Atos Apócrifos dos Apóstolos


I. Atos de São João.

II. Atos de São André.

III. Atos de São Tomé.

IV. Atos de Pedro e Paulo.

V. Atos de Paulo e Tecla.

VI. Atos de São Filipe.

A literatura dos atos apócrifos dos apóstolos é composta do que nos chegou, em versões mais ou menos expurgadas, desses Περίοδοι: do mesmo século, onde se expressaram, por meio de ficções, românticas e pueris na maioria, certas tendências, sejam morais ou dogmáticas, do catolicismo popular. São essas expressões que queremos destacar neste artigo.

I. ATOS DE SÃO JOÃO.

Temos largos fragmentos do "Atos de São João" primitivo, uma composição da segunda metade do século II. M. Bonnet deu a edição crítica nos Acta apostolorum apocrypha, Leipzig, 1898, t. II, 1, p. 151-216. Os primeiros fragmentos são episódios milagrosos, sem cor doutrinária. No terceiro, contudo, podemos encontrar várias belas invocações de um estilo litúrgico muito arcaico (77-84).

O quarto fragmento, de todos o mais característico, é um relato envolvendo o Salvador e posto nos lábios do próprio São João:

Jesus, após escolher Pedro e André, vem até João e Tiago e lhes diz para segui-lo. Tiago pergunta ao irmão: Esse menino, que na margem nos chama, o que ele quer?Que menino? responde João. — Você não vê um homem de pé, com rosto alegre?Não, ele replica; mas desembarquemos e vejamos o que ele quer. Enquanto em silêncio colocávamos o barco a seco, Ele veio nos ajudar. E Ele me apareceu com a cabeça calva e a barba branca, enquanto Tiago o via jovem e sem barba. Frequentemente, continua São João, ele me aparecia sob a forma de um homem pequeno e feio. Outro prodígio: quando eu descansava sobre seu peito, ora seu peito me parecia mole, ora ele me parecia resistente como pedra. Uma vez ele me conduziu com Tiago e Pedro à montanha onde costumava orar, e nós vimos uma luz indizível nele. Outra vez, na mesma montanha, quando ele se levantou para orar a sós, eu me aproximei e o vi sem suas vestes, nu, mas ele não parecia um homem: seus pés, mais brancos que a neve, iluminavam a terra, sua cabeça tocava o céu. A surpresa me fez gritar. Ele se virou, e eu não vi mais que um homem pequeno, que, segurando meu queixo, disse: João, não seja incrédulo, mas cheio de fé. Para mim, sofri do queixo por trinta dias, até lhe dizer: Se uma carícia de você causa esse mal, o que seria um tapa? E ele: A você cabe não tentar aquele que não pode ser tentadoOutra vez, em Genezaré, à noite, João ouviu uma voz dizendo a Jesus: Aqueles que você escolheu ainda não acreditam em você. E o Senhor respondeu: Você está certo, pois eles são homens. Mais prodígios: um dia tentei tocá-lo, e descobri que ele era imaterial, incorpóreo e como se não existisse. Um fariseu nos convida para um jantar, cada convidado tem um pão diante de si: Jesus divide seu próprio pão entre os convidados e essa parcela basta para saciar cada um. Frequentemente caminhando com ele eu queria ver a marca de seus passos no chão, e nunca a vi. O que digo é pouco, pois as grandes maravilhas devem agora ser mantidas em segredo, são indizíveis e não se pode mais relatá-las do que ouvi-las (87-93)

Em seguida, São João relata o hino que Jesus teria cantado com seus discípulos antes de ser entregue (94-96), e que é uma oração de estilo arcaico, gnóstico.

