A lei mosaica estava destinada a desaparecer diante da lei cristã, mas parece, à primeira vista, que essa abrogação foi apenas parcial e se realizou de forma progressiva. O Decálogo do Sinai permaneceu como a lei dos cristãos, e várias prescrições mosaicas passaram para a legislação da Igreja. Além disso, sabe-se das ardentes controvérsias que a questão dos ritos judaicos suscitou no tempo dos apóstolos. É, portanto, necessário determinar até que ponto a lei de Moisés deixou de vigorar e estabelecer a data em que se tornou inútil ou até proibido observá-la. Veremos, em seguida, como se formou a teoria teológica relativa a essa questão.
I. Objeto. — Considerando as três partes que compõem a lei mosaica, chega-se facilmente à conclusão de que a lei civil ou judicial de Israel, assim como sua lei litúrgica ou cerimonial, foram totalmente abrogadas por Jesus Cristo. Se subsistir alguma dúvida, não pode ser quanto à lei moral.
Primeiramente, a lei civil dos judeus os constituía em um estado de povo especialmente escolhido por Deus com o propósito de preparar a vinda do Messias, especialmente guardando a revelação que Jesus Cristo viria aperfeiçoar e as profecias que nele encontrariam seu cumprimento. A partir da vinda de Jesus Cristo, o povo de Israel não tinha mais razão de ser. Restava-lhe apenas fundir-se nesse novo povo prometido a Abraão, que todas as nações estavam chamadas a formar, povo ou Igreja de Cristo, o único pastor desse rebanho universal. Assim, no dia de sua ascensão, Jesus Cristo, rompendo as barreiras estreitas da nacionalidade de Israel, enviava seus apóstolos a recrutar no mundo inteiro essa sociedade católica composta não mais de circuncidados, mas de batizados, que teria como lei não mais os mandamentos de Moisés, mas os do Filho de Deus, e que seria herdeira, até o fim dos séculos, dessa assistência divina especial até então reservada apenas ao povo de Israel. Mateus XXVIII, 19, 20.
O culto, entre os judeus, incluía como elementos essenciais: a existência da tribo de Levi; a do templo de Jerusalém; as vítimas que eram oferecidas; por fim, o significado figurativo e profético inerente a esses sacrifícios, como a todos os outros ritos ou cerimônias desse culto.
Ora, conforme a profecia de Malaquias I, 11, o sacerdócio levítico foi transferido para os gentios; segundo a de Daniel IX, 24-27, o templo de Jerusalém deveria ser destruído, e de fato foi; em lugar das vítimas sangrentas imoladas em Jerusalém, uma oblação pura deveria ser feita a Deus em todos os lugares do mundo (Mal., loc. cit.); por fim, as figuras da antiga aliança anunciavam implicitamente o dia em que, cumpridas em Jesus Cristo e em sua Igreja, não poderiam mais, sem falsidade, significar como futuras as realidades presentes. Toda essa legislação cerimonial deveria, portanto, necessariamente ceder lugar ao novo culto instituído por Jesus Cristo.
Sob o nome de lei moral dos judeus, entendemos todas as prescrições de direito natural que nela estão contidas, especialmente o Decálogo, exceto o preceito de observar o sábado, que é de direito positivo. Assim compreendida, a matéria dessa lei moral era obviamente obrigatória antes de Moisés e continua a sê-lo ainda hoje, mesmo independentemente da nova promulgação que Jesus Cristo fez dela. Ainda mais, Jesus Cristo não apenas conservou o Decálogo; ele o confirmou e aperfeiçoou, seja explicando-o (Mat., V), seja pelos conselhos evangélicos; além disso, ele lhe acrescentou o peso de sua autoridade divina, a força de seu exemplo, assim como os motivos mais excelentes sob os quais o propõe à nossa obediência e da graça mais abundante que nos dá para realizá-lo.
II. Tempo. — Segundo a doutrina de São Paulo (Hebreus VIII, 9), a nova lei é, também, um testamento. Testamento novo, feito por Jesus Cristo e destinado a substituir o da antiga lei. Para que esta fosse juridicamente abrogada, era necessário primeiro que este novo testamento fosse estabelecido e que a morte de Jesus Cristo o tornasse irrevogável (Hebreus IX, 16-17), e depois que fosse aberto, ou seja, promulgado. Ora, foi no dia de Pentecostes que esta promulgação ocorreu; foi somente nessa data que a antiga lei juridicamente chegou ao fim e perdeu toda força obrigatória.
