Examinemos qual a importância que os doutores da Igreja primitiva atribuiram aos textos de São João, XX, 19-23, e de São Mateus, XVI, 19; XVIII, 18, e à especulação, e qual sentido eles deram na prática. Reconheceram claramente o poder de absolver? Agrupemos primeiro os documentos que podem nos ajudar a resolver essa questão; veremos depois as conclusões que dela decorrem.
I. TEXTOS PATRÍSTICOS.
1° Igreja síria. — Desde o início do século II, São Inácio de Antioquia (foto) (+ 107) em sua epístola aos Filadélfios, considera o intervenção do Bispo como necessária para a reconciliação dos pecadores com Deus. “Deus, diz ele, perdoa aos penitentes, se eles recorrem à unidade de Deus (ou da Igreja) (Igreja reunida?) e ao consentimento do Bispo”, ou concílio dos Bispos, como indicam outros manuscritos. Epístola aos Filadélfios, c. VIII, P. G., t. v, col. 833. A famosa epístola de Clemente Romano a Tiago de Jerusalém, que é claramente pseudepígrapha e de origem síria (M. Yabbé Duchesne, Liber pontificalis, t. 1, p. 72, data do século II), atribui expressamente aos sucessores dos apóstolos, e em particular ao sucessor de São Pedro, o poder das chaves. “Dou a Clemente [meu sucessor], diz São Pedro, o poder de ligar e desatar que me foi dado pelo Senhor, de modo que tudo o que ele decretar na terra será decretado no céu. Pois ele ligará o que deve ser ligado, e desatará o que deve ser desatado.” Mais adiante, o autor chama os bispos de “chaves”. “Eles têm, diz ele, o poder de fechar o céu e abrir suas portas, porque foram feitos as chaves do céu.” P. G., t. 1, col. 464, 478. — Encontrar-se-á no artigo ABSOLVIÇÃO entre os sírios os testemunhos de dois Padres ilustres, que escreveram em sírio, Afraates, em 337, e São Efrém, alguns anos depois. — Por volta do final do século IV, São João Crisóstomo, em seu tratado sobre o Sacerdócio, ecoa a tradição da Igreja de Antioquia quando escreve:
Entre os seres que têm sua morada na terra, cuja existência está ligada à terra, [os sacerdotes] receberam a missão de administrar as coisas do céu e estão investidos de um poder que Deus não deu nem aos anjos, nem aos arcanjos; pois não foi a eles que foi dito: ‘Tudo o que vocês ligarem na terra será ligado no céu; e tudo o que vocês desatarem na terra será desatado nos céus.’ Os príncipes da terra também têm o poder de ligar, mas apenas o corpo, enquanto o vínculo do Evangelho atinge a alma e se liga aos céus: assim, tudo o que os sacerdotes fazem aqui embaixo, Deus o ratifica lá em cima, e o Senhor confirma a sentença do servo. Ele lhes deu algo além de um poder infinito nos céus? Ele diz: ‘Os pecados são perdoados a quem vocês os perdoarem, e são retidos a quem vocês os reterem.’ Pode existir um poder maior que esse? O Pai celestial deu a seu Filho todo o julgamento: e vejo o Filho transmitir a seus sacerdotes esse direito todo.
De sacerdotio, III, c. v, P. G., t. LXVII, col. 643.
2º Igreja de Alexandria — Na sua doutrina penitencial, Clemente de Alexandria (+ 217) se inspira no Pastor de Hermas. Portanto, vem de Roma. O relato que ele nos transmite da conversão de um jovem bandido, operada por São João em Éfeso, parece indicar que a prática das Igrejas da Ásia Menor não lhe é desconhecida. Depois de mostrar como o apóstolo “garantiu ao culpado arrependido que ele havia obtido seu perdão do Salvador, orou por ele, beijou sua mão purificada pelas lágrimas do arrependimento e o trouxe de volta para a Igreja”, ele descreve certos exercícios penitenciais que se terminam com “a reintegração do pecador no seio da Igreja”. Depois ele acrescenta: “Aquele que recebe o anjo da penitência não terá motivo para se arrepender quando deixar seu corpo; e não será confundido quando ver o Salvador vir em sua majestade.” Quis dives salvetur, c. XLII, P. G., t. IX, col. 649, 652. “O anjo da penitência” é sem dúvida o sacerdote ou bispo encarregado dos exercícios penitenciais que, na linguagem de Clemente de Alexandria, se chamam de “segunda penitência”. Stromata, I. II, c. XIII, P. G., t. VIII, col. 996. Mais uma locução emprestada do Pastor de Hermas. Esta segunda penitência é aquela que os fiéis que caíram em algum pecado grave realizam, em contraste com a primeira penitência, que prepara os infiéis para a recepção do batismo.
Orígenes teve a oportunidade de expor seu pensamento, por volta de 230, sobre os fiéis penitentes, comentando estas palavras da oração dominical: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.” Ele lembra o texto de São João, XX, 23, que confere aos apóstolos e a seus sucessores o poder de perdoar, mas afirma que a idolatria, o adultério e a fornicação formam uma categoria de pecados irremissíveis. Consequentemente, ele censura “os sacerdotes que se arrogam uma autoridade que ultrapassa a dignidade sacerdotal, e que, por ignorância da disciplina, se glorificam por também perdoar esses pecados enormes”. De oratione, c. XXVIII, P. G., t. XI, col. 528-529. Mas é claro que ele não pretende retirar, de forma absoluta, dos sacerdotes o poder de absolver. Em sua Homilía, XVII, in Lucam, ele diz: “Se revelarmos nossos pecados não apenas a Deus, mas também àqueles que podem trazer remédio para nossas feridas e pecados, esses pecados serão apagados por aquele que disse: ‘Eu apagarei suas iniquidades como uma nuvem.’” P. G., t. XIII, col. 1846.
O cisma novaciano, que degenerou em heresia, provocou em todas as Igrejas uma enérgica protestação e uma sólida refutação. Possuímos um Fragmentum ex libris contra novatianos de Santo Atanásio (+ 373): “Da mesma forma, diz ele, que um homem batizado por um sacerdote é iluminado pela graça do Espírito Santo, assim aquele que confessa [sua falta] na penitência recebe, por meio do sacerdote, a remissão (dessa falta) em virtude da graça de Cristo.” P. G., t. XXVI, col. 1316. — No século seguinte, São Cirilo de Alexandria (+ 444), comentando João, XX, 22, expressa-se assim:
Por que o Salvador deu aos seus discípulos uma dignidade que parece reservada a Deus mesmo? Ele julgou conveniente que aqueles que tinham recebido o Espírito divino do Mestre também tivessem o poder de perdoar ou reter os pecados, o Espírito divino perdoando ou retendo por meio de seu ministério. Esses homens que receberam o sopro do Espírito perdoam os pecados de duas maneiras: pelo batismo e pela penitência, pela penitência no sentido de que eles perdoam ou retêm os pecados, seja repreendendo os filhos da Igreja que são pecadores, seja perdoando os penitentes.
In Joa. Evangel., l. XII, P. G., t. LXXIV, col. 721.
3° Igreja de Constantinopla. — A disciplina penitencial primitiva desta Igreja nos é conhecida por um relato de Sócrates e de Sozômenes. Se acreditarmos em Sócrates, o ofício de sacerdote penitenciário teria sido instituído após a explosão do cisma novaciano; segundo Sozômenes, essa instituição remontaria ainda mais, até as origens da Igreja. A confissão pública, ligada à penitência, tornando-se odiosa, o bispo escolheu, entre seu presbitério, um sacerdote que se distinguisse por sua integridade, discrição e prudência, e o investiu com a missão de receber a confissão dos pecadores, impor-lhes obras de penitência proporcionadas às suas faltas, e absolvê-los de seus pecados, absolvebat confitentes.
