Abrogação das Leis

I. SUA NATUREZA. — Os latinos chamavam "irrogatio" o ato do poder legislativo ou imperativo que impõe uma obrigação legal aos seus súditos; chamavam "derogatio" o ato do mesmo poder que diminui provisória ou definitivamente essa obrigação; e chamavam "abrogatio" o ato do mesmo poder que suprime definitivamente e totalmente a referida obrigação.



Devemos nos ater a essas noções perfeitamente lógicas e não imitar certos moralistas ou canonistas que confundem a abrogação com a cessação das leis (ver Lei). As leis cessam de várias maneiras, em vários graus, sob a influência de várias causas. A abrogação é uma dessas maneiras, um desses graus, o efeito de uma dessas causas. Ela é essencialmente um ato de autoridade que suprime toda a obrigação de uma lei, para todo o corpo social, de maneira definitiva. Sendo um ato de autoridade, é uma nova coordenação racional da sociedade em direção a um objetivo a ser realizado; é, por assim dizer, uma nova lei substituída à anterior. Ela não apenas alivia ou restringe a obrigação, como faz a derrogação; ela a remove absolutamente. Ela não visa apenas indivíduos isolados, como faz a dispensa; não suspende a lei temporariamente para toda a sociedade, como ainda pode fazer a dispensa: ela é universal quanto ao tempo e às pessoas. Ela poderia, se o uso permitisse, aplicar-se a simples mandamentos, até mesmo aos deveres particulares resultantes de um voto, de um contrato, de um quase-contrato: pois há obrigações que podem ser suprimidas por via de autoridade. Mas, habitualmente, emprega-se apenas para as leis propriamente ditas. É, portanto, um termo especificamente legislativo; e deve-se lembrar disso sempre que se quiser dissertar teoricamente ou argumentar praticamente sobre o assunto.

II. SUAS CAUSAS. — Se as sociedades humanas, de ordem natural ou sobrenatural, fossem imutáveis; se os poderes legislativos fossem sempre suficientemente perfeitos para promulgar desde o início leis em plena harmonia com os princípios e os fatos, certamente nunca haveria razão suficiente para motivar uma abrogação. E, de fato, porque certos elementos são imutáveis dentro das sociedades mais móveis; porque um legislador de ciência e prudência infinitas, o próprio Deus, legislou necessariamente ou livremente sobre essas bases sociais imutáveis, existem leis colocadas para sempre acima de qualquer abrogação, seja humana, seja até divina. Essas são, primeiramente, as leis pertencentes ao direito natural: Deus não poderia deixar de promulgá-las e nunca poderá suprimi-las quanto às suas disposições diretas e formais; os termos contingentes aos quais se aplicam podem apenas dar variações aparentes às suas disposições imprecisas e indiretas, por exemplo, à indissolubilidade do casamento, que pode ser entendida e praticada de maneira mais ou menos rigorosa conforme os tempos, as pessoas e as circunstâncias. São também, e em grande número, leis pertencentes ao direito divino positivo. Se há algumas, como a lei mosaica, que puderam e tiveram de ser abrogadas, muitas outras, e das mais importantes, como a lei cristã, nunca o serão, porque Deus as estabeleceu e nos revelou como imutáveis.

Em suas disposições gerais e abstratas, há espaço para contingências e mutações, por exemplo, em matéria de votos a serem cumpridos perante Deus; e a Igreja poderá, consequentemente, abrogar certas maneiras de praticar a fidelidade votiva no estado religioso. Mas quanto às disposições precisas e categóricas do direito divino, nenhuma abrogação é possível enquanto a humanidade permanecer na situação moral que Deus lhe deu. Em vão, sonhadores milenaristas conjecturaram a próxima chegada de séculos dourados em que a primazia pontifical seria destacada de Roma e vinculada a Jerusalém: a lei constitutiva da Igreja romana é uma das que não serão abrogadas. Quanto às leis humanas, canônicas ou civis, elas podem sempre ser abrogadas, exceto no que contêm de emprestado do direito natural e do direito divino estável.

