Esta locução tem origem bíblica; o termo hebraico significa literalmente intuir, considerar, não os méritos reais de alguém, mas suas aparências, suas qualidades emprestadas, sua "máscara"; daí as expressões gregas equivalentes Πρόσωπον λαμζάνειν, βλέπειν εἰς πρόσωπον, θαυμάζειν πρόσωπα e a tradução latina: accipere personam; em francês: acception de personnes.
A linguagem vulgar entende por "aceitação de pessoas" todo julgamento, favorável ou desfavorável, determinado por considerações, geralmente interessadas e puramente pessoais, estranhas àquelas que deveriam unicamente intervir na decisão legítima de uma causa ou de um assunto dado. Há, portanto, aceitação de pessoas sempre que se toma como base de apreciação os sentimentos por uma pessoa, em vez da realidade da coisa apreciada. Assim entendida, a aceitação pode ser, conforme os casos, moralmente boa ou má; boa, ou pelo menos indiferente, se seu motivo é em si legítimo e honestamente admissível (parentesco, amizade, gratidão, etc.); má, no caso contrário, se ela fere a ordem moral (justiça, liberalidade, etc.).
Em termos mais estritos de direito e de moral, a aceitação de pessoas é toda injustiça pela qual se prefere uma pessoa a outra; ou ainda, mais precisamente, em matéria judicial e beneficente: uma violação da justiça distributiva, pela qual se prefere injustamente uma pessoa a outra, tomando como motivos de um julgamento ou da repartição dos bens, encargos e dignidades sociais, considerações pessoais estranhas aos méritos reais do sujeito ou da causa que está em jogo.
Do ponto de vista da moral natural, a aceitação de pessoas é um pecado, devido ao desordem voluntário que ela introduz na preparação dos julgamentos e decisões práticas da mente, em prejuízo dos interesses sagrados, que a dupla lei fundamental da verdade e da justiça impõe absolutamente ao respeito do homem razoável.
De direito divino positivo, a aceitação de pessoas foi muitas vezes condenada como um mal no Antigo e no Novo Testamento:
"Não aceitarás a pessoa, nem aceitarás presentes, pois presentes cegam os olhos dos sábios e alteram as palavras dos justos. Deut., XVI, 19. — Não haverá diferença de pessoas; assim ouvirás o pequeno como o grande, nem aceitarás a pessoa de ninguém, pois o julgamento é de Deus. Deut., I, 17. — Não aceitarás a pessoa para cometer injustiça. Eclo., XLII, 1 — Conhecer a pessoa no julgamento não é bom. Prov., XXIV, 23. — Não há aceitação de pessoas diante do Senhor nosso Deus. II Par., XIX, 7. — Pois não há aceitação de pessoas diante de Deus. Rom., II, 11. — Não é aceitação de pessoas Deus. Tiago, X, 34.
Cf. Lev XIX, 15; Deut. X, 17; Jó XXXII, 21; XXXIV, 19; Sl XIV, 5; Prov XVIII, 5; XXIV, 23; Eclo XXXV, 16; XX, 24; Is XLII, 2; Mat XXII, 16; Lc XX, 21; At XI, 34; Gal II, 6; Ef VI, 9; Col III, 25. Encontrar-se-ão os outros textos em Peultier, Concordantiarum thesaur., Paris, 1898, V Accipio, Acceptor, Persona.
As legislações humanas sempre consideraram grave, e severamente punido, o crime de aceitação de pessoas na administração pública da justiça. O direito canônico trata o assunto com prescrições muito rigorosas, como se pode ver nos comentários dos canonistas, seja sobre o axioma jurídico bem conhecido: In judiciis non est acceptio personarum habenda (De regulis juris, in 6°, reg. XII), seja sobre os diferentes títulos do Corpus juris relativos ao modo de repartição equitativa dos bens, encargos e dignidades eclesiásticas (Decretal., I. I, tit., XIV; I. III, tit. XII). No que diz respeito particularmente à concessão de benefícios a cargo de almas (episcopados, paróquias, etc.), o Concílio de Trento (sess. VII, De ref., c. III; sess. XXIV, De ref., c. I, XVIII), lembrando e confirmando sobre este ponto a doutrina tradicional da Igreja, exige, sob pena de grave culpa:
1° que se escolha sempre sujeitos dignos;
2° que, entre os dignos, se dê preferência àqueles que são julgados os mais dignos. Digniores... non quidem precibus vel humano affectu aut ambientium suggestionibus, sed eorum exigentibus meritis.