Mais adiante, ainda no mesmo quarto fragmento, vem um relato da paixão. São João não ficou junto a Jesus, ele fugiu para a montanha das Oliveiras: lá, na sexta hora do dia, no momento em que a escuridão cai sobre toda a terra, Jesus aparece diante de João:

, ele diz, em Jerusalém estão me crucificando, me perfuram com uma lança, me dão de beber fel: a você eu falarei, escute o que eu digo. Eu te trouxe a esta montanha para que você ouça o que um discípulo deve ouvir de um mestre, um homem de DeusDizendo isso, ele me mostrava uma cruz luminosa, e a multidão. E eu vi o Senhor na cruz. Ele não tinha aparência, mas apenas uma voz, uma voz que não era sua voz familiar, mas uma voz doce e bela, verdadeiramente de um Deus, e que dizia: Esta cruz de luz é chamada ora de verbo, ora de espírito, ora de Jesus, ora de Cristo, ora de porta, ora de caminho, ora de pão, ora de semente, ora de ressurreição, ora de filho, ora de pai, ora de vida, ora de verdade, ora de fé, ora de graça. Assim para os homens, mas na realidade ela é em si o pensamento e para nós a expressão, definição de tudo..., não a cruz de madeira que você verá, nem eu sou o crucificado, eu que você ouve sem ver. Eu fui tomado por aquilo que não sou, o que eles dizem que sou é humilde e indigno de mim. E como o lugar do meu repouso não é visto nem dito, eu não serei visto, eu, o mestre deste lugar.

Esse galimatias gnóstico continua, e nós o resumimos para citar apenas os traços característicos.

Saiba, diz Jesus, que eu sou tudo no Pai e o Pai em mim. Eu não sofri nada do que eles dizem que eu sofri: essa paixão que eu mostrei quero que seja chamada mistério. O que você vê, eu mostrei; o que eu sou, eu sei, ninguém mais. Você ouviu que eu sofri, eu não sofri; que eu não sofri, eu sofri; que eu fui ferido, eu não fui golpeado; que eu fui pendurado, eu não fui pendurado; que meu sangue correu, ele não correu; simplesmente o que eles dizem: de mim não é real, mas o que eles não dizem, isso, eu sofri. Ouça: ferida do Verbo, sangue do Verbo, ferida do Verbo, crucificação do Verbo, morte do Verbo: pense no Verbo primeiro, pense depois no Senhor, terceiro no homem e no que ele sofreu. O apóstolo João, tendo terminado de relatar os discursos do Cristo, exorta os fiéis que o ouvem a venerar não um homem, mas um Deus indestrutível, um Deus imutável, um Deus acima de todo poder e de todos os anjos e criaturas, um Deus mais antigo que os séculos (97-105).

O quinto fragmento, geralmente designado pelo título de Metástase ou morte de São João, começa com uma espécie de homilia dirigida por João aos fiéis que acorreram num domingo. A homilia é seguida de uma oração a Deus, com um tom litúrgico que se intensifica ainda mais. Pois João pede pão e pronuncia uma verdadeira oração eucarística. Após isso, ele parte o pão com seus fiéis. Depois, ele sai da cidade, manda cavar sua tumba e deita-se nela, não sem antes pronunciar uma última oração:

Ó tu que me deste a ciência pura de ti, Deus Jesus, pai e mestre das coisas supercelestes; tu que me conservaste até esta hora puro e sem ter tocado nenhuma mulher; tu que, quando jovem eu queria me casar, me apareceste e disseste: João, preciso de você; tu que, quando eu queria ainda me casar, me disseste no mar: João, se você não é meu, eu te deixo se casar; tu que me deixaste dois anos gemer e no terceiro ano abriste meus olhos da inteligência; tu que fizeste com que minha alma não possuísse nada além de ti... (106-115).