A direção superior da penitência permanecia sempre com o bispo, que se reservava particularmente a reconciliação solene na época da Páscoa. Mas a audição das confissões particulares, o cuidado de decidir se a confissão também deveria ser pública, a determinação dos exercícios penitenciais, a vigilância dos penitentes, tudo isso era responsabilidade do sacerdote penitenciário. Este ofício foi suprimido pelo arcebispo Nectário, por volta de 390. Sócrates, Hist. eccl., l. V, c. XIX, P. G., t. LXVII, col. 613-617; Sozômenes, Hist. eccl., l. VII, c. XVI, ibid., col. 1457-1460. — O poder de absolver não foi retirado, no entanto, dos sacerdotes ou dos bispos na Igreja de Constantinopla. São João Crisóstomo, sucessor de Nectário, pratica e preconiza o uso da absolvição, e da absolvição repetida. No concílio de Quercia, realizado em 403, uma das principais acusações contra ele era que ele tinha ousado dizer aos pecadores (o que era uma maneira de favorecer a licença): “Se vocês pecarem novamente, façam nova penitência, e também sempre que vierem a mim, eu os curarei.” Hardouin, Concilia, t. I, col. 1042.
4º Igrejas da Ásia Menor. — Firmílio, bispo de Cesaréia na Capadócia († 252), em sua epístola a São Cipriano escreve com segurança: “O poder de remir os pecados foi dado aos apóstolos e às Igrejas que os apóstolos, enviados por Jesus Cristo, estabeleceram, e aos bispos que sucederam aos apóstolos em virtude da ordenação.” Epist. ad Cyprian., n. 16, P. L., t. III, col. 1168. Observou-se que Firmílio formulou essa declaração a propósito do batismo. Mas está claro que o poder do qual ele fala se estende mesmo aos pecados dos fiéis; a alusão ao texto de São João é inegável. — Nenhum Pai da Igreja se ocupou mais da disciplina penitencial do que São Basílio († 379). Suas cartas a Amfilóquio serviram de regra às diversas Igrejas da Ásia Menor. Parece ser um erro, no entanto, ter-se duvidado da autenticidade delas. M. Funk demonstrou que elas são certamente do século IV. Os cânones que elas contêm não indicam explicitamente quem era o ministro da reconciliação. Mas em outro lugar, São Basílio declara que “a confissão dos pecados deve ser feita necessariamente àqueles a quem foi confiada a administração dos mistérios de Deus”. Regulae brevioures. Respons. ad question. 288, P. G., t. XXXI, col. 1284. Se ele não se expressa mais claramente, é porque o poder sacerdotal de absolver não estava então em questão. — São Gregório de Nazianzo se limita igualmente a refutar “aqueles que negam que a Igreja de Deus pode remir todos os pecados.” Orat., XXXIX, in SS. Lumina, n. 18-19, P. G., t. XXXVI, col. 356-357. — Aqui também encontramos uma condenação da heresia novaciana. Pessoalmente, Novaciano não atacava o poder das chaves; ele estava simplesmente preocupado (ambição à parte) com uma questão de disciplina; ele pretendia recusar a reconciliação a uma classe de penitentes, sob o pretexto de que essa era a tradição da Igreja romana. Mas sobre essa questão puramente disciplinar logo se sobrepôs uma questão dogmática. Os novacianos, notavelmente Acésio, no concílio de Nicéia, alegaram que “não estava no poder dos sacerdotes, mas somente no poder de Deus, remir certos pecados”. É por isso que sua doutrina foi condenada. Sozômenes, Hist. Ecl., l. I, c. XXII, P.G., t. LXVII, col. 925.
5° Igreja de Roma e doutores italianos. — O mais antigo testemunho que temos da disciplina penitencial em Roma é o Pastor de Hermas (+ 150). "O anjo da penitência," o "preposto à penitência," ensina a Hermas que a mulher adúltera pode obter o perdão de seu crime fazendo penitência, mas que a recaída deve ser sem remissão, porque "só há uma penitência para os servos de Deus" como diz o texto. Alguns doutores afirmavam que não havia outra penitência eficaz senão aquela que preparava os pecadores para a remissão de suas faltas pela recepção do batismo. O "preposto à penitência" declara falsa tal doutrina. "O Senhor misericordioso teve piedade de sua criatura" diz ele, "e estabeleceu esta penitência (uma segunda penitência) e confiou-me a administração dela. Por isso, após esta grande e santa vocação (do batismo), se alguém for tentado pelo diabo e pecar, ele tem (ainda) uma penitência. Mas se pecar novamente, e fizer penitência, esta última não servirá mais para tal pecador, pois será difícil salvá-lo." Hermas, Pastor, l. II, prólogo, e Mand., IV, c. I-III, P. G., t. II, col. 914, 919. Cf. Novum Testamentum extra canonem receptum, por Hilgenfeld, fasciculus 3, p. 39-42. — Os Cânones de Hipólito, que são de origem romana e remontam ao início do século III, senão ao final do II, colocam na boca do pontífice que consagra um novo bispo estas palavras significativas: “Conceda-lhe, Senhor, o episcopado, e espírito de clemência, e o poder de remir os pecados.” Canon. Hippolyti, c. XVII; Duchesne, Les origines du culte, 2ª edição, p. 506. Há aqui uma alusão evidente à palavra evangélica; se houvesse alguma dúvida sobre isso, as Constituições Apostólicas, que dependem em parte dos Cânones de Hipólito, se encarregariam de esclarecer. “Dá-lhe, Senhor todo-poderoso, por meio de teu Cristo, a participação em teu Santo Espírito, para que ele tenha o poder de remir os pecados segundo teu preceito e teu mandato, e de desatar todo vínculo, qualquer que seja, segundo o poder que tu concedeste aos apóstolos.” Constit. apost., I VIII, c. V, P. G., t. I, col. 1073.
Chegamos ao papa Calisto (+ 222), que, em virtude de sua autoridade episcopal e apesar das protestações dos montanistas, reivindicou o direito e o poder de absolver os pecados mais graves, incluindo adultério e fornicação, desde que os culpados tivessem feito penitência por seus crimes: "Ego et mechiae et fornicationis delicta petentia functis dimitto" diz Tertuliano, De pudicitia, c. 1, P. L., t. II, col. 979.
Pode-se atribuir a instituição dos padres penitenciários em Roma ao papa Simplicius (468-483), pois ele estabeleceu nas basílicas de São Pedro, São Paulo e São Lourenço presbyleros pro paenitentiam petentibus. Liber pontific., ed. Duchesne, t. I, p. 93; cf. p. 249. Se é dito que o papa Marcel (+ 309) "dividiu a cidade de Roma em 25 tituli ou paróquias, para a administração do batismo e da penitência" ibid., p. 75, 164, refere-se à "penitência," preparatória ao batismo. Os padres penitenciários ainda não funcionavam na Cidade Eterna nessa data, que era dividida em um número menor de tituli.
Embora seja certo que o papa Inocêncio I mencione em 414, como "um uso da Igreja romana" os exercícios penitenciais, ele os atribuiu ao bispo de Roma, que é o "padre" de quem ele fala. "Cabe a esse padre," diz ele, "julgar a gravidade dos pecados, supervisionar a confissão do penitente e as lágrimas que atestam seu arrependimento, e absolver quando considerar a satisfação suficiente." De pondere aestimando delictorum sacerdotis est judicare..., ac tune jubere dimitti cum viderit congruam satisfactionem. Também era a ele que era reservada a reconciliação solene dos penitentes na Quinta-feira Santa. Epist. ad Decentium, c. VII, P. L., t. XX, col. 559. E segundo Sozômeno, H. L., l. VII, c. XVI, P. G., t. LXVII, col. 1461, por meio dessa reconciliação episcopal, o penitente "era absolvido de seus pecados"
O papa São Leão escrevia, em 452, a Teodoro, bispo de Fréjus:
Aqui está a regra eclesiástica sobre o estado dos penitentes. A infinita misericórdia de Deus vem em socorro das faltas humanas de maneira a nos dar a esperança da vida eterna, não apenas pela graça do batismo, mas também pelo remédio da penitência; assim, aqueles que profanaram os dons da regeneração podem obter a remissão de seus crimes, com a condição de que se condenem a si mesmos, pois Deus, em sua indulgência, estabeleceu os auxílios de sua bondade divina a esse preço que não possam ser obtidos senão pelas súplicas dos padres: sic divine bonitatis presidiis ordinatis ut indulgentia Dei nisi supplicationibus sacerdotum nequeant obtineri.
