Chama-se absolvição (de absolvere, desligar, cf. Mateus, XVI, 19; XVIII, 18) a remissão dos pecados concedida pelo sacerdote no sacramento da penitência. Também se chama absolvição a suspensão das censuras impostas pela Igreja. Ver CENSURAS e EXCOMUNHÃO. Aqui nos ocuparemos apenas da absolvição dos pecados. Esta absolvição é o ato do sacerdote, enquanto a contrição, a confissão e a satisfação são os atos do penitente, no sacramento. Portanto, nos limitaremos a considerar, no presente artigo, a absolvição dos pecados em si mesma e em relação àqueles que têm o poder das chaves (Mateus, XVI, 19), ou seja, o poder de absolver, reservando para os termos CONTRIÇÃO, CONFISSÃO e SATISFAÇÃO, o que diz respeito aos deveres do penitente, e para o termo PENITÊNCIA, o estudo do conjunto do sacramento.
Para dar validamente a absolvição, é necessário ser revestido do sacerdócio e ter jurisdição sobre o penitente. Falaremos dessa segunda condição no termo JURISDIÇÃO. Finalmente, encontrará no termo CONFISSÃO, t. III, col. 942-960, a explicação dos deveres do sacerdote na audição dos pecados, que deve preceder a absolvição.
Assim restrita, a questão da absolvição dos pecados ainda oferece matéria para amplos desenvolvimentos. Vamos abordá-los em dezoito artigos que seguem, e cujos títulos são:
1° Absolvição segundo as Escrituras Sagradas.
2° Absolvição no tempo dos Padres da Igreja.
3° Absolvição na Igreja latina do século VII ao século XII.
4° Absolvição: sentimentos dos antigos escolásticos.
5° Absolvição: sua forma atual na Igreja latina.
6° Absolvição: doutrina da Igreja Católica.
7° Absolvição entre os Gregos.
8° Absolvição entre os Russos.
9° Absolvição entre os Sírios.
10° Absolvição entre os Armênios.
11° Absolvição entre os Coptas.
12° Absolvição entre os protestantes.
13° Absolvição entre os anglicanos.
14° Absolvição: teorias dos protestantes modernos e dos racionalistas.
15° Absolvição: questões de teologia moral.
16° Absolvição sob forma deprecatória.
17° Absolvição condicional.
18° Absolvição indireta.
I. ABSOLVIÇÃO, de acordo com a Sagrada Escritura.
I. Promessa do poder de absolver. II. Sua instituição. III. Sua natureza.
Os textos clássicos referentes ao poder de perdoar os pecados são: 1° aqueles onde esse poder é prometido, primeiro a São Pedro, Mateus, XVI, 19, depois a todos os apóstolos, Mateus, XVIII, 18; 2° aquele onde esse poder é conferido, João, XX, 21-23.
I. A PROMESSA.
1° Promessa a São Pedro. Pedro, tendo confessado que Jesus era o Messias e o Filho de Deus, recebe dele a promessa de três prerrogativas: ele será o fundamento da Igreja, terá as chaves dela, ligará e desligará eficazmente na terra em vista do céu. Somente as duas últimas, Mateus, XVI, 19, têm relação com o assunto atual.
Et tibi dabo claves regni caelorum. Jesus usa aqui uma expressão simbólica cujo sentido é bem conhecido: dar a alguém as chaves de uma casa é constituí-lo proprietário dela, ou pelo menos intendente daquele que permanece o mestre. O uso bíblico é absolutamente conforme a esta interpretação. Sobna, o intendente infiel do Templo (ou do palácio real), sendo substituído por Eliacim, é a este que o Senhor "dará a chave da casa de Davi; e ele abrirá, e ninguém fechará; e fechará, e ninguém abrirá". Isaías, XXII, 22. Cristo é dito ter "as chaves da morte e do inferno", Apocalipse, I, 18, porque ele é o mestre da vida e da morte. Cf. Apocalipse, III, 7; IX, 1; XX, 1; Lc XI, 52.
