I. Natureza da adoção.
II. A adoção e seus graus no direito romano.
III. A adoção, impedimento de casamento no direito romano.
IV. Esse impedimento no direito canônico.
V. Questões que sua aplicação levanta.
I. NATUREZA DA ADOÇÃO. — Chama-se adoção o ato legal pelo qual alguém faz com que um estrangeiro entre em sua própria família, recebendo-o como filho, neto ou algo semelhante. Esta é a definição dada por São Tomás: "Extranea personae in filium vel nepotem vel deinceps, legitima assumptio." IV Sent., l. IV, dist. XLII, q. II, a. 1; Sum. theol., III, q. LVII. Duas coisas parecem, portanto, essenciais para que haja adoção. É necessário: 1° a introdução de uma pessoa estranha em uma família, que ocupa um lugar análogo ao que é dado pela geração natural, segundo o axioma: "Adoptio imitatur naturam"; e é necessário: 2° a intervenção autêntica da autoridade social para tornar legítima essa introdução. A integração de fato de um estrangeiro em uma família não é suficiente para constituir a verdadeira adoção, no sentido estrito da palavra. Essa prática, que constitui um estrangeiro membro de uma família que não é naturalmente sua, parece proceder do próprio direito natural. De fato, pertence ao poder paternal criar um vínculo análogo ao que provém do nascimento, especialmente quando a filiação natural não pôde se realizar. Assim, essa instituição se encontra sob diversas formas na maioria dos povos e em todos os tempos.
II. A ADOÇÃO E SEUS GRAUS NO DIREITO ROMANO.
Em Roma, onde a autoridade do paterfamilias era tão considerável e absoluta, era da mesma forma. A legislação, quando foi codificada, tratou desse uso já introduzido nos costumes e precisou suas consequências legais, tanto do ponto de vista da sucessão hereditária quanto no que diz respeito às prescrições matrimoniais. Primeiro, determinou-se que haveria dois tipos de adoção. Um, chamado adrogatio, e o outro, frequentemente chamado imperfeito, que conservou simplesmente o nome adoptio, e cujo caráter é, além disso, bastante diferente na legislação que precede e na que segue a de Justiniano.
A primeira, a adrogatio, era o ato de uma pessoa sui juris que se colocava ela mesma na família do adotante, e isso só podia ser feito com formas solenes, por um rescrito do príncipe, e mesmo primitivamente com a intervenção dos pontífices seguida de um pedido (rogatio) dirigido ao povo romano, em uma assembleia dos comícios curiados. Tinha como efeito assimilar o adotado aos filhos naturais e legítimos do adotante, e fazê-lo um dos herdeiros necessários do adotante.
A adoção simples era o ato do paterfamilias natural do adotado, que introduzia o mesmo na família do adotante, mas sem abandonar para isso, na legislação que seguiu Justiniano, toda a sua própria autoridade paternal. O adotado tornava-se, por herança ab intestat, herdeiro do adotante, mantendo seus direitos à sucessão de seu pai natural.
Entre os romanos, aliás, ambas as adoções não eram necessariamente perpétuas; elas cessavam com a emancipação do adotado, e todos os vínculos que haviam criado desapareciam.
III. A ADOÇÃO, IMPEDIMENTO DE CASAMENTO NO DIREITO ROMANO.
Do ponto de vista do casamento, a adoção produzia um parentesco civil que proibia a união entre certas pessoas. O adotado, o adotante e os parentes deste eram considerados unidos pelo vínculo da agnatio, e o casamento entre eles não era permitido. Este parentesco civil tinha também sua linha direta e sua linha colateral. Na primeira, o impedimento era absoluto e permanecia sempre, mesmo após a emancipação. Na linha colateral, o impedimento existia como na parentela natural, e desaparecia com a emancipação.