Na verdade, o mediador de Deus e dos homens deu aos líderes da Igreja o poder de conceder àqueles que confessam [seus pecados] a ação da penitência e de admiti-los, através da porta da reconciliação, à comunhão dos sacramentos, uma vez que tenham sido purificados por uma satisfação salutar.
O pontífice então exorta os pecadores a se converterem, para que a morte não os surpreenda e torne impossível ou a confissão do penitente ou a reconciliação do sacerdote », vel confessio penitentis vel reconciliatio sacerdotis. « É muito útil e necessário, escreve ele ainda, que o pecador seja aliviado do peso de seus pecados, antes do último dia, pela súplica sacerdotal » mullum utile ac necessarium est ut peccatorum reatus ante ultimum diem sacerdotali supplicatione solvatur. P. L., t. LIV, col. 1011-1013.
Encontrar-se-ia facilmente a mesma doutrina nos escritos do papa Gelásio. Limitamo-nos a invocar o testemunho de São Gregório Magno (+ 604): « Os apóstolos, diz ele, receberam em parte o poder do julgamento supremo, de modo que, no lugar de Deus, vice Dei, retêm os pecados de uns e os perdoam a outros... Eis que aqueles que temem para si mesmos o severo julgamento de Deus tornam-se, no entanto, os juízes das almas. » Na prática, o papa impõe um limite a esse poder de absolver. « É preciso pesar os motivos, diz ele, e só então deve exercer-se o poder de ligar e de desatar; assim, aqueles que o Deus Todo-Poderoso visita pela graça da compunção, a sentença do pastor os absolve (realmente). A absolvição do presidente só é verdadeira quando segue a decisão do juiz interior. » Homil., XXVI, in Evang., l. II, P. L., t. LXVI, col. 1200.
Aos testemunhos dos pontífices romanos, adicionaremos, para a Itália, os de São Jerônimo e de São Ambrósio, que a Igreja colocou entre os doutores. São Jerônimo, em sua epístola a Hélio, n. 8 e 9, exalta a dignidade dos bispos, « que sucederam ao colégio dos apóstolos, que, com sua boca sagrada, produzem o corpo de Cristo, que nos fizeram cristãos, que possuem as chaves do reino dos céus e nos julgam de certa forma antes do dia do julgamento », qui claves regni coelorum habentes quodam modo ante judicii diem judicant. P. L., t. XXII, col. 352-353. — São Ambrósio é mais explícito: « Deus sozinho, diz ele, pode perdoar os pecados, mas o faz através dos homens a quem também deu o poder de perdoá-los. » E em outro lugar: « Aos apóstolos Cristo deu o poder de perdoar os pecados, e dos apóstolos esse poder foi transmitido ao ministério dos padres » quod ab apostolis ad sacerdotum officia transmissum est. E ainda: « Os padres reivindicam o direito que lhes foi dado de perdoar os pecados pelo batismo e pela penitência. » E finalmente: « Esse direito foi concedido somente aos padres, » jus hoc solis permissum sacerdotibus est. In Evangel. secundum Lucam, l. I c. 13; De penit., l. II, c. II, n. 12; l. I, c. VIII, n. 36; c. II, n. 7, P.L. t. XV, col. 1439, t. XVI, col. 499, 477, 468 — Para ter ouvido os quatro grandes doutores da Igreja latina, só nos falta o testemunho de Santo Agostinho. Ele virá a seu tempo com os principais representantes da Igreja da África.
6° Igreja da África. — Tertuliano distingue três tipos de pecados: os minuta ou modica, os media e os majora. Estes últimos, no número de três — idolatria, homicídio e fornicação ou adultério — são irremissíveis. De pudicitia, c. XXI, P. L., t. II, col. 979. Somente Deus pode conceder o perdão, mesmo aos pecadores admitidos à penitência. Quanto aos outros pecados, o severo partidário do montanismo não nega à Igreja o poder de perdoá-los: Habet potestatem Ecclesia delicta donandi. De pudicitia, c. XXI, P. L., t. II, col. 1024. Ele admite até que o bispo exerce em certos casos o poder da Igreja: Salva illa poenitentiae specie post fidem, quae aut levioribus delictis veniam ab episcopo consequi poterit, aut majoribus et irremissibilibus a Deo solo. Ibid., c. XVIII, col. 1017.
No que diz respeito aos lapsi, São Cipriano (+ 258) mantém o regime de severidade. No entanto, a preocupação com a salvação das almas o inspira a dar este conselho e esta regra: « Que cada um confesse seu pecado, enquanto aquele que é culpado ainda está no mundo, enquanto sua confissão pode ser aceita, enquanto a satisfação e a remissão feitas pelos sacerdotes são aceitas por Deus, » dum remissio facti per sacerdotes apud Dominum grata est. Delapsis, c. XXIX, P. L., t. IV, col. 489.
São Agostinho recomenda, em vários lugares de seus escritos, o poder de absolver confiado por Jesus Cristo aos apóstolos e a seus sucessores: « Pedro, diz ele, aparece nas Escrituras como personificando a Igreja. Especialmente neste trecho onde se diz: “Eu te dou as chaves do reino dos céus,” etc. Se Pedro recebeu essas chaves, será que Paulo não as recebeu? Se Pedro as recebeu, será que João e Tiago e os outros apóstolos não as receberam? E não são as chaves da Igreja na qual os pecados são perdoados todos os dias? Mas porque Pedro personificava a Igreja, o que foi dado a ele sozinho foi dado à Igreja. » Serm., CXLIX, n. 6 e 7, P. L., t. XXXVIII, col. 802. Em outro lugar, Agostinho remete os pecadores « aos bispos, que exercem na Igreja o poder das chaves, » venial ad antistites per quos illi in Ecclesia claves ministrantur. Serm., CCCLI (duvidoso), n. 9, ibid., t. XXXIX, col. 1547. Citemos ainda a carta na qual Agostinho critica a conduta dos sacerdotes que fogem ao aproximar-se dos vândalos e denuncia o perigo que eles fazem correr « àqueles que pedem o batismo, àqueles que pedem a reconciliação ou apenas a admissão à penitência, em suma, àqueles que reclamam a administração dos sacramentos. Se os ministros faltarem, exclama ele, que desgraça espera aqueles que sairão deste mundo sem ter sido regenerados ou desatados, » ubi si ministri desint, quantum exitium sequitur eos qui de isto seculo vel non regenerati exeunt vel ligati. Epist., CCXXVIII, ad Honoratum, n. 8, P. L., t. XXXIII, col. 1016.
7° Igreja da Espanha. — A partir do Concílio de Elvira (300), muitos concílios regulamentaram a disciplina penitencial. A heresia novaciana, que tinha adeptos em toda parte, provocou uma carta de São Paciano, bispo de Barcelona (+ 391), refutando Semprônio: « Dizeis que somente Deus pode perdoar os pecados. É verdade; mas o que Deus faz por meio de seus sacerdotes, é ainda Ele quem faz, quod per suos sacerdotes facit, ipsius potestas est. Por que, então, Ele disse aos apóstolos: “Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu”? Por que disse isso, se não é permitido aos homens ligar e desatar? Pretendereis que esse poder foi dado somente aos apóstolos? Mas então somente os apóstolos puderam batizar, somente eles deram o Espírito Santo, somente eles perdoaram os pecados das nações, pois pode-se dizer que os apóstolos sozinhos receberam esses mandamentos. » Epist., I, ad Sempron., n. 6, P. L., t. XIII, col. 1057. Na sua Paraenesis ad paenitentiam, ibid., col. 1084, Paciano indica a quais pecados se aplica o poder sacerdotal de absolver.