Pedro será então investido da autoridade suprema no reino messiânico: ele será o chefe, o legislador, o juiz; e ele terá especialmente o poder de admitir no reino ou excluir dele aqueles que merecem. Ora, o principal, e em certo sentido o único, obstáculo à entrada dos homens no reino dos céus é o pecado. É por isso que o precursor insistiu tanto na necessidade da conversão e da penitência para ter acesso ao reino messiânico. Penitentiam agite, appropinquavit enim regnum caelorum. Mateus, III, 2, 8, 4; Lucas, III, 3, etc.
É, portanto, necessário concluir que o poder de perdoar os pecados, ou seja, remover esse obstáculo à entrada no céu, está contido no poder das chaves prometido a São Pedro.
2° Promessa a São Pedro e aos apóstolos. Jesus disse então a Pedro, em Mateus, XVI, 19: Et quodcumque ligaveris super terram, erit ligatum et in caelis et quodcumque solveris super terram, erit solutum et in caelis. Mais tarde, ele dirigiu as mesmas palavras a todos os apóstolos reunidos: Quaecumque alligaveritis, etc., Mateus, XVIII, 18.
As palavras ligare e solvere significam literalmente "prender alguém com laços" (Juízes, XV, 13; Ezequiel, III, 25) e "libertar alguém" (Isaías, XIV, 47; Jó, XXXIX, 5; Salmos, CI, 21).
Essas expressões também tinham um significado metafórico. Dan., VI, 8, 9, 16; Num., XXX, 3, 10 significam: impor uma obrigação. Como demonstraram Lightfoot, Horae Hebraicae, Opera omnia, Rotterdam, 1686, t. II, p. 336 sq., e Buxtorf, Lexicon Chaldaicum, Talmudicum et Rabbinicum, Bale, 1609. Elas eram muito usadas pelos rabinos: nas controvérsias sobre as interpretações da Lei, alguns “ligavam”, ou seja, declaravam algo como proibido, enquanto outros “desligavam”, ou seja, diziam que era permitido. Sabe-se que essas interpretações dos escribas frequentemente tinham força de lei. Mateus, XXIII, 2-4.
Mas esses termos tinham, na época de Nosso Senhor, um sentido ainda mais amplo: designavam o poder de decidir soberanamente em matéria religiosa e de governar a sociedade religiosa. Poder legislativo, poder judiciário, tudo está incluído nessas palavras. Knabenbauer, Comment. in Evang. sec. Matth., Paris, 1893, t. I, p. 66. O poder de perdoar os pecados e de puni-los está necessariamente contido nessa plenitude de poder prometida a São Pedro e aos apóstolos.
Essa conclusão é ainda mais clara se, em vez de considerar essas palavras isoladamente, colocarmos as palavras de Nosso Senhor em seu contexto. É após ter dito a Pedro: “Eu te darei as chaves do céu,” que Jesus prossegue com a intenção evidente de explicar e precisar o sentido dessa metáfora: “assim (em) tudo o que ligares, etc.” O poder de ligar e desatar é, portanto, uma consequência do poder das chaves. Ora, este poder consiste principalmente no direito de admitir no céu ou de excluir do céu; é evidente que Pedro recebe o direito de desatar os homens dos laços do pecado, que os impedem de entrar no céu, bem como o direito de lhes impor penas pelos seus pecados, de forma que, se não quiserem se submeter, serão excluídos do céu.
Já o Papa São Calixto, segundo o testemunho de Tertuliano, apoiava-se nessas palavras de Jesus a São Pedro para justificar seu direito de remir os pecados. Tertuliano, que se tornou montanista, não contesta a legitimidade dessa interpretação, mas apenas a aplicação que o Papa faz a si mesmo do poder concedido a Pedro. De Pudicitia, c. XXI, P. L., t. II, col. 1025.
Por outro lado, é manifestamente exagerado sustentar, como alguns Padres (por exemplo, São Crisóstomo), que aqui se trata apenas do poder de remir ou punir os pecados. Esse sentimento é compartilhado entre os modernos apenas por Grimm, Leben Jesu, 1887, t. III, p. 648.