O quinto fragmento, que deve sua preservação ao relato do fim solene do apóstolo, manteve traços de preocupações encratitas. Os encratitas não são uma seita, eles representam um espírito muito difundido no século II, um espírito de rigorismo que antecipa os cismas dos marcionitas, dos montanistas, e mais tarde dos novacianos, para os quais a salvação depende da abstinência de toda sensualidade: daí a condenação do casamento juntamente com o uso da carne e do vinho. É esse o espírito que encontramos na oração de São João agradecendo a Deus por ter escapado do casamento, e o sentido da palavra de Jesus: "Se você não é meu, eu te deixo se casar." A tendência encratita é bastante comum no século II, de modo que devemos encontrar mais traços dela adiante. O docetismo é mais raro porque, erro não mais moral, mas cristológico, foi eliminado mais rapidamente. O docetismo é uma tentativa de cristologia que distingue Jesus do Cristo, faz do Cristo um ser impassível e quer que somente Jesus tenha sofrido: dois seres, dos quais um, o divino, é intermitente e menos que o outro, o humano, é fantasmagórico. O autor do nosso quarto fragmento concebe o Salvador como uma aparição: a Tiago ele se mostra às vezes como uma criança, às vezes como um jovem, a João às vezes como um velho pequeno e feio, às vezes como um ser luminoso e impalpável. A paixão especialmente presta-se a esses desenvolvimentos. Uma aparência sofre na cruz, um não sei o quê humilde e indigno do Cristo. O impalpável Cristo ao contrário não sofreu, não foi crucificado, não morreu; o estado dele durante a paixão é um mistério; o que parecia era irreal, o que era real foi impenetrável como o Verbo que dele é o sujeito. E esse Verbo ele próprio é tudo no Pai. A distinção do Pai e do Filho não existe, pois os termos Verbo, Luz, Espírito, Jesus, Cristo, Filho, Pai, Vida, Verdade, Graça são idênticos, como qualificativos do Divino. Reconhecemos aí as características da cristologia dos grandes gnósticos, Basílides, Valentim, Saturnino, expressas não em fórmulas, mas em imagens. Em um tempo em que a cristologia ainda estava longe das precisões analíticas consagradas pelas definições de Éfeso e de Calcedônia, era inevitável expressar em imagens infantis a distinção confusamente concebida das duas naturezas.

II. ATOS DE SÃO ANDRÉ.

Dos Atos de São Tomé nos chegaram apenas remanejamentos tardios, expurgados. A edição crítica desses diversos textos pode ser encontrada em M. Bonnet, Acta apostolorum apocrypha, Leipzig. t II, 1, p. 117-127.

Primeiro, um Μαρτύριον em forma de carta supostamente endereçada pelos padres e diáconos das igrejas da Acaia a todas as Igrejas do mundo, composição que não é anterior ao século IV e que só é notável pela bela invocação de São André à cruz sobre a qual ele vai morrer: Salve, ó Cruz... Ó boa cruz que recebeste a honra e a beleza dos membros do Senhor, etc.

Em seguida, um Μαρτύριον, onde é lembrada primeiramente a missão atribuída a cada um dos apóstolos, depois a de André que é pregar na Bitínia, na Lacônia e na Acaia, e a conversão que ele fez em Patras do procônsul Lesbios. Mas Lesbios é substituído por Aegeates, que manda prender o apóstolo, crucificá-lo, e depois, em desespero, se suicida. Esse relato depende da narrativa original. Alguns trechos têm um tom sensivelmente arcaico, como a invocação à cruz (14): “Salve, ó cruz... que há muito me aguardas: venho a ti que me desejas. Conheço o mistério para o qual estás erguida: estás erguida no mundo para fortalecer as instabilidades: elevas-te para os céus para manifestar o Verbo: estendes-te à direita e à esquerda para afastar o poder inimigo e unir o mundo na unidade: estás plantada na terra para unir às supracelestes as coisas terrenas. Ó cruz, instrumento da salvação do Altíssimo, etc.” Já vimos a cruz desempenhar um papel nos atos de São João: ela era chamada Cruz de Luz e era uma entidade que se identificava ao Verbo, ao Espírito, ao Pai, ao Filho, a todos os vocábulos divinos. “A cruz, lemos em um fragmento do valentiniano Teódoto, é o sinal da separação que está no pleroma: ela separa os fiéis dos infiéis, assim como separa o mundo do pleroma: por esse sinal que carregou nos ombros, Jesus introduz as sementes no pleroma.” Excerpt. Theodot., 42.

