Absolvição nos Antigos Escolásticos



I. Os sacerdotes receberam o poder de absolver os pecados?

II. De que maneira a absolvição deles contribui para a remissão dos pecados?

III. É possível receber a remissão dos pecados confessando-se a alguém além do sacerdote?

IV. Qual deve ser a forma da absolvição dos pecados?

I. OS SACERDOTES RECEBERAM O PODER DE ABSOLVER OS PECADOS?

Os teólogos se questionaram, a partir do final do século XI, qual é a eficácia própria da absolvição do sacerdote na remissão dos pecados e se essa remissão não pode ser obtida pela confissão a um leigo, quando não se pode recorrer a um sacerdote. Estudaremos mais adiante a história dessas duas questões (§ 2 e 3). Um grande número de autores, particularmente entre os protestantes, vê, nas hesitações dos antigos escolásticos sobre esses dois pontos, uma prova de que, até o século XIII, não se reconhecia aos sacerdotes o poder de absolver e que a doutrina católica relativamente a esse poder foi o resultado das discussões das quais acabamos de falar. Por isso, convém estabelecer aqui: 1° que essa doutrina era ensinada sem dúvida antes do século XII; 2° que, desde então, ninguém a questionou sem ser confrontado com as condenações da Igreja e combatido pela massa dos teólogos.

1° Antes do século XII. — A doutrina da Igreja nessa época resulta suficientemente do que foi dito no artigo anterior e seria muito longo revisar todos os autores desde o século VIII até o XII. No entanto, será útil consultar ainda alguns, especialmente entre aqueles que veremos mais adiante fazer afirmações que parecem contrárias ao poder sacerdotal de absolver.

O venerável Beda (672-735) diz em seu comentário sobre a Epístola de São Tiago, v, 15, 16, que se os doentes culpados de pecados os confessarem aos sacerdotes, esforçando-se por se desapegar de todo o coração e repará-los, esses pecados lhes serão perdoados; pois, observa ele, os pecados não podem ser perdoados sem a confissão de sua emenda. "Si infirmi in peccatis sint et hæc presbyteris Ecclesiæ confessi fuerint, ac perfecto corde ea relinquere atque emendare satagerint, dimittentur eis. Neque enim sine confessione emendationis peccata queunt dimitti". Sobre a Epístola de São Tiago, P. L., t. XCIII, col. 39. Ele acrescenta que essa confissão deve ser feita aos sacerdotes para todos os pecados graves. Ibid., col. 40.

O bem-aventurado Alcuíno (+ 804) escreve aos jovens que estudavam na Escola de São Martinho de Tours: «Nosso juiz nos dá o meio de nos acusarmos de nossos pecados diante dos sacerdotes de Deus para que o demônio não nos acuse no tribunal de Cristo; ele deseja que esses pecados sejam perdoados aqui na Terra, para que não sejam castigados na vida futuraDatur nobis a benignissimo judice locus accusandi nosmetipsos in peccatis nostris coram sacerdote Dei, ne iterum accuset nos in eis diabolus coram judice Christo. Vult ut ignoscantur [in hoc saeculo], ne puniantur in futuro. Opusculum, VII, Sobre a confissão dos pecados aos meninos da escola de São Martinho, P. L., t. CI, col. 652. Ele recomenda então aos mestres dessa escola que ensinem aos jovens a fazer uma confissão pura de seus pecados aos sacerdotes de Cristo: «Ensine seus filhos a fazer uma confissão pura dos pecados aos sacerdotes de CristoIbid., col. 656.

Um pouco mais tarde, em seu comentário sobre as Escrituras, tão conhecido durante toda a Idade Média, sob o nome de Glossário Ordinário, Walafredo Estrabão (+ 849) reproduz textualmente o que acabamos de ler em Beda sobre os versículos 15 e 16 do capítulo V da Epístola de São Tiago. P. L., t. CXIV, col. 679.

Na mesma época, Raban Maur (+ 856) fala dos pecadores públicos, que devem fazer uma penitência pública e serem reconciliados pelo bispo ou por sacerdotes que receberam a responsabilidade do bispo; ele acrescenta que os pecados ocultos são confessados ao sacerdote ou ao bispo, que os culpados fazem uma penitência secreta conforme a determinação do confessor e que são ordinariamente reconciliados na quinta-feira antes da Páscoa. De clericorum institutione, l. II, c. XXX, P. L., t. CVII, col. 343. Comentando as palavras de Jesus a São Pedro, Mt., XVI, 19: Quodcumque solveris, ele as aplica aos bispos e sacerdotes, porque eles têm, em sua época, a responsabilidade de absolver os pecados: Nec non etiam nunc in episcopis et presbyteris omnibus Ecclesiæ officium idem committitur, ut videlicet agnitis peccantium causis, quoscumque humiles ac vere pœnitentes aspexerit, hos jam a timore perpetuæ mortis miberans absolvat. Coment. in Matth., l. V, ibid., col. 992.

No final do século IX, Hincmar (+ 882), arcebispo de Reims, estabelece pelas palavras de Cristo, Jo., XX, 23, que o poder de perdoar os pecados foi dado aos apóstolos. Ele lembra que esse poder pertence aos bispos e sacerdotes. Epist., XXVI; ad Hildeboldum, P. L., t. CXXVI, col. 174.

Concluímos com um testemunho do século XI. Vamos consultá-lo com o bem-aventurado Lanfranco (+ 1089). Ele escreveu um opúsculo, De celanda confessione, P. L., t. CL, col. 625. Ele se pergunta a quem se poderia confessar e como se poderia obter o perdão dos pecados, se alguém estivesse na impossibilidade de recorrer à absolvição dos sacerdotes, porque estes violariam o segredo das confissões ou exigiriam dos penitentes a revelação de seus cúmplices ou das faltas de terceiros. Ele compara a eficácia da confissão à do batismo. Além disso, a questão que ele discute pressupõe que ele e seus contemporâneos reconheciam aos sacerdotes o poder de perdoar os pecados. Ele não hesita um momento em afirmar esse poder, que todos os seus leitores aceitavam, enquanto busca demonstrar que, quando não se pode confessar ao sacerdote, ainda há um meio de obter a remissão das faltas em uma humilde confissão feita a clérigos inferiores ou a leigos. Voltaremos mais adiante, col. 184, à eficácia que ele atribui a esse meio.

2° Depois do século XII. — No início do século XII, Abelardo (1079-1142) contestou que os bispos e sacerdotes tivessem o poder de perdoar verdadeiramente os pecados. Ele afirmava que somente Deus possui esse poder, que ele só foi comunicado por Jesus Cristo aos apóstolos, e que, se se quisesse aplicar aos seus sucessores o texto: Tudo o que ligardes na terra será ligado nos céus, Mt., XVI, 19, deveria entender-se por céus a Igreja na terra. Capitula haeresum Petri Abelardi, c. XII, nas obras de São Bernardo, P. L., t. CLXXXII, col. 1053. Essa doutrina foi imediatamente considerada herética. O concílio de Sens de 1140 e, na sequência, o Papa Inocêncio II a condenaram na proposta seguinte, que é o resumo: Quod potestas ligandi atque solvendi apostolis tantum data sit, non successoribus. Mansi, Conciliorum collectio, Veneza, 1776, t. X, col. 569. Essa decisão foi considerada como a expressão da fé da Igreja. Isso é uma prova de que, a partir de então, todos os escolásticos considerados ortodoxos se sentiram obrigados a respeitá-la.

Se alguns sustentaram talvez opiniões que conduziam logicamente às conclusões de Abelardo, não se aperceberam disso. Quaisquer que fossem as doutrinas que adotaram, sempre se preocuparam em declarar que o poder de absolver os pecados é possuído pelos bispos e pelos sacerdotes. Todas as teorias que veremos defender admitiam, aliás: 1° que Deus perdoa os pecados apenas na medida em que estes são submetidos à absolvição do sacerdote ou quando se está disposto a fazê-lo; 2° que essa absolvição remove pelo menos algo da pena temporal do pecado e assim completa a eliminação das consequências das faltas cometidas. Ora, essas duas afirmações eram suficientes, aos olhos de vários autores da época, para se poder afirmar com toda a verdade que só são perdoados no céu os pecados que os sacerdotes absolvem legitimamente na terra. Basta referir-se a Pedro Lombardo, Sent., l. IV, dist. XVIII, XIX, P. L., t. CXCII, col. 885; pois, como veremos, este autor, cuja teoria concede a menor eficácia à absolvição dos sacerdotes, ainda assim admite que eles possuem um verdadeiro poder de absolver, embora o reduza quase a uma simples declaração.

II. EM QUE A ABSOLUÇÃO DOS SACERDOTES CONTRIBUI PARA A REMISSÃO DOS PECADOS? — A contrição, inspirada por um motivo de caridade para com Deus, ou, segundo o vocabulário atual dos teólogos, a contrição perfeita tem o poder de apagar os pecados. Por outro lado, a absolvição do sacerdote só pode remir os pecados se o penitente tiver a contrição. Não se segue, no entanto, que a absolvição seja inútil; pois não pode haver verdadeira contrição dos pecados mortais sem o desejo de se confessar e receber a absolvição, se possível. Mas parece resultar que a absolvição é sem eficácia; pois se o sacerdote absolve um penitente que tem contrição perfeita, essa contrição já teria apagado seus pecados, quando a absolvição lhe é dada. Hoje, com a questão esclarecida pelas discussões da Escola e pelas decisões da Igreja, resolvemos facilmente essa dificuldade. Basta, dizemos às crianças de nossos catecismos que basta, para o sacramento da penitência, a contrição imperfeita ou atrição, que é incapaz de apagar os pecados por si só. A absolvição é, portanto, necessária para apagar os pecados quando o penitente tem simplesmente atrição. Mesmo que tivesse a contrição perfeita, a absolvição não seria sem eficácia. Ela conferiria, de fato, ao penitente já justificado, o sacramento da penitência, que aumentaria nele a graça santificante, o fortaleceria contra recaídas e contribuiria para remover a pena temporal de seus pecados. A absolvição sacramental, portanto, sempre tem uma eficácia real.

Mas no início da Idade Média, a distinção entre contrição perfeita e atrição ainda não era feita. Pensava-se, portanto, que a contrição necessária para a absolvição é aquela que justifica por si mesma. Por outro lado, a teoria dos sacramentos estava apenas em esboço, e podia-se persuadir que a absolvição dada a pecadores verdadeiramente arrependidos era sem eficácia. Vejamos como o problema surgiu e foi discutido.

