Abstrato ou Concreto, Termo

I. Definição e Uso.

II. Uso desses termos nas questões relativas à Trindade.

III. Uso desses termos nas questões relativas à encarnação.

IV. Uso desses termos na mariologia.

I. DEFINIÇÃO E USO.

1. Os termos abstratos designam uma qualidade, uma perfeição, tomada em si mesma: a brancura, a virtude. Os termos concretos designam um sujeito que possui essa qualidade ou perfeição: branco, virtuoso. Os termos concretos são assim chamados porque seu objeto é um composto, o conjunto de um sujeito e sua qualidade; os termos abstratos também são bem nomeados, uma vez que seu objeto, a perfeição, é tomado de maneira abstrata e fora do sujeito.

2. É necessário distinguir esses dois tipos de termos, pois eles não são usados da mesma forma. Posso dizer usando um atributo concreto: "Esse homem é bom." Não posso usar um atributo abstrato e dizer: "Esse homem é a bondade," mas sim: "Esse homem tem bondade." — Essa diferença no uso dos termos abstratos ou concretos é ainda mais profunda quando se trata da Trindade ou da Encarnação, porque as pessoas e as naturezas são entendidas de maneira diferente, podendo-se atribuir às umas coisas que se negam às outras. S. Tomás, Sum. theol., I, q. XXXIX, a. 1, ad 2um.

3. Antes de tudo, é preciso ainda distinguir o conteúdo dos termos e sua atribuição. O conteúdo de um termo (que Santo Tomás designa pela palavra suppositio) é o significado puro e simples da palavra tomada em si mesma; a atribuição (predicatio, segundo Santo Tomás) é o fato de afirmar, em uma proposição, um termo de outro termo, de aplicar a este a realidade expressa por aquele.

II. USO DESTES TERMOS NAS QUESTÕES RELATIVAS À TRINDADE.

Os termos abstratos ou concretos empregados nas questões relativas à Trindade são essenciais ou relativos: essenciais, quando significam a natureza divina ou algum de seus atributos, como essência, Deus, divindade, eternidade, onipotência, etc.; relativos, quando significam as pessoas e as relações especiais que as constituem, como o Pai, a filiação, etc. — Pode-se afirmar desses termos essenciais ou relativos atos essenciais ou notionais. Os atos essenciais são aqueles que a natureza divina produz: criar, governar; os atos notionais são aqueles que constituem as pessoas, como engendrar, proceder, e o ato comum ao Pai e ao Filho que os teólogos chamam de spiratio activa.

Qual é o conteúdo (suppositio) dos termos essenciais abstratos ou concretos e dos termos relativos abstratos ou concretos?

1. Os termos essenciais concretos envolvem a natureza ou algum atributo e a pessoa. "Deus" designa a natureza divina e, ao mesmo tempo, pode designar qualquer pessoa divina; da mesma forma, "Eterno", "Todo-Poderoso", "Infinito", etc. — No entanto, os termos essenciais concretos não desempenham o mesmo papel nas coisas divinas que nas coisas criadas e finitas. No criado, esses termos designam diretamente a pessoa e, ao mesmo tempo, mas subsidiariamente, a natureza unida a essa pessoa: a palavra "homem" designa uma pessoa humana e sua natureza de homem, e seria necessário adicionar uma indicação especial se se quisesse, por essa palavra, significar a natureza humana comum a vários homens, por exemplo, seria preciso dizer: "O homem é uma espécie." Ao contrário, no divino, esses termos, por exemplo, a palavra "Deus", recaem diretamente sobre a natureza comum às três pessoas e só podem significar imediatamente as pessoas por meio de uma menção particular. "Deus" designa a natureza; para significar uma pessoa, o Pai, por exemplo, seria necessário dizer: "Deus engendra um Filho"; aqui o contexto mostra que se trata da primeira pessoa. Homo... per se supponit pro persona... non supponit pro natura communi, nisi propter exigentiam alicujus additi... Deus... per se supponit pro natura communi, sed ex adjuncto determinatur ejus suppositio ad personam. S. Tomás, Sum. theol., I, q. XXXIX, a. 4, ad 3um.

2. Os termos essenciais abstratos designam a essência ou uma de suas qualidades independentemente de qualquer substrato ou pessoa: divindade, onipotência, eternidade.

3. Os termos relativos concretos designam as pessoas com suas relações: Pai, Filho, Espírito Santo.

4. Os termos relativos abstratos designam as relações que constituem as pessoas: paternidade, filiação.

De quem se pode afirmar (praedicari) os termos abstratos ou concretos essenciais ou relativos, assim como os atos essenciais ou notionais, e o que se pode afirmar desses termos ou desses atos?