Na teologia gnóstica, onde se multiplicam infinitamente os intermediários sobrenaturais, a cruz é talvez o mais sintético, assim como é o mais concreto. O docetismo, ao reduzir o Cristo a um fantasma, era levado a exaltar a Cruz para não reduzir a nada a virtude redentora da paixão. A entidade cruz não se distingue mais do crucificado: “Bela é a cruz, diz ainda o Μαρτύριον de São André (16), pois ela é vivificante: belo é o crucificado, pois ele é o redentor das almas.” Pode-se comparar o texto do nosso Μαρτύριον com o texto tão conhecido Salve, ó Cruz... Ó boa cruz que recebeste a honra, etc., que a liturgia popularizou, para julgar a transformação que o tema arcaico sofreu ao se despir de todo o gnosticismo.

Sobre São André, há um texto intitulado Atos de André e Matias na cidade dos Antropófagos, outro texto que depende da Περίοδοι original, mas feito de ficções enormes sem alcance doutrinário. O mesmo deve ser dito de um último texto intitulado Atos de Pedro e André: ao retornar da cidade dos Antropófagos, André se junta a São Pedro, "Cabeça de toda a Igreja", e juntos eles se dirigem para a "cidade dos Bárbaros": aqui também são ficções expurgadas de todo elemento doutrinário e mantidas apenas pelo seu aspecto maravilhoso.

III. ATOS DE SÃO TOMÉ.

Possuímos, se não os Atos de São Tomé original, pelo menos uma redação que deve ser muito próxima. M. Bonnet forneceu a edição crítica: Acta Thome, Leipzig, 1883, e a reeditou em 1903. Supõe-se que os Atos de São Tomé deve ser uma composição da primeira metade do século III.

Os atos, tal como os possuímos, se dividem em doze episódios seguidos pela paixão do apóstolo. No início do primeiro episódio é lembrada, como nos atos de André, a missão dada pelo Senhor a cada um dos apóstolos, e então a de Tomé, que é evangelizar a Índia. Ele chega à cidade de Andrapolis, no meio de uma festa pública oferecida pelo rei indiano por ocasião do casamento de sua filha. Tomé, que assiste ao banquete, começa a cantar um cântico à sabedoria, com um simbolismo violento e uma inspiração gnóstica.

Ao anoitecer, Jesus mesmo sob a aparência de Tomé aparece aos jovens esposos na câmara nupcial. "Saibam," diz ele, "que se vocês se absterem de todo comércio impuro, vocês se tornarão templos santos. Evitem ter filhos, pois os filhos são a causa de todas as preocupações e todas as faltas. Mas se vocês mantiverem suas almas na pureza para Deus, terão filhos vivos em um casamento sem mancha e verdadeiro; vocês serão os paraninfas do noivo, que é toda imortalidade e luz."

Os dois esposos, convencidos, declaram no dia seguinte ao rei e à rainha que a obra de vergonha e confusão está longe deles. Indignação do rei, que deseja prender Tomé, mas o apóstolo já partiu. Vê-se a tendência encratita desse pequeno romance: ele expressa sem restrições a condenação dos casamentos justos e que na união matrimonial a paternidade e a maternidade são uma degradação.