O contexto da promessa feita aos apóstolos Quodcumque alligaveritis, etc., Mateus, XVIII, 19, fornece um argumento ainda mais decisivo de que o poder de ligar e desatar se estende aos pecados. Trata-se, de fato, do pecador que a caridade obriga a corrigir: “Se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o,” Mateus, XVIII, 15; se ele não quiser ouvir a correção fraterna, V. 16-17, deve-se levá-lo à Igreja, Dic Ecclesiae. A Igreja, isto é, seus líderes, já que Jesus está falando aqui dos apóstolos, V. 18, tem o direito de impor ao pecador obrigações relacionadas com sua falta, e ele tem o dever de se submeter. Se não o fizer, deve ser excluído da Igreja: “Se não ouvir a Igreja, seja para ti como um gentio e um publicano”; se se submeter, será mantido na Igreja e reintegrado na comunhão com seus irmãos. Pois, acrescenta Jesus, tudo o que os apóstolos fizerem neste contexto, punir o pecador, excluí-lo até mesmo da Igreja, perdoar sua falta assim como as penas decorrentes disso diante de Deus, tudo isso será ratificado no céu: “Em verdade vos digo, tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desatares na terra será desatado no céu,” V. 18.
Essa consequência é tão evidente que mesmo exegetas protestantes, como Keil e Weiss, reconhecem que se trata aqui do poder de remir os pecados; apenas por razões alheias ao contexto, que não serão examinadas aqui, eles atribuem esse poder à multidão dos fiéis.
II. INSTITUIÇÃO
"Quorum remiseritis peccata, remittuntur eis; et quorum retinueritis, retenta sunt." João, XX, 23. Na mesma noite de sua ressurreição, Jesus, aparecendo pela primeira vez aos seus discípulos reunidos, depois de saudá-los e mostrar-lhes as chagas de suas mãos e de seu lado, lhes diz novamente: "A paz esteja convosco," como se quisesse se despedir; mas essas palavras tinham, nesta circunstância solene, um significado particular. Ele lhes confia, de fato, a missão que Ele mesmo havia cumprido, de restabelecer a paz entre Deus e os homens. "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio." Portanto, os apóstolos recebem de Jesus tanto a missão de realizar a mesma obra que Ele, quanto a autoridade que Ele mesmo recebeu de Seu Pai para esse fim. E Jesus especifica e detalha qual será essa missão e essa autoridade. Ele sopra sobre eles e lhes diz: "Recebei o Espírito Santo." Assim como o Criador insuflou uma alma vivente no primeiro homem, Jesus, em quem reside a plenitude do Espírito Santo, Isaías, iX, 2; João, III, 34, etc., dá aos Seus apóstolos esse Espírito santificador e vivificante. Ele o dá a eles naquele momento; pois não diz "receberéis" (no dia de Pentecostes), mas "recebei-o". A partir desse momento, os apóstolos são, portanto, os depositários do Espírito Santo, fonte e autor da santificação, e eis qual será o seu poder: "Aqueles a quem perdoardes os pecados, eles são perdoados; aqueles a quem os retiverdes, são retidos."
1º O Poder de Perdoar os Pecados
"Perdoar os pecados" (remittere peccata), de acordo com o significado natural das palavras e o uso constante das Escrituras, é libertar o pecador de suas faltas, de tal forma que, diante de Deus, a culpa não exista mais e o pecador se torne justo, amigo e filho de Deus, Romanos, IV, 5; Tiago, II, 23; Romanos, VIII, 14 ss., ao contrário de inimigo de Deus e filho da ira como era antes. Efésios, II, 3; Romanos, V, 10, etc.
Somente Deus possui por direito próprio o poder de perdoar os pecados dessa maneira. Por isso, quando Jesus diz ao paralítico: "Teus pecados estão perdoados," Mateus, IX, 2, os fariseus começaram a murmurar: "Quem é esse que pronuncia tais blasfêmias? Quem pode perdoar pecados senão Deus?" E Jesus não contesta a validade desse raciocínio, mas lhes prova, através do milagre pelo qual cura o paralítico, que "o Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar pecados." Lucas, V, 21 ss.