1. Os termos essenciais concretos podem ser afirmados de outros termos essenciais concretos ou abstratos: "o Todo-Poderoso é eterno, a onipotência é eterna"; também podem ser afirmados de termos relativos abstratos ou concretos: "a paternidade é eterna, o Pai é eterno." — Neste último caso, os termos essenciais concretos se afirmam dos termos relativos concretos, no plural, se são tomados adjetivamente: "o Pai, o Filho e o Espírito Santo são eternos, onipotentes", etc.; afirmam-se no singular, se são tomados substantivamente: "o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o Eterno, o Todo-Poderoso, o Infinito", etc. Cf. o Símbolo de São Atanásio.

2. Os termos essenciais abstratos podem ser afirmados de termos essenciais ou relativos concretos: "Deus é a onipotência, o Pai é a onipotência." Não podem ser afirmados de termos essenciais ou relativos abstratos, se estes são tomados formalmente; não se pode dizer que a justiça é a misericórdia, que a inteligência é a vontade, nem que a paternidade é a onipotência, pois os conceitos formais correspondentes a esses termos são diferentes. Mas se se considera a realidade e se supõe a identidade que existe entre todos os atributos divinos ou entre a natureza e as pessoas, pode-se afirmar que a justiça é a misericórdia e que a paternidade é a onipotência. Nesta hipótese, as leis da appropriatio (ver este termo) indicam entre os atributos essenciais aqueles que devem ser aplicados preferencialmente ao Pai (onipotência, etc.), ao Filho (sabedoria, etc.) ou ao Espírito Santo (bondade, etc.). Cf. S. Tomás, Sum. theol., I, q. XXXIX, a. 8.

3. Os termos relativos concretos podem ser afirmados dos termos essenciais concretos: "o Todo-Poderoso é o Pai"; mas não podem ser negados desses mesmos termos, e não se pode dizer: "o Todo-Poderoso não é o Filho." — Podem ainda, de acordo com as leis da appropriatio, ser afirmados dos termos essenciais abstratos: "a onipotência é o Pai, a sabedoria é o Filho, a bondade é o Espírito Santo." Mas não podem ser afirmados nem de outros termos relativos concretos, nem de termos relativos abstratos. Não se pode dizer: "o Pai é o Filho, a paternidade é o Filho."

4. Os termos relativos abstratos não podem ser afirmados dos termos essenciais abstratos ou concretos: "a onipotência é a paternidade, o Todo-Poderoso é a paternidade," exceto se se supõe a identidade real que confunde todas as coisas divinas na infinita simplicidade. — Não podem ser afirmados nem dos termos relativos concretos nem dos outros termos relativos abstratos: "o Pai é a filiação, a paternidade é a filiação."

5. Os atos essenciais podem ser atribuídos aos nomes essenciais concretos: "Deus conhece, o Eterno conhece." São atribuídos aos nomes essenciais abstratos nas mesmas condições que os termos abstratos, ou seja, pode-se afirmar que a vontade conhece, se se considerar a identidade real entre a vontade e o que conhece; mas não se pode, se se considerar apenas o conteúdo lógico e formal dos conceitos, pois não é a vontade, mas a inteligência que conhece. — Os atos essenciais são atribuídos aos nomes relativos concretos de acordo com as leis da appropriatio e da mesma forma que os termos essenciais abstratos. Pode-se dizer: "O Espírito Santo santifica." Finalmente, os atos essenciais não podem ser atribuídos aos nomes relativos abstratos. Não se pode dizer: "a paternidade conhece, quer, ou cria."

6. Os atos notionais podem ser afirmados dos termos essenciais concretos: "Deus engendra, Deus procede," e não podem ser negados deles. Não se pode dizer: "Deus não procede, Deus não engendra." Não podem ser atribuídos aos termos essenciais abstratos exceto se se supõe a simplicidade divina e a identidade de todas as qualidades e atividades em Deus: "a divindade engendra, a divindade procede, a sabedoria engendra a sabedoria." Os atos notionais são atribuídos apenas aos nomes relativos abstratos ou concretos que lhes correspondem. Deve-se dizer: "o Pai engendra, a paternidade engendra," mas não se pode dizer: "o Filho ou a filiação engendra."