IV. ESSE IMPEDIMENTO NO DIREITO CANÔNICO.
A Igreja utilizou bastante a legislação romana para estabelecer a sua, modificando sem dúvida as prescrições césares segundo o espírito do Evangelho, notadamente diminuindo o que a autoridade paternal tinha de excessivamente absoluta e despótica. Ela adotou essa disposição da lei antiga e inscreveu, entre os impedimentos dirimentes do direito canônico, o da parentesco legal (cognatio legalis) ou da adoção. O Decreto de Graciano, parte II, causa XXX, q. III, e as Decretais de Gregório IX, livro IV, título XII, relatam cada um um trecho da resposta dada pelo papa Nicolau I aos búlgaros, no meio do século IX. Nicolau I fala do impedimento da adoção admitido pelo direito romano, como uma lei à qual todos os cristãos devem se conformar. Pode-se ler o texto completo em Mansi, Conciliorum Collectio, Veneza, 1770, t. V, col. 402.
V. QUESTÕES QUE SUA APLICAÇÃO LEVANTA.
Imediatamente surgiram questões que a jurisprudência dos Pandectas não havia resolvido completamente. A proibição matrimonial resultava tanto da adoção perfeita quanto da adoção imperfeita, da adrogatio quanto da adoção simples? Esse impedimento deveria ser limitado aos graus previstos pela lei civil, ou se estender até o grau inscrito nos cânones, até o sétimo grau inicialmente, e até o quarto após o concílio de Latrão, de acordo com o nosso método de computação?
Finalmente, em nosso século, outra questão se apresenta, ainda mais difícil de resolver no momento. Qual é verdadeiramente a adoção considerada pelas leis canônicas? Para determinar sua essência, deve-se recorrer aos textos romanos, hoje em desuso, ou resolver a questão de acordo com os textos de nossos códigos modernos e legislações recentes?
1° O impedimento resulta da adoção imperfeita tanto quanto da adoção perfeita?
Se se deve, para responder a esta primeira dessas três questões, basear-se apenas no testemunho dos autores que a estudaram, ficaria bastante embaraçado. Um grande número deles, e daqueles cuja autoridade é notável, sustentaram uma das alternativas, enquanto a opinião contrária é ensinada por uma plêiade não menos numerosa de teólogos e especialistas em direito canônico. Entre aqueles que sustentam a necessidade da adrogatio, encontram-se: Ledesma, Sanchez, Sylvius, Coninck, os Salmanticenses, Schmalzgrueber, etc., entre os antigos, e Santo Afonso, Gury, Ballerini, d’Annibale, Grandclaude, Lehmkuhl, Gaspari, entre os modernos.
Aqueles que afirmam que a adoção simples é suficiente para constituir o impedimento canônico não têm menos autoridade. Podem ser citados: Hostiensis, S. Antonin, Barbosa, Gonzalez, Reiffenstuel, Giraldi, Ferrari, entre os antigos; Martinet, Scavini, de Angelis, Santi, Mgr Rosset, entre os modernos. Veja Tractatus de matrimonio por Mgr Rosset, Saint-Jean-de-Maurienne, 1895, t. III, a. 90, p. 464, 466.
A raridade dos casos que se apresentaram não permite invocar em favor de uma ou outra opinião a autoridade da jurisprudência, e os motivos racionais sobre os quais se baseia a constituição do impedimento de parentesco também não fornecem uma luz suficiente para elucidar completamente esse problema obscuro.
Pode-se ainda perguntar se a adoção mencionada pelas leis canônicas é exatamente a mesma que a tratada pelas leis romanas, ou se ela não difere, seja no caso da adoção simples ou da adrogatio.
Examinemos, de fato, a breve fórmula extraída de uma resposta de Nicolau I aos búlgaros e inserida no IV livro das Decretais. O que lemos lá?
Se uma pessoa se tornou minha irmã por adoção, enquanto durar a adoção, não pode haver casamento entre ela e eu.
De acordo com esse texto, parece-nos que a adoção requerida pela Igreja não exige as fórmulas solenes prescritas para a adrogatio e que, ao contrário, exige a introdução do adotado na família do adotante, o que não existia para a adoção simples, pelo menos desde Justiniano. Sem se preocupar com as diferenças existentes entre os dois tipos de adoção, a Igreja adotou simplesmente a adoção em seu aspecto essencial, ou seja: 1. introdução em uma família estrangeira; 2. a constatação desse fato por um ato legal.