8° Igreja das Gálias. — Desde o tempo de São Irineu (antes de 200), vê-se florescer na Gália a disciplina penitencial. Mulheres corrompidas pelos hereges voltaram à resipiscência; elas confessaram publicamente seus crimes e tomaram lugar entre os penitentes. Por qual ministério receberam a absolvição? São Irineu não o diz. São Hilário, bispo de Poitiers, em seu Comentário sobre o texto de São Mateus, XVI, 8, ensina claramente que o Senhor « deu aos apóstolos um julgamento pelo qual aqueles que eles ligassem na terra, isto é, aqueles que deixassem nos laços de seus pecados, e aqueles que desatassem, isto é, aqueles que admitissem à salvação ao conceder-lhes o perdão, seriam, por causa da sentença apostólica, ou absolvidos ou ligados no céu », Immobile severitatis apostolicae judicium premisit, ut quos in terris ligaverint, id est peccatorum nodis innexos reliquerint, et quos solverint (concessione videlicet veniae receperint in salutem), hi apostolica concessione sententiae in caelis quoque absolvi sint aut ligati. P. L., t. IX, col. 1021.
Citemos ainda Genádio, presbítero de Marselha (fim do século V), que em seus Dogmata ecclesiastica, c. LIII, enviados ao papa Gelásio, se expressa assim: « Quanto àquele que é oprimido por pecados mortais cometidos após o batismo, exorto-o a satisfazer primeiro por uma penitência pública e, depois, uma vez reconciliado pelo julgamento do sacerdote, a se associar àqueles que comungam, e ita sacerdotis judicio reconciliatum communionis sociare, se não quiser receber a eucaristia para seu julgamento e condenação. » P. L., t. LVIII, col. 994.
II. ARGUMENTAÇÃO. — A partir dos textos citados, pode-se deduzir quais eram o sujeito, o objeto, o ministro, o momento, a fórmula e a eficácia da absolvição.
1° O sujeito da absolvição é o fiel batizado, culpado de algum pecado grave, ou, para ser mais exato, o penitente. A penitência formava, na origem, um verdadeiro estado, como o catecumenato. Quem, entre os cristãos, havia cometido um dos pecados considerados canônicos, ou seja, sujeitos ao poder das chaves, era classificado entre os penitentes, não por si mesmo, mas pela autoridade do bispo ou do sacerdote penitenciário. Assim se exercia o poder que o Salvador havia concedido aos líderes de Sua Igreja. O penitente estava ligado. É isso que explica o texto de São Efrém: « Que aquele que foi ligado peça então (a Deus pelos ministros) a remissão completa», o texto de Santo Agostinho, sobre Lázaro: Ligatus erat sicut sunt homines in confessione peccati agentes paenitentiam, Serm., CCCLII, n. 8; P. L., t. XXXIX, col. 1558; e o de João Batista ou de um canonista grego, seja quem for: Oratio super eum qui a sacerdote ligatus est cum absolvitur. Morin, De administrat. sacram. paenitent., Appendix, p. 90. Cf. Benoît o Levita (+ 845): Quoniam sine manus impositione nemo absolvitur ligatus. Capitular., I, 116; P. L., t. XCVII, col. 715. Tudo isso será explicado mais detalhadamente, no item PENITÊNCIA canônica.
2º Matéria da absolvição. — Os pecados graves constituíam regularmente a matéria da absolvição. No artigo CONFISSÃO sacramental, veremos por quais meios os primeiros cristãos obtinham o perdão dos peccata minuta, dos pecados menores, ou, como dizemos hoje, dos pecados veniais. Na prática, todos os doutores que citamos não concordam quanto ao número de pecados que podem ser perdoados pelos sucessores dos apóstolos. Orígenes considera que os sacerdotes « ultrapassam seu poder ao perdoar pecados de idolatria, adultério ou fornicação ». Tertuliano tem a mesma opinião e acrescenta o homicídio a essa lista de pecados irremissíveis. Os montanistas e os novacianos promovem essa doutrina; por isso foram condenados pela Igreja. O papa Calisto « declara que perdoa o pecado de fornicação àqueles que fizeram penitência », paenitencia functis. São Ambrósio, São Gregório de Nazianzo, São Paciano, como vimos, combateram os novacianos. São Agostinho expressa assim o sentimento geral: « Há aqueles que disseram: não se deve conceder a penitência para tais e tais pecados; foram excluídos da Igreja e se tornaram hereges. Para qualquer pecado que seja, a nossa mãe Igreja misericordiosa não perde suas entranhas » in quibuscumque peccatis non perdit viscera pia mater Ecclesia. Serm., CCCLII, n. 9, P. L., t. XXXIX, col. 1559.
De onde pode vir o erro de Orígenes, de Tertuliano e dos novacianos? É que, segundo o parecer de alguns historiadores católicos, notadamente de M. Funk, a Igreja, durante certo tempo, acreditava dever, por medida disciplinar, recusar a reconciliação aos homicidas, idólatras e adúlteros. Essa prática não comprometia seu poder de absolver. Mas, gradualmente, pôde-se acreditar que ela não possuía um poder que não fazia uso. E é assim que acabou por se consolidar a opinião que declarava irreprimíveis pela Igreja os pecados de adultério, homicídio e idolatria. A conduta do papa Calisto e a condenação dos montanistas e dos novacianos restabeleceram as coisas. No entanto, observa-se que, segundo vários historiadores católicos, os recaídos não eram admitidos à reconciliação pela Igreja primitiva. Era ainda uma simples medida de disciplina. Historicamente, estabelece-se a existência disso pelos textos de Hermas, Clemente de Alexandria, Orígenes, Tertuliano, São Ambrósio e São Agostinho. A palavra de Hermas: « Para os servos de Deus, há apenas uma penitência » é interpretada por Clemente de Alexandria, Stromata, II, 13, P. G., t. VIII, col. 993-996, no sentido de uma única penitência canônica após o batismo. Pode-se ver os outros textos reunidos em nosso artigo sobre O caráter sacramental da penitência pública (Revue du clergé français, 1 de novembro de 1898, p. 425, nota 2; p. 424, nota 2; p. 429, nota 2; p. 431, nota 1). Isso será estudado mais a fundo no item PENITÊNCIA canônica. No entanto, citamos o texto de São Agostinho: « Embora por uma sábia e salutar precaução tenha sido concedida esta muito humilde penitência apenas uma vez na Igreja, para que este remédio, tornando-se vil, não fosse menos útil aos doentes, enquanto é tanto mais salutar quanto menos exposto ao desprezo, qual é, no entanto, aquele que ousaria dizer a Deus: Por que perdoais ainda a este homem que, após uma primeira penitência, ainda se enredou nos laços da iniquidade? » Epist., CLIII, n. 7, ad Macedonium, P. L., t. XXXIII, col. 656. Vê-se por isso que, se a Igreja não concedia mais a absolvição aos recaídos, ela ainda esperava que Deus lhes perdoasse, devido à Sua misericórdia e ao seu arrependimento.