4° Antes de julgar e, sobretudo, de proscrever uma fórmula, é indispensável consultar o uso ou o contexto. Muito frequentemente, o contexto explica e justifica uma fórmula que, tomada em si mesma, é condenável e até condenada. Além disso, o uso apenas faz com que em latim se possa dizer: "Deus est trinus," e que não se possa dizer: "Deus est triplex."

Ref. S. Thomas, Sum. theol., I*, q. XXXIX, e seus comentadores; Salmanticenses, De SS. Trinitatis mysterio, disp. XVII; Denzinger, Enchiridion, n. 222 sq., n. 355 sq., Wurzburg, 1874; C. Pesch, Prelectiones dogmaticae, t. II, n. 614, 648 sq., Freiburg, 1896; Hurter, Theologia dogmaticae compendium, t. II, n. 227 sq., 9ª edição, Innsbruck, 1896.

III. USO DESTES TERMOS NAS QUESTÕES RELATIVAS À ENCARNAÇÃO.

1° A natureza mesma da encarnação e uma lei fundamental da linguagem regulam o uso dos termos abstratos e concretos nas matérias da encarnação.

1. Pelo mistério da encarnação, a natureza humana é unida hipostaticamente ao Verbo, e duas naturezas, a divina e a humana, se encontram na unidade de uma mesma pessoa. Esta pessoa é realmente distinta da natureza humana e realmente idêntica à natureza divina. É o fato de que as fórmulas compostas de termos abstratos ou concretos devem expressar mais ou menos explicitamente isso e nunca contradizê-lo.

2. Uma lei da linguagem humana quer que a pessoa seja o sujeito de atribuição das ações produzidas pela natureza: actiones sunt suppositorum. Este axioma deve ser completado por este: passiones sunt suppositorum. Em uma palavra, tudo o que é feito ou sofrido em uma natureza deve ser atribuído à pessoa que possui essa natureza. Em mim, é a substância corporal que sofre, são os membros que se movem, é a alma que pensa, e, no entanto, tudo isso é concentrado pela linguagem em um mesmo eu, e é esse eu, ou seja, a pessoa que diz: "Eu penso, eu me movimento, eu sofro."

3. Aplicação. — No homem, onde a pessoa e a natureza se confundem, as qualidades e as ações desta se atribuem facilmente àquela. No Cristo, uma única pessoa possui duas naturezas. Em que medida e em quais termos as ações derivadas da natureza divina, as ações e as paixões da natureza humana se atribuirão à pessoa? Isso é o que os antigos chamavam communicatio idiomatum, e o que a teologia denomina communicatio idiomatum.

2° Nesta questão, é preciso distinguir não apenas os termos essenciais divinos abstratos ou concretos, ou os termos relativos que designam a segunda pessoa da Santa Trindade, mas também o ato noção ou fato pessoal do Verbo de assumir a natureza humana; os termos que significam de maneira abstrata ou concreta a natureza e as qualidades humanas; e finalmente, as atividades e passividades das quais essa natureza é a fonte ou o assento.

1. Pode-se afirmar de nomes essenciais divinos concretos todos os nomes humanos concretos, exceto aqueles que designam apenas uma parte da natureza humana. Pode-se dizer: "Deus é homem, o Eterno é mortal"; mas não se pode dizer: "Deus é corpo, o Eterno é dama." Os termos reduplicativos (veja esta palavra) escapam a esta lei, e não se pode dizer: "Deus, enquanto Deus, é homem." — Não se pode afirmar os nomes humanos abstratos e dizer: "Deus é humanidade", pois o termo Deus designa a natureza e a pessoa divina, e o termo humanidade designa apenas a natureza humana sem a pessoa. — Finalmente, pode-se atribuir aos termos divinos concretos tanto as atividades ou passividades humanas quanto o fato de assumir a natureza humana. Assim, posso dizer que Deus comeu, que Ele bebeu, que Ele dormiu, que Ele descansou das fadigas do caminho, que Ele sofreu e que Ele morreu. Cf. Denzinger, Enchiridion, n. 368. Posso também dizer que Deus se fez homem.

2. Dos nomes essenciais divinos abstratos, não se pode afirmar nem os nomes humanos concretos: "A divindade é mortal"; nem os nomes humanos abstratos: "A divindade é humanidade"; nem as atividades ou passividades humanas: "A divindade comeu, bebeu, descansou, sofreu"; nem finalmente o fato de assumir a natureza humana: "A divindade assumiu a humanidade." De fato, esses termos divinos fazem abstração da pessoa divina que somente justifica a atribuição a Deus das qualidades, ações ou paixões humanas. — Se alguns Pais da Igreja às vezes usaram fórmulas semelhantes, só puderam fazê-lo por uma figura de linguagem e tomando o abstrato pelo concreto.