No segundo episódio, o rei Goundaforos dá a Tomé, apresentado como arquiteto, a ordem de construir um palácio e lhe entrega o dinheiro necessário. O apóstolo distribui o dinheiro em esmolas e, quando o rei lhe pergunta se pode visitar o palácio, ele responde que só poderá visitá-lo ao deixar a vida. Fúria do rei, que faz Tomé ser lançado na prisão. Entretanto, Gad, irmão do rei, morre e, no outro mundo, é admitido a ver o palácio que as esmolas do apóstolo prepararam para o rei. Ele ressuscita para instruir seu irmão e ambos são feitos cristãos por Tomé. A cena de sua iniciação é de uma liturgia bastante singular. Os dois irmãos pedem o "selo do batismo", pois, dizem a Tomé, você nos ensinou que o Deus que você prega "reconhece suas ovelhas por esse selo". O apóstolo lhes responde: "Fico feliz em ver vocês receberem esse selo e participar comigo desta eucaristia e bênção do Senhor e se tornarem perfeitos nela." Ele então manda trazer o óleo "para que, por meio deste óleo, eles recebam o selo" e, com o óleo trazido, o apóstolo em pé lhes dá o selo derramando o óleo sobre suas cabeças e pronunciando uma longa invocação de um estilo litúrgico gnóstico: "Venha o santo nome de Cristo... Venha o carisma supremo: venha a mãe misericordiosa: venha a economia do mal: venha aquela que revela os mistérios ocultos: venha a mãe das sete casas, o sacerdote dos cinco membros..." Feito isso, o apóstolo rompe o pão e comunica os iniciados à eucaristia de Cristo (26-27). Nesta iniciação, a questão do "batismo" é abordada apenas acidentalmente, enquanto em todo o resto a iniciação parece se reduzir a uma unção com óleo.

Em outro episódio, o episódio do dragão incube, a mulher que durante cinco anos havia se entregue ao dragão, uma vez libertada, pede ao apóstolo "o selo". E aqui também temos uma cena de iniciação. O apóstolo, lemos, fez a mulher se aproximar e, colocando a mão sobre ela, a selou em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ele também selou vários outros postulantes com ela. Então ele disse ao diácono para trazer uma mesa e um banquete: sobre a mesa colocou-se um pano, sobre o pano o pão da bênção, e, em pé, o apóstolo pronunciou uma epiclese semelhante à que vimos ele pronunciar: "Venha misericórdia perfeita, venha comunhão do bem, venha tu que conheces os mistérios da ordem..., venha mãe oculta,... venha comunicar-te a nós nesta eucaristia que fazemos em teu nome..." Ao dizer isso, ele assinou o pão com o sinal da cruz, o rompeu e o distribuiu, à mulher primeiro: "Que isto seja para a remissão de teus pecados e a redenção de tuas faltas eternas" (46-47).

No sexto episódio, um jovem, no momento em que leva a eucaristia aos lábios, vê suas duas mãos secarem. "A eucaristia te condenou," diz o apóstolo, "qual é o teu pecado?" O jovem responde que, tendo recebido "o selo", ele conjurou sua concubina a abraçar a pureza perfeita, que o apóstolo pregava. A mulher recusando, o jovem a matou. A pedido do assassino, o apóstolo ressuscita a morta, que, retornando à vida, descreve os tormentos que são infligidos aos pecadores no inferno. A descrição desse inferno é a única a ser notada (52-55).

No episódio de Charisios e sua esposa Mygdonia, a mulher foi convertida pelo apóstolo à prática da perfeita pureza no casamento: essa conversão coloca o casal em desacordo, cujas peripécias são longamente narradas. Mygdonia recebe o batismo. "Dê-me," diz ela ao apóstolo, "o selo de Cristo e que de tuas mãos eu receba o banho da incorruptibilidade." Então, dirigindo-se à sua ama de leite, ela a pede para trazer um pão e água. Como a ama de leite se espanta e propõe trazer vários pães e, em vez de água, medidas de vinho, Mygdonia recusa: ela quer apenas água, um pão e óleo. A ama de leite obedece e então, Mygdonia em pé, com a testa descoberta, o apóstolo derrama o óleo sobre sua testa, dizendo: "Óleo santo dado a nós para a santificação, mistério oculto em quem a cruz nos foi mostrada, tu és a simplicidade dos membros velados, tu és aquele que mostra os tesouros escondidos, tu és o progresso do útil: que teu poder venha e que tua liberdade mesma se estabeleça sobre tua serva Mygdonia." É verdade que, o óleo sendo derramado, há uma fonte para batizar Mygdonia: mas não há dúvida de que essa menção do batismo com água não é uma correção tardia, pois imediatamente o apóstolo, rompendo o pão e pegando o cálice de água, faz Mygdonia participar dos mistérios de Cristo, dizendo: "Tu recebeste o selo, toma posse da vida eterna." O selo, ou seja, a unção, parece ainda ser o elemento principal da iniciação. No final do episódio, o oficial Siphor se converte com sua esposa e sua filha: eles se dedicam à pureza perfeita e pedem o "selo". E o apóstolo os catequiza assim: "O batismo é a remissão dos pecados: ele rege e renova o homem, que por meio dele é três vezes elevado e participa do Espírito Santo." Ele adiciona: "Glória ao poder inefável: glória a quem entra no banho do batismo: glória a ti, que traz os homens do erro e os faz participar de ti." Ao dizer isso, ele derrama óleo sobre suas cabeças, depois faz trazer uma bacia e os batiza em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Então, trazem pão sobre uma mesa e o apóstolo o abençoa: "Faça deste pão o pão vivo para que aqueles que dele comerem permaneçam incorruptíveis, etc." Temos aqui um batismo propriamente dito; mas aqui também a unção desempenha um papel preliminar e importante. Notemos também que o batismo e a eucaristia estão estreitamente ligados à concepção encratita da vida cristã.

