Abstinência - Motivos da Lei


I. É aversão em relação à carne?

II. É respeito supersticioso pelos animais?

III. É conformidade com as prescrições da lei mosaica?

IV. É motivo de mortificação e penitência.

V. Objeção.

VI. Resposta.

Ao proibir em certos dias o uso de carnes, a Igreja se propôs um objetivo de ordem muito elevada.

I. É AVERSÃO EM RELAÇÃO À CARNE?

Essa proibição não foi consequência de uma aversão injustificada em relação à carne, como professaram várias seitas heréticas, nomeadamente os maniqueístas, os montanistas, os encratitas, etc. Segundo eles, a carne sendo uma coisa má em si, seu uso deveria ser proscrito como intrinsecamente ilícito. Também proibiam o casamento, não menos que os alimentos gordurosos. A Igreja infalível tem constantemente rejeitado com vigor um erro semelhante. Todas as criaturas são igualmente obra do mesmo Deus infinitamente sábio, poderoso e santo. Cada uma delas foi declarada por Ele realmente boa: Viditque Deus cuncta quae fecerat: et erant valde bona. Gên., I, 31. Escrito na primeira página do Gênesis, essa verdade é frequentemente reiterada no Novo Testamento. São Paulo, em particular, em uma Epístola a Timóteo, afirma claramente que Deus criou as carnes para que sirvam de alimento aos fiéis. I Tim., IV, 1-5.

II. É RESPEITO SUPERSTICIOSO PELOS ANIMAIS?

No bramanismo e no budismo, a abstinência é um corolário da crença na metempsicose e na transmigração indefinida das almas nos corpos dos animais, de onde sairiam para entrar em organismos mais perfeitos e em novos corpos humanos.

Essa superstição imprimiu às costumes sociais um aspecto realmente estranho. A religião, proibindo expressamente matar os animais, proíbe, pelo mesmo princípio, se alimentar de sua carne. Isso seria se expor a devorar parentes ou amigos. Quem não recuaria com horror diante dessa perspectiva terrível? Por isso, os hindus são essencialmente vegetarianos. Quem ousasse infringir essa lei seria impiedosamente expulso de sua casta e até de sua família.

A alimentação deles consiste unicamente, tanto para o rico quanto para o pobre, à noite como pela manhã, em arroz cozido na água, cuja insipidez é temperada por algum condimento bem apimentado, especialmente pelo pimenta bétel. Esse bétel, de uso frequente entre eles, comunica aos seus lábios a cor amarelada que os caracteriza.

Alguns, no entanto, às vezes se permitem ovos e laticínios. Outros (os relaxados) vão mais longe. Abstêm-se de certas carnes consideradas impuras, por exemplo, de boi, vaca ou porco; mas não têm escrúpulos em comer, conforme seu apetite, peixe, carneiro e aves: presunção de que podem fazer acomodações com o céu, mantendo suas crenças errôneas sobre a transmigração das almas. Sem dúvida, chegaram a se convencer de que seus antepassados, tendo vivido na terra, não poderiam reencarnar no corpo dos peixes.

Mas, se a abstinência de alguns hindus não se estende a todos os tipos de carne, ela é perpétua e absoluta para as carnes das quais se privam. É necessário dizer que a abstinência prescrita pela Igreja não é inspirada por uma superstição semelhante? Não é porque a carne pertenceu a animais vivos que os cristãos evitam comê-la em certos dias; pois não têm nenhuma dificuldade em se alimentar dela durante o resto do ano.

III. É CONFORMIDADE COM AS PRESCRIÇÕES DA LEI MOSAICA?

A lei mosaica proibia o uso de um grande número de carnes. Ver Vigouroux, Dictionnaire de la Bible, Paris, 1891, art. Abstinence, t. I, col. 100, e Chair des animaux, t. II, col. 488, por S. Many. Mas essa proibição deveria durar apenas até o advento de Cristo. Ver Abrogação da lei mosaica, col. 130. Temos como garantia a revelação feita a São Pedro, na casa de Simão em Jope. Deus mostrou-lhe em um grande lençol descendo do céu à terra todos os tipos de animais impuros, ordenando-lhe que os tomasse e comesse: Surge, Petre, occide et manduca. E quando o apóstolo protestou, afirmando que nunca havia transgredido a lei, o Senhor lhe respondeu: Quod Deus purificavit, tu commune ne dixeris. Atos, X, 10-16.

Deus tendo manifestado tão claramente Sua vontade, como a Igreja, ao prescrever a abstinência de carne, poderia se basear nas proibições contidas nos livros do Antigo Testamento? Para se convencer do contrário, basta dar uma olhada nos atos do primeiro concílio, o de Jerusalém, e examinar os cânones disciplinares promulgados pelos apóstolos reunidos.

Os judeus, de fato, ainda se considerando o povo de Deus, imaginavam que a regra de vida imposta a eles e a seus pais se aplicava também aos pagãos recém-convertidos. Consequentemente, pretendiam sujeitar todos os discípulos de Jesus às observâncias e, sobretudo, às abstinências da lei de Moisés. Mas o Antigo Testamento, sendo abolido, cederia lugar ao Novo. A lei decretada para os hebreus estava condenada a desaparecer, exceto em certos preceitos que, sendo de direito natural, são de todos os tempos e lugares.