1° Antes do século XII. — Até o século XI, não parece haver uma grande preocupação com a dificuldade. Os autores declaram que os sacerdotes são investidos do poder de absolver os pecados. Eles acrescentam que a absolvição não é ratificada por Deus, exceto quando é dada justamente. Mas ficam por aí. Para se convencer disso, basta ler os comentários feitos na época sobre o texto de São Mateus, XVI, 19: Tibi dabo claves regni cælorum, et quodcunque ligaveris super terram erit ligatum et in cælis; et quodcunque solveris super terram erit solutum et in cælis. De fato, entendia-se esse texto como o poder de ligar os pecadores condenando-os, ou de desatar os pecadores absolvendo-os, e aplicava-se por extensão não apenas ao pontífice romano, sucessor de São Pedro, mas também aos bispos e sacerdotes. Ora, ao explicar, agradava-se fazer a observação de que a sentença do sacerdote em relação ao pecador só é ratificada no céu na medida em que é justa, que não pode tornar culpados os inocentes, nem tornar inocentes os que permanecem culpados. Essa observação é repetida por Beda (+ 735), P. L., t. XCII, col. 79; Walafredo Estrabão (+ 849), P. L., t. CXIV, col. 142; Cristão Druthmar (meados do século IX ou XI), P. L., t. CVI, col. 1396; Raban Maur (+ 856), P. L., t. CVII, col. 992; Pascoal Radberto (+ 865), P. L., t. CXX, col. 563; Anselmo de Laon (+ 1117), P. L., t. CLXII, col. 1396; Bruno de Asti (+ 1123), t. CLXV, col. 214. Eles às vezes apresentam isso de uma forma que parece reduzir o poder dos sacerdotes a declarar se Deus perdoou os pecados.

Mas essa não era a sua opinião; pois ele admitia que Cristo deu aos sacerdotes duas chaves para ligar e desatar: a ciência (scientia) para discernir quem merece a absolvição, e o poder (potestas ou potentia) para absolver (Beda, Cristão Druthmar, Raban Maur, Anselmo de Laon, loc. cit.), e ele considerava essas chaves necessárias. Anselmo de Laon, que escrevia no início do século XII, mesmo observa que, se alguém tem a ciência para discernir quem é digno ou não da absolvição, mas não recebeu o poder de ligar e desatar, não poderia absolver ninguém; mas os autores mais antigos não se expressam tão claramente, embora atribuam o poder de absolver não àqueles que têm a ciência necessária, mas somente aos bispos e sacerdotes.

2º Século XII. —  Os escolásticos do século XII não deveriam se contentar com essas afirmações repetidas há quatro ou cinco séculos, sem que se precisasse a sua abrangência. Explicando o trecho de São Lucas, XVII, 14, onde Jesus envia os dez leprosos para se mostrarem ao sacerdote, São Anselmo de Cantuária (1033-1109) retoma a aplicação, que já se fazia antes dele, desse texto aos pecadores, que devem se confessar aos sacerdotes. Após lembrar que Ezequiel, XXXIII, 12, atribui à conversão o poder de apagar o pecado, ele afirma que a contrição que leva o pecador a se confessar é a que apaga o pecado de sua alma, e que, portanto, a absolvição dos sacerdotes simplesmente manifesta aos olhos dos homens a purificação da alma já realizada aos olhos de Deus. Homil., XIII, P. L., t. CLVIII, col. 662. Isso era apenas uma observação que ainda não constituía uma teoria. Foi sem dúvida sugerida a esse profundo pensador por suas visões originais sobre a necessidade de uma reparação infinita para obter o perdão do pecado, Cur Deus homo, l. I, ibid., col. 361 sq., e sobre a facilidade de obter esse perdão para os cristãos, uma vez que essa reparação foi feita pelo Homem-Deus. Ibid., II, c. XXI, col. 480.

De qualquer forma, doutores cujo nome ignoramos se apropriaram dessa observação e se aplicaram a demonstrá-la. Mas Hugo de São Vítor (1097-1141) ficou impressionado com as dificuldades que ela levantava. Pareceu-lhe que ela eliminava a realidade do poder dado por Cristo aos sacerdotes de absolver os pecados. Ele então combateu os argumentos invocados em favor dela por São Anselmo e pelos outros doutores. Para conciliar as autoridades que atribuem à contrição o poder de remir os pecados com aquelas que atribuem o mesmo poder à absolvição sacerdotal, ele distinguiu no pecado dois vínculos que prendem o pecador: um vínculo interior, que é a dureza ou cegueira da alma, resultante da privação da graça (os teólogos hoje o chamam de mancha, macula); um vínculo exterior, que é a dívida da condenação para a vida futura. Ligalus est obduratione mentis, ligatus est debito futurae damnationis. Ora, prossegue Hugo, Deus por sua graça nos liberta do vínculo interior, dando-nos o arrependimento; mas é pelo ministério dos sacerdotes que Ele nos liberta então do vínculo exterior ou da obrigação de sofrer a condenação, obrigação que é o próprio pecado, peccatum ipsum: impietas peccati rectissime obduratio cordis accipitur, quae primum in compunctione solvitur, ut postmodum in confessione peccatum ipsum, id est debitum damnationis absolvatur, De sacramentis, II, part. XIV, c. VIII, P. L., t. CLXXVI, col. 564-570. Hugo, portanto, pensa que a contrição e a absolvição vêm sucessivamente livrar o pecador de diversos vínculos. Esse caráter sucessivo também é atribuído à ação desses dois fatores na Summa sententiarum inserida entre as obras de Hugo, mas que parece ter sido escrita por um de seus discípulos. Veja Abelardo - Escola Teológica.

Vê-se na maneira mesma como se formula a questão: Quando é que o homem é desatado do pecado? Em que momento o homem é desatado do pecado? Summa sententiarum, tr. VI, c. XI, ibid., col. 147-149. É que Hugo e seus discípulos ainda não tinham uma noção exata do sacramento, que constitui um todo moral, cujos elementos agem por sua reunião e não sucessivamente; é ainda mais porque não consideravam a contrição como um elemento constitutivo do sacramento, mas como uma simples disposição preparatória. Da mesma forma, diz ainda o autor da Summa, que é necessário retirar o ferro de uma ferida antes de aplicar um emplastro, assim deve a obscurecimento do pecado ser retirado da alma pela contrição, para que, então, o remédio do sacramento seja aplicado pelos sacerdotes; pois, como sempre diz ele, os sacramentos são como emplastros: Interna caecitas de corde tollitur, ut post sacramenti medicina per sacerdotes superaddatur. Sunt enim sacramenta quasi emplastra. Summa sententiarum. Além disso, ele inclui a satisfação no sacramento; pois acrescenta que o sacerdote absolve da pena a sofrer, pela satisfação que impõe, a debito futuræ pœnæ absolvendo per eam quant injungit satisfactionem. Ibid., col. 149.

Por ter mal formulado a questão e atribuído à absolvição do sacerdote uma ação independente da contrição do penitente, Hugo foi levado a supor que o sacerdote só remete a pena do pecado, e a dizer que essa pena, damnatio, é o próprio pecado. De sacramentis, loc. cit. Nisso, ele se inspirava, talvez sem saber, em um erro análogo sustentado sobre a eficácia do batismo por seu contemporâneo Abelardo. Veja Abelardo - Escola Teológica. Abelardo dizia de um adulto que recebesse o batismo com fé, que ele é justo antes do batismo pela dileção e que o batismo apenas remove seus pecados, isto é, sua pena, dilectione justum jam dicimus, cui tamen in baptismate nondum sunt peccata dimissa, id est poena eorum penitus condonata. Expositio in Epist. Pauli ad Romanos, I, Il, P. L., t. CLXXVIII, col. 838. É que Abelardo queria sustentar que o batismo não remove senão a pena do pecado, cf. ibid., col. 841, 860, porque ele fazia consistir todo o pecado original, que o batismo apaga nas crianças, na pena do pecado de Adão. Quod non contraximus culpam ex Adam, sed poenam tantum. Prop. 9, condenada pelo concílio de Sens, 1141; Mansi, Concil. ampliss. coll., Veneza, 1776, t. XXI, col. 568. Esse erro de Abelardo sobre o pecado original, que não estava sem parentesco com a teoria de Hugo sobre a maneira como os pecados atuais são remidos pela absolvição, foi condenado um ano antes da morte deste último.

Também, enquanto a opinião de Victorino era adotada por um discípulo de Abelardo, Ognibene († 1185), Gietl, Die Sentenzen Rolands, Friburgo, 1891, p. 247, encontrou ali um adversário em Pedro Lombardo († 1160). No quarto livro das Sentenças, dist. XVIII, P. L., t. CXCII, col. 885-889, o célebre autor mostra que, se a caridade apaga a mancha do pecado, ela também abre ao pecador a porta do céu, de forma que o vínculo da condenação deve ser removido ao mesmo tempo que a mancha do pecado é apagada. Portanto, ele rejeita a doutrina de Hugo. Mas, como ele não formula melhor a questão do que Hugo e também considera a contrição e a absolvição como agindo sucessivamente e produzindo efeitos diferentes, ele é levado pela lógica das coisas a uma conclusão igualmente imprecisa. Reprendendo a opinião de São Anselmo, ele sustenta que a contrição apaga simultaneamente a mancha e a pena eterna do pecado. Em sua opinião, o papel da absolvição do sacerdote que vem em seguida consiste em mostrar que o pecado foi perdoado por Deus: Peccata dimittunt vel retinent dum dimissa a Deo vel retenta judicant et ostendunt, ibid., col. 888; sua eficácia é, portanto, principalmente declarativa. Pedro Lombardo concede além disso ao sacerdote o poder de desatar da penitência satisfatória que ele impôs e de assim remover de certa forma a pena temporal do pecado. Ibid.

A opinião de Pedro Lombardo exerceu uma grande influência sobre todos os autores do final do século XII e até mesmo sobre os do início do século XIII. Roland Bandinelli (+ 1181), o futuro Alexandre III, sustentou em seu livro das Sentenças a mesma teoria que Lombardo. Ele poderia mesmo ser o pai dessa teoria; pois não parece ter se servido da obra de Lombardo. Bandinelli, mais exato do que este último, além disso, atribui à confissão em si, bem como à satisfação, o poder de remover uma parte da pena temporal do pecado. Die Sentenzen Rolands, edição Gietl, Friburgo, 1891, p. 248; cf. p. XVII.

Ricardo de São Vítor (+ 1173), que critica a opinião do Mestre das Sentenças, chamando-a de fútil e ridícula, De potestate ligandi et solvendi, P. L., t. CXCVI, col. XII, 1168, e que parece defender o sentimento de Hugo (que lhe é comumente atribuído), aproxima-se na realidade de Pedro Lombardo. Hugo havia notado que a mancha do pecado renasceria se o penitente não fosse absolvido ao confessar seu pecado, e que ele é libertado da condenação sem a absolvição do sacerdote no caso excepcional de morrer sem poder confessar-se. De sacramentis, I. II, part. XXIV, c. VIII, P. L., t. CLXXVI, col. 567. Ricardo se apropria dessa observação de seu mestre para transformar a teoria que ouviu ser ensinada. Ele admite que a contrição é suficiente para que Deus remita simultaneamente a mancha do pecado e a dívida da condenação eterna, antes da confissão: ele está, portanto, de acordo nisso com Pedro Lombardo; mas para manter as fórmulas de Hugo, ele diz que, antes da confissão, a dívida da condenação eterna só é remida por Deus condicionalmente, isto é, sob a condição de que se receberá a absolvição do sacerdote. Ele pode assim concluir que a absolvição do sacerdote remove a dívida da condenação definitivamente, e que não é somente declarativa. De potestate solvendi, c. VIII, P. L., t. CXCVI, col. 1165. Essa conclusão não difere muito da teoria de Lombardo, exceto nas palavras. Ricardo atribui além disso à absolvição do sacerdote uma outra eficácia da qual Hugo não havia falado, e que o Mestre das Sentenças não parecia admitir. Ricardo pensa que a absolvição tem o poder não só de libertar da condenação eterna definitivamente, mas também de remover uma parte da pena temporal que de outro modo seria sofrida no purgatório. Ibid., c. VI sq., col. 1653 sq. Ele havia provavelmente emprestado essa doutrina a Roland Bandinelli (veja acima). Quanto à pena temporal, Lombardo dizia apenas que um sacerdote pode desatar da obrigação de cumprir a penitência satisfatória que lhe foi imposta. Sent., LIV, dist. XVIII, n. 7, P. L., t. CXCII, col. 888. Vamos ver que, sobre esse ponto, os autores posteriores seguiram Ricardo.