No décimo primeiro episódio, o rei Misdaeos vê sua esposa convertida por Tomé. Juntos, Charisios e Misdaeos penetram no local onde Tomé ensina, o agridem violentamente e o fazem ser lançado na prisão. Mas na sua prisão, é o décimo segundo episódio, todos os convertidos de Tomé o encontram, além do próprio filho do rei Misdaeos, Vasanés, que vivia com sua esposa desde o casamento em uma perfeita pureza; ele não tem dificuldade em se tornar cristão. As portas da prisão se abrem por si mesmas, e todos vão para a casa de Vasanés, onde serão batizados Vasanés e as irmãs de Mygdonia.

"Tomé pegou óleo em um cálice de prata e disse: Ó fruto mais nobre que os outros frutos, ó fruto incomparável, ó fruto misericordioso, os homens, graças a ti, sabem vencer seus adversários: tu coroas os vencedores, és o símbolo da alegria: tu evangelizas aos homens sua salvação: dás luz àqueles que estão nas trevas, adoças as amarguras: venha, ó Jesus, tua força vitoriosa, que fortaleça este óleo..." O apóstolo derrama o óleo sobre a cabeça de Vasanés primeiro, depois sobre a cabeça das mulheres, dizendo: "Em teu nome, Jesus Cristo, que isto seja para essas almas remissão dos pecados, derrota do inimigo, salvação."

Então batiza-se com água, mas sem nenhuma solenidade similar, e imediatamente depois é realizada a eucaristia. O relato do martírio de São Tomé encerra este longo romance.

Desta rápida análise, deve-se desprender a impressão geral de que os Atos de Tomé pregam um encratismo rigoroso. A liturgia se reduz à iniciação e à eucaristia. Esta iniciação, onde o batismo desempenha um papel tão apagado que às vezes nem mesmo é mencionado, é realizada pelo "selo", a unção com óleo na cabeça, sendo o óleo considerado uma matéria eminentemente simbólica. A presença de uma unção com óleo na liturgia baptismal é atestada desde o século II; mas aqui, manifestamente, essa unção tem uma importância excepcional que nenhum texto lhe atribui. Celso fala de cristãos em que "aquele que recebe o selo é chamado Novo e Filho e responde quando o recebe: Eu sou ungido com a unção branca da árvore da vida". Contra Cels., VI, 27. Esses cristãos são gnósticos ofitas, e é de ambientes semelhantes que procede o simbolismo litúrgico dos Atos de Tomé.

IV. ATOS DE PEDRO E PAULO.

Os Atos de Pedro originais, composição da segunda metade do século II, acredita-se que esteja perdida. As peças derivadas dela foram publicadas em uma edição crítica por M. Lipsius nos Acta apostolorum apocrypha, Leipzig, 1891, t. I, p. 1-234.