No entanto, após o Pentecostes, durante algum tempo ainda, a observância de certos ritos mosaicos permaneceu lícita, com a ressalva de que não poderiam mais ser considerados necessários para a salvação. Lemos, de fato, que São Pedro e São Paulo praticaram alguns desses ritos ocasionalmente e sem se considerarem obrigados a isso (Atos XVI, 3; XXI, 24; 1Cor IX, 20, 21; Gal II, 12-14). Na verdade, São Paulo repreendeu São Pedro por judaizar, mas não se tratava de uma questão de princípio, pois o próprio São Paulo judaizava ocasionalmente; ele temia apenas que seus convertidos gentios fossem levados pela conduta de Pedro a acreditar na obrigação de praticar os ritos mosaicos. Sobre esse ponto, os dois apóstolos estavam de acordo (Gálatas II, 11-14) e, no Concílio de Jerusalém, convocado justamente para tratar essa questão, ouviu-se Pedro demonstrar que os gentios eram salvos, sem a lei mosaica, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo (Atos XV, 7-21). São Paulo (Gálatas II, 16) não é menos explícito.
Mas por que então os apóstolos autorizavam essa judaização, embora de forma puramente facultativa e limitando-a aos judeus? Não havia nisso uma negação implícita da unidade da Igreja, da sua catolicidade e da virtude santificadora dos seus ritos? Santo Agostinho pensava que essa tolerância provisória era uma última honra fúnebre prestada à sinagoga moribunda (Epístola LXXII, ad Hier., PL, t. XXXIII, col. 276). De fato, era conveniente que os ritos judaicos, instituídos divinamente por Deus, não fossem colocados no mesmo nível que as superstições pagãs. Além disso, várias das figuras da antiga lei continuavam ainda a se cumprir no tempo em que o Evangelho se espalhava pelo mundo; ao permanecerem, pelo menos no início, justapostas às realidades que haviam predito, essas figuras davam, aos olhos dos judeus, a essas realidades um maior relevo.
No entanto, essa tolerância deveria ter um fim: quando a difusão do Evangelho realizou completamente a nova ordem de coisas predita e figurada pela antiga lei, esta não pôde mais ser observada sem erro. Isso significa que é proibido:
1º praticar as cerimônias judaicas a título religioso, para honrar a Deus; exceto, entretanto, aquelas que não seriam estritamente judaicas: assim, os incensos são permitidos, mas a observação do sábado ou da circuncisão é proibida;
2º Observar os preceitos mosaicos de ordem civil atribuindo-lhes o significado religioso especial que tinham na lei de Moisés.
Nesses dois casos, de fato, observar a lei mosaica equivaleria a afirmar que Jesus Cristo ainda não veio. Há, no entanto, a esse respeito, uma diferença entre os preceitos civis e os de ordem cerimonial. Os primeiros tinham como objetivo principal o bem social dos hebreus; os outros objetivos que se adicionavam acidentalmente eram separáveis; os segundos, ao contrário, não tinham outra razão de ser senão de significar a vinda futura do Messias.
III. TEORIA TEOLÓGICA DA ABROGAÇÃO DA LEI MOSAICA. — O dogma da abrogação da lei mosaica não foi explicitamente enunciado na pregação dos apóstolos ao sair do cenáculo, mas logo se manifestou com a adesão dos gentios à religião cristã. Aprendemos, de fato, pelo capítulo XV dos Atos dos Apóstolos, que uma viva discussão surgiu em Antioquia sobre esses gentios: era necessário submetê-los ou não à lei da circuncisão? Paulo e Barnabé pensavam que não, e o concílio de Jerusalém lhes deu razão. Foi então estabelecido que a lei cristã não era uma simples adição à lei mosaica, que ela bastava plenamente por si só para assegurar a salvação dos gentios, e que estes, finalmente, não poderiam ser forçados de nenhuma forma a judaizar.
Portanto, não poderia haver e não houve, na Igreja do primeiro século, hesitação em excluir de sua comunhão os cerintianos e os ebionitas, fervorosos partidários da lei de Moisés, que sustentavam, entre outros erros, que os próprios gentios não poderiam ser salvos sem a observância dessa lei. Quanto aos judeo-cristãos que observavam a antiga lei, como um simples preceito e sem obrigar os gentios a isso, a Igreja os tolerou por muito tempo, sem dúvida até que desaparecessem pela força dos acontecimentos: assim, em meados do século II, São Justino (Diálogo com Trifão, 47, PG, t. VI, col. 604) não ousa condenar aqueles que viviam em comunhão com os outros cristãos; mas aqueles que formaram uma comunidade à parte, ao sul do mar Morto, foram, desde o século III, considerados heréticos: eram chamados nazarenos. Naquela época, estava estabelecido que os próprios judeus não deviam e não podiam mais licitamente praticar as observâncias de Moisés.