Agora, é precisamente esse poder, exclusivamente divino, que Jesus comunica aos Seus apóstolos. É para torná-los capazes de exercer um poder que pertence somente a Deus que Ele lhes dá o Espírito Santo. — Ele usa a expressão "remissionem peccatorum," que é o termo consagrado para designar a remissão dos pecados como Deus mesmo opera: no Pai-Nosso, por exemplo, Jesus nos faz dizer a Deus: "Perdoai-nos as nossas dívidas," Mateus, VI, 12; da mesma forma em Lucas, XI, 4: "Se não perdoardes aos homens, vosso Pai celestial também não vos perdoará,"; Jesus na cruz diz ao Pai: "Perdoai-lhes," Lucas, XXIII, 34; é também o termo usado para dizer que Jesus perdoou os pecados, Mateus, IX, 6; Marcos, II, 5, etc. — Finalmente, Jesus dá aos Seus apóstolos, em relação aos pecados, tanto a Sua própria missão quanto a Sua própria autoridade, "como o Pai me enviou, eu também vos envio," João, XX, 21; agora, Jesus veio para libertar os homens de seus pecados, Mateus, I, 21, para justificar os pecadores, Mateus, IX, 13; Lucas, V, 32; e Ele frequentemente perdoou pecados, por exemplo, ao paralítico, Mateus, IX, 2, à pecadora, Lucas, VII, 47.
Assim, com esse poder divino que lhes é dado, os apóstolos perdoam os pecados de tal forma que estes são perdoados eficazmente, imediatamente e ipso facto; não há intervalo nem intermediário entre a ação dos apóstolos e a remissão efetiva dos pecados. Jesus diz de fato: "Estão perdoados," e não "serão perdoados". Alguns manuscritos têm a leitura: "πεποιημένα" (perfeição), forma mais rara do presente, outros "πεποιηκεν", que é mais provavelmente um perfeito, o que indicaria ainda mais vigorosamente a infalível eficácia da remissão. Winer, Grammatik des neutestamentlichen Sprachidioms, § 14, 3, 5ª ed., Leipzig, 1844, p. 91.
2º O Poder de Reter os Pecados
Jesus Cristo não deu apenas aos Seus apóstolos o poder de perdoar os pecados, mas também o de retê-los: "quorum retinueritis, retenta sunt" (João, XX, 23). Essas palavras são de extrema importância, pois determinam a natureza do ato pelo qual os ministros de Jesus Cristo perdoam os pecados.
Os apóstolos estão, de fato, diante dessa alternativa: eles podem perdoar ou reter os pecados. A escolha do partido ao qual se determinarão não pode evidentemente depender do acaso ou de seu capricho. Pois trata-se, por um lado, dos pecados, isto é, dos crimes de lesa-majestade divina que lhes são confiados; e, por outro lado, da justificação concedida ou recusada ao pecador e, consequentemente, da sua admissão no céu ou de sua exclusão. É impossível admitir que Jesus Cristo, a sabedoria incriada, quis deixar uma matéria tão grave e com tantas consequências ao arbítrio e aos caprichos de Seus ministros.
É evidente que Ele pretende impor-lhes a obrigação de agir de acordo com a justiça e a equidade, isto é, de se conformar às leis em vigor no reino de Jesus Cristo e de levar em conta o grau de culpabilidade e arrependimento dos pecadores. Mas, para que seu julgamento de perdão ou de recusa de perdão seja justo, é necessário que a causa tenha sido instruída previamente e que as faltas cometidas, bem como as disposições do culpado, sejam conhecidas pelos juízes.
Em uma palavra, a remissão dos pecados se dá de forma judicial: os ministros de Jesus Cristo são juízes cuja sentença, seja concedendo ou negando a remissão, tem valor jurídico.
Importa ainda observar que Jesus não diz aos Seus apóstolos que eles têm o poder de perdoar e de não perdoar os pecados; mas de perdoar ou de reter. "Reter" implica mais do que "não perdoar"; a palavra grega "κρατεῖν" significa "segurar, manter" e pressupõe o exercício de uma força, de uma autoridade sobre a coisa que se retém. Este termo é, aliás, o correspondente ao de "ligare," usado na promessa, que significa "impor uma obrigação". Portanto, os ministros de Jesus Cristo têm não apenas o poder de perdoar ou de não perdoar os pecados; eles têm também o direito de impor obrigações e penas relacionadas aos pecados. Seu poder de julgar inclui também o de punir os pecados. E é por meio dessas penas, dessas obrigações que têm o direito de impor, que "retêm" e "ligam" verdadeiramente os pecados; pois, se o pecador não quiser se submeter à obrigação imposta, seu pecado não pode ser perdoado. Cf. Pesch, Prelectiones dogmaticae, Friburgo, 1897, t. VII, p. 25; Oswald, Die dogmatische Lehre von den heil. Sakramenten, Munster, 1877, t. II, p. 33.
