência de um Deus criador, conservador e providente do mundo, fácil de conhecer, XVII, 24-30; seus principais atributos, como sua potência, V, 30, 31, etc.; sua justiça, V, 1-11; XII, 23, etc.; sua misericórdia, IX, etc.;

2º) O dogma da Trindade: o Pai, I, 7; II, 22, 33, 36; III, 13, 18, 26, etc.; o Filho, III, 13, 26; IV, 27, 30; IX, 20, etc.; o Espírito Santo, I, 8, 16; II, 4; IV, 25; V, 3, 4, 32; VII, 54, etc. Sem dúvida, entre os trechos onde o Espírito Santo é mencionado, alguns são um pouco vagos e se referem mais a uma graça ou a um simples dom do que a uma pessoa divina; mas a maioria demonstra ou supõe claramente a personalidade do Espírito Santo. As operações que lhe são atribuídas são de fato operações pessoais, I, 16; II, 38; V, 3, 19; VII, 51; IX, 31; XI, 12; XIII, 4, etc. Há mesmo textos que o chamam expressamente Deus, V, 3, 4; XXVIII, 25-29. Entre as obras que lhe são atribuídas especialmente, nota-se sua ação maravilhosa sobre os apóstolos, II, 1-5; IV, 8; V, 32; XIII, 2, 4; a assistência que ele fornece para as decisões dogmáticas, XV, 28; a efusão da graça em geral, II, 38, sobretudo pelo sacramento da confirmação, VIII, 15-17; certos favores extraordinários, chamados desde então graças gratis datae, X, 44-46; XIX, 6.

IV. CRISTOLOGIA

Não só Jesus de Nazaré é o Messias ou Cristo, II, 36; IX, 22; XVII, 3; XVIII, 28; mas ele também é Filho de Deus, III, 13, 26; IV, 30; VIII, 37; IX, 20; e Deus mesmo, XX, 28, pois, segundo o texto, o sangue pelo qual a Igreja foi comprada é o próprio sangue de Deus. Esta última passagem, XX, 28, prova ao mesmo tempo que Jesus Cristo é ao mesmo tempo Deus e homem, e que ele possui suas duas naturezas na unidade de uma mesma pessoa, pois é o mesmo que é Deus e que comprou a Igreja pelo preço de seu sangue. Isso também prova a legitimidade da comunicação dos idiomos. Quarenta dias após sua morte, Jesus subiu ao céu, onde está à direita do Pai, I, 3, 9-11; VII, 55, 56. Fora dele, não há salvação para os homens, IV, 12. Ele foi estabelecido juiz dos vivos e dos mortos, X, 42; e, assim como ele subiu ao céu no dia da Ascensão, ele voltará mais tarde, I, 11.

V. GRAÇA E SACRAMENTOS

1º) Jesus Cristo é o princípio universal e indispensável da salvação, IV, 2; pois ele adquiriu a Igreja pelo preço de seu sangue, XX, 28. É, portanto, por sua graça que todos os homens, judeus e gentios, devem ser salvos, XV, 11. A condição necessária para a salvação é a fé sincera em Jesus Cristo, Filho de Deus, VIII, 37; XVI, 31; e, além disso, o arrependimento dos pecados cometidos, quando se trata de adultos, II, 38; III, 19.

2º) Recebe-se então o batismo, que apaga os pecados, III, 38. O batismo é conferido, nos Atos, "em nome de Jesus Cristo", isto é, segundo o texto grego (XIX, 5; II, 38), para pertencer a Cristo e ser agregado à sua religião, com base em seu nome. É por oposição ao batismo de São João Batista que os Atos falam do batismo "em nome de Jesus", ou seja, do batismo cristão. O batismo é administrado com água natural, que é assim a matéria remota, VIII, 36, 38; X, 47. O modo de aplicação da água não é indicado, exceto para o batismo do eunuco da rainha Candace, onde o batizador e o batizado desceram ambos à água e subiram depois, o que supõe o batismo por imersão, VIII, 38, 39. Três outras passagens, IX, 18; XVI, 33; XXII, 16, onde se fala de batismos dados no interior de apartamentos, só podem ser explicadas na hipótese de um batismo conferido por infusão. A tarefa de batizar era geralmente confiada pelos apóstolos a ministros inferiores, VIII, 12, 13, 38; IX, 18; X, 48.

3º) Os novos cristãos recebiam então, pela imposição das mãos dos apóstolos, o Espírito Santo, ou seja, um sacramento distinto do batismo, a confirmação, VIII, 15-17; XIX, 6. Há de fato, nesse rito, um sinal sensível e sagrado, produtor de graça, pois atrai o Espírito Santo para as almas; tendo o caráter de uma instituição permanente, como deixa entender São Pedro, II, 38; realizado apenas sobre os cristãos já batizados, e pelo ministério dos próprios apóstolos. A efusão do Espírito Santo era às vezes acompanhada de dons extraordinários, XIX, 6; mas isso era apenas o reflexo acidental e passageiro do sacramento.

4º) A "fração do pão", κλάσις τοῦ ἄρτου, e a "comunhão", κοινωνία, mencionadas nos capítulos II, 42, 46; XX, 7, não são outra coisa senão a eucaristia. A prova disso é a estreita semelhança dessas fórmulas com as do relato da Ceia, Mateus, XXVI, 26; Lucas, XXI, 19; XXIV, 35. Cf. I Coríntios, X, 16. O ato litúrgico mencionado de forma um pouco vaga, XIII, 2 (λειτουργούντων δὲ αὐτῶν), parece também designar a eucaristia, mas considerada sobretudo como sacrifício.

5º) Os Atos mencionam também o sacramento da penitência, ou pelo menos a confissão sacramental, na passagem bem conhecida XIX, 17-20? Vamos examiná-lo no próximo artigo.

6º) Há finalmente um rito especial para constituir os ministros sagrados e investir-lhes de funções particulares, VI, 1-7; XIII, 2, 3; XIV, 22; XX, 28. Esse rito, chamado posteriormente de ordem, consiste na imposição das mãos dos chefes eclesiásticos, é aplicado sob a ação do Espírito Santo e confere poderes particulares e públicos na Igreja. Ele assim apresenta os caracteres essenciais de um sacramento. Cf. I Timóteo, IV, 14; V, 22; II Timóteo, I, 6.

VI. DOGMAS DIVERSOS

1) A existência dos anjos e seu ministério junto aos homens, V, 19; VIII, 26; X, 3, 7; XI, 13; XII, 7-16; XXVII, 22.

2) A unidade da espécie humana, XVII, 26; e a estreita dependência do homem em relação a Deus, XVII, 28.

3) A ressurreição e o julgamento, IV, 2; X, 42; XVII, 31, 32; XXIII, 6; XXIV, 15, 21, 25.

4) A necessidade e eficácia da oração, IV, 31; VI, 4; X, 2, 4; XII, 5; XXVIII, 24, etc.

5) O mérito da esmola, IX, 36; X, 2, 4, etc. Veja os artigos do Dicionário dedicados aos diversos pontos de doutrina que acabam de ser indicados.

J. Bellamy.