Quanto à determinação dos pecados graves perdoados pela absolvição, os primeiros Padres não são muito precisos. Vimos que Tertuliano designa como remissíveis os delicta leviora em oposição aos delicta majora e irremissibilia. Esses pecados, relativamente leves, ainda são pecados graves, distintos dos peccata minuta. Por outro lado, São Paciano parece ensinar que os únicos pecados que são matéria necessária da penitência eclesiástica e da absolvição sacerdotal são os três pecados de idolatria, fornicação e homicídio. Paraenesis ad paenitent., c. IV, P. L., t. XIII, col. 1084. São Agostinho se expressa em algum lugar de forma semelhante. « Não cometam, diz ele, os pecados pelos quais é necessário que se sejam separados do corpo de Cristo. Aqueles que vocês vêem fazendo penitência cometeram crimes, tais como adultério ou outras faltas extremamente graves, facta immania; é por isso que fazem penitência. Pois se seus pecados fossem leves, a oração diária seria suficiente para apagá-los. » De symbolo ad catechumenos, c. VIII, P. L., t. XL, col. 636. Mas em outros lugares vê-se que ele entende por pecados penitenciais, isto é, sujeitos ao poder das chaves, de uma maneira geral, "aqueles que estão contidos no decálogo da Lei e dos quais o apóstolo disse: “Quem comete tais coisas não herdará o reino de Deus”, ação penitência para esses pecados deve ser suportada, que legis decalogus continet, e de quibus apostolus ait: quoniam qui talia agunt, regnum Dei non possidebunt." Serm., CCCLI (duvidoso), De paenit., c. VII, P. L., t. XXXIX, col. 1542. Em resumo, os Padres concordam em declarar que todos os pecados graves estão sujeitos ao poder das chaves. Mas quais são os pecados que devem ser classificados nessa categoria é uma questão prática onde se pode observar alguma divergência de opinião. Esse ponto será examinado mais a fundo, nos artigos PECADO e CONFISSÃO.
3° Ministro da absolvição. — São Inácio de Antioquia indica que « os penitentes só obtinham o perdão de seus pecados se recorressem à Igreja reunida e ao consentimento do bispo ». O papel do bispo não está claramente determinado neste texto. O Pastor de Hermas e Clemente de Alexandria (?) mencionam um « anjo da penitência », provavelmente o bispo ou o sacerdote encarregado dos exercícios de penitência e responsável pela reconciliação dos pecadores. Ele concedia a absolvição? Não se diz. Mas Sócrates e Sozômene descrevem de maneira bastante detalhada o ofício do sacerdote penitenciário, cuja existência remonta, segundo o primeiro, ao tempo de Décio, e segundo o segundo, à origem da Igreja. Sozômene diz claramente que em Constantinopla esse sacerdote « absolvía » os pecadores antes de fixar sua penitência e de os classificar na categoria dos penitentes. E o mesmo Sozômene nos ensina que em Roma, onde ele não menciona a existência do sacerdote penitenciário, o bispo presidia os exercícios penitenciais e « absolvía » os pecadores que haviam concluído sua penitência. Hist. eccl., l. VII, c. XVI, P. G., t. LXVII, col. 1461. Ao reler nossos textos, veremos que o pseudo-Clemente de Roma, Clemente de Alexandria, o pseudo-Hipólito, Cipriano, Crisóstomo, Atanásio, Jerônimo, Ambrósio, Agostinho, Paciano, Genádio, Leão, Cirilo, Gregório Magno consideram os sacerdotes, isto é, os bispos e os sacerdotes, como ministros da absolvição. De maneira geral, São Agostinho os chama de antístites; e São Ambrósio declara energeticamente que o poder de absolver foi concedido apenas aos sacerdotes, solis sacerdotibus permissum est. Viu-se uma objeção grave a esta conclusão no texto seguinte de São Cipriano: « Se um libelático adoecer na ausência do bispo, ele poderá recorrer ao sacerdote, e se o sacerdote faltar e o perigo de morte for iminente, ele poderá fazer a exomologese (a confissão) de seu pecado a um diácono que lhe imponha as mãos para a penitência, para que ele compareça diante de Deus com a paz que os mártires solicitaram para ele por suas cartas », libellis. Epist., XII, n. 1, P. L., t. IV, col. 259. De que natureza era esta reconciliação operada pelo diácono por meio da imposição das mãos? Seria uma simples reconciliação no foro externo? Nesse caso, deveria-se dizer que a reconciliação que terminava os exercícios penitenciais, mesmo se realizada pelo bispo ou pelo sacerdote, não tinha a virtude de remeter os pecados. Esta questão tem preocupado os doutores católicos. Aqui estão as diferentes respostas que eles deram a ela.
1) O P. Morin sugere que São Cipriano concedia por exceção aos diáconos o poder de absolver, De disciplina in administratione sacramenti paenitentiea, l. VIII, c. XXIII, assim como a Igreja concede ao simples sacerdote o poder de confirmar, em virtude de uma delegação extraordinária, em circunstâncias determinadas. Tendo visto o poder de absolver, inicialmente reservado ao bispo, se estender ao simples sacerdote, o santo pontífice teria acreditado ser possível comunicá-lo mesmo ao diácono em caso de extrema necessidade. Essa interpretação é geralmente considerada imprecisa.
2) Supõe-se que, segundo a antiga disciplina, a reconciliação tinha um efeito duplo: um no foro interno, ao remeter os pecados, e outro no foro externo, ao permitir ao penitente, agora liberto, participar, como os demais fiéis, das coisas sagradas e, em particular, da comunhão eucarística. De acordo com essa hipótese, São Cipriano teria autorizado o diácono a realizar a reconciliação, se não no foro interno, pelo menos no foro externo. Assim, sem ser absolvido sacramentalmente, o libelático que mostrava sinais de arrependimento era admitido não apenas à penitência, mas também à paz com a Igreja e, pela comunhão eucarística, purificado de seus pecados. A impossibilidade material de recorrer ao bispo ou ao sacerdote dispensava-o de solicitar a absolvição sacramental antes de receber o viático.
3) Segundo uma terceira explicação, a disciplina penitencial dos primeiros séculos compreendia uma dupla confissão e uma dupla absolvição, a primeira privada, a segunda pública. A penitência pública, que constituía o que se chama exomologesis, ver Tertuliano, De paenitentia, c. IX, P. L., t. I, col. 1243, incluía entre seus exercícios a confissão e tinha como término a reconciliação final, cuja característica não era propriamente e necessariamente uma absolvição sacramental dos pecados. Assim, a interpretação do texto de São Cipriano torna-se bastante fácil. O libelático em questão já teria recebido a absolvição propriamente dita de seu pecado para ser admitido à penitência pública. Sem dúvida, a reconciliação final, que implicava a paz da Igreja e o direito de participar da eucaristia, era geralmente reservada ao bispo, ou, em caso de necessidade, ao simples sacerdote. Mas como prevalecia na Igreja a ideia de que os penitentes, em perigo de morte, deviam ser admitidos à comunhão eucarística, São Cipriano quis que, na falta do sacerdote, o diácono acudisse em seu auxílio e os reconciliava. As palavras: manu eis in penitentiam imposita, de fato, apresentam alguma dificuldade. A imposição das mãos era o sinal ordinário da autoridade sacerdotal no rito da reconciliação. É nisso que São Cipriano teria introduzido uma novidade na disciplina penitencial, sem pretender conferir ao diácono o poder de absolver. A imposição das mãos, sinal puramente exterior, não implicava de forma alguma a absolvição propriamente dita, que só tinha eficácia na "oração sacerdotal", como veremos mais adiante. O sentido de in penitentiam é mais difícil de determinar. Isso quer dizer que o diácono admitia por imposição das mãos o libelático à penitência? Ou significa que ele realizava a reconciliação do libelático já penitente? A exomologesis mencionada no texto sugere mais a segunda interpretação, que é, no entanto, menos conforme ao sentido óbvio das palavras in penitentiam. Devemos nos ater, em nossa opinião, a esta segunda interpretação. Dessa forma, pode-se admitir que o libelático, já absolvido pelo bispo, expiava sua falta no grupo dos penitentes, e que o diácono, na ausência de um sacerdote, estava autorizado a reconciliá-lo, ou seja, a conceder-lhe a paz da Igreja e a dar-lhe o viático. Compreenderemos melhor essa teoria se nos reportarmos à história de Sérapion que foi preservada por Eusébio, Hist. eccl., l. VI, c. XLIV, P. G, t. XX, col. 629.