No entanto, Pedro de Poitiers (1167-1205) o combateu e reproduziu integralmente os ensinamentos do Mestre das Sentenças. Sententiarum libri quinque, I. III, c. XVI, P. L., t. CCLX, col. 1073, 1075. Inocêncio III (1160-1216) ou o autor do comentário sobre os salmos penitenciais que lhe são atribuídos, também segue o sentimento de Pedro Lombardo; ele admite que a remissão do pecado precede a confissão; mas com essa reserva bastante importante de que muitas vezes é assim: confessio saepissime sequitur remissionem peccati. Ele parece, portanto, acreditar que a confissão às vezes remove o pecado que a contrição não teria apagado; mas seu pensamento permanece bem obscuro. Comment. in VIII psalm. paenit., ps. II, P. L., t. CCXVII, col. 1016.

Guillaume d’Auxerre (+ 1223) se aproxima claramente de Ricardo de São Vítor. Em sua opinião, Deus, pela contrição, começa a apagar o pecado, do qual remove a mancha e a pena eterna; a absolvição do sacerdote completa pela remissão das penas temporais o que foi assim iniciado. Summa aurea, I. IV, De generali usu clavium, Paris (1500?), fol. 280. Césario de Heisterbach (+ 1240) toma de Victorino essa visão de que a contrição remove o pecado sob a condição de que se confessará; mas ele pensa com Pedro Lombardo que a confissão tem o objetivo de fazer declarar externamente o perdão já concedido interiormente por Deus. Dialogus miraculorum, Colônia, 1851, dist. II, c. 1; dist. III, c. 1, p. 57, 58, 110, 111.

Século XIII até São Tomás de Aquino — Todos os autores que encontramos até aqui supunham que a contrição exigida para a absolvição é a contrição perfeita. É por isso que eles admitiam que o pecado é remido antes da absolvição. Guillaume d’Auvergne (+ 1248), que interrompeu seu ensino em 1228 para se tornar arcebispo de Paris, fez um grande progresso na questão, ao distinguir entre contrição e atrição. A contrição é motivada pelo amor de Deus e completada, informata, pela graça santificante que resulta na justificação e na exclusão de toda falta grave. A atrição é uma dor pelo pecado não motivada pelo amor de Deus e não completada pela graça santificante, informis. De sacramento poenitentiae, c. V-VIII, Opera, Paris, 1676, t. I, p. 462-470. No sacramento da penitência, a atrição prepara a contrição, sem a qual Guillaume pensa que os pecadores não poderiam ser remidos. Portanto, é necessário que o atritus se torne contritus. Ibid. Não examinaremos aqui a maneira como se dá essa mudança segundo Guillaume e os teólogos que vieram depois dele. Veja ATRIÇÃO.

Guillaume parece supor que os pecados podem permanecer na alma que teria apenas a atrição, até o momento da confissão e da absolvição. Ibid., c. XiV, p. 498 sq. Além disso, ele ensina expressamente como uma verdade da qual não duvida, que a absolvição e a bênção do sacerdote rompem os laços do pecado, se o penitente não colocar obstáculos, e que elas aumentam a graça santificante, se descem sobre um pecador já justificado: ad absolutionem et benedictionem sacerdotalem... dirumpi vincula peccatorum nullatenus dubitamus... Qui jam gratiae pristinae restituti sacerdotalem benedictionem et absolutionem peccata sua confessis recipiunt, pie credimus et sentimus... ipsam gratiam augeri. Ele então enumera as condições necessárias para receber assim a absolvição. Ele não exige a contrição inspirada pela caridade, mas apenas um arrependimento e um firme propósito, que correspondem à atrição. Ibid., c. IV, p. 462.

Sua distinção entre contrição e atrição entrou imediatamente no ensino corrente; mas não foi o mesmo com sua doutrina sobre os efeitos da absolvição. Alexandre de Hales (+ 1245), que ainda ensinava em 1238 e que redigiu definitivamente sua Suma apenas após 1242, por ordem de Inocêncio IV, define a atrição de maneira mais precisa do que Guillaume. Summa, part. IV, q. XII, m. iii; q. XIX, m. v, Colônia, 1622, t. IV, p. 441, 552. No entanto, ele retoma as opiniões de Pedro Lombardo e de Ricardo de São Vítor sobre os efeitos da absolvição. Ele estima que Deus remove a mancha e a pena eterna do pecado, em razão da contrição que deve preceder a confissão, e que a absolvição do sacerdote remove apenas uma parte da pena temporal.

Alberto Magno (1185-1280), que ensinava e escrevia ainda mais tarde, reproduz a noção de atrição de Guilherme de Auvergne e também admite que ela se torna contrição pela infusão da graça santificante. Sent., I. IV, dist. XVI, a. 9, Opera, Paris, 1894, t. XXIX, p. 559-561. Mas ele pensa, com Alexandre de Hales e os autores anteriores, que a contrição propriamente dita deve preceder a confissão e a absolvição e que ela remove a mancha e a pena eterna do pecado. Apenas, acrescenta ele, para obter esse efeito e para ser uma verdadeira contrição, é necessário que ela contenha o desejo da confissão. Ibid., dist. XVII, a. 1, p. 660-664; a. 4, p. 666. Ele sustenta com muita lógica todas as consequências que decorrem desses princípios, a saber, que é necessário ter a caridade e a graça santificante para se confessar, Ibid., a. 6, p. 666; que a justificação precede a confissão, Ibid., a. 8, p. 670; que esta apenas absolve da obrigação de se confessar, Ibid., e que os ensinamentos de Pedro Lombardo sobre esse assunto são muito exatos. Ibid., a. 31, p. 700. Ele diz que a absolvição do sacerdote não pode ser a forma do sacramento da penitência, nem dar unidade aos elementos que o constituem, porque não remove os pecados; ele coloca essa forma na graça que confere à dor do penitente a virtude de remover os pecados. Dist. XVI, a. 1, p. 540. Ele atribui à confissão realmente feita e seguida da absolvição o poder de remover, em virtude do poder das chaves, uma pena temporal que ele chama de purgatorial. Ibid., a. 24, p. 694. Essa pena purgatorial, que o homem não poderia suportar aqui embaixo, é transformada em pena expiatória pela penitência que o sacerdote impõe. Ibid., dist. XVIII, a. 11, p. 784 sq. Alberto dedica artigos distintos para estabelecer que o sacerdote não pode absolver da culpa, nem da pena eterna. Ibid., dist. XVIII, a. 7, 9, p. 775, 780. Toda essa doutrina, formulada com longos desenvolvimentos no comentário sobre as Sentenças do ilustre dominicano, loc. cit., é repetida de maneira mais sucinta, mas também clara em seu Compendium theologicæ veritatis, I. VI, c. XXIV, XXV, Opera, Paris, 1895, t. XXXIV, p. 222-295.

São Boaventura (1221-1274) também distingue a atrição da contrição, IV Sent., I. IV, dist. XVII, p. 1, a. 2, q. III, Opera, Paris, 1866, t. V, p. 660, da qual é geralmente a preparação. Ele admite que a atrição se torna contrição, Ibid., pela infusão da graça, Ibid., ad 4, que a contrição é sempre seguida pela remissão do pecado, Ibid., p. I, a. 1, q. IV; a. 2, q. II, p. 664, 668, que, portanto, a confissão não é necessária para a justificação, Ibid., p. I, a. 1, q. IV, p. 664, e que ela é requerida apenas por uma necessidade de preceito da qual se está dispensado em caso de impossibilidade. Ibid., p. I, a. 2, q. IV, p. 671. No entanto, seu ensino está notavelmente em progresso em relação ao de Alberto Magno. Inspirado por Alexandre de Hales, que preparou essa teoria sem, no entanto, formulá-la, Summa, q. XIV, m. II, a. 2, p. 470, São Boaventura coloca a forma do sacramento da penitência na absolvição. Dist. XXII, a. 2, q. II, t. VI, p. 126. Ele combate, de fato, a teoria que nega à absolvição o poder de remover a culpa mortal e a pena eterna, concedendo-o apenas à contrição que contém o desejo ou a resolução de se confessar. Ele deve, diz ele, ter o poder das chaves como o batismo; portanto, produz seus efeitos no momento em que é exercida; de outro modo, se o desejo de se confessar remove as culpas, como a própria confissão não poderia removê-las? Além disso, ocorre que se recebe a absolvição com uma simples atrição. Uma vez que, nesse caso, não se coloca obstáculo à recepção da graça, a absolvição deve conferir essa graça e remover os pecados. Ibid., dist. XVIII, p. I, a. 2, q. 1, t. VI, p. 11; cf. dist. XVII, a. 2, q. III, ad 2, t. V, p. 671. Mas como a absolvição produzirá esse efeito? Aqui, São Boaventura se lembra de uma distinção de Alexandre de Hales entre as duas fórmulas de absolvição usadas pelo sacerdote, uma deprecatória: Misereatur, e outra imperativa: Te absolvo. Na primeira, o sacerdote intercede pelo pecador, e é por ela que ele obtém que Deus transforme sua atrição em contrição e conceda a remissão do pecado e da sua pena eterna.

Pela segunda, onde se exerce propriamente o poder das chaves, ele apenas remove a pena temporal do pecado. Ibid. Apesar dessa eficácia deprecatória, ou melhor, porque é simplesmente deprecatória, permanece verdadeiro, aos olhos de São Boaventura, que Deus reservou para Si o poder de remover a culpa e a pena eterna do pecado, e que Ele só comunicou aos sacerdotes o poder de remover a pena temporal. Dist. XVIII, p. 1, a. 1; t. VI, p. 1; cf. ibid., dub. iv, p. 6; dist. XVII, dub. II, t. V, p. 658, onde as teorias de Pedro Lombardo são justificadas. Mas a absolvição válida sempre remove de maneira completa e definitiva uma parte dessa pena. São Boaventura não admite, com Alberto Magno, que ela apenas transforme a pena purgatorial em pena expiatória. Em outras palavras, mesmo que não se faça a penitência satisfatória imposta pelo sacerdote, seria libertado por sua absolvição de uma parte da pena temporal dos seus pecados. Dist. XVIII, p. 1, a. 2, q. II, t. VI, p. 13.