Essa observação feita, acreditamos dever aderir à opinião formulada pelo venerável Monsenhor Rosset, bispo de Maurienne, e crer como ele que a lei promulgada pela Igreja visa não apenas a adrogatio, mas também a adoção simples, especialmente se considerarmos como ela era praticada antes de Justiniano. O argumento que influencia nosso pensamento é o seguinte: A legislação canônica adotou a lei civil e a incorporou em suas coleções autênticas. Ora, no momento em que Nicolau I, escrevendo sua carta aos búlgaros, afirmava a existência desse impedimento, quando Gratiano inseria esse texto em seu Decreto, quando mais tarde São Raimundo redigia, no IV livro de suas Decretales, o título De cognatione legali, e finalmente, no século passado, Bento XIV ensinava que era necessário recorrer às leis civis para esse ponto, a adrogatio não existia mais como havia sido em vigor anteriormente, e esses doutores que canonizaram assim a lei romana, ou melhor, que constatavam sua canonização realizada pela autoridade legislativa da Igreja, tinham em vista a adoção simples, então única em uso, e não a adrogatio, que havia desaparecido com a organização toda especial da família romana.
2º Até que grau de parentesco legal se estende o impedimento da adoção?
Pergunta-se então até onde deveria se estender o impedimento dirimente estabelecido pelos santos cânones. Essa cognatio legalis deveria ser assimilada à consanguinidade e proibir o casamento até o sétimo grau antes do concílio de Latrão, e até o quarto, após a reforma realizada por essa santa assembleia? Aqui, parece mais fácil dar uma resposta certa. A legislação eclesiástica adota a lei romana, não apenas em seu princípio, mas também em suas prescrições acessórias. O direito romano apenas proibia o casamento — perpetuamente na linha direta — sempre que se tocava o primeiro grau na linha colateral. É até aí que deve, portanto, se limitar o impedimento dirimente estabelecido pela legislação eclesiástica.
3º A adoção, tal como admitida pelos códigos modernos, constitui o impedimento canônico para o casamento?
A terceira questão é de uma solução muito mais difícil, e se o caso fosse mais prático, acreditaríamos ser urgente solicitar uma dessas respostas autorizadas que só o Sumo Pontífice pode dar, por si mesmo ou por meio de um dos órgãos das Congregações. De fato, todos concordam em admitir que o impedimento canônico da adoção existe de acordo com as prescrições do direito civil. Mas de qual direito civil estamos falando aqui?
Até o nosso século, a questão nem sequer teria surgido. O direito civil era o de Justiniano, ensinado em todas as universidades e aplicado em todos os tribunais. Era necessário sair da Europa e ir às Índias ou à China para encontrar um código de legislação diferente do Corpus juris civilis. Mas, hoje, não é mais assim. Desde a iniciativa tomada na França por Napoleão, novos códigos foram redigidos e promulgados quase em todo lugar. Sem dúvida, eles tiveram que se conformar aos princípios enunciados nos Institutos, nas Novelas e nas Pandectas, mas trouxeram modificações consideráveis às prescrições formuladas outrora por Gaio, Papiniano e seus doutos colaboradores.
Assim, de acordo com o Código Napoleônico (art. 343 e seguintes), apenas pode adotar uma pessoa com mais de cinquenta anos, sem filhos nem descendentes legítimos, enquanto que, entre os romanos, uma mulher não podia adotar, mas sim um paterfamilias que já tivesse filhos, ou que pudesse tê-los. De acordo com o direito francês, a adoção é perpétua; portanto, o casamento é para sempre proibido entre os filhos adotivos ou entre um filho adotivo e um filho natural do adotante; enquanto que no direito romano, as relações familiares criadas pela adoção poderiam cessar por causa da emancipação, e, portanto, o impedimento era apenas temporário. Finalmente, notemos como uma das principais diferenças existentes entre essas duas legislações é que, entre os romanos, a adoção era feita ou com a intervenção do povo, ou por um rescrito do príncipe, ou ainda imperio magistratus, enquanto que, de acordo com o nosso código, o ato de adoção deve ser realizado perante o juiz de paz e homologado pelo tribunal.
Dito isso, a qual legislação devemos nos referir agora para determinar se o impedimento canônico da adoção existe e em quais limites constitui um impedimento para o casamento?