Dionísio de Alexandria decidiu que os lapsi (aqueles que renunciaram à fé) só seriam admitidos à comunhão no leito de morte. Os sacerdotes estavam autorizados a distribuí-la aos culpados arrependidos, especialmente se a solicitassem enquanto ainda estavam com boa saúde. Foi o caso do idoso Sérapion. Prestes a morrer, ele enviou seu jovem sobrinho para procurar um sacerdote. O sacerdote a quem o sobrinho se dirigiu estava doente. No entanto, ele confiou as sagradas espécies eucarísticas ao jovem, que as trouxe religiosamente ao seu tio. Sérapion deu seu último suspiro logo após comungar. “Não é isso uma prova,” observa São Dionísio, “de que esse idoso permaneceu vivo até ser libertado dos laços de sua culpa e que a mancha com a qual tinha contaminado sua alma, oferecendo sacrifícios aos ídolos, foi completamente apagada?” Vê-se por esse exemplo que, na ausência do sacerdote, um simples fiel deu a comunhão a um penitente moribundo. Com mais razão, um diácono poderia ter sido encarregado de desempenhar a mesma função. São Cipriano elevou para casos de extrema necessidade essa função diaconal à altura de uma instituição. Em resumo, para entender o decreto do santo doutor, devemos escolher entre duas hipóteses: ou a reconciliação final compreendia, ao mesmo tempo, uma absolvição no foro interno e uma absolvição no foro externo; ou ela consistia, pelo menos ordinariamente, em uma simples readmissão dos penitentes à comunhão da Igreja e à comunhão eucarística. No primeiro caso, a reconciliação realizada por esse diácono teria sido incompleta e incluiria apenas a absolvição no foro externo; no segundo, teria sido total e teria a mesma virtude que a do sacerdote ou mesmo do bispo. Mas, como neste segundo caso havia apenas admissão à comunhão, nunca se deve concluir que os diáconos exerceram propriamente o poder de absolver.
4º Momento da absolvição. — A absolvição era concedida no momento da entrada em penitência ou no momento da reconciliação final? Os documentos responderão a essa questão. — Vimos pelo texto de São Efrem que o penitente, “aquele que foi atado” só recebe ao final de sua expiação “a remissão completa” de seu pecado. — Lembramos que São Agostinho, na época da perseguição, criticava seus sacerdotes por abandonarem seus postos, enquanto alguns pediam o batismo, outros a reconciliação, outros a imposição da penitência, todos a consolação e a administração dos sacramentos. Se São Agostinho faz distinção entre a reconciliação e a ação da penitência (a imposição da penitência), se os pecadores clamavam em alta voz, não pela reconciliação, mas simplesmente pela penitência, não era para obter mesmo, em certa medida, a absolvição sacerdotal. A simples imposição da penitência não implicava uma espécie de absolvição.
As Constituições Apostólicas, l. II, c. XLI, P. G., t. 1, col. 696, corretamente atribuem a virtude de remir os pecados à reconciliação final: “Ó bispo, impõe as mãos sobre esse fiel que foi purificado pela penitência enquanto toda a comunidade ora por ele, e tu o restabelecerás nos antigos pastos, e essa imposição das mãos será para ele como um [segundo] batismo; pois, dizem os apóstolos, é pela imposição de nossas mãos que o Espírito Santo foi dado aos crentes.” Interrogado (em 405) por Exupério de Toulouse, que não sabia como agir em relação aos “pecadores que, à beira da morte, pediam ao mesmo tempo a penitência e a reconciliação,” o papa Inocêncio I indica dois regimes diferentes, um mais severo, o outro mais brando. “A antiga prática,” diz ele, “queria que se lhes concedesse a penitência, mas que se lhes negasse a comunhão.” Era uma “remissão,” mas não uma remissão total dos pecados. O papa chama essa concessão de remissio durior. Essa absolvição era válida devido ao perigo de morte. Um pouco mais tarde, o papa Celestino I (+432), dirigindo-se aos bispos das províncias de Viena e Narbonne, critica os sacerdotes e bispos “que recusam a penitência aos moribundos” e os acusa de serem “os assassinos das almas.” Quid hoc ergo aliud est quam morienti mortem addere, ejusque animam sua crudelitate, ne absolvi possit, occidere... Salutem ergo homini adimit quisquis mortis tempore petenti paenitenciam denegarit. P. L., t. LVI, col. 576. Não se trata neste texto da reconciliação propriamente dita; o autor fala apenas da admissão à penitência, e, no entanto, parece que a absolvição está atrelada a ela, ne absolvi possit. São Leão, em um dos textos que citamos, faz igualmente distinção entre a admissão à penitência e a reconciliação final: Mediator Dei et hominum... hanc praepositis Ecclesiae tradidit potestatem ut et confitentibus actionem poenitentiae darent et eos salubri satisfactione purgatos ad communionem sacramentorum per januam reconciliationis admitterent. Epist., CVIII, ad Theodor., P. L., t. LIV, col. 1011. De todos esses documentos, parece resultar que a penitência canônica ou eclesiástica não compreendia regularmente uma dupla absolvição, uma no início, outra no final dos exercícios penitenciais.
O Sacramentário Gelasiano, que representa a prática romana da época de Inocêncio I, indica claramente uma oração que o sacerdote pronuncia sobre o penitente na quarta-feira de cinzas, e outra que o pontífice recita na quinta-feira santa para reconciliar o penitente: "Suscipis eum IV feria mane in capite Quadragesimae et cooperis eum cilicio, oras pro eo... In caena Dominii... dat orationem pontifex super eum ad reconciliandum." Sacram. Gelasian., 1, p. 16, P. L., t. LXXIV, col. 1064. O texto que citamos do papa Inocêncio mostra bem que o regime do sacerdote penitenciário estava, em seu tempo, em vigor em Roma, e que a reconciliação dos penitentes ocorria na quinta-feira santa. Ora, de acordo com esse regime, o pecador não era absolvido antes de ser admitido à penitência pelo sacerdote penitenciário. A absolvição ocorria ao término da penitência. O penitente, após ter cumprido as obras de satisfação que lhe eram impostas, “era absolvido de seus pecados” e reconciliado com a Igreja; e essa absolvição era obra do bispo. Em caso de necessidade, por exemplo, em perigo de morte, o bispo concedia a absolvição ou impunha a penitência. Se o penitente sobrevivesse, deveria, embora absolvido, se submeter à penitência pública, ao final da qual havia uma segunda reconciliação ou absolvição.
5º Forma ou fórmula da absolvição. — São Leão designa a absolvição pelo nome de “súplica sacerdotal”. “Multum utile ac necessarium est ut peccatorum reatus ante ultimum diem sacerdotali supplicatione solvatur.” E a prova de que se trata aqui de uma absolvição real e não de uma simples oração de intercessão é que, sem ela, nos diz o mesmo Padre, o perdão de Deus não poderia ser obtido: “ut indulgentia nisi supplicationibus sacerdotum nequeat obtineri.”
Para que não se possa enganar sobre seu pensamento, São Leão se ocupa de lembrar a esse respeito o poder das chaves que o Salvador deu a seus apóstolos e a seus sucessores: “hanc praepositis Ecclesiae tradidit potestatem.” Epist. ad Theodor., loc. cit. A oração recitada pelo bispo ou pelo sacerdote sobre o penitente era múltipla, como vimos. Uma primeira absolvição acompanhava a imposição da penitência. Durante o curso dos exercícios penitenciais, o bispo impunha, orando, a mão sobre os penitentes. E finalmente, uma última oração episcopal, acompanhada da imposição das mãos, operava a reconciliação final. De todas essas orações, a primeira e a última eram as mais importantes.