4º São Tomás de Aquino. — A doutrina de São Tomás de Aquino (1225-1274) sobre o ponto que nos ocupa encontra-se principalmente:

1º em seu comentário sobre o quarto livro das Sentenças de Pedro Lombardo, dist. XVII, XVIII, XIX, reproduzido no suplemento de sua Suma Teológica, q. I-XX;

2º em seu opúsculo De forma absolutionis, XVIII ou XX, conforme as edições;

3º em sua Suma Teológica, IIIa, q. LXXXIV-XC.

Ele começou seus imortais trabalhos pelo comentário sobre o livro das Sentenças. Foi interrompido pela morte no momento em que estava prestes a concluir a parte de sua Suma que trata do sacramento da penitência. Mas do início ao fim de seu ensino, suas opiniões sobre a absolvição não mudaram, apesar de sua superioridade em relação às de seu mestre Alberto Magno. Elas parecem apenas ter se fortalecido em sua mente, pois se apresentam na Suma Teológica de forma mais afirmativa. O que domina essas opiniões é a consideração das palavras de Cristo: Quodcumque solveris super terram erit solutum et in cœlis. A impressão produzida por esses textos evangélicos na sua inteligência profunda é particularmente marcante em seu opúsculo De forma absolutionis, cujo caráter polêmico o obriga a invocar provas positivas. Mas também aparece em sua Suma e em seu comentário sobre o livro das Sentenças, embora ele se apoie principalmente em considerações especulativas.

Os teólogos anteriores, em particular Pedro Lombardo, levavam principalmente em conta os textos que atribuem a justificação ao arrependimento; restringiam, consequentemente, os efeitos da absolvição, cuja eficácia afirmavam, para se conformar à doutrina tradicional da Igreja. Aos seus olhos, a confissão parecia ter sido estabelecida mais para obrigar os penitentes a manifestar sua contrição, do que para submeter seus pecados à absolvição do sacerdote. Daí a consequência de que o poder das chaves confiado aos sacerdotes não se estende até a remissão da culpa mortal e de sua pena eterna, e que, em relação a essa culpa, a absolvição do sacerdote seria simplesmente uma declaração do perdão já dado por Deus.

Totalmente oposta é a posição que o doutor angélico adota. Com o grande respeito que sempre professou pelos antigos, ele reconhece que o seu sentimento não está isento de verdade; mas acrescenta que é incompleto. A absolvição manifesta que se está absolvido no sentido de que significa a remissão do pecado; pois os sacramentos são sinais; mas os sacramentos, e a absolvição em particular, não são apenas sinais; eles produzem também o que significam. Sum. theol., IIIa, q. LXXXIV, a. 3, ad 5; IV Sent., l. IV, dist. XVIII, q. 1, a. 3, sol. 1, ad 1°, Opera, Paris, 1872, t. X, p. 529. Portanto, o sacramento da penitência produz a remissão dos pecados. Ora, neste sacramento, a parte principal é a absolvição dada pelo sacerdote. Assim como o batismo remove uma vez os pecados, assim o sacerdote remove os pecados cometidos após o batismo. IV Sent., l. IV, dist. XVIII, q. 1, a. 3; Summe supplementum, q. XVIII, a. 1. Os pecados só podem ser removidos pela virtude da paixão de Cristo; e a aplicação dessa virtude se dá pela recepção (in re, ou em caso de impossibilidade in voto) dos sacramentos do batismo e da penitência, e o sacerdote é o único dispensador do sacramento da penitência. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. II, a. 1, sol. 1; Summe supplementum, q. VI, a. 1. Portanto, a absolvição remove a culpa mortal e a pena eterna, desde que o penitente não coloque obstáculo; por conseguinte, mesmo que antes de recebê-la, ele tivesse apenas um arrependimento inferior à contrição inspirada pela caridade. Aos pecadores que têm essa contrição perfeita, quando o sacerdote os absolve, a absolvição aumenta a graça santificante e remove uma parte da pena temporal do pecado. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. V, a. 5, sol. 1, 2; dist. XVIII, q. 1, a. 3; Summe supplementum, q. XVIII, a. 1.

Todas as outras partes do sacramento são necessárias em razão de sua relação com a absolvição. A confissão é de necessidade de salvação para os cristãos que cometeram pecados após o batismo, porque é necessário que eles submetam esses pecados aos sacerdotes encarregados de dispensar o sacramento da penitência. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. I, a. 1, sol. 1; Summae supplementum, q. VI, a. 1. Além disso, os três atos do penitente, a contrição, a confissão e a satisfação, estão no sacramento como a matéria que submete os pecados ao sacerdote e que precisa ser completada por sua absolvição, absolvição que é a forma do sacramento. IV Sent., l. IV, dist. XVI, q. I, a. 1, sol. 2. Além disso, são necessários esses três atos; pois é necessário que o penitente esteja disposto a reparar sua culpa, o que é feito pela contrição, que ele se submeta ao julgamento do sacerdote que ocupa o lugar de Deus, o que é feito pela confissão, e que ele repare conforme o julgamento do sacerdote, o que é feito pela satisfação. Ibid. Cf. Sum. theol., IIIa, q. LXXX, a. 2. Esse ensino, já desenvolvido no comentário sobre o Mestre das Sentenças, é expresso de uma forma talvez mais precisa e mais formal na Suma Teológica. Partindo desses princípios de que a perfeição de uma coisa vem de sua forma e que o sacramento da penitência é perfeito pelo ato do sacerdote, o doutor angélico conclui que no sacramento os atos do penitente, sejam palavras ou ações, são simplesmente matéria, e que a forma está toda no que faz o sacerdote, isto é, nas palavras da absolvição. Hoc sacramentum perficitur per ea quae sunt ex parte sacerdotis. Unde oportet quod ea quae sunt ex parte penitenti, sive sint verba, sive facta, sint quaedam materia hujus sacramenti; ea vero quae sunt ex parte sacerdotis, se habeant per modum formae. Sum. theol., IIIa, q. LXXXIV, a. 3.

No entanto, ao dar à absolvição o papel principal no sacramento, São Tomás mantém um lugar necessário para a contrição, assim como para a confissão e a satisfação. Ele os considera, de fato, como a matéria do sacramento. Ora, o sacramento só existe na medida em que há matéria e forma. Da mesma forma que para a remissão do pecado pelo batismo, não são suficientes as palavras da forma, sendo necessário o sujeito ao qual essas palavras conferem a virtude do sacramento, assim a remissão dos pecados é o efeito do sacramento da penitência, principalmente sem dúvida pela virtude das chaves confiadas ao sacerdote que pronuncia a absolvição, mas também, embora secundariamente, pela força dos três atos do penitente, na medida em que estão ordenados à absolvição. Sum. theol., IIIa, q. LXXXVI, a. 6.

Assim é que a questão mal resolvida por um século e meio, porque se supunha que os elementos do sacramento agiam sucessivamente e produziam cada um efeitos diversos, foi então perfeitamente colocada; pois o sacramento, sendo um todo composto de partes que não podem agir uma sem a outra, cada um de seus efeitos, e em particular o principal — a remissão dos pecados — deve ser atribuído a todas as suas partes reunidas, e não exclusivamente a uma ou outra delas. Assim também se conciliavam os ensinamentos da Escritura e da tradição, afirmados de forma simples e justapostos, por assim dizer, pelos autores anteriores ao século XII, a saber, que, por um lado, os sacerdotes têm o poder de remeter os pecados e que, por outro lado, eles só podem remetê-los àqueles que são dignos, isto é, àqueles que pedem a absolvição com uma verdadeira contrição.

No entanto, o doutor angélico ensina, como seus predecessores e como todos os teólogos católicos que vieram depois dele, que a contrição inspirada pela caridade perfeita (o que supõe a disposição de recorrer ao sacramento estabelecido por Deus) remove por si mesma o pecado mortal e sua pena eterna. Mas quando age assim antes da absolvição, é, observa ele, na qualidade de ato da virtude da penitência e não como parte do sacramento. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. 1, a. 5, sol. 1, t. X, p. 498; Summae supplement., q. V, a. 1. A mesma contrição atuará então com a absolvição, enquanto sacramento, para produzir o aumento da graça e os outros efeitos do sacramento nos que já estão justificados. Ibid.

São Tomás admite com os teólogos da primeira metade do século XIII que a atrição precede com bastante frequência a contrição. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. 1, a. 4, sol. 3, p. 482; Summae supplement., q. I, a. 3. Ele também pensa com eles que a justificação, mesmo pelo sacramento da penitência, não pode ocorrer sem a contrição unida à caridade. Sum. theol., IIIa, q. LXXXVI, a. 6, rép. ao sed contra; IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. I, a. 3, sol. 3, ad 1°; a. 4, sol. 2, p. 476, 479; Summae supplementum, q. IX, a. 1.

Mas, como já dissemos, ele estima que o penitente que não coloca obstáculo à remissão do pecado poderá receber validamente o sacramento da penitência com uma dor inferior à contrição, porque pela virtude do sacramento essa dor dará lugar a uma verdadeira contrição no momento da remissão do pecado pela absolvição. Supplementum, q. XVIII, a. 1.

Mas há uma questão que ele não decide claramente ou, mais precisamente, que parece decidir de forma diferente do que foi feito até então. Trata-se de saber se alguém que no momento da absolvição tivesse apenas a atrição e não a contrição receberia o perdão de seus pecados e se depois, ao perceber isso, poderia considerar-se como tendo tido as disposições necessárias para a absolvição. O doutor angélico parece pensar que não. De fato, ele o classifica entre os fictores (ver Fictus), isto é, entre aqueles que acreditam de boa-fé ter as disposições requeridas sem realmente tê-las. Segundo São Tomás, esse fictus manteria essas disposições insuficientes até após a absolvição; os pecados acusados e absolvidos nessas condições lhe seriam removidos em virtude da absolvição anterior, assim que ele tivesse a contrição. Ele não teria que acusar novamente esses pecados; mas em sua próxima confissão, deveria acusar sua fictio, isto é, a disposição insuficiente que tinha de boa-fé. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. III, a. 4, sol. 1, p. 512; Summae supplementum, q. IX, a. 1. Cf. Cajetan, tr. V, De confessione, q. V, S. Thomæ Opera, Antuérpia, 1612, t. XII, fol. 72, que explica e defende este ponto de doutrina de São Tomás. Esta questão da atrição precisava ser estudada ainda mais e foi nos séculos seguintes.

Façamos uma última observação sobre a maneira como o sacramento da penitência, e principalmente a absolvição, têm por efeito a justificação e a remissão dos pecados. Os partidários da opinião de Pedro Lombardo apoiavam-se especialmente na razão de que somente Deus pode perdoar e absolver os pecados. São Tomás responde que o sacerdote age não em seu próprio nome, mas como instrumento de Deus, de quem foi estabelecido ministro, e que, além disso, todas as partes do sacramento têm apenas uma virtude instrumental que vem da paixão de Cristo. Mas ele afirma ainda que as causas meramente instrumentais não produzem diretamente, mas apenas preparam, inducunt, a graça justificadora e a remissão do pecado. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. 1, a. 5, sol. 1 e ad 1, p. 498; Summae supplement., q. V, a. 4; pois, diz ele, pelo menos em seu comentário sobre as Sentenças (a Suma Teológica parece atribuir aos sacramentos mais causalidade, IlIa, q. LXII), os sacramentos são instrumentos de Deus não justificadores, mas dispositores, na medida em que produzem uma disposição que torna necessária a graça santificante. Sacramenta sunt instrumenta Dei non justificantia sed dispositiva, in quantum producunt dispositionem, quae est necessarias quantum in se est ad gratiam sanctificantem. IV Sent., l. IV, dist. I, q. 1, a. 4, sol. 1, p. 19. Este problema da causalidade dos sacramentos também foi objeto de longas discussões pelos teólogos até nossa época. Ver SACRAMENTO.

