Abstração - Conhecimento Intuitivo e Compreensivo


I. Natureza.

O conhecimento, segundo a doutrina escolástica, é a representação vital de um objeto em um sujeito conhecedor; ele ocorre pela interação do objeto e do sujeito.

1º O objeto não age sempre imediatamente sobre a faculdade de conhecimento. Às vezes, ele impressiona esta faculdade apenas por meio de um intermediário. A ação do conhecido sobre a faculdade é então mediata e o conhecimento é dito abstrato, porque ele obtém a representação do objeto a partir do intermediário. Esse intermediário entre o objeto e a faculdade é às vezes outro objeto, como “as semelhanças tiradas da ordem sensível” que, no conhecimento profético, nos revelam a natureza das substâncias imateriais ou a de Deus (S. Thomas, In Boet. de Trinitate, q. VI, a. 3; Sum. theol., II–II, q. CLXXIII, a. 1); às vezes, uma outra faculdade, como as faculdades sensíveis que apresentam à inteligência os objetos corpóreos exteriores; às vezes, uma espécie ou representação anterior, como acontece na memória, onde um objeto ausente é percebido em uma imagem anterior concebida em sua presença e conservada pela memória. Cf. T. Pesch, Institutiones logicales, t. II, n. 468, Friburgo em Brisgóia, 1888.

2º O conhecimento é intuitivo quando o objeto se impõe diretamente ou imediatamente à faculdade, como a cor impressiona a visão. A intuição possui vários graus conforme o contato entre o objeto e o sujeito seja mais ou menos íntimo, conforme se limita a uma ação externa do primeiro sobre o segundo, ou vai até a união de um com o outro.

1. Há uma semi-intuição na qual o objeto impressiona a faculdade, sem se unir a ela e a informar (ver o artigo FORMA); a faculdade, então, excitada pelo objeto, produz em seu interior uma imagem, uma espécie na qual e por meio da qual ela percebe o objeto; esse é o modo de conhecimento da cor pela visão.

2. Há uma intuição na qual o objeto se une à faculdade e se confunde, por assim dizer, com ela no próprio ato do conhecimento. Aqui não há uma espécie intermediária, mas a própria presença do objeto que, à maneira da espécie, informa a faculdade. É por uma intuição dessa natureza, mas imperfeita, que a alma humana toma consciência de si mesma. São Tomás diz que ela se conhece per praesentiam, ou seja, estando imediatamente e atualmente presente nos atos ou imagens pelos quais se representa os objetos externos, a consciência a apreende, nesse ato, em si mesma e sem produzir uma imagem especial. Essa intuição da consciência humana refere-se à existência do eu e não à sua natureza. É por uma intuição semelhante, mas mais perfeita, que o anjo se conhece a si mesmo. São Tomás afirma que o anjo se conhece per essentiam, porque sua natureza imaterial sendo atualmente e por si mesma inteligível, atua diretamente sobre sua inteligência e está imediatamente presente a ela. O anjo se conhece então sem o auxílio de uma espécie impressa ou expressa, mas por sua essência. Essa intuição per essentiam revela-lhe sua existência e sua natureza. Cf. S. Tomás, De veritate, q. VI, a. 8; q. X, a. 8; De mente, a. 8; Sum. theol., I, q. LXXXVII, a. 1; A. Chollet, Theologica lucis theoria, n. 22, Lille, 1893.

3. Mas o objeto assim presente e unido ao conhecedor não se revela sempre completamente a ele. Quando a intuição esgota totalmente o objeto, o apreende em todo o seu ser e se une a toda a sua realidade, ela é compreensiva: assim, o anjo se conhece por completo; inteiramente inteligível em ato, está totalmente presente ao conhecimento. Se a intuição não esgota o objeto, se ela apreende apenas uma parte dele, ela é então simplesmente apreensiva; assim, a alma humana não se apreende toda no ato que lhe revela sua existência e sua atividade.

II. APLICAÇÕES TEOLÓGICAS.

1° Conhecimento humano.

O homem possui um conhecimento intuitivo ou abstrato de Deus? O ontologismo e o panteísmo atribuem ao homem, desde esta vida, o conhecimento intelectual intuitivo de Deus; os hesicasistas chegaram ao erro de acreditar na possibilidade e realidade, neste mundo, da intuição sensível da divindade. Cf. A. Chollet, op. cit., n. 41. A teologia saudável responde:

1. É absolutamente impossível para nossos sentidos, seja por suas aptidões naturais, seja mesmo sobrenaturalmente, chegar à intuição da essência divina. Quanto aos sentidos glorificados, São Tomás lhes concede ver Deus da maneira como nossos olhos veem a vida de um ser vivo, ou seja, que, na ocasião de manifestações corporais gloriosas que impressionarão nossos sentidos, a inteligência, graças ao aumento de seu poder e ao brilho novo dos corpos gloriosos, perceberá neles a presença divina. Sum. theol., I, q. XII, a. 3, ad 2º.