As mudanças históricas, etnográficas, geográficas mesmo; as modificações comerciais, industriais, econômicas; as transformações morais e às vezes imorais dos povos; as variações do grau de civilização a que se elevam ou descem; as evoluções e revoluções que os agitam incessantemente, também necessitam a supressão de leis boas e sábias outrora, agora prejudiciais ou ineficazes. Se elas caíssem em desuso, se fossem suprimidas ou substituídas pelo costume, a abrogação por via de autoridade, a abrogação rigorosamente dita da qual falamos, não seria mais cabível: não se abroga o que não existe mais como vínculo e obrigação; no máximo, constata-se a cessação. Mas abroga-se quando a lei faz mal e continuará a fazer; quando sua observância não proporciona e não proporcionará mais benefícios significativos; quando uma legislação diferente é exigida pelas condições internas ou externas em que a sociedade se encontra. Se "a lei suprema é a salvação do povo", todas as leis em contradição com ela devem ser modificadas e frequentemente até abrogadas.

III. O AGENTE ABROGADOR. — É sempre o poder legislativo, monárquico, aristocrático, democrático, conforme a forma constitucional da sociedade onde a abrogação deve ocorrer. Na ordem sobrenatural, onde Deus é o único e supremo monarca, somente Ele pôde abrogar a parte cerimonial e judicial da legislação mosaica. Na Igreja Católica, onde o papa é o verdadeiro rei visível, príncipe e pastor universal, somente ele pode abrogar leis relativas a toda a cristandade. Em uma diocese particular, onde o bispo é realmente legislador, com restrições e condições, sem dúvida, somente ele pode abrogar, sob as mesmas reservas, as leis emanadas da autoridade episcopal e impostas a seus diocesanos. Nas sociedades políticas, a abrogação ocorre de maneira análoga; e se, por exemplo, as leis de uma república foram promulgadas pelo poder quádruplo de um presidente, um conselho de Estado, um senado e uma câmara de deputados, a abrogação só poderá ser realizada pelo concurso desses quatro fatores. Se o referendo nacional for um quinto elemento essencial à legislação, também o será à abrogação, a menos que haja estipulações contrárias. Quando uma delegação do poder legislativo é possível, como nas monarquias absolutas, ela pode ser suficiente para a abrogação das leis promulgadas pelo próprio príncipe, mas com a condição de que o delegado agirá por boas razões, pois ele nunca é considerado revestido de uma autoridade imprudente e irracional. O príncipe, o legislador, o poder ordinário, pode, ao contrário, abrogar validamente, embora imprudentemente ou maliciosamente: se ele suprime a obrigação legal que realmente depende dele, ela não existe mais e não vincula mais.

Perguntou-se se um legislador subordinado poderia abrogar suas próprias leis ou as de seus predecessores, mesmo que fossem aprovadas por um legislador superior. Esse é o caso, por exemplo, do bispo em relação ao papa. Distinguimos dois sentidos na palavra "aprovadas". Se essa aprovação do superior constituiu o valor legislativo das medidas tomadas pelo inferior, ao ponto de que, sem isso, seriam meros projetos de lei e não verdadeiras leis, evidentemente o inferior não pode abrogá-las sem uma delegação formal do legislador chefe. Se, ao contrário, a aprovação foi simplesmente um visto, um placet, um nihil obstat, não sendo ato legislativo e não criando a lei, esta pode ser abrogada pelo inferior que foi seu verdadeiro autor, ou por seus sucessores.

Evidentemente, estipulações especiais poderiam ocorrer, na Igreja, por exemplo, proibindo sob pena de nulidade qualquer abrogação feita por um inferior, mesmo de suas próprias leis, sem o consentimento do superior. Estas são questões de fato, a serem examinadas e decididas de acordo com os documentos do direito positivo. O princípio geral é que a abrogação é feita pela autoridade de onde procedeu a "irrogatio", ou por uma autoridade categoricamente superior. Pois não se pode duvidar, quando um poder legislativo depende de outro poder igualmente legislativo e completo como tal; quando, por exemplo, o poder episcopal depende do poder pontifical em matéria de legislação, ao ponto de que este pode legislar se quiser para os próprios súditos do bispo, e que pode consequentemente anular ou modificar as leis episcopais regularmente promulgadas, o legislador maior tem o direito de abrogar por si mesmo a legislação de seu inferior, mesmo sem o consentimento deste.