5º De São Tomás de Aquino ao século XVI. — A doutrina do doutor angélico não tardou a prevalecer no mundo teológico. Ela foi defendida em particular pelos autores da escola tomista: encontramos toda ela, no século XV, nos tratados de São Antonino (1389-1459), Summa Summarum, l. XIV, c. XVII, 1521 (sem paginação), e de Dionísio o Cartuxo (+1471), IV Sent., l. IV, dist. XVIII, q. III, Veneza, 1584, p. 261, e, no início do século XVI, nos comentários de Cajetano sobre a Suma, bem como em seus tratados avulsos onde parece ter-se preocupado especialmente com as dificuldades levantadas por algumas exposições de São Tomás sobre o quarto livro das Sentenças. Cajetano, tr. V, De attritione et contritione; tr. VI, De confessione; tr. XVII, De contritione; tr. XVIII, De confessione; em D. Thomæ Opera, Antuérpia, 1612, t. XII, fol. 46, 49, 75, 76.

Mas Duns Scot (+1308) opôs logo, aos ensinamentos do príncipe da teologia, uma doutrina totalmente diferente, que exerceu uma profunda influência, às vezes até fora da escola escotista. Não é o lugar para falar da concepção particular que Scot tem, seja da mancha do pecado, que ele identifica com a obrigação de sofrer uma pena, IV Sent., l. IV, dist. XIV, q. 1, Lyon, 1639, t. IX, p. 9 (ver Pecatum), seja da penitência, que ele faz consistir na vontade de se punir, pela qual o penitente, que não quer mais pecar, se torna para si mesmo o instrumento da justiça vindicativa de Deus. Ibid., q. II, p. 30. Ver PENITENTIA. Limitemo-nos a observar que, superando o movimento impresso por São Tomás na teologia do sacramento da penitência, Scot fez com que o sacramento inteiro e exclusivamente consistisse na absolvição do sacerdote. Aos seus olhos, a contrição, a confissão e a satisfação não são a matéria do sacramento; são apenas condições requeridas. IV Sent., l. IV, dist. XIV, q. IV, n. 2, p. 81. Assim, a contrição, à qual os autores do século XII atribuíam toda a remissão do pecado e que São Tomás mantinha no sacramento, foi rejeitada. Arrastado pela mesma exageração do poder da absolvição, e de acordo com seus princípios sobre a natureza da mancha do pecado e da penitência, Scot reduziu a contrição, ou melhor, a atrição requerida para a absolvição, a um mínimo bem inferior ao que admitia antes dele. Ele distingue, assim como seus predecessores, entre a contrição, que é completada pela caridade, e a atrição que não o é.

Mais o estado de pecado, segundo ele, consiste na obrigação de sofrer a pena do pecado, e ele não exige, para a atrição, mais do que um desgosto pelo pecado considerado seja como ofensa a Deus, seja como desvio de Deus, seja como privação de recompensas, seja como merecedor de um castigo, ou sob outros aspectos semelhantes. Após ter reduzido a atrição a motivos que podem ser puramente interessados, Scot acrescenta que ela é suficiente para assegurar a remissão dos pecados, mesmo fora do sacramento da penitência. Ele lhe atribui, de fato, um mérito de congruo pelo qual Deus sempre a fará seguir de justificação e a transformará em contrição, isto é, em desgosto acompanhado de caridade. IV Sent., l. IV, dist. XIV, q. II, n. 14, 15, p. 45.

Mas, dir-se-á, se essa atrição remite o pecado sem a absolvição, qual seria a utilidade da absolvição? Scot previu essa dificuldade. Ele responde que, para receber a remissão do pecado pela absolvição, essa atrição não é necessária, bastando ser parum attritus, o que ele parece explicar dizendo que o sacramento da penitência remite os pecados, desde que se tenha a intenção de o receber e que se esteja sem qualquer apego atual ao pecado. Essa remissão é obtida não mais pelo mérito de congruo da atrição, mas pela promessa de Deus, ex pacto Dei, e pela eficácia própria do sacramento da penitência ou da absolvição. Parum attritus, etiam altritione, quae non habet rationem meriti ad remissionem peccati, volens tamen recipere sacramentum paenitentiæ, sicut dispensatur in Ecclesia, et sine obice in voluntate peccati mortalis in actu ultimo instante illius prolationis verborum, in quo scilicet est vis sacramenti istius, recipiat effectum sacramenti, scilicet gratiam paenitentialem, non quidem ex merito... sed ex pacto Dei assistentis sacramento suo. IV Sent., l. IV, dist. XIV, q. IV, n. 7, p. 92. Exagerar tanto a eficácia da absolvição era ignorar os textos que exigem um arrependimento verdadeiro para a remissão dos pecados.

Essas opiniões foram, no entanto, defendidas, particularmente pelos nominalistas escotistas. Occam (1280-1347), In IV Sent., l. IV, dist. VIII, IX, Lyon, 1495 (sem paginação, as divisões são distinguidas por letras), parte dos princípios de Scot e acentua suas conclusões. Deus pode, diz ele (letra M), remitir o pecado sem que se arrependa interior ou exteriormente, e isso tanto de potentia ordinaria quanto de potentia absoluta. De fato, ele remite o pecado pela absolvição, mesmo quando o penitente não teria nenhuma atrição, desde que este tenha a vontade de receber o sacramento e não tenha nenhum apego atual ao pecado mortal (letra P).

No entanto, toda a escola nominalista não seguiu Scot e Occam. No final do século XV, seu representante clássico, Gabriel Biel (+1495), abandona sua opinião para adotar uma opinião totalmente contrária que não confere mais eficácia à absolvição do que a opinião de Pedro Lombardo. Gabriel Biel distingue, com Scot, a contrição inspirada pela caridade da atrição por medo servil (ele chama a primeira de contrição perfeita, termo que se manteve, e a segunda de contrição imperfeita). Ele também admite, com Scot, que a absolvição constitui o sacramento da penitência e que os atos do penitente não são partes propriamente ditas, mas apenas condições requeridas; porém, ele se separa dele no restante. Ele pensa, de fato, que a atrição não pode se transformar em contrição. IV Sent., l. IV, dist. XVI (a edição que utilizo é sem paginação, nem lugar, nem data). Além disso, ele a considera insuficiente para a justificação. Segundo ele, não se é justificado sem a contrição perfeita, mesmo no sacramento da penitência. Ele conclui que a absolvição do sacerdote não remite os pecados, nem sua pena, aos olhos de Deus; ela apenas manifesta sua remissão aos olhos da Igreja. Dist. XVIII. No entanto, ele considera que a absolvição remite uma parte da pena temporal e que aumenta a graça santificante.

Embora contrárias aos sentimentos de Scot, essas consequências também decorriam do princípio que ele havia estabelecido, excluindo a contrição e os atos do penitente do sacramento da penitência. Ou bem, de fato, o sacramento é eficaz, e, se se admite esse princípio, deve-se dizer, com Occam, que a absolvição remite os pecados sem a contrição; ou então é necessária a contrição para que os pecados sejam remetidos, e então o sacramento da penitência não os remete. Essa é a opinião de Biel.

6º Resumo. — Estudamos as opiniões dos principais teólogos, que do século VIII ao XVI se ocuparam da parte respectiva da contrição do penitente e da absolvição do padre na eficácia dada por Cristo ao sacramento da penitência. Até o século XII, ouvimos afirmar a necessidade da contrição, ao mesmo tempo que a eficácia da absolvição, sem encontrar ninguém que tivesse proposto uma teoria para conciliar essas duas doutrinas. No século XII, o problema surge e dois correntes se estabelecem. Um, representado por Hugo de São Vítor, atribui à contrição a remissão da culpa e reserva à absolvição a remissão da pena eterna do pecado. O outro, representado por Pedro Lombardo, atribui à contrição a remissão do pecado e de sua pena, e à absolvição um simples valor declarativo, ao qual se acrescenta a remissão da pena temporal do pecado. Esta corrente prevalece sobre a anterior; é seguida até mesmo por Ricardo de São Vítor, discípulo e confrade de Hugo.

No século XIII, a questão se apresenta sob novos aspectos, pois se distingue a atrição da contrição e logo se determina quais são a matéria e a forma, e por consequência, os elementos constitutivos e mais ou menos eficazes do sacramento. Guilherme de Auvergne abandona a doutrina de Pedro Lombardo para afirmar a remissão do pecado e de sua pena eterna pela absolvição. Alberto Magno retrocede. São Boaventura e, sobretudo, São Tomás retomam o avanço. Eles fazem da absolvição a forma, ou seja, a parte principal do sacramento; ao mesmo tempo, sustentam que os atos do penitente são a matéria, e por conseguinte, que a contrição e até mesmo a atrição têm sua parte nos efeitos do sacramento. Os discípulos de São Tomás mantêm sua doutrina e continuam a expô-la até o século XVI. Mas uma teoria oposta foi formulada por Scotus já no final do século XIII. Continuando o movimento que se havia produzido em favor da importância da absolvição, ele faz deste ato do padre o único elemento constitutivo do sacramento e considera que a contrição não faz parte dele. Este princípio, aceito na escola escotista, dá origem a duas teorias opostas e ambas imprecisas. A primeira, proposta pelo próprio Scotus e retomada por Occam, considera a contrição, e até mesmo a atrição, como inúteis para a remissão do pecado, que seria exclusivamente efeito da absolvição. A segunda, exposta por Gabriel Biel, recusa qualquer valor à atrição para a remissão dos pecados; ela atribui essa remissão à contrição perfeita. Como, no sistema escotista, a contrição está fora do sacramento, conclui, retornando às teorias de Pedro Lombardo, que a absolvição tem apenas um valor declarativo, em relação à remissão do pecado; que ela apenas constata essa remissão aos olhos da Igreja. Essas duas opiniões escotistas preparam o caminho para os protestantes do século XVI: a primeira, ao lhes fornecer um pretexto para acusar a Igreja Católica de pretender perdoar os pecados daqueles que não têm arrependimento; a segunda, ao pôr em circulação as teorias que eles adotaram, como se pode ver no artigo XII ABSOLVIÇÃO entre os protestantes. A teoria católica formulada por São Tomás de Aquino se precisou e completou posteriormente, com o desenvolvimento das questões da atrição, da contrição e da justificação. Ver esses termos.