Esses princípios ganharam precisão durante a discussão que ocorreu entre São Jerônimo e Santo Agostinho sobre este ponto: após a lei mosaica ter sido abrogada, poderia ainda ser observada licitamente? Não, dizia São Jerônimo, e ele explicava a conduta dos apóstolos, sustentando que eles haviam praticado os ritos mosaicos de uma maneira puramente material, não mais como atos religiosos, mas para outros fins (Epístola CXXI, ad Agost., PL, t. XXII, col. 916). Santo Agostinho, ao contrário, estimava que os apóstolos haviam realmente entendido conformar-se às práticas religiosas dos judeus e que puderam fazê-lo, pois essas observâncias não se tornaram ilícitas por sua abrogação, mas podiam ser continuadas por algum tempo ainda (S. Agostinho, Epístola LXXXII, ad Hier., PL, t. XXXIII, col. 276 e seguintes). A opinião de Santo Agostinho tornou-se comum na Igreja e obteve até mesmo o apoio de São Jerônimo.
Na Suma Teológica, I-II, q. 103, a. 3, 4, São Tomás apresentou uma síntese luminosa de toda essa questão. A lei cerimonial deixou de vigorar com o advento de Nosso Senhor? Sim, ele respondeu, pois os ritos são símbolos do culto interior, ou seja, das coisas nas quais se acredita e se espera. Ora, na religião de Jesus Cristo, se os bens celestiais são sempre futuros, temos, no entanto, à mão os meios de obtê-los, enquanto que a religião antiga apenas prometia esses meios para o futuro. A abrogação dos ritos antigos, portanto, devia ocorrer: começando no advento de Jesus Cristo, foi consumada por sua paixão, segundo a palavra de Jesus Cristo morrendo. Após sua abrogação, esses ritos tornaram-se ilícitos? Não, disse São Tomás; eles puderam ser observados, sem serem considerados obrigatórios, até que o Evangelho fosse suficientemente difundido. Essa é a doutrina de Santo Agostinho, que ele declara mais fundamentada do que a de São Jerônimo. Mas por que o concílio de Jerusalém estendeu aos gentios a abstinência judaica do sufocado? Segundo o santo doutor, isso era uma disposição transitória e local, destinada a facilitar a união dos judeus e dos gentios no seio da Igreja.
Em outro lugar, São Tomás resolve as principais dificuldades tiradas das leis mosaicas que foram recebidas na religião cristã. Ele mostra que se trata de preceitos fundados no direito natural, ao menos em parte: assim ocorre com os dízimos (Suma Teológica, II-II, q. 87, a. 1), com o sábado (IV Sent. t. III, dist. 37), e com certos impedimentos matrimoniais (Suma Teológica, II-II, q. 105, a. 4).
Em 1441, o papa Eugênio IV, pela bula Cantate Domino, consagrou a reconciliação com a Igreja romana de diversas seitas orientais, entre outras a dos jacobitas; nela lemos as seguintes declarações e definições que se poderiam atribuir a São Tomás:
A santa Igreja romana crê firmemente, confessa e ensina que as prescrições legais do Antigo Testamento ou da lei de Moisés, que se dividem em cerimônias, coisas santas, sacrifícios e sacramentos, tendo sido instituídas para significar uma coisa futura, todas convenientes para o culto a ser prestado a Deus naquela época, cessaram quando a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo realizou aquilo que elas significavam; os sacramentos do Novo Testamento começaram então a vigorar. Após a paixão, quem depositou sua esperança nas prescrições acima mencionadas e se submeteu a elas como se fossem necessárias para a salvação, como se a fé em Jesus Cristo não fosse suficiente para salvá-lo, pecou mortalmente. A Igreja, no entanto, não nega que, desde a paixão até a promulgação do Evangelho, essas prescrições puderam ser observadas com a condição de não serem consideradas necessárias para a salvação, mas afirma que, após a promulgação do Evangelho, não se pode mais observá-las sem comprometer a salvação eterna...
(Hardouin, Acta conciliorum, Paris, 1714, t. IX, col. 1025, 1026).
Os teólogos dos séculos seguintes tiveram pouco a acrescentar a um conjunto doutrinal já tão completo. Na longa exposição que Suárez fez sobre o tema, De legibus, IX, c. XI-XXII, apenas dois pontos merecem destaque. Vários teólogos haviam pensado que o decálogo era obrigatório por direito positivo não apenas em virtude da ordem de Jesus Cristo, mas também devido à promulgação que Deus havia feito por meio de Moisés. Suárez distingue nessa promulgação um duplo caráter e conclui que ela subsiste enquanto declaração doutrinal do direito natural, mas não como preceito positivo: deste ponto de vista, ela seguia a condição precária das outras prescrições da lei mosaica. Por fim, Suárez procurou precisar melhor do que seus antecessores a época em que a observância da lei mosaica deixou de ser lícita e considera provável que os apóstolos, especialmente São Pedro e São Paulo, puderam, antes de morrer, declarar que essa época havia chegado.
A abrogação da lei mosaica toca a teologia sacramental por diversos aspectos que serão abordados em artigos especiais.
H. Moreau