Cabe ainda destacar uma consequência que os teólogos tiram desse direito que os ministros de Jesus Cristo têm de reter e ligar os pecados: é que nenhum pecado mortal cometido após o batismo pode ser perdoado independentemente da absolvição sacramental. Pois, se não fosse assim, os ministros de Jesus Cristo teriam recebido em vão o poder de reter e ligar os pecados.
III. NATUREZA DO PODER PROMETIDO E CONCEDIDO POR JESUS CRISTO
Após a explicação do sentido geral dos textos bíblicos referentes à absolvição dos pecados, é importante precisar alguns pontos e estabelecer certas proposições contra as doutrinas errôneas dos hereges.
1° O poder de perdoar os pecados consiste em perdoar o pecado em si e não apenas as penas do pecado, sejam elas aquelas que Deus inflige ao pecador, sejam aquelas que a Igreja impõe por medida de disciplina exterior.
a) O contexto das palavras da instituição prova que a remissão dada pelos apóstolos é seguida de um efeito interior produzido na alma, e que tem como princípio a graça do Espírito Santificador. Não se trata nem do poder de curar as doenças, consequências e penas do pecado, nem do poder de aliviar as penas exteriores pronunciadas pela Igreja.
b) A palavra "ἀμαρτία" designa o ato do pecado (a transgressão da lei), ou o estado de pecado, que resulta da transgressão. Este é o sentido ordinário da palavra nas Escrituras. Não há razão para entendê-la aqui como a pena do pecado, como se deve entender em 2Cor V, 21, onde São Paulo diz que Deus “fez [a vítima pelo] pecado [aquele que não conhecia o pecado]”.
c) O incidente do paralítico mostra bem a diferença que há entre perdoar os pecados e remover as penas do pecado. Jesus havia dito ao paralítico: “Teus pecados estão perdoados”, e o paralítico ainda conservava sua enfermidade; e foi após os murmúrios dos fariseus e para provar-lhes que tinha o poder de perdoar os pecados, que Jesus curou o infeliz de sua doença.
2° Este poder é produtivo e não apenas declarativo da remissão dos pecados. — Lutero, com base em seu princípio fundamental de que a fé sozinha justifica, afirma que os ministros do Evangelho apenas declaram que os pecados são perdoados àqueles que têm fé, ou ainda que perdoam os pecados ao estimular, por meio de sua pregação, a fé que justifica os pecadores. Esta doutrina, independentemente da base sobre a qual se apoia, é insustentável.
a) Em nenhum lugar nas Escrituras, "remitir os pecados" significa "declarar que eles estão remidos"; essas palavras sempre se entendem como uma remissão efetiva e propriamente dita: seja aquela que Deus concede aos homens, seja aquela pela qual os homens se perdoam suas ofensas mútuas. Mt., XVIII, 32, 35; Mc., XI, 25; Lc., VII, 47-49; XI, 4; Rm., IV, 7, etc.
b) O poder que Jesus deu aos seus apóstolos, segundo as próprias palavras de Nosso Senhor, é tal que Deus mesmo opera a remissão pronunciada por seus ministros: Quorum remiseritis, remittuntur; quæcumque solveritis, soluta sunt. O ato dos apóstolos é seguido de um efeito, uma remissão real; ora, uma declaração por si só seria ineficaz: ela apenas constataria a existência das condições requeridas para a remissão, não a operaria. — Se a explicação de Lutero fosse verdadeira, seria mais justo dizer que os pecadores mesmos se perdoam seus pecados; e Nosso Senhor teria usado uma expressão inadequada, se ao dizer: "Vós perdoareis os pecados", ele quisesse dizer que seus ministros não tinham outro poder senão o de constatar e declarar que os pecados são perdoados àqueles que têm fé.