III. PODE-SE RECEBER A REMISSÃO DOS SEUS PECADOS, CONFESSANDO-SE A OUTRO QUE NÃO SEJA UM SACERDOTE?

O que nos leva a examinar as opiniões dos escolásticos sobre esta questão é a recomendação e até mesmo a prescrição que se encontra em vários deles, para confessar-se a outros que não sejam sacerdotes, em caso de necessidade, quando não se pode recorrer a um ministro revestido do sacerdócio. Não nos ocuparemos das confissões públicas das quais se falou nos artigos anteriores e sobre as quais se voltará na palavra CONFISSÃO. Também não nos ocuparemos das confissões privadas feitas a leigos, diáconos ou superiores de comunidades religiosas, fora das regras reconhecidas pela Igreja e pelos teólogos, seja por devoção espontânea dos penitentes, seja por abuso de poder dos confessores. Esses fatos excepcionais raramente se encaixam no desenvolvimento das doutrinas teológicas. Falaremos apenas das confissões a clérigos inferiores ou a leigos, recomendadas por autores respeitáveis de sua época. Os ensinamentos emitidos sobre esse assunto complementarão o estudo que acabamos de fazer sobre as teorias relativas à eficácia da absolvição sacerdotal; pois, como veremos, esses ensinamentos foram consequência, por um lado, da doutrina universalmente admitida de que somente os sacerdotes têm o poder de absolver, e, por outro lado, das hesitações da teologia sobre a parte que cabe aos atos do penitente e à absolvição sacramental na remissão dos pecados.

1° Do início do século VIII ao final do XI. — Nos séculos VIII e IX, vários autores, baseando-se nas palavras de São Tiago, 5:16: "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros" recomendam confessar os pecados leves e cotidianos àqueles com quem se convive, e observam que a confissão dos pecados graves deve ser reservada aos sacerdotes. Citamos o Venerável Beda (673-735), Expositio sup. Epist. S. Jacobi, c. 5, P. L., t. XCIII, col. 39; ele acrescenta que se deve acreditar que seremos salvos pelas orações diárias daqueles a quem confessamos nossas faltas diárias. Walafrid Strabon (807-849), Glossa ordinaria Epist. B. Jac., c. 5, P. L., t. CXIV, col. 675, reproduz textualmente as palavras do Venerável Beda. Hincmar de Reims (+ 882) também as cita em sua carta a Hildebald, bispo de Soissons. Epist., XXVI, P. L., t. CXXV, col. 174.

É certo que esses autores atribuíam a toda confissão de suas faltas uma eficácia para remiti-las, pois o Venerável Beda faz esta observação: neque sine confessione emendationis peccata queunt dimitti. Mas na recomendação da qual acabamos de falar, está-se tratando de uma confissão propriamente dita a leigos? Parece-nos impossível admitir isso. Trata-se simplesmente de uma confissão feita em conversa. Essa confissão não era seguida de nenhuma absolvição ou bênção, uma vez que seu objetivo era obter daqueles a quem era feita uma lembrança em suas orações diárias. Ela se distingue claramente da confissão propriamente dita feita aos sacerdotes, confissão de pecados graves que se confessavam apenas a eles para obter a absolvição. No final do século XI, Raoul Ardent (+ 1100) de Poitiers, doutor em teologia, professor e pregador célebre, fala ainda da confissão aos leigos no mesmo sentido. “A confissão dos grandes pecados (criminalium),” diz ele em uma de suas homilias, “deve ser feita ao sacerdote que só possui o poder de ligar e de desatar. Quanto à confissão dos pecados veniais (venialium), ela pode ser feita a qualquer pessoa, até mesmo a um inferior. Não que ele possa nos absolver, mas porque nossa humilhação e a oração de nosso irmão nos purificarão de nossos pecados. E quando deve ser feita essa confissão? Em todo momento em que nos apercebemos de ter pecado. Se eu tiver pecado em casa, no campo, em viagem, devo imediatamente dizer ao meu irmão que está comigo: ‘Pecado, ore por mim.’ Se ninguém estiver comigo, devo me confessar a Deus dizendo: ‘Senhor, eu pequei, tenha piedade de mim.’” Homil., LXIV, in Litaniam maiori, P. L., t. CLV, col. 1900. É absolutamente evidente que se trata aqui de uma confissão sem qualquer relação com o sacramento da penitência, cuja administração é, aliás, atribuída exclusivamente aos sacerdotes. A maneira como a confissão dos pecados graves aos sacerdotes é comparada à confissão dos pecados leves aos leigos dá mesmo a conclusão de que a prática de uma confissão propriamente dita a leigos era completamente desconhecida para Raoul Ardent, assim como para Hincmar e Beda. Observa-se também que essa prática só se manifesta como um uso comum na Idade Média nos relatos do final do século IX e dos séculos seguintes. Cf. Laurain, De intervention des laiques dans l'administration de la pénitence, Paris, 1897, p. 15, 27 sq.; dom Marténe, De antiquis Ecclesiæ ritibus, I, a. 6, n. 7, Rouen, 1700, t. II, p. 37.

2º Do final do século XI ao final do XII. — No entanto, o primeiro texto autêntico de uma data certa onde a confissão a clérigos inferiores ou a leigos é claramente apresentada como podendo substituir a confissão sacramental ao sacerdote deve ter sido escrito pouco depois do mesmo tempo em que Raoul Ardent pronunciava sua homilia. É de Lanfranc (+ 1089), abade de Bec, e depois arcebispo de Cantuária. Já falamos de seu tratado De celanda confessione, onde ele se pergunta a quem se pode confessar para obter o perdão dos pecados quando os sacerdotes falham na discrição e no segredo aos quais estão obrigados. Lanfranc responde que os pecados conhecidos (apertis) devem sempre ser confessados aos sacerdotes, porque o sacerdote é o representante da Igreja para punir ou remitir as faltas públicas. Outra razão, sem dúvida, é que, para as faltas públicas, não há matéria para a discrição e o segredo dos quais alguns sacerdotes são supostamente faltosos. Para as faltas ocultas (occultis), deve-se, para ser purificado, confessá-las, na falta de sacerdote, aos diáconos ou a outros clérigos inferiores, e na falta destes a leigos puros, ou mesmo a Deus. Por quê? Porque os clérigos, sendo investidos de um ministério sagrado, são como sacramentos visíveis que purificam a alma. Porque sabemos pelo Antigo Testamento, Números, XIX, 14, 19, que todo homem puro pode purificar aqueles que não são. De celanda confessione, P. L., t. CL, col. 629, 630.

Eis um texto certamente bem diferente dos que lemos anteriormente. Ele apresenta a confissão a clérigos inferiores e a leigos como capaz de produzir o mesmo efeito que a confissão aos sacerdotes, e isso, ao que parece, para os pecados graves, já que se teme que sejam revelados. Lanfranc busca os benefícios dessa confissão, não mais na humilhação do culpado ou nas orações de quem a ouve, mas em uma virtude santificadora que ele possui. No entanto, não parece admitir que esse confessor não sacerdote possa conceder a absolvição sacerdotal; se Lanfranc acreditasse nisso, não teria deixado de mencioná-lo, pois essa afirmação teria provado melhor sua tese do que todas as considerações místicas que ele invoca. Parece, portanto, atribuir aos clérigos inferiores e aos leigos virtuosos uma virtude santificadora semelhante à da água benta, isto é, para usar a linguagem da teologia atual, a virtude de um sacramental. Sua doutrina, além disso, não parece estar ligada a nenhuma teoria teológica sobre a absolvição e a contrição. Ela também não se desenvolveu; pois a opinião da qual vamos falar é motivada de forma muito diferente. No entanto, deve-se notar que Lanfranc foi o mestre de São Anselmo, o primeiro a quem ouvimos formular a doutrina que atribui à absolvição do sacerdote apenas uma eficácia declarativa para a remissão dos pecados.

Hugo de São Vítor (+ 1140), que sustentou uma doutrina contrária, ainda fala da confissão a leigos como um simples reconhecimento das faltas veniais; pois ele se limita a repetir o texto de Beda. De sacramentis, l. II, parte  XVI, c. P. L., t. CLXXVI , col. 553.

O tratado De vera et falsa paenitentia anteriormente atribuído a Santo Agostinho e que ainda é impresso em suas obras, recomenda a confissão a leigos em caso de necessidade, no final do capítulo X. P. L., t. XL, col. 1122. M. Lea, A History of Auricular Confession, Londres, 1896, t. 1, p. 209, pensa que este capítulo é da primeira metade do século XII e que os capítulos anteriores são do século V. Estou convencido, como ele, de que o capítulo X é da primeira metade do século XII; pois antes dessa época ninguém teria falado do assunto que nos ocupa da maneira como o faz; mas os primeiros capítulos me parecem ser do mesmo tempo; pois este tratado refuta (c. III) doutrinas que Hugo de São Vítor (+ 1141), De sacramentis, l. II, part. XIV, c. IV, P. L., t. LXXVI, col. 556, também combate como erros de seus contemporâneos. De qualquer forma, o pseudo-Augostinho se expressa assim no capítulo X: "O poder da confissão é tão grande que, na falta de sacerdote, o pecador fará bem em confessar-se a seu próximo, próximo... Sem dúvida, aquele a quem ele se confessar assim não tem o poder de soltar; no entanto, ao confessar a vergonha de seu crime a seu companheiro, ele se torna digno de perdão, pelo seu desejo de ter um sacerdote. E se aquele a quem se confessará não tem o poder de soltar, ele se torna digno de perdão, por causa do desejo do sacerdote que o companheiro confessa a vergonha do crime... Vemos que Deus considera o coração quando há necessidade de recorrer aos sacerdotes. Unde patet Deum ad cor respicere, dum ex necessitate prohibentur ad sacerdotes pervenire." Assim como todos os teólogos que citamos até agora, o autor do tratado De vera et falsa paenitentia nega aos leigos o poder de absolver. Ele trata, como Lanfranc, da confissão de faltas graves e do caso em que não se pode recorrer aos sacerdotes. Mas ele se mostra teólogo muito mais instruído do que o arcebispo de Cantuária, quando determina por que o pecado confessado a um leigo será perdoado, se não se pode encontrar um sacerdote. Os teólogos da época, Hugo de São Vítor assim como Pedro Lombardo, afirmavam de fato que a confissão é necessária in re, ou em caso de impossibilidade in voto, para a remissão dos pecados. Lanfranc atribuía a justificação a uma virtude santificadora dos diáconos ou dos leigos que confessavam. O pseudo-Augostinho, mais familiarizado com as doutrinas do século XII, a atribui à confissão in voto, isto é, ao desejo interior, unde patet Deum ad cor respicere, do penitente, de confessar-se a um sacerdote, ex desiderio sacerdotis. Assim, segundo ele, não é por si mesma e por causa do confessor que a confissão ao leigo justifica, mas pelas disposições que supõe no penitente. Também, na falta de sacerdote, o pseudo-Augostinho não aconselha, como Lanfranc, a confessar-se a um diácono ou a um clérigo inferior em preferência a um leigo santo; não, ele aconselha confessar-se a qualquer homem que esteja presente, proximum, socio.