Alguns, como o erudito professor Gasparri, Tractatus canonicus de matrimonio, Paris, 1891, t. I, p. 548, afirmam que ainda se deve manter o direito romano antigo. Segundo a opinião deles, é esse direito que a Igreja canonizou, introduziu em sua legislação; são essas suas leis que ela adotou, e para aboli-las, seria necessário um ato positivo emanado da autoridade legislativa suprema. Além disso, Bento XIV, o incomparável canonista, afirma positivamente: “Recurrendum est ad leges civiles.” Ora, para ele, evidentemente, as leis civis são o direito romano.
Outros, no entanto, sustentam a opinião oposta, e sua doutrina parece dever ser preferida. Se Bento XIV tivesse vivido em nosso tempo, parece bastante provável que ele teria aderido a uma opinião que ele não poderia prever em sua época. Vários documentos, oriundos de Roma, lançam, além disso, alguma luz sobre essa matéria obscura.
O primeiro desses documentos é uma resposta dada pelo Santo Ofício em 1761 a um missionário na Bulgária que perguntava se o impedimento existia quando os pais, seguindo o costume existente no país, adotavam crianças sem qualquer solenidade jurídica, absque ulla juris solennitate. A resposta dada foi absolutamente negativa.
Em 1826, a Penitenciaria foi consultada por um vigário geral de Périgueux, perguntando se, na França, após a redação do código civil, o impedimento da parentela legal ainda existia. A resposta foi: Afirmativa, si res sit de adoptione legitime inita. Essa fórmula parece levantar ainda uma nova dificuldade. Quando é que há adoptio legitime inita? É necessário, para a legitimidade da adoção, todas as formalidades do antigo direito romano? Evidentemente não. Isso resulta da própria maneira como a questão é colocada. Mas, se na nossa legislação atual, ou em um dos códigos promulgados recentemente em outros países, as disposições que regulamentam as condições do casamento entre o adotado e os pais adotivos não são as mesmas que as do direito romano, a que devemos nos ater? Felizmente, como dissemos, esses casos não são muito práticos: a adoção é rara entre nós e, além disso, nossa legislação francesa é mais rigorosa nesse ponto do que a lei antiga. Não vemos como ter uma doutrina absolutamente certa, a não ser por um ensino preciso que seria dado pela autoridade pontifícia, mas que atualmente está em falta.
Temos, no entanto, outra resposta da S. C. do Santo Ofício, datada de 23 de fevereiro de 1853. Perguntou-se: A adoção realizada na forma prescrita pelo Código Civil do Reino de Nápoles produz ou não o impedimento canônico da afinidade legal que impede o matrimônio? Respondeu-se: Afirmativo.
Aqui temos uma legislação diferente do antigo direito romano, já que se acredita ser necessário formular uma pergunta semelhante. Responde-se que o impedimento existe nas condições formuladas por esse novo código. Portanto, haveria tantas prescrições canônicas diferentes quanto há legislações, ou seja, tantas quanto há povos e nações. Bastaria que essas legislações modernas, diferindo das leis da Ásia Oriental, como as vigentes na China ou no Japão, aceitassem o princípio da adoção romana para que o impedimento de casamento existisse. Bastaria que houvesse adoptio legitime inita, ou seja, a incorporação a uma família por uma solenidade legal, quaisquer que fossem suas formas. Isso parece o mais provável. Mas não ousamos afirmar, por enquanto, que essa doutrina é absolutamente certa. Esse não é, aliás, o único ponto em que nossos usos ou nossas codificações modernas tornam obscuras algumas de nossas leis canônicas. Esperamos que essas nuvens sejam dissipadas, na hora oportuna, pelos raios luminosos e poderosos do sol que brilha no Vaticano e que recebeu a destinação divina de iluminar todas as consciências e todas as almas.
Ref.: Gasparri, Tractatus canonicus de matrimonio, Paris, 1891, t. I, p. 532 sq.; Rosset, De sacramento matrimonii, Saint-Jean-de-Maurienne, 1895, t. III, p. 464 sq. — Sobre a história da questão, veja Freisen, Geschichte des canonischen Eherechts, 2ª ed., Paderborn, 1893, § 52, p. 555-561; Esmein, Le mariage en droit canonique, Paris, 1891, t. I, p. 357 sq.
A. PILLET.