O Sacramentário Gelasiano nos conservou a fórmula empregada pelo bispo na quinta-feira santa, dia da reconciliação solene dos penitentes:
Assiste, Senhor, a nossas súplicas e na tua clemência atende-me, eu que, em primeiro lugar, preciso da tua misericórdia. Embora não seja pelo mérito próprio, mas pelo dom da tua graça que me estabeleceste como ministro desta obra de [reconciliação], dá-me a segurança de cumprir o teu mandato e realiza tu mesmo, através do meu ministério, a tua obra de piedade... Senhor Deus, que resgataste o homem caído no sangue do teu Filho único, vivifica este [penitente] teu servo, cuja morte não desejas de forma alguma... Cura suas feridas... para que uma segunda morte não alcance aquele que recebeu um segundo nascimento no banho salutar... Poupa aquele que confessa [seus pecados] para que, pela tua misericórdia, ele não sofra as penas que o ameaçam e a sentença do julgamento futuro, etc.
P. L., t. LXXIV, col. 1096.
Infelizmente, não possuímos a fórmula empregada pelo sacerdote penitenciário quando absolvia o pecador e o admitia ao grupo dos penitentes. Não podemos argumentar, para o sexto século, com o formulário atribuído a João o Diaconista. Este Penitencial não é anterior ao século XI, sendo obra de um monge, chamado João o Diaconista. K. Holl, Enthusiasmus und Bussgewalt beim griechischen Mönchtum, 1898, p. 289 sq.
A oração empregada pelo bispo para a reconciliação do penitente, “oratio ad solvendum confitentem postquam penitentiae tempus conplevit”, é assim concebida:
Senhor nosso Deus, que aparecestes a vossos discípulos com as portas fechadas e lhes dissestes ao lhes dar a paz: ‘Os pecados serão perdoados àqueles a quem os perdoardes,’ etc. Vós mesmo, Senhor, segundo a vossa providência invisível e toda-poderosa com a qual administrais todas as coisas, lançai um olhar sobre vosso servo aqui presente, e por minha boca, embora eu seja um pecador, apagai as manchas de seu corpo e as sujeiras com que o pecado cobriu sua alma, e que aquele que está atado pelo cânon seja desfeito do cânon e do pecado que o une, pela vossa graça e misericórdia,” etc.
Morin, op. cit., Appendix, p. 94.
A oração que o confessor recitava sobre o penitente, quando recebia sua confissão, era menos longa, mas expressava o mesmo pensamento: “Deus te perdoe,” etc. Terminada a confissão, o confessor dizia: “Que nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo Deus te perdoe os pecados que confessaste em sua presença a minha nulidade.” Segue, no Penitencial, uma série de outras fórmulas de absolvição absolutamente equivalentes. Morin, loc. cit., Appendix, p. 80.
Observa-se que todas essas fórmulas, tanto as da Igreja grega quanto as do Sacramentário Gelasiano, são deprecatórias e não indicativas. Notamos também que a oração de reconciliação era geralmente acompanhada da imposição das mãos, ou da mão, “manuum ou manus impositione.” Este rito é sinalizado por Santo Agostinho, De baptismo, l. III, c. XVI, P. L., t. XLIII, col. 149; pelo concílio de Cartago de 398, cân. 76 e 80, Hardouin, Concilii, t. I, col. 983; pelas Constituições Apostólicas, l. II, c. XXXVIII, loc. cit.; por São Leão Magno em sua epístola a Rustico de Narbona, P. L., t. LIV, col. 1203. Santo Agostinho declara que essa imposição das mãos não é outra coisa senão a oração do bispo sobre o penitente: “Manuum impositio, quid aliud est nisi oratio super hominem.”
Perguntou-se se este rito também acompanhava a absolvição do sacerdote penitenciário no momento em que impunha a penitência. Nenhum texto sugere isso. Parece que a primeira imposição das mãos ocorria quando o pecador tomava lugar entre os penitentes. É assim que se deve entender a frase de São Leão: “per manus impositionem remedium accipiunt penitendi.” Ver Imposição das Mãos.
6° Eficácia da absolvição. — Segundo a opinião dos Padres, a absolvição sacerdotal remitia os pecados, apagava os pecados, com a condição, é claro, de que o penitente trouxesse todas as disposições e condições requeridas (das quais se falará em outro lugar). Pode-se reler, em especial, os textos de São Cipriano, São Ambrósio, São Hilário, São João Crisóstomo, São Gregório Magno, e verá que a sentença sacerdotal é sempre considerada como ratificada por Deus no céu. Isso se torna ainda mais evidente ao observar a doutrina dos hereges sobre essa questão.
Orígenes considera que os sacerdotes ultrapassam seu poder quando afirmam perdoar os pecados de idolatria e adultério, cujo perdão é reservado somente a Deus. Assim, ele reconhecia aos sacerdotes o poder de perdoar todos os pecados, exceto esses. Raciocínio semelhante para Tertuliano: Deus sozinho, diz ele, pode perdoar os pecados de idolatria, adultério e homicídio. E os outros pecados? Quem os perdoará? A Igreja, diz ele, até mesmo o bispo. Tertuliano não se ilude de que os católicos, especialmente o papa Calisto, não reconhecem pecados irreparáveis. “Eles (os católicos) pretendem possuir o poder de perdoar os pecados. In sua potestate usurpaverunt.” De pudicitia, c. III, P. L., t. II, col. 986. E qual é a objeção dos novacianos? “Vocês usurpam um poder que pertence somente a Deus!” Falariam assim se a absolvição não fosse apenas um simples ministério externo sem eficácia real aos olhos dos católicos? “Vocês nos objetam,” escreve Paciano, “que Deus sozinho pode perdoar os pecados. Mas o que Deus faz por meio de seus sacerdotes, é ainda Ele quem o faz.” Os hereges dos primeiros séculos são, assim, preciosos testemunhos da doutrina da Igreja.
A comparação que os Padres estabelecem geralmente entre o batismo e a penitência mostra bem que eles atribuíram, a um como a outro, a ideia de uma verdadeira remissão dos pecados. Veja acima os textos de Hermas, São Efrem, São Atanásio, São Leão, São Cirilo de Alexandria. Lembremos que Tertuliano chamava a penitência de secunda spes, em oposição ao batismo, que era a prima spes dos homens pecadores. De poenitentia, c. VII, loc. cit. São Jerônimo escreve que os culpados “são resgatados pelo sangue do Salvador ou no batismo ou na penitência que produz a graça como o batismo,” aut in poenitentia quae imitatur baptismatis gratiam per ineffabilem clementiam Salvatoris qui non vult perire quemquam. Diálogo contra Pelágio, l. I, n. 33, P. L., t. XXIII, col. 527. Deve-se comparar este texto com a carta a Hélio, citada acima, que marca qual é o ministro da penitência. “Se homicídio, diz igualmente São Agostinho, é cometido por um catecúmeno, é apagado pelo batismo; se é cometido por um batizado, é perdoado pela penitência e pela reconciliação.” De adulter. conjugii, l. II, c. XVI, P. L., t. XL, col. 482.
Terminamos com uma citação de São Ambrósio: “No batismo há remissão de todos os pecados; que os sacerdotes reivindiquem o direito que lhes foi concedido de perdoar os pecados, seja pela penitência, seja pelo batismo, que diferença faz para vocês? É nos dois casos um só mistério.” In baptismo utique remissio peccatorum omnium est; quid interest, utrum per poenitentiam, an per lavacrum, hoc jus sibi datum sacerdotes vindicent? De paenitentia, l. I, c. VIII, n. 36 P. L., t. XVI, col. 476.