c) A locução não seria menos inadequada, se a remissão dos pecados operada pelos apóstolos consistisse apenas na pregação pela qual eles estimulam a fé e a penitência. Nesse caso, a ação dos apóstolos sobre a remissão seria muito distante e indireta para que Nosso Senhor pudesse ter dito pura e simplesmente: Quorum remiseritis... remissa sunt.
d) Além disso, não se entenderia, se a explicação de Lutero fosse a verdadeira, em que consistiria o poder que os apóstolos têm de reter os pecados. Seria o próprio pecador que reteria seus pecados e não os ministros declarando que eles não são remidos, se não tiverem fé. Seria ainda mais absurdo dizer que eles retêm os pecados ao não pregar: pois, nesse caso, eles teriam o direito de não pregar, enquanto Jesus lhes fez uma obrigação de pregar. Mt., XXVII, 19; I Cor., IX, 16, etc.
Mas se objetará o paralelismo entre os textos de São João: Quorum remiseritis..., de São Lucas (Oportebat praedicari in nomine ejus [Christi] pœnitentiam et remissionem peccatorum in omnes gentes, XXIV, 47); e de São Mateus: Euntes, docete omnes gentes..., XXVIII, 19. Conclui-se, assim, pela identidade do poder de remir os pecados com o de pregar.
Esse paralelismo não existe. As palavras citadas foram proferidas em circunstâncias totalmente diferentes. As que relata São João foram ditas por Jesus, a primeira vez que apareceu a todos os seus discípulos, na mesma noite do dia da Páscoa, em Jerusalém, em uma casa cujas portas os discípulos haviam fechado. As que relata São Mateus, ao contrário, são apresentadas como as últimas palavras de Jesus para os seus, e foram ditas por ele na Galileia, na montanha onde ele lhes havia dado encontro. Mt., XVIII, 16. Quanto a São Lucas, é verdade que ele parece atribuir à primeira aparição do dia da Páscoa as palavras sobre a pregação e a penitência; mas o uso deste evangelista, quando emprega a fórmula VI, 1, 12; IX, 46, 51; XIII, 23; XVIII, 15, etc., e a comparação com São Marcos, XVI, 15-19, mostram que a partir do v. 44 já não se trata do mesmo discurso de Jesus. Knabenbauer, Comment. in Evang. sec. Luc., Paris, 1896, p. 646.
Além disso, mesmo que essas diversas palavras de Nosso Senhor tivessem sido proferidas na mesma circunstância, não seria permitido identificá-las: pois cada uma delas tem um sentido bem preciso e determinado, que não permite confundir "pregar" com "remir os pecados".
3° Esse poder é distinto do de batizar.
a) As circunstâncias da instituição, as palavras empregadas por Nosso Senhor, o rito que ele estabeleceu e o efeito produzido tudo marca uma diferença profunda entre o batismo e a absolvição dos pecados dada pelos ministros de Jesus Cristo.
O batismo de Jesus Cristo foi instituído definitivamente na Galileia, imediatamente antes da Ascensão, Mt., XXVIII, 16-19; o poder de remir os pecados foi dado aos apóstolos no dia da Páscoa, em Jerusalém. As palavras empregadas por Nosso Senhor são diferentes: "Vós batizareis [todas as nações] em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", e: "Aqueles a quem perdoardes os pecados, são perdoados; aqueles a quem os retiverdes, são retidos."
O rito é diferente. O batismo é uma ablução exterior com água "mergulhar na água", e é à água conjuntamente com o Espírito Santo que é atribuída a purificação do homem pecador: mundans lavacro aquae in verbo vitae. Ef., V, 26; I Ped., III, 21. Para a absolvição dos pecados, não se menciona a água, e é à vontade dos ministros de Jesus, agindo como juízes, que é atribuída a remissão dos pecados: Quorum remiseritis, remittuntur.
O batismo é o sacramento da regeneração, ut quis renatus fuerit ex aqua et Spiritu Sancto; nada semelhante é dito da remissão dos pecados concedida a todos, e portanto, aos que já são regenerados.