O tratado De vera et falsa paenitentia tendo sido atribuído a Santo Agostinho no século XII, gozou, a partir de então, de uma grande autoridade. Não exerceu a influência sobre outros pontos doutrinários, que já eram aceitos há muito tempo, como alguns protestantes lhe atribuíram; mas o nome de Santo Agostinho abriu todas as escolas de teologia aos seus ensinamentos sobre a confissão a leigos. Este ensino e a maneira como o pseudo-Augostinho o justifica estavam, aliás, em completa harmonia com a teoria de Pedro Lombardo sobre a eficácia da absolvição. Assim, o Mestre das Sentenças (c. 1160), Sent., l. IV, dist. XVII, P. L., t. CXCII, col. 880; Roberto Pullus (+1153), Sent., l. IV, c. LI, §301, P. L., t. CLXXXVI, col. 897; Alain de Lille (+1202), Cont. haereticos, l. II, c. IX, P. L., t. CCX, col. 385, formulam absolutamente a mesma doutrina que o pseudo-Augostinho, o primeiro e o último baseando-se em seu tratado. Alain de Lille não deixa de combater os hereges de sua época, que sustentavam que se poderia, em qualquer circunstância, confessar-se a um leigo, assim como a um sacerdote.

3º Século XIII. — Vimos acima que os partidários da opinião de Pedro Lombardo sobre a eficácia da absolvição consideravam a confissão principalmente como uma manifestação de contrição, enquanto no século XIII a viam mais como necessária para submeter os pecados à absolvição. A autoridade de Santo Agostinho e dos teólogos anteriores fez com que durante todo esse século a doutrina da confissão a leigos, em caso de necessidade, fosse respeitada. Mas como a questão dos elementos constitutivos do sacramento de penitência estava sendo debatida, perguntou-se se essa confissão a leigos, em caso de necessidade, seria ou não sacramental. Guilherme de Auvergne († 1249) ainda não levanta essa questão; mas relata a opinião segundo a qual os leigos poderiam absolver pecados veniais em caso de necessidade. Afirma ao mesmo tempo como incontestável que a absolvição fora desse caso só poderia ser dada por um sacerdote. Conclui que a confissão poderia ser recebida tanto por um sacerdote ignorante que pronunciaria a absolvição quanto por um diácono ou mesmo um leigo instruído que daria conselhos e imporia a penitência adequada. De sacramento paenitentiae, c. XIX, Opera, Paris, 1674, t. 1, p. 499, 500.

Alexandre de Halés (+1245) diz que a recomendação de São Tiago de confessar mutuamente os pecados deve, para os leigos, ser entendida apenas para faltas veniais, ou ainda como uma confissão geral não detalhada, semelhante àquela expressa no Confiteor. Ele admite, no entanto, que é permitido e às vezes útil fazer uma confissão detalhada a leigos mesmo de pecados graves. Apenas sustenta que essa confissão a leigos nunca é sacramental, pois não tem como fim obter uma verdadeira reconciliação por meio da absolvição. Summa, l. IV, q. XIX, m. 1, Colônia, 1622, t. IV, p. 596. Ele a considera boa, mas não a diz obrigatória. Não parece, além disso, lhe atribuir mais eficácia em caso de necessidade do que em outros momentos.

Alberto Magno (+1280), considera a confissão feita a leigos, na ausência de sacerdotes, em caso de necessidade, como sacramental, ou seja, como parte do sacramento da penitência, não devido à absolvição que o leigo daria, mas devido à confissão em si. IV Sent., l. IV, dist. XVII, a. 59, Opera, Paris, 1894, t. XXIX, p. 755. Essa visão se compreende quando se lembra (ver acima) que ele não considerava a absolvição como a forma do sacramento e que ele via a remissão do pecado e da pena eterna como os efeitos dos atos do penitente. Ele rejeita a opinião de alguns autores de sua época, que afirmavam que, na falta de um sacerdote, bastava a confissão in voto ou a confissão a Deus. Ele considera que, se não houver sacerdote e for possível confessar-se a um leigo, é necessário fazê-lo. Compendium theologicae veritatis, l. VI, c. XXVI, t. XXXIV, p. 226. É bastante lógico concluir a partir desses princípios que essa confissão a leigos faz parte do sacramento, uma vez que é requerida para que ele produza seus efeitos. No entanto, segundo Alberto, aquele que se confessou assim é obrigado a repetir a confissão, se posteriormente tiver a facilidade de recorrer a um sacerdote investido do poder das chaves. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. XXXIX, ad 3°, t. XXIX, p. 719. Alberto não reconhece, de fato, aos leigos o poder das chaves, nem o poder de absolver como os sacerdotes. Na opinião dele, no entanto, em caso de necessidade, eles são ministros da confissão, no lugar dos sacerdotes, assim como são do batismo. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. LIX, ad 1°, t. XXIX, p. 755; Compendium theologicae veritatis, loc. cit. Ele atribui a eles, em caso de necessidade, não o poder sacerdotal das chaves, nem o poder sacerdotal de absolver, mas um poder análogo, que ele deriva da unidade da fé e da caridade, ex unitate fidei et caritatis, ibid., q. LVIII, p. 754, ou como ele diz ainda, merito unitatis Ecclesiae, ibid., q. LIX, p. 755, ou seja, sem dúvida, da Igreja. (Alexandre de Halés, ibid., q. XIX, m. 1, n. 1, p. 586, já havia usado expressões semelhantes). Alberto conclui que esse poder pertence aos homens e mulheres em caso de necessidade. Ele não parece concedê-lo aos judeus e hereges.

Como ele coloca a eficácia principal da absolvição sacramental, não na remissão da falta, mas na remissão da pena temporal (ver acima), e aqui ele fala de uma absolvição que justifica, não creio que, ao conceder aos leigos um poder das chaves análogo ao dos sacerdotes, ele tenha a intenção de lhes atribuir o poder de pronunciar validamente a fórmula de absolvição, especialmente porque é o reconhecimento que se faz a eles pela confissão que ele considera como sacramental. Ibid., q. LVIII, LIX, p. 754, 755. Além disso, o ilustre dominicano emprestou quase todos os termos que usa de Alexandre de Halés, que certamente nega aos leigos o poder de dar a absolvição sacramental, e São Boaventura, que relata toda a argumentação de Alberto e que deve tê-lo compreendido bem, pensa que ele não conhecia aos leigos o direito de dar a absolvição propriamente dita, mas apenas o de absolver os pecados de certa maneira pela confissão que ouviam. IV Sent., l. IV, dist. XVII, dub. 1, Opera, Paris, 1866, t. V, p. 693.

São Boaventura (+1274) supõe de fato que os leigos nunca dão absolvição. A questão de saber se a confissão a leigos em caso de necessidade é sacramental se impõe a ele. Ele a examina, então. Ele não censura a opinião de Alberto como errada, mas a combate como menos provável e adota o sentimento de Alexandre de Halés. Ele pensa que essa confissão não é obrigatória, mas apenas louvável. Mas a razão pela qual ele a considera não sacramental é que ela não tem como fim obter a absolvição que o leigo não poderia dar; pois não há sacramental, segundo Santo Boaventura, exceto o que é ordenado à absolvição. Ibid., e dist. XVII, p. III, a. 3, q. 1, p. 695, 696. Essa maneira de ver se alinha ainda mais com seus princípios, uma vez que ele considera a absolvição como a forma do sacramento (ver acima).

São Tomás de Aquino (+1274) é, como já dissemos, ainda mais formal a esse respeito. Assim, ele não admite a opinião de Alberto de que a confissão a leigos, na falta de sacerdote, é sacramental. Se essa confissão é feita pelo desejo de se confessar a um sacerdote, ela é sacramental de certa maneira, embora não seja um sacramento perfeito. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. II, a. 3, sol. 2, ad 1um, Opera, Paris, 1873, t. X, p. 508 sq.; Summaa supplementum, q. VII, a. 2, ad 1°. Por que é sacramental de certa maneira? Porque, em caso de necessidade, o penitente deve (São Tomás parece considerá-lo um dever) cumprir os atos do penitente, tanto quanto possível, e confessar-se a quem puder; ora, o leigo que o ouve suplanta o sacerdote tanto quanto possível, embora não possa absolver. Ibid. Assim, ao se confessar ao leigo, obtém-se o perdão dos pecados, porque se cumpre o mandamento de Deus, tanto quanto possível. Ibid., ad 3°. Mas por que essa confissão não é sacramento perfeito? É por falta de sacerdote e de absolvição. Quia deest et id quod est ex parte sacerdotis. Ibid., ad 1°. Assim, deve ser recomeçada ao sacerdote, se for possível, para ser reconciliado por ele com a Igreja e especialmente porque o sacramento da penitência não foi perfeito; portanto, deve ser recebido novamente para obter um efeito mais completo e para cumprir o preceito de recebê-lo. Ibid., ad 3°. O doutor angélico considera, além disso, que a confissão dos pecados veniais a um leigo, em caso de necessidade, é um sacramental que remete esses pecados como a água benta. Ibid., sol. 3, et ad 3.

Desde o século XIII. — Duns Scot (+1308) deve ter atribuído pouco valor à confissão feita a leigos na falta de sacerdote, uma vez que ele considerava exclusivamente o sacramento da penitência na absolvição sacerdotal. Ele ensina, de fato, que um leigo não pode ter nenhuma parte na dispensa desse sacramento e que a confissão feita a ele é sem eficácia ex opere operato. IV Sent., l. IV, dist. XIV, q. IV, n. 5, Lyon, 1639, t. IX, p. 90. Ele vai além: em caso de necessidade, essa confissão não lhe parece obrigatória, nem mesmo útil; pois pode-se humilhar por seus pecados e obter os conselhos de um leigo sábio, sem se confessar a ele. IV Sent., l. IV, dist. XVII, q. 1, n. 27, p. 331.

Naquela época, havia consenso de que a confissão a leigos não tinha nada de sacramental. Não se discutiu mais após Duns Scot, exceto sobre sua necessidade e, em seguida, sobre sua utilidade. A opinião favorável à sua necessidade perdeu cada vez mais terreno. Guy de Montrocher ainda a defendeu por volta de 1333 em seu Manipulus curatorum, parte II, tr. III, c. IV, in fine. Um pouco mais tarde (1338), Bartolomeo de Santo Concordio afirma, em sua Summa Pisana, que ela ainda é sustentada por alguns autores, embora ele a combata. Não parece ter tido mais partidários no século XV. Veja Laurain, De intervention des laïques dans administration de la pénitence, Paris, 1897, p. 46 sq.