Ou deve-se negar que o batismo tenha a virtude de apagar os pecados, ou deve-se admitir que a penitência, ou melhor, a absolvição sacerdotal, possuía a mesma virtude. Era, ao menos, a opinião dos Padres. E eu acrescento por maneira de conclusão, se o batismo era um sacramento, a penitência também o era. — Mas pode-se perguntar (e esta é uma questão, aliás, puramente especulativa, de extrema gravidade) a qual absolvição estava ligada a eficácia que podemos chamar sacramental, isto é, a remissão real do pecado, do reatus culpae.
Se se levar o discurso de certos Padres, parece que a remissão do pecado estava subordinada à reconciliação que marcava o término da penitência, e dependia, portanto, da absolvição final. Por outro lado, observa-se que a reconciliação podia ser realizada, em Cartago, por um simples diácono, mesmo com o rito da imposição das mãos. Além disso, aprendemos por Dionísio de Alexandria que um penitente (exemplo: Serápion), em caso de extrema necessidade, podia receber a Eucaristia sem qualquer reconciliação. Não se poderia concluir a partir desses dois fatos que a absolvição final não tinha o efeito direto e principal de apagar o reatus culpae?
Nesse caso, seria necessário atribuir à primeira absolvição, a que era dada pelo sacerdote penitenciário, ou seja, a que precedia a admissão à penitência, a eficácia sacramental. Estamos, assim, diante de duas hipóteses que Sozômeno sugere em um mesmo capítulo, loc. cit., quando ele diz que o sacerdote penitenciário “absolvia aqueles que se confessavam”, antes de admiti-los ao grupo dos penitentes, e que, em Roma, o penitente “era absolvido de seus pecados” pela reconciliação episcopal na Quinta-feira Santa. Qual dessas duas absolvições realmente remitia os pecados? E se fosse a primeira, qual era a eficácia da segunda? A essas questões, o Pe. Palmieri, o erudito professor do Colégio Romano, responde da seguinte maneira:
A verdadeira absolvição, remissiva dos pecados, era aquela que seguia imediatamente a confissão do culpado e acompanhava a imposição da penitência; a sentença de reconciliação que marcava o término da penitência pública era, ao mesmo tempo que a readmissão do penitente à comunhão da Igreja no foro externo, uma absolvição a reatu pene, em outras palavras, a concessão de uma verdadeira indulgência. Sem dúvida, uma e outra absolvição podem ser chamadas de absolutio a peccatis, mas somente a primeira era propriamente uma absolvição a reatu culpe.
Ver-se-á em outro lugar o que os teólogos entendem por culpa e pena do pecado. Não é necessário entrar aqui em explicações mais amplas. Sigamos apenas o raciocínio de Palmieri: a absolvição que o bispo administrava ao término da penitência era uma absolvição ab aliquo vinculo coram Deo, uma vez que a fórmula que usava era semelhante àquela que o confessor empregava ao absolver o pecador após ouvir sua confissão. (Palmieri cita aqui as fórmulas conhecidas pelo Penitencial de João o Dalmata e pelos Penitenciais latinos mais antigos.) Ora, não se pode ver nela uma absolvição a debito peragende poenitentia, uma dispensa dos exercícios penitenciais, uma vez que, em geral, senão em todos os casos, a penitência estava plenamente cumprida. Tampouco era uma absolvição a reatu culpae, pois o bispo que a administrava na Quinta-feira Santa não havia recebido previamente a confissão dos penitentes. A menos que se admita que, na administração do sacramento da penitência, um ministro recebia a confissão dos pecados, enquanto outro concedia o perdão, não se pode dizer que essa absolvição final fosse a absolvição remissiva da culpa. O que era então? Simplesmente uma absolvição a pena, comumente chamada de absolvição dos pecados, absolutio a peccatis, escreve Palmieri, De poenitentia, loc. cit., p. 509.
Esta teoria explica, com certeza, a maioria dos textos patrísticos. Resta examinar por que os Padres não fizeram essa distinção entre a absolvição que seguia a confissão e a reconciliação final que marcava o término da penitência. Deve-se acreditar que havia confusão a esse respeito em sua mente? Reconheçamos que a teoria sacramental da penitência, tal como foi estabelecida pelos escolásticos, não era familiar aos doutores da Igreja primitiva. Nunca lhes ocorreu decompor este sacramento em todos os seus elementos. Eis, a meu ver, como eles concebiam a penitência: Para que houvesse remissão total dos pecados cometidos após o batismo (entendo por isso a remissão da pena, assim como a da culpa), era necessário que todos os exercícios da disciplina penitencial, a saber, a confissão da falta, a absolvição do sacerdote penitenciário ou do bispo, a admissão à penitência, as obras satisfatórias, enfim, a reconciliação fossem cumpridos. Na falta da reconciliação, a virtude remissiva da penitência não estava completa. Mas qual era essa virtude? Na opinião dos primeiros Padres, a penitência não é considerada como um segundo batismo, tão eficaz quanto o primeiro?
Nesse sentido, ela teria remido não apenas a culpa, mas também a pena. Essa eficácia deve ser atribuída a todo o conjunto de exercícios penitenciais que enumeramos. Juntos, eles produzem um efeito total; separados, ou apenas desvinculados da reconciliação, que era o termo, têm uma eficácia menor. Qual era a eficácia particular da reconciliação episcopal, e qual era a eficácia dos exercícios penitenciais em geral, ou da absolvição do sacerdote penitenciário, em particular, os Padres não tentaram determinar. Eles tinham o hábito de considerar a penitência como um conjunto de atos que a compunham, para medir seu valor total. Eles viam na penitência principalmente o meio oferecido aos pecadores para retornar à paz da Igreja e, ao mesmo tempo, à paz de Deus. Deixaram aos teóricos futuros o cuidado de atribuir a cada um dos elementos que entram na constituição do sacramento sua virtude particular.
Não é improvável que em Constantinopla o sacerdote penitenciário tenha "absolvido" os pecadores logo após ouvir sua confissão: ansiosamente, diz Sozômeno. Nesse caso, a reconciliação que seguia a penitência, ou a admissão à comunhão, teria sido apenas uma reconciliação no foro externo, como ocorreu mais tarde na Igreja latina para a penitência pública. Mas, em geral, nos primeiros séculos, a absolvição propriamente dita era a que o bispo concedia ao pecador que havia cumprido seus exercícios penitenciais. O regime de Constantinopla teria sido excepcional. Deve-se, portanto, descartar, parece, a teoria de uma dupla absolvição propriamente dita, que foi exposta mais acima. A reconciliação final, feita pelo bispo na Quinta-feira Santa, apesar dos textos de alguns Padres que lhe atribuem uma eficácia igual à da absolvição do sacerdote penitenciário, não tinha essa eficácia. É por isso que podia ser realizada por um simples diácono.
Ref. Morin, Commentarius historicus de disciplina in administratione sacramenti poenitentiae, Antuérpia, 1682; Juenin, De sacramentis in genere et in specie, especialmente De confessione, q. V, e De absolutione, q. VII, 3ª ed., Lyon, 1711; Frank, Die Bussdisciplin von den Apostelzeiten bis zum siebenten Jahrhundert, Mainz, 1867; Funk, Bussdisciplin, no Kirchenlexikon de Wetzer e Welte, Friburgo em Brisgóia, 1883, t. II, col. 1564 sq.; Wildt, Busse heisst das Sacrament, ibid., col. 1598 sq.; Palmieri, Tractatus de penitentia, 2ª ed., Prato, 1896; P. Baptiste, Les prêtres pénitenciers romains au V siècle, no Compte rendu du troisième Congrès scientifique international des catholiques, Bruxelas, 1895; Boudinhon, Sur l'histoire de la pénitence, a propósito de uma obra recente, na Revue d'histoire et de littérature religieuses, t. II, p. 306 sq., 496 sq.; Vacandard, Le pouvoir des clefs et la confession sacramentelle, na Revue du clergé français, 1898 e 1899.
E. VACANDARD.