Abstinência de Sangue e de Carnes Afogados

Para estudar bem esta questão, seguiremos as escrituras do Antigo e do Novo Testamento e a história das diversas Igrejas. Assim, poderemos apreciar o significado que as diferentes comunidades cristãs atribuíram a essa prescrição.

I. ESCRITURA SAGRADA

1° Antigo Testamento — A primeira proibição de comer carnes com sangue encontra-se no que é chamado entre os exegetas de legislação ou melhor, aliança mosaica. Após o dilúvio, lemos em Gênesis IX, que Deus abençoou Noé e seus filhos e lhes impôs diversas prescrições. No versículo 4, Deus proíbe comer carne com sangue. Os três textos, hebraico, grego e latino, têm, é verdade, pequenas variações; mas o fundamento é o mesmo. A essência do preceito é não comer carne com sangue.

O Levítico retorna duas vezes a essa proibição. No capítulo VII, versículo 26, lemos: "Não comereis sangue de nenhum animal, quer de aves, quer de animais terrestres." O versículo seguinte enuncia a sanção contra os violadores desse preceito: "Toda alma que comer sangue será exterminada do meio de seu povo."

A mesma proibição é renovada no capítulo XVII, versículo 14: 

A alma de toda carne está no sangue; por isso disse aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a alma da carne está no sangue, e quem comer sangue será exterminado.

Finalmente, o Deuteronômio promulga o mesmo preceito. Deus permite, no capítulo XII, versículo 15, comer carne de qualquer espécie de animal; no entanto, faz (versículo 16) uma exceção para o sangue: "Exceto o sangue, que derramareis na terra como água."

Essas são todas as informações que encontramos no Antigo Testamento.

2° Novo Testamento — O Novo Testamento nos oferece apenas três documentos relativos à abstinência de sangue e de carnes sufocadas. Todos os três estão contidos nos Atos dos Apóstolos. O capítulo XV nos conta que os apóstolos estavam em Jerusalém, quando certos fariseus ensinavam que era necessário observar os ritos mosaicos. São Tiago toma a palavra após São Pedro e diz que, para os gentios que se convertem ao cristianismo, é necessário apenas (v. 20) "escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da fornicação, das carnes sufocadas e do sangue."

Esse mesmo capítulo nos relata outro fato. Surgiram discussões na igreja de Antioquia a respeito da observância da circuncisão mosaica. A causa foi submetida ao julgamento dos apóstolos; estes enviaram a Antioquia Paulo, Barnabé e Silas, portadores de uma carta para comunicar aos cristãos sua decisão. Eles não querem, com o assentimento do Espírito Santo, impor-lhes outra obrigação além das necessárias (v. 28); "que se abstenham das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e da fornicação" (v. 29).

São Paulo chega a Jerusalém e se hospeda na casa de Tiago. Os fiéis, que vêm visitá-lo e conversar com ele, lhe declaram, XXI, 25, "que, para os gentios que abraçaram a fé, escreveram para lhes recomendar que se abstenham das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e da fornicação