2. Nesta vida, a inteligência humana conhece Deus apenas por um conhecimento abstrato e analógico, tirado naturalmente das coisas sensíveis, ou sobrenaturalmente recebido dos testemunhos da revelação. Nosso espírito, tendo adquirido todos os seus conceitos por abstração das imagens sensíveis, só pode aplicar a ideia natural ou sobrenatural de Deus a esses mesmos conceitos.

3. O conhecimento extraordinário e místico de Deus, que São Tomás chama de conhecimento profético, não se eleva por si mesmo acima da abstração, seja porque Deus apresenta aos nossos poderes objetos miraculosos, seja porque deposita em nossos sentidos ou em nossa inteligência imagens ou conceitos infusos. O Senhor sempre adapta sua revelação e sua ação ao mecanismo habitual e normal de nossa atividade mental. Ora, nesta vida, a condição de nossa alma exige que ela conheça por conversão aos fantasmas e pelo modo da abstração (ver esta palavra). As ideias infusas, imediatamente geradas de maneira extraordinária no intelecto, se adaptam ao método ordinário do espírito, e este, que as recebeu de maneira excepcional, continua a possuí-las e a perceber os objetos conforme sua condição presente, ou seja, de forma abstrata. Cf. A. Chollet, op. cit., n. 289.

4. Na visão bem-aventurada, a alma humana é chamada ao estado de intuição pura; não uma semi-intuição ou, na presença imediata da essência divina, produzia em si mesma uma representação acidental, uma espécie vital. Ela goza de uma intuição perfeita ou, após tê-la elevado pela luz da glória, a natureza divina se une imediatamente a ela e, sem o auxílio de nenhuma espécie, a penetra e a preenche com a real presença de sua infinita inteligibilidade. Cf. S. Tomás, III Supl., q. XCII, a. 1. Essa intuição nunca alcança a compreensão total e absoluta, embora a teologia frequentemente chame os bem-aventurados de compreensores. Eles são compreensores porque possuem a realidade divina, mas sua intuição não pode ser compreensiva devido à infinita desproporção entre a essência divina e a inteligência humana. Cf. Hontheim, Institutiones theodicæ, n. 748, Friburgo-en-Brisgau, 1893.

2° Conhecimento de Cristo.

Cristo, devido à união em sua pessoa da natureza divina e da natureza humana mais perfeita, possui, além do conhecimento próprio da divindade, todo conhecimento que pode elevar o homem a Deus. Ele tem, do criador, o conhecimento analógico e abstrato que a visão do universo dá, ou a fé, e leva esse conhecimento adquirido até os limites das forças do intelecto agente (ver o artigo INTELLECTO conforme a doutrina escolástica); ele tem, de Deus, o conhecimento profético, o grau supremo do conhecimento abstrato que a revelação mística dá, e essa ciência infusa não tem nele outros limites senão os da capacidade de seu intelecto possível (ver o mesmo artigo); finalmente, ele tem, da essência divina, a visão intuitiva própria das almas glorificadas, e essa visão, embora não seja compreensiva, é, no entanto, superior à visão dos bem-aventurados. Cf. S. Tomás, Sum. theol., III, q. IX-XII; A. Chollet, op. cit., n. 139 sq.

3° Conhecimento divino.

Somente Deus vê e penetra de maneira adequada e compreensiva. Nele, o conhecimento é mais do que a união de um conhecido e de um conhecedor; é a fusão, a identificação. Deus infinitamente inteligível está totalmente presente e é idêntico a Deus infinitamente inteligente, e essa identidade absoluta entre o conhecido e o conhecedor é o tipo e o ideal de todo conhecimento finito, o termo para o qual toda inteligência criada deve tender em sua união com o objeto, sem jamais poder alcançá-lo. Deus, ao se conhecer, tem a intuição imediata, não só de seu ser total, mas também de todos os seres participados que podem emanar de sua potência.

Cf. Kleutren, Die Philosophie der Vorzeit, n. 377 sq., Innsbruck, 1860-1863, traduzido para o francês por P. Sierp, sob o título La philosophie scolastique, Paris, 1868-1870; Franzelin, De Deo uno, th. XXXVI sq.; Signoriello, Lexicon peripateticum, V° Abstractive, Nápoles, 1872.

A. CHOLLET.