O Martírio do pseudo-Lino é fortemente colorido por encratismo. São Pedro prega a pureza perfeita no casamento. Por sua voz, "um grande amor pela pudicidade inflama as mulheres de toda idade e condição, de tal forma que a maioria das matronas de Roma se recusa a compartilhar a cama com seus esposos para preservar a pureza de seu coração e corpo." Entre elas estão as quatro concubinas do prefeito Agripa, que demonstram castidade. Ira de Agripa. Em seguida, é Xantippe, esposa de Albinus, favorito de César. Albinus e Agripa denunciam ao senado esse Pedro "que nos separa de nossas esposas em nome de uma nova e inaudita lei". O apóstolo é preso e depois crucificado. Ao chegar ao local de seu suplício, ele pronuncia uma bela invocação à cruz na qual vai morrer: "Ó nome da cruz, mistério oculto, graça inefável. Ó cruz que uniu o homem a Deus!" Esta invocação lembra a de São André, e já mencionamos como esses temas se relacionavam ao docetismo.

Os Atos descobertos em um manuscrito de Verceil por M. Studemund e publicados por M. Lipsius são, em parte, a reprodução em uma recensão diferente do martírio que já representava o pseudo-Lino, mas, em parte (1-29), um relato dependente, como o pseudo-Lino, dos de Pedro original. Este relato se abre com a descrição da partida de Paulo para a Espanha; então, Simão, o Mágico, chega a Roma e engana tantas pessoas que São Pedro é enviado por Jesus para confundi-lo; temos então o relato da viagem de São Pedro, dos muitos milagres que ele realiza em Roma, de suas discussões com Simão e, finalmente, da morte de Simão. Os Actus Petri cum Simone estão cheios de maravilhas e o demônio desempenha um papel predominante; foram manifestamente expurgados de todo arcaísmo doutrinário, mas ainda permanece alguma marca de um gnosticismo semelhante ao dos Acta Joannis.

São Pedro se expressa assim sobre Jesus: "Ele comeu e bebeu por nós, embora não tivesse fome nem sede... Ele vos consolará para que o ameis, ele que é grande e pequeno, belo e horrível, jovem e velho, visível por um tempo e eternamente invisível... Ele é a porta, a luz, o caminho, o pão, a água, a vida, a ressurreição, o refresco, a pérola, o tesouro, a semente, a saciedade, o grão de mostarda, a videira, o arado, a graça, a fé, o Verbo..." (20). Essas expressões pertencem ao docetismo. Da mesma forma, quando São Pedro pergunta às viúvas o que elas viram no brilho de uma luz sobrenatural que lhes apareceu, umas respondem: "Vimos um velho, cuja aparência era tal que não conseguimos expressar." Outras: "Um jovem." Outras ainda: "Uma criança que tocava sutilmente nossos olhos, e nossos olhos foram abertos" (21). Os Acta Joannis nos apresentavam os mesmos traços. Destacamos um último detalhe: é dito (2) que os fiéis apresentam a São Paulo para o sacrifício do pão e da água: "Optulerunt autem sacrificium Paulo panem et aquam et (pour ut) oratione facta unicuique daret: in quibus conligit quamdam nomine Rufinam, volens itaque et ipsa eucharistiam de manibus Pauli percipere, etc." A história é análoga à do jovem assassino dos Acta Thome; aqui, é uma mulher que vive em concubinato e que São Paulo exclui da comunhão. Mas o interesse do episódio está neste detalhe, que a eucaristia é feita de pão e água. Já nos Acta Thome, a serva de Mygdonia trazia para a eucaristia pão e água. Este é um traço autêntico de encratismo, pois o encratismo condenava o uso do vinho, e essa condenação se estendia à própria eucaristia. Daí, o que os hereges chamaram de seita dos aquarianos.