No batismo, a remissão dos pecados é um ato de pura graça, nenhuma pena é infligida a quem recebe este sacramento; na penitência, ao contrário, a remissão é feita por meio de uma sentença judicial, e penas podem e devem ser impostas, mesmo aos que são absolvidos.
b) Se houvesse identidade entre o batismo e a remissão dos pecados, o poder dado por Jesus de reter os pecados seria incompreensível. Dizer que os pecados são retidos para aqueles a quem não se dá o batismo seria uma locução muito imprópria. Além disso, Jesus deu aos seus ministros o direito de reter os pecados, enquanto lhes deu a ordem de batizar a todos: Euntes, docete omnes gentes, baptizantes eos.
4º Este poder se estende a todos os pecados cometidos após o batismo.
As palavras de Nosso Senhor são absolutamente gerais e sem qualquer restrição: QUODCUMQUE solveris...; QUICUMQUE solveritis...; QUORUM remiseritis; "aqueles, quaisquer que sejam, a quem você perdoa os pecados." Portanto, os pecados mais graves não são excetuados. Os pecados de recaída também não são excetuados. São Pedro, tendo perguntado a Jesus: "Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim e eu o perdoarei? Até sete vezes?" recebeu a resposta: "Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete", Mt., XVIII, 21 ss. (Segundo São Lucas, XVII, 4, Jesus diz: "Sete vezes ao dia perdoa-lhe.") Essas palavras referem-se aos pecados entre particulares, mas devem ainda mais ser aplicadas aos pecados cometidos contra Deus e perdoados por Ele, visto que a misericórdia divina é o modelo que o homem deve imitar: "Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso." Lc., VI, 36.
Essa doutrina da remissão de todos os pecados parece ser contradita por vários trechos bíblicos. No que diz respeito aos blasfêmias contra o Espírito Santo, Mt., XII, 32, e aos pecados que conduzem à morte, dos quais fala São João, I Jo., V, 16, veja BLASFÊMIA CONTRA O ESPÍRITO SANTO.
A Epístola aos Hebreus também contém vários textos desse tipo, VI, 4-8; X, 26; XII, 16-17, sobre os quais os montanistas se apoiavam. Veja a explicação desses textos no item HEBREUS (EPÍSTOLA AOS).
5° O poder de perdoar os pecados deve ser exercido perpetuamente na Igreja.
A Escritura não o diz em termos próprios, mas a proposição não é menos certa. Este poder não foi dado exclusivamente aos apóstolos, como certas graças grátis datae (veja esse termo); foi dado a eles da mesma maneira que o poder de ensinar, de batizar, de consagrar a Eucaristia, poderes que, de acordo com todos, continuam e continuarão a ser exercidos na Igreja até o fim dos tempos. Deve, portanto, ser o mesmo com o poder de perdoar os pecados. — Além disso, o motivo pelo qual este poder foi dado aos apóstolos não existe apenas para o seu tempo, ele existirá enquanto houver homens na terra; pois, dada a fragilidade humana, sempre haverá pecadores que precisam de remissão.
O Concílio de Trento sancionou a interpretação que foi dada dos textos relativos à absolvição. Sess. XIV, c. 1, declara:
O Senhor instituiu o sacramento da penitência especialmente quando, ressuscitado dos mortos, soprou sobre seus discípulos, dizendo: Recebei o Espírito Santo... Com este ato tão marcante e palavras tão claras, o consenso de todos os Padres sempre entendeu que o poder de remitir e reter pecados para reconciliar os fiéis caídos após o batismo foi comunicado aos apóstolos e seus legítimos sucessores... Portanto, este santo sínodo, aprovando e aceitando este verdadeiro sentido do Senhor, condena as interpretações inventadas daqueles que distorcem essas palavras para significar o poder de pregar a palavra de Deus e anunciar o evangelho de Cristo, contrariando tal instituição.
Em seguida, define, c. 3:
Se alguém disser que aquelas palavras do Salvador: Recebei o Espírito Santo, não devem ser entendidas como a autoridade de remitir e reter pecados no sacramento da penitência...; mas distorcer... para a autoridade de pregar o evangelho; seja anátema.
Além das obras já citadas, Corluy, Spicilegium dogmatico-biblicum, Gand, 1884, t. II, p. 438-444; Schanz, Die Lehre von den heil. Sacramenten der kath. Kirche, Friburgo em Brisgau, 1893, p. 498-502.
J.-B. PELT.