Era importante inserir na prática da vida cotidiana essa verdade fundamental, para inculcá-la cada vez mais no espírito das futuras gerações. A coisa nos parece muito simples agora, após dezoito séculos de cristianismo. Então, não era assim. Quantas vezes São Paulo não se preocupou em repetir em suas epístolas imortais que não deveria mais haver distinção entre judeus e gentios, entre gregos e romanos? Gál., III, 28; Rom., X, 12.

Assim, os apóstolos reunidos em concílio em Jerusalém romperam abertamente com tradições de quase vinte séculos. Fizeram a esse respeito um regulamento solene, abrigando-o sob a autoridade do próprio Deus: Visum est enim Spiritui Sancto et nobis nihil ultra imponere vobis oneris quam haec necessaria: ut abstineatis vos ab immolatis simulacrorum et sanguine, et suffocato, et fornicatione, a quibus custodientes vos, bene agetis. Atos, XV, 28-29.

Portava portanto aos novos convertidos abster-se das carnes imoladas aos ídolos para indicar bem a sua total renúncia à idolatria. Quanto ao uso do sangue, cozido ou cru (a sanguine), e da carne de animais não sangrados, mas sufocados (et suffocato), isso foi, sem dúvida, condenado ainda por algum tempo, mas para moderar os judeus. Ver o artigo seguinte, col. 275.

IV. É MOTIVO DE MORTIFICAÇÃO E DE PENITÊNCIA.

A Igreja foi determinada a formular suas prescrições sobre a abstinência por motivos tirados não da lei de Moisés, mas da de Jesus Cristo, seu divino fundador. O Mestre disse: "Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." Mateus, XVI, 24; Lucas, IX, 23. Interpretando este conselho ou, melhor, esta ordem do Deus encarnado, a Igreja não cessa de pregar a seus filhos a mortificação e a penitência. Ela lembra frequentemente a obrigação imperiosa para todo cristão de dominar as paixões e subjugar o corpo ao espírito.

A intemperança é a mãe da luxúria; o demônio da impureza só pode ser expulso pela oração e pelo jejum; ninguém será casto se não recusar às vezes aos seus sentidos as coisas mesmo permitidas. O meio de triunfar sobre as inclinações desregradas é enfraquecê-las em sua raiz, graças à abstinência. Esta verdade de ordem moral não escapou, mesmo no meio das trevas acumuladas por trinta ou quarenta séculos de paganismo, ao espírito perspicaz e meditativo dos sábios da antiguidade. Conhece-se este apotegma de um deles, Epicteto: "Sofre e abstém-te."

Necessária nas doenças do corpo, a abstinência não é menos indispensável nas do espírito. O objetivo do cristianismo é desenvolver a vida espiritual em nós; mas isso não pode ser realizado sem uma certa diminuição da vida física. A carne, de fato, luta incessantemente contra o espírito, e o espírito contra a carne. Esta, sem ser aniquilada ou reduzida a uma impotência total, deve, no entanto, ser contida dentro de limites justos, bastante estreitos, aliás. Sem isso, como um escravo revoltado, ela logo invadiria o domínio do espírito; ela se tornaria a senhora absoluta e reinaria soberanamente.

Ao contrário, através das privações, o homem se imaterializa de certo modo. Quanto menos ele faz concessões ao seu corpo, desde que não lhe negue o necessário, mais ele liberta sua alma, fortalece-a e a torna capaz de realizar grandes coisas. Nas orações da liturgia dedicadas aos dias de penitência, a Igreja nos renova este ensinamento: Pelo jejum e pela abstinência, ela nos diz, os vícios são comprimidos, o espírito se eleva, e o cristão, praticando as virtudes sólidas, adquire direitos à recompensa. Qui corporali jejunio vitia comprimit, mentes elevat, virtutes largiris et premia. (Preces do Carême).

Sem as sábias prescrições da Igreja, os fiéis teriam sido expostos a não mais ver na penitência o remédio mais eficaz para restaurar à alma a saúde perdida ou aumentar as forças exauridas. Dentro dessa ordem de ideias, a atenção da Igreja, entre outras privações suscetíveis de serem ordenadas, deveria se concentrar na abstinência de carnes. Ela proibiu em certos períodos os alimentos gordurosos, porque, sendo mais substanciais, proporcionam ao corpo uma exuberância de vida, e que, podendo ser apreciados de um maior número de maneiras, sempre agradam mais a sensualidade.

V. OBJEÇÕES

A abstinência de carnes, quase natural para os habitantes dos países quentes, constitui uma privação para aqueles dos climas temperados e torna-se ainda mais penosa quanto mais se sobe para os países mais frios. Um regime no qual a carne fosse administrada com demasiada parcimônia seria, além disso, prejudicial não só à atividade física do homem, mas também ao livre e pleno exercício de sua inteligência, assim como ao vigor de sua vontade. Os fisiologistas notaram isso em uma escala ampla, comparando as nações onde a alimentação é bastante diferente.