3. Pode-se afirmar da segunda pessoa da Trindade, Verbo ou Cristo, todos os nomes concretos ou abstratos divinos: “Cristo é Deus, Cristo é todo-poderoso ou a toda-poderosa”; todos os nomes concretos humanos: “Cristo é homem, Cristo é mortal.” No entanto, não se poderia dizer: “Cristo é humano ou divino,” se com isso se quisesse significar uma participação acidental ou analógica na humanidade ou na divindade e excluir a posse real por Cristo da natureza humana ou da natureza divina. É nesse sentido que Nestório chamava Cristo de Θεοφόρον  e o Verbo de σαρχοφόρον. Pode-se ainda atribuir ao Cristo ou ao Verbo as atividades ou passividades humanas e dizer: “O Verbo, ou uma pessoa da Santa Trindade, ou o Cristo sofreu.Cf. Denzinger, Enchiridion, n. 181, 194, 203, 601. — Pode-se atribuir a Ele também o ato noção de assumir a natureza humana. Mas não se pode afirmar do Verbo ou de Cristo os termos abstratos humanos e dizer: “O Verbo é humanidade,” porque esses termos excluem de seu conteúdo a significação da pessoa.

4. Dos nomes concretos humanos, a menos que sejam reduplicativos, pode-se afirmar os nomes divinos abstratos ou concretos: “No Cristo, o homem é Deus, o mortal é imortal, o homem é divindade, o mortal é eternidade”; porque os termos concretos humanos envolvem a pessoa de Cristo, que é idêntica à divindade e à eternidade. Pode-se também atribuir-lhes as atividades divinas: “Este homem criou o mundo”; mas não o ato noção próprio ao Verbo: “Este homem assumiu a divindade ou a humanidade.”

5. Dos nomes abstratos humanos não se pode afirmar nem os nomes divinos abstratos ou concretos: “A humanidade é Deus” ou “é divindade”; nem os atos divinos: “A humanidade conhece todas as coisas, criou o mundo”; nem o ato noção relativo à união hipostática: “A humanidade assumiu a divindade”; mas pode-se dizer que a humanidade foi assumida por Cristo ou por Deus.

IV. USO DESTES TERMOS NA MARIOLÓGIA.

O uso dos termos abstratos ou concretos na mariologia é regido pelas leis que os regulam nas matérias da encarnação. Para entendê-lo, é necessário recordar que, em princípio, a maternidade consiste em dar à luz uma natureza da mesma espécie. É indiferente para a essência da maternidade que a natureza produzida constitua uma pessoa ou que pertença a uma pessoa distinta não produzida pela mãe. — É necessário lembrar, além disso, que, na prática, Maria deu à luz uma natureza humana muito real, embora ela pertença a uma pessoa distinta, a segunda pessoa da Santa Trindade. Sendo finalmente suposto que o que diz respeito à natureza pode e deve ser atribuído à pessoa, em quais condições se pode usar os termos abstratos e concretos para designar a maternidade de Maria e a filiação de Cristo?

Se se considera a filiação de Cristo, pode-se atribuir o título de “filho de Maria” a tudo o que significa ou a natureza humana nascida de Maria, ou a pessoa que possui essa natureza; portanto, aos termos essenciais divinos concretos: “Deus, o Eterno é filho de Maria”; aos termos relativos concretos: “O Verbo, o Cristo é filho de Maria”; aos termos humanos abstratos ou concretos: “O homem é filho de Maria, a humanidade (no Cristo) é filha de Maria”; mas não se pode atribuir aos termos divinos abstratos: “A divindade é filha de Maria,” porque eles não indicam nem a natureza originada de Maria, nem a pessoa que possui essa natureza.

Se se considera a maternidade de Maria, pode-se dizer, pelos mesmos motivos, em termos concretos, que “Maria é mãe de Cristo, de Deus, do Eterno”, ou, em termos abstratos, que “ela é mãe da humanidade (de Cristo)”; mas não se pode dizer que ela é mãe da divindade.

Ref. S. Thomas, Sum. theol., III, q. XVI, e seus comentadores; Petau, De incarnatione, l. IV, c. XV, XVI; e em geral os tratados teológicos De incarnatione, De communicatione idiomatum; Denzinger, Enchiridion, n. 73, 143, 177, 204, 237, 873, 880.

A. CHOLLET.