Abstração - Segundo a Doutrina Escolástica

I. O QUE É

Etimologicamente e em geral, a abstração (de abstrahere, tirar de) é a ação de separar uma coisa de outra para retê-la fora desta última. Encontra-se a abstração em todos os graus da atividade natural. Ela se manifesta no exercício das afinidades eletivas dos corpos químicos. A planta abstrai, por seleção, os elementos nutritivos do solo. As faculdades sensoriais, que Laromiguière chamava de “máquinas de abstração”, percebem seu objeto apenas por meio de uma abstração: o olho capta somente as cores, independentemente das outras qualidades dos corpos; o ouvido percebe apenas o som e ignora as cores e os odores, etc. A inteligência abstrai quando considera uma qualidade, por exemplo, a humanidade, sem se preocupar com o sujeito que a possui (abstração formal), ou ainda quando percebe uma noção universal, por exemplo, o homem, fora e acima dos indivíduos onde ela pode ser realizada (abstração total). Cf. S. Tomás, Summa Theologica, Iª, q. 85, a. 3.

Chama-se abstração real aquela realizada pelos corpos químicos ou pelas plantas, porque modifica as realidades e opera dissociações e análises reais; a abstração dos sentidos ou da inteligência é intencional, pois reside inteiramente em um processo de conhecimento que não altera fisicamente o objeto.

Em particular, a abstração é considerada apenas no último sentido e como uma operação exclusivamente intelectual.

Às vezes, ela se exerce sobre os conceitos já formados, decompondo-os em seus elementos constitutivos e produzindo juízos analíticos. Por exemplo, ao analisar meu conceito de animal, encontro a ideia de ser, de substância, de vida, de sensação, etc., e afirmo que o animal é um ser, uma substância, um vivente, etc. Esta operação (abstração precisiva) é mais uma análise do que uma abstração propriamente dita.

A abstração propriamente dita (abstração universal) é, ao contrário, uma operação originária que se exerce sobre imagens sensíveis, extraindo delas o elemento inteligível, isolando-o das condições materiais e individualizantes, resultando no conceito universal. Tal abstração é necessária, pois os objetos representados na imaginação não são inteligíveis em ato, estando encerrados em imagens ou espécies materiais e orgânicas; no entanto, a inteligência percebe esses objetos. Portanto, é preciso que, após serem capturados pela imaginação e antes de serem entendidos pela inteligência, haja uma elaboração que, atuando sobre as imagens sensíveis, torne seu conteúdo atualmente inteligível. Esta elaboração é a abstração. Sua missão imediata é propor aos objetos a faculdade intelectual e, para isso, torná-los imateriais, como a própria faculdade intelectual é imaterial, libertando-os das condições físicas e materiais. O resultado é a generalização dos objetos. De fato, ao serem isolados das condições materiais que os individualizavam, eles se tornam, por esse mesmo fato, objetos universais.

A faculdade da abstração é o intelecto agente, que Santo Tomás, Summa Theologica, Iª, q. 85, a. 1; Compendium Theologiae, c. 83, situa entre os sentidos internos e o intelecto possível.

II. O QUE ELA NÃO É. A ASSOCIAÇÃO

Buscou-se confinar a abstração na ordem puramente material e fazê-la uma espécie de dissociação dos elementos da percepção sensível.

Segundo Locke, em "Ensaio sobre o Entendimento Humano", Livro II, capítulo XI, § 9; Livro III, capítulo iiI, § 6-9, Paris, 1839, a abstração seria o resultado da comparação de vários objetos nos quais apareceriam qualidades semelhantes. Consistiria em reter essas qualidades, uni-las em uma única ideia e dar um nome a essa ideia.

De acordo com Huxley, em "Hume, sua Vida, sua Filosofia", p. 129, tradução de Compayré, Paris, 1880, e com a psicologia da associação, a abstração não seria outra coisa senão a fusão de imagens semelhantes. Impressões sensíveis idênticas, imagens semelhantes sucedem-se na percepção, sobrepõem-se na faculdade e em seu órgão; os traços comuns se destacam, os outros desaparecem, resultando em uma imagem genérica que representa toda uma categoria de objetos, assim como o "retrato composto" reproduz o tipo de uma família ou de uma classe de indivíduos.