V. ATOS DE PAULO E DE TÉCLA.

O relato começa abruptamente no momento em que Paulo chega a Icônio, fugindo de Antioquia. Recebido na casa de Onésiforo, ele parte o pão e pronuncia um discurso que o autor qualifica de discurso de Deus sobre a continência e a ressurreição: "Bem-aventurados os que são puros de coração, bem-aventurados os que mantêm seu corpo casto, bem-aventurados os continentes, bem-aventurados os que, tendo esposas, são como se não tivessem, bem-aventurados os corpos das virgens, pois esses agradarão a Deus e não perderão a recompensa de sua continência" (5-6). Estamos aqui em pleno encratismo. Ora, Técla, prometida a Tamiris, ouve o discurso do apóstolo e não quer mais viver senão segundo sua lei. Raiva do noivo e de sua família contra o estrangeiro que ensina "que se deve temer somente a Deus e viver na pureza" (9), que "o casamento não deve ser" (11), que "não há ressurreição se não se permanece puro" (12). O apóstolo foge e Técla parte com ele para Antioquia. É em Antioquia que Técla terá que lutar no anfiteatro contra as feras e sairá ilesa desse combate.

Recentemente, foi levantada a hipótese de que os Acta Pauli et Thecle são apenas um fragmento da Περίοδος Παύλου original do século II, e que a esse mesmo Atos pertence a correspondência apócrifa de São Paulo e dos Coríntios e o Martírio de Paulo publicado por Lipsius, Acta apostolorum apocrypha, t. 1, p. 104-117. Já dissemos em outro lugar, Dicionário da Bíblia, t. II, col. 1900-1901, por que essa hipótese não nos parecia plausível para a correspondência apócrifa: quanto ao Martírio, a hipótese é simplesmente provável. Além disso, a história das doutrinas não tem nada a notar neste Martírio.

VI. ATOS DE SÃO FILIPE.

É novamente o encratismo que nos apresentam os fragmentos dos Acta Philippi que encontramos. Analecta Bollandiana, 1890, t. IX, p. 204-249; edição Bonnet, 1903. Uma mulher acaba de perder seu filho e se lamenta: não há mais alegria possível para ela, não lhe convém mais se casar, nem comer alimentos que edificam o corpo, como vinho e carne. "Tens razão", responde-lhe São Filipe. "O que pensas sobre a pureza? É a pureza que tem comunhão com Deus, mas é odiosa aos homens, pois eles não sabem ser castos nem beber água" (I, 3). Em Azotos, o apóstolo é acusado de ser um mago e um homem perigoso, porque "ele separa os casados, ensina que apenas a pureza vê a Deus, e que ter filhos é uma calamidade" (IV, 1). Em Nicotera, ele é perseguido sob a alegação de que ensina "uma doutrina nova e estranha, a saber: permanecei puros e vivereis e brilhareis como astros no céu" (VI, 8).

Se resumirmos as observações anteriores, diremos que os atos apócrifos nos fornecem espécimes muito interessantes, primeiro do docetismo, depois do encratismo. O docetismo tem sua data na história da cristologia; o encratismo, na história da teologia moral e mais precisamente da doutrina penitencial, pois é bem evidente que o encratismo é uma tendência antipenitencial. A liturgia, enfim, seja no estilo de suas orações, cujos modelos encontramos tão arcaicos e gnósticos, seja na economia de seus ritos, por exemplo, os elementos do batismo e os elementos da eucaristia, tem muito a reter do estudo desses textos apócrifos.

R. A. Lipsius e M. Bonnet, Acta apostolorum apocrypha, 3 in-8°, Leipzig, 1891-1903; R.A. Lipsius, Die apocryphen Apostolgeschichten und Apostellegenden, Brunswick, 1883-1890; M.R. James, Apocrypha Anecdota, Cambridge, 1897; P. Batiffol, Anc. litt. chr. grecque, Paris, 1898, p. 41-46; Theolog. Literaturzeitung, 1897, t. XXII, p. 625-629; Anal. Bolland., 1898, t. XVII, p. 231-233; F. Hennecke, Neutestam. Apocryphen, Tubinga, 1904.

P. BATIFFOL.