Assim que a confissão a leigos deixou de ser considerada por ninguém como sacramental ou necessária, restava apenas saber se era vantajosa. Se tinha de fato alguma utilidade, por que seria apenas em caso de necessidade? A questão passou então a ser mais geral: era bom confessar seus erros a leigos, seja para se humilhar, seja para receber conselhos? Fez-se uma distinção entre uma confissão que se desejaria tornar sacramental e uma confissão à qual não se daria esse caráter. A primeira, condenada pelos hussitas e wiclifistas pelo concílio de Constança e pelos protestantes pelo concílio de Trento, foi reprovada por todos os teólogos. A segunda, após ter sido recomendada no século XV, foi cada vez menos recomendada no século XVI e XVII. Veja Laurain, ibid. Suarez (+1617) considera que é necessário pesar os benefícios e os inconvenientes para cada caso particular. In IIIª IIae partem, De poenitentia, disp. XXIV, sect. 1, n. 10, Opera, Paris, 1872, t. XXII, p. 523. De Lugo (+1660) acredita que deve ser recomendada muito raramente e que nunca deve ser feita uma obrigação; ele assegura que essa é a opinião dos teólogos de seu tempo. De sacramento poenitentiae, disp. XVIII, sect. 1, n. 4, Lyon, 1644, p. 440. Alberto Magno, IV Sent., l. IV, dist. XVII, a. 35, t. XXIX, p. 707, já desaconselhava a confissão a leigos fora do caso de necessidade, onde a considerava obrigatória. Fora desse caso, os autores anteriores também não a recomendavam de maneira geral, exceto para faltas leves e diárias.

4º Conclusões. — 1. Do século VIII ao final do século XI, os teólogos admitiram que a confissão dos pecados graves deveria sempre ser feita aos sacerdotes; eles aconselhavam todos os fiéis a se confessarem mutuamente, nas suas conversas diárias, sobre seus pecados leves. — 2. No final do século XI, Lanfranco afirma que a confissão dos pecados graves a clérigos inferiores, ou até mesmo a leigos, garante o perdão, quando não se pode confessar aos sacerdotes. Seguindo o autor do De vera et falsa paenitentia e Pedro Lombardo, os teólogos da segunda metade do século XII acreditam que a confissão dos pecados graves a um leigo, na falta de sacerdote, justifica o penitente, em razão da contrição que ela manifesta. — 3. Os autores do século XIII continuam a admitir isso; eles se perguntam se essa confissão é sacramental. Alberto Magno é o único a sustentá-la. Alexandre de Hales e São Boaventura têm uma opinião contrária. São Tomás diz que ela é sacramental de certa maneira, mas que não é um sacramento perfeito. — 4. Alberto Magno e, ao que parece, São Tomás de Aquino consideram essa confissão obrigatória; mas Alexandre de Hales, São Boaventura e também, acreditamos, os autores anteriores a recomendam, mas não a impõem. — 5. Duns Scot combate a eficácia que lhe é atribuída, nega a necessidade e contesta a utilidade. — 6. A opinião que a impunha como obrigatória perde terreno e desaparece no século XIV. — 7. Continua a ser aconselhada até o século XVI. — 8. A partir dessa época, ela deixa de ser praticada gradualmente e os teólogos a desaconselham, pelo menos nas circunstâncias habituais. — 9. As opiniões sobre o assunto no século XII, no século XIII e no início do século XIV estavam relacionadas com as doutrinas da época sobre a eficácia da absolvição e sobre os elementos constitutivos do sacramento da penitência. — 10. Durante esse longo período de tempo, o poder de dar a absolvição foi negado, por todos os teólogos, aos leigos que ouviam essa confissão. No entanto, Alberto Magno se expressa sobre esse ponto em termos que não são suficientemente claros.

IV. QUE FORMA DEVE ASSUMIR A ABSOLVIÇÃO DOS PECADOS?

Nenhuma teoria teológica, nem qualquer discussão surgem sobre esse assunto antes do século XIII. No início do século XIII, Guilherme de Auvergne ainda afirma que o sacerdote não absolve por uma fórmula declaratória, como as sentenças judiciais: absolvimus, condennamus, mas por uma fórmula deprecatória. De paenitentia, c. XIX, Paris, 1674, p. 499, 2ª col. M. Schanz, Die Lehre von den heiligen Sacramenten, §39, Friburgo-Breisgau, 1893, p. 539, conjectura que a doutrina que atribuía a remissão da culpa do pecado à contrição, por não conceder um valor declaratório à absolvição em relação a essa remissão, contribuiu para introduzir e generalizar o uso das fórmulas indicativas. Essa conjectura já havia sido feita por Morin. Seja como for, as teorias dos teólogos provam que por volta de 1230, e desde então, usou-se geralmente, como ainda fazemos hoje, duas fórmulas sucessivas: uma deprecatória: Misereatur tui, etc., Indulgentiam, etc., e outra indicativa: Ego te absolvo.

Alexandre de Hales (+1245) adapta essa dupla fórmula à sua teoria, segundo a qual Deus perdoa os pecados ao conceder a contrição, enquanto que pela absolvição o sacerdote remite a pena temporal e reconcilia o pecador com a Igreja. Ele recorda uma opinião cujos autores não nomeia, mas à qual subscreve, a de que o sacerdote é um mediador que sobe do homem para Deus, e desce de Deus para o homem. Ele sobe do homem para Deus em súplica, para pedir a graça. É por isso que antes da absolvição ele pronuncia uma oração. Ele desce de Deus para o homem em juiz, para reconciliar o pecador com a Igreja: é por isso que a absolvição é na forma indicativa; a oração que precede pede a graça, a absolvição supõe a graça: deprecatio gratiam impetrat et absolutio gratiam supponit. Summa, part. IV, q. XXI, m. 1, Colônia, 1622, t. IV, p. 615. Observemos que o doutor franciscano considera a absolvição apenas nas palavras indicativas e que a fórmula deprecatória é, para ele, apenas uma oração preparatória.

Já vimos que São Boaventura (+1274) retomou a observação de seu confrade. Isso se encaixa melhor com sua teoria sobre o poder das chaves, pois ele admite que esse poder se estende até a remissão do pecado, para os penitentes que teriam apenas a atrição. Ele se estende até essa remissão, de forma de pedido, e isso é significada na oração que acompanha a bênção do sacerdote. Mas esse poder age propriamente falando de forma de comando, na fórmula indicativa, e na medida em que se exerce de forma de comando, supõe o pecado apagado e não vai até remetê-lo. IV Sent., I. IV, dist. XVIII, p. I, a. 2, q. 1, Paris, 1866, t. VI, p. 11. São Boaventura, portanto, também considera a absolvição na forma indicativa. Ibid. Deve-se, portanto, entender de forma ampla o que ele diz um pouco mais acima, que o sacerdote dá a absolvição de forma deprecatória, dizendo: Indulgentiam tribuat, etc., e depois dizendo: Et ego absolvo te. IV Sent., I. IV, dist. XVII, p. II, dub. V,  t. V, p. 675.

São Tomás de Aquino (+1274) é muito mais categórico. A absolvição é a forma do sacramento da penitência, diz ele, porque o sacerdote tem a parte principal. Ora, a forma deve expressar perfeitamente o efeito do sacramento. A absolvição consiste, portanto, nessas palavras: Ego te absolvo. Summa theol., IIIa, q. LXXXIV, a. 3. As fórmulas deprecatórias: Misereatur tui, etc.; Absolutionem et remissionem tribuat tibi Deus não pertencem à absolvição; pois não significam que ela é dada; elas apenas pedem que o seja. Ibid., ad 1º.. A fórmula: absolvo te, não é, além disso, simplesmente significativa e ostensiva; ela é ainda efetiva: ela produz o que significa. Ibid., ad 5°. Em um de seus opúsculos, De forma absolutionis, opusc. XVIII (ou XX), Opera, Paris, 1875, t. XXVII, p. 417, o doutor angélico combate um escrito que sustentava que as palavras: Ego te absolvo não são a forma da absolvição. Nele estabelece a mesma doutrina que acabamos de expor segundo sua Summa theológica. Ele nos informa que em seu tempo todos os mestres em teologia que ensinavam em Paris estavam unânimes em pensar que não há absolvição pela forma deprecatória, sem essas palavras: Ego te absolvo. c. II, 4°, p. 449. Desde então, até o século XVII, nenhum teólogo latino parece ter considerado as fórmulas deprecatórias como necessárias para a absolvição.

Duns Scot (1308), IV Sent., I. IV, dist. XIV, q. IV, n. 4, Lyon, 1639, t. IX, p. 82, diz que a fórmula usada varia com as diversas Igrejas, mas que deve expressar a sentença pela qual o sacerdote absolve: o que geralmente se faz por essas palavras: Ego te absolvo, quaisquer que sejam as que as precedem ou seguem. Um século depois, Gerson (+1429) dá a mesma solução, constatando, por sua vez, que os sacerdotes usam palavras diversas, porque não leem as palavras da absolvição em livros e não as pronunciam publicamente como a forma dos outros sacramentos. Opusculum super absolutione, Opera, Antuérpia, 1706, p. 406. No seu decreto aos armênios, o Concílio de Florença, expressando o uso universal da Igreja latina e utilizando os mesmos termos de São Tomás em um de seus opúsculos, declarou que a forma do sacramento da penitência são as palavras da absolvição que o sacerdote pronuncia, quando diz: Ego te absolvo. Denzinger, Enchiridion symbolorum, n. 594, Würzburg, 1888, p. 163. Veja mais abaixo, col. 244, o artigo XVI ABSOLUÇÃO sob forma deprecatória.

Sobre a eficácia da absolvição: Schaezler, Die Lehre von der Wirksamkeit der Sacramente ex opere operato in ihre Entwicklung innerhalb der Scholastik, in-8°, Munique, 1860; Schwane, Dogmengeschichte der mittleren Zeit, § 132, in-8°, Friburgo-en-Br., 1882, p. 661 e ss.; Schanz, Die Lehre von den heiligen Sacramenten, §§ 38-40, 43, in-8°, Friburgo-en-Brisgau, 1893, p. 498 e ss.

Para os autores anteriores a Scot: dom Chardon, Histoire des sacrements, Pénitence, sect. IV, c. VI, em Migne, Curs. comp. theol., Paris, 1840, t. XX, col. 661 e ss.; Mignon, Les origines de la scolastique et Hugues de Saint-Victor, c. XV, in-8°, Paris, s. d., t. II, p. 187 e ss.

Para Scot e os autores posteriores: Werner, Johannes Duns Scotus, c. XV, in-8°, Viena, 1881, p. 471 e ss.; Id., Die nachscotistische Scholastik, c. XI, in-8°, Viena, 1883, p. 395 e ss. — Também se encontrarão informações em uma série de textos dos séculos II ao XVI, transcritos por Launoy, De mente concilii Tridentini circa contritionem et attritionem, c. VIII, Launoli Opera, Colônia, 1731, t. I, p. 150 e ss.

Sobre a confissão aos leigos na falta de sacerdote: Laurain, De l’intervention des laiques, des diacres et des abbesses dans l’administration de la pénitence, in-8°, Paris, 1897; Morin, Comm. hist. de disciplina in adm. sacr. paenitentiae, I. VIII, c. XXIV, Antuérpia, 1682, p. 592 e ss.; dom Chardon, Histoire des sacrements, Pénitence, sect. II, c. VII, loc. cit., p. 415; Tournely, De sacram. penit., q. X, a. 1, Paris, 1728, t. II, p. 204 e ss.

Sobre a forma que deve assumir a absolvição: Morin, op. cit., I. VIII, c. IX, p. 536 e ss.; dom Chardon, op. cit., sect. IV, c. I, p. 639; Schanz, Die Lehre von den heiligen Sacramenten, § 39, Friburgo-en-Brisgau, 1893, p. 539 e ss.

A. VACANT