"Veja a Irlanda e veja a Índia", dizia em uma obra ainda célebre, um dos mais ilustres naturalistas de nossa época, "A Inglaterra reinará sobre um povo em sofrimento, se a batata, quase sozinha, não ajudasse esse povo a prolongar sua lamentável agonia? E, além-mar, cento e quarenta milhões de hindus obedeceriam a alguns milhares de ingleses, se se alimentassem como eles?" Isidore Geoffroy Saint-Hilaire, Lettres sur les substances alimentaires, Paris, 1856.

A carne é, portanto, um dos alimentos mais necessários para o homem. Ele precisa dela nas diversas condições em que pode se encontrar, seja operário ou erudito, dedicado ao trabalho manual ou ao trabalho intelectual.

A Igreja parece, portanto, ter cometido um erro ao escolher a abstinência de carne para fazer dela uma prática obrigatória de penitência, pois essa privação ocasiona, em geral, uma perda sensível de forças e energia.

VI. RESPOSTA

Contida nos limites justos que a Igreja prescreve, a abstinência não apresenta inconveniente algum; ela é de natureza a moderar o corpo sem abalar a saúde. Diremos ainda mais, e nisso se manifesta ainda mais claramente a sabedoria e a prudência da Igreja, que sabe conciliar admiravelmente os interesses mais opostos em aparência, os do corpo e da alma, os da terra e do céu. A abstinência, tal como é recomendada e ordenada aos povos cristãos, não só não é contrária à saúde, mas é até favorável a ela.

O homem, de fato, não é exclusivamente carnívoro. Para se convencer disso, basta examinar seu sistema dentário e a disposição ou extensão de seus órgãos digestivos. O mesmo estudo demonstra que ele não é exclusivamente herbívoro, mas onívoro. A alimentação exigida por sua constituição é, portanto, uma alimentação mista, isto é, emprestada tanto do reino animal quanto do reino vegetal, embora em proporções diversas. Ele possui uma elasticidade suficiente para se acomodar às circunstâncias mais variadas, adaptar-se a todos os regimes e sustentar sua existência apenas com o uso de alimentos animais ou vegetais. Não se deve estranhar, pois, como prova a química orgânica, os alimentos vegetais se reduzem, na última análise, assim como os alimentos de origem animal, embora em proporções diferentes, aos mesmos princípios imediatos, nitrogenados ou não.

Não obstante, é verdade que o regime mais adequado para o homem e melhor adaptado à sua constituição é aquele no qual o uso da carne é moderado pelo uso dos vegetais. Haveria inconvenientes em se alimentar exclusivamente de alimentos de origem animal. Tal prática seria oposta às regras de higiene.

O senso comum, além disso, não se enganou a esse respeito. Instintivamente compreendeu a verdade sobre este ponto, e há muito prevalece o uso, quase em todas as nações, de misturar os dois tipos de alimentos. É vantajoso interromper, de tempos em tempos, um regime composto em grande parte de alimentos de origem animal, e substituí-lo por uma alimentação menos substancial e menos aquecedora. O gosto será mortificado, mas a saúde não sofrerá dano algum: essa privação é útil, ao mesmo tempo, para a alma e para o corpo.

Portanto, a abstinência imposta pela Igreja, às sextas-feiras e aos outros dias de abstinência (poucos, aliás), está de acordo com as disposições da natureza humana. Não pode ser apresentada pelos descrentes como prejudicial à saúde, pelo menos em geral. Para os casos particulares, a Igreja mesma os prevê e dispensa da lei quando ela parece muito rígida. A esse respeito, a disciplina eclesiástica sempre se adaptou às diversas circunstâncias de lugares e de tempos. Ela é mais indulgente para os povos do Norte do que para os do Sul. Hoje em dia, quando as constituições mais frágeis parecem exigir uma alimentação mais substancial, a abstinência geral da Quaresma é bastante mitigada; a do sábado, ainda praticada em alguns dioceses, quase não é mais observada em outros, e indultos papais tornam legítimas essas exceções à lei comum. Finalmente, mesmo para a abstinência de sexta-feira, à qual a Igreja ainda dá mais importância, admite-se muitos temperamentos e concede dispensas quase definitivas, tanto para pessoas de constituição fraca e doente quanto para trabalhadores dedicados a trabalhos penosos.

Além disso, uma experiência de cerca de vinte séculos demonstrou suficientemente: não se vê que os violadores da regra do jejum estejam em melhor estado de saúde e vivam mais tempo. Iremos ainda mais longe em nossas conclusões, pois a verdade é evidente: nas ordens religiosas onde o jejum é perpétuo, encontra-se, proporcionalmente e com todas as coisas iguais, mais idosos do que entre os leigos. Dir-se-á que entre os monges a regularidade de vida suplanta, de certa forma, a insuficiência da alimentação? Em certo sentido, é verdade, talvez: a regularidade é prescrita pela boa higiene; mas seria um erro atribuir-lhe uma influência preponderante a ponto de compensar, por si só, a privação de alimentos de origem animal, se estes fossem geralmente e para todos tão necessários quanto vários autores afirmaram.

T. ORTOLAN.