IV. FORMAS DE ABROGAÇÃO. — As autoridades legislativas supremas podem impor a seus delegados ou subordinados modos obrigatórios a serem seguidos em caso de abrogação; e disso não falamos. Do ponto de vista da simples razão filosófica e jurídica, o legislador independente e plenamente autônomo pode escolher, para abrogar uma lei, entre os seguintes quatro meios:

1º declaração explícita da anulação completa e definitiva da lei, com promulgação suficiente para que a sociedade saiba que está desvinculada;

2º declaração implícita resultante de uma nova lei válida, formalmente oposta à anterior, sem que uma razoável conciliação possa ser estabelecida entre elas;

3º permissão tácita de não mais observar a lei anterior, com manifestação suficiente da intenção do superior de não mais exigir sua execução, por exemplo, suprimindo os empregados anteriormente encarregados de sua aplicação;

4º direção positiva dada ao povo em um sentido contrário à lei anteriormente existente. Quando não há declaração nem explícita nem implícita da autoridade; quando a declaração implícita deixa alguma dúvida; quando, especialmente, a permissão tácita ou a direção positiva não são suficientemente evidentes para suprimir claramente a obrigação dos súditos, o recurso ao superior ou pelo menos a conselheiros sábios e experientes torna-se necessário, seguindo as regras da moral cristã em matéria de obrigações anteriormente certas, mas que perderam sua certeza inicial.

V. OBSERVAÇÕES CANÔNICAS. — Sem abandonar o terreno da teologia para o do direito, acreditamos ser útil observar que os canonistas galicanos, outrora tão preocupados em proteger as "liberdades da Igreja da França" contra uma abrogação possível e finalmente necessária por parte da Santa Sé, exageraram singularmente as condições exigidas para que haja uma abrogação válida das leis particulares. No entanto, permanece verdade que o legislador supremo, ao suprimir leis gerais, nem sempre pretende suprimir os privilégios que anteriormente concedeu, nem as leis diocesanas que, se não formalmente conhecidas e aprovadas, ao menos permitiu que fossem promulgadas ou mantidas em conformidade com os princípios gerais do direito eclesiástico. Mas se ele declara abrogar "mesmo as leis e direitos muito especiais que merecem uma menção particular"; se, sobretudo, ele as indica em detalhe como atingidas pela abrogação, não há dúvida de que então essas legislações particulares ou privilegiadas desaparecem efetiva e inteiramente.

Pode-se, no entanto, prever circunstâncias em que abrogações desse tipo seriam prejudiciais a dioceses excepcionais; e nesse caso, a autoridade diocesana poderia diferir a notificação ou a execução, a fim de ter tempo para consultar o soberano pontífice e receber suas instruções práticas sobre a medida a ser tomada. É necessário dizer que a função dos patriarcas, dos metropolitanos, dos arcebispos, não é legislativa em relação às dioceses de suas circunscrições? Portanto, salvo uma delegação expressa da Sé Apostólica, eles não poderiam abrogar nenhuma lei de seus sufragâneos. Se se deseja conhecer, por um exemplo autêntico, toda a eficácia de uma abrogação pontifical, pode-se ler no Corpus juris, Clement., t.. III, tit. xvii, c. Quoniam, o decreto de Clemente V e do concílio de Viena, referente à célebre constituição Clericis laicos de Bonifácio VIII. Vários canonistas dizem que é uma abrogatio in radice; e entendem por isso, não que a retroatividade da abrogação suprima, no passado, a obrigação e o dever então produzidos pela lei, o que seria absurdo; mas que essa retroatividade anula, remontando o mais alto possível, todos os efeitos externos, sociais, jurídicos, financeiros, produzidos então pelo cumprimento da lei, o que é inteligível e às vezes muito conveniente.

Cf. Suarez, De legibus, l. VI, c. xxv-xxvii; Lehmkuhl, Theol. mor., t. I, n. 126, 175; Jules Didiot, Morale surnaturelle fondamentale, Théorèmes LXXXI, LXXXIV, LXXXVII.

J. Didiot.