Segundo Hamilton e Stuart Mill, Stuart Mill, Systenve de logique, t. I, c. VII; t. II, c. II trad. Peisse, Paris, 1880; Philosophie de Hamilton, c. XVII, trad. CazellesParis, 1869, as ideias abstratas são obtidas por meio da atenção privilegiada. Dadas várias imagens nas quais existem semelhanças e diferenças, a mente presta uma atenção especial às semelhanças, fazendo uma abstração, ou seja, não se preocupa com as diferenças; essa atenção e essa abstração, que Stuart Mill chama de "os dois polos do mesmo ato de pensamento", resultam em uma imagem genérica.

Segundo M. Paulhan (ver na "Revue Philosophique" de 1889 seus quatro artigos sobre "Abstração e as Ideias Abstratas"), a vida da mente é um trabalho contínuo de análise e síntese. Os elementos psíquicos agrupados de maneira vaga e confusa nas concepções primárias se separam e passam a fazer parte de novos compostos. Primeiro, arrastam consigo para o novo composto alguns elementos do primeiro sistema no qual estavam contidos, como a metáfora, etc.; depois, se libertam completamente e acabam por reproduzir representações e tendências gerais: é a abstração pura.

Essas diferentes formas de dissociação ou desintegração, geralmente seguidas de uma associação e integração novas, não podem ser confundidas com a verdadeira abstração, como a entendem os escolásticos após Santo Tomás. A abstração opera completamente fora e acima das imagens sensíveis às quais não impõe nenhuma modificação; a dissociação é um modo e um estado particular das imagens sensíveis. A abstração cria a ideia com seus três caracteres de imaterialidade, universalidade e necessidade; a dissociação leva a imagens materiais, contingentes e tão concretas quanto o retrato composto. A abstração é original e espontânea; ela produz primeiro o universal direto e depois se torna reflexiva, dando origem ao universal lógico; a dissociação é sempre reflexiva, pois é um retorno de uma faculdade sobre si mesma, para submeter suas percepções anteriores a uma comparação (Locke), a uma adição (Huxley), a uma subtração (Hamilton) ou a uma desintegração (Paulhan).

III. SUAS ESPÉCIES

Já dividimos a abstração de acordo com o tipo de ação que exerce (abstração real, intencional), de acordo com o substrato do qual ela retira seu objeto (abstração total, formal), e finalmente de acordo com o momento em que ocorre (abstração precitiva, lógica). Se considerarmos seus graus, a abstração ainda se distingue em abstração física, abstração matemática e abstração metafísica. 

Pela primeira, negligenciamos os caracteres individuais para capturar apenas as qualidades que caem imediatamente sob os sentidos e que são chamadas de sensíveis próprias, como calor, frio, luz, cores, som. Pela segunda, deixamos de lado essas qualidades em si mesmas para considerar apenas as propriedades mais íntimas (sensíveis comuns) que também são adequadas a todos os corpos e somente a eles, mas só são percebidas através das qualidades sensíveis, como extensão, figura, quantidade. Pela terceira, negligenciamos todas as qualidades que caem sob o sentido (sensíveis próprios ou comuns) para considerar apenas aquelas que não afetam os sentidos (sensíveis por acidente) ou até se estendem aos seres incorpóreos, como substância, acidente, potencialidade, força, etc. A primeira abstração fornece o objeto das ciências físicas, a segunda o das ciências matemáticas, e a última o das ciências metafísicas.

Kleutgen, "Die Philosophie der Vorzeit", n. 67 sq., Inspruck, 1860-1863, traduzido por P. Sierp sob o título de "La philosophie scolastique", Paris, 1868-1870; Liberatore, "Della conoscenza intellettuale", t. II, c. V, Roma, 1873, traduzido por Abbé Deshayes, "De la connaissance intellectuelle", Paris, 1885; T. Pesch, "Institutiones logicales", n. 99 sq., Friburgo em Brisgóvia, 1888; Fr. Queyrat, "L’abstraction et son rôle dans l’éducation intellectuelle", Paris, 1895; Th. Ribot, "Psychologie de l’attention", Paris, 1896; R. P. Peillaube, "Théorie des concepts", I parte, c. II., II parte, c. IV, Paris; s.d.

A. CHOLLET.