É precisamente para evitar o máximo possível os perigos que a aceitação de pessoas faz correr à Igreja, em tão grave matéria, que o santo concílio instituiu a disciplina especial do concurso para a provisão das paróquias vagas.
Na teologia moral, a aceitação de pessoas constitui um pecado (Si personam accipis, peccatum est, Tiago, 1, 9) mais ou menos grave dependendo da importância dos interesses que a violação da justiça distributiva pode comprometer; é um pecado mortal, segundo o ensino comum, quando se trata de fornecer os benefícios a carga de almas (paróquias) e, especialmente, as prelaturas de ordem superior (episcopados). Santo Tomás cita este texto célebre de Santo Jerônimo: "Vemos muitos fazerem isso por benefício, para não procurar aqueles que podem ser mais úteis à Igreja, para erigir colunas na Igreja, mas aqueles que ou amam a si mesmos, ou dos quais são deliciados com os serviços, ou para os quais algum dos antecessores tenha pedido" (S. Jerônimo, Comm. in Epist. ad Tit., c. 1, 5, P. L., t. XXVI, col. 562), e acrescenta: "Isso pertence à aceitação de pessoas, que é um grave pecado." (Sum. theol., IIa IIae, q. CXXXV, a. 3).
O pecado de aceitação de pessoas, sendo uma violação da justiça distributiva, não obriga por si mesmo (per se) à restituição. No entanto, esta se impõe muito frequentemente (ex accidens) devido à lesão da justiça comutativa (pelo menos em relação à comunidade ou aos terceiros interessados), que normalmente é mais ou menos diretamente provocada pelo crime de aceitação de pessoas na distribuição das funções públicas. Cf. Gregório de Valência e Bellerini, citados abaixo.
Finalmente, deve-se observar:
1° Que há controvérsia sobre o ponto de saber se a aceitação de pessoas é pecado mortal, quando se trata da concessão de benefícios simples ou funções que não comportam a carga de almas; pode-se considerar provável a opinião negativa, salvo algumas reservas que seus defensores fazem. S. Alfonso de Ligório, loc. cit. infra.
2° Que o pecado de aceitação de pessoas não existe, quando a preferência não é realmente injusta, ou seja, quando aquele que a faz não tem o dever de evitá-la; assim, quem, por motivo de favor, distribui seus bens próprios a indignos, pode pecar contra a liberalidade, mas não contra a justiça distributiva, por aceitação de pessoas, no sentido teológico da palavra.
3° Que não há pecado na aceitação de pessoas, que não seria suficientemente justificada pelos méritos intrínsecos da causa ou do sujeito, se for prudencialmente autorizada por considerações externas legítimas, derivadas de circunstâncias extrínsecas cuja apreciação se impõe ao julgamento razoável daquele que tem a responsabilidade de fazer uma escolha. Daí resulta, por exemplo, que, entre dois sujeitos, ambos "absolutamente" dignos, o menos digno em ciência ou valor pessoal pode ser escolhido, sem falta de consciência, quando, de acordo com outras considerações (caráter, relações, reputação, senso prático, condições especiais da carga, etc.), é julgado mais apto a preencher com mais sucesso para o bem comum a função vaga.
Ref. S. Tomás, Sum. theol., II-II, q. LXIII; q. CLXXV, a. 3, e seus comentaristas, ibid.; Gregório de Valência, Comm. in II, II, disp. V, q. VII, Lyon, 1609, t. III, col. 946; Soto, De just. et jure, I. III, q. VI, Salamanca, 1553, p. 249; Lugo, De just. et jure, disp. XXXIV, Lyon, 1652, t. II, p. 460; Vasquez, Opusc. De beneficiis, c. II, § 3, Veneza, 1618, p. 407; S. Alfonso de Ligório, De praeceptis particularibus, n. 91 sq., Turim, 1847, t. I, p. 825; Ballerini, Opus theol. morale, tr. VIII, part. I, c. 1, n. 44, Prato, 1890, t. III, p. 22.
Ferraris, Prompta bibl. can., V Acceptio personarum., Roma, 1885, t. I, p. 77; Barbosa, Collect. doct. in jus pontif., in li V Sexti, De reg. juris, reg. XII, Lyon, 1656, t. IV, p. 341; Schmalzgrueber, Jus eccles. univ., I. I, tit. XIV, n. 36, Roma, 1844, t. I b, p. 72; Reiffenstuel, Jus can. univ., De regulis juris, c. II, reg. XII, Roma, 1834, t. VI, p. 34; Van Espen, Jus eccles. univers., part. I, sect. III, tit. XIV, Lovaina, 1793, t. I, p. 883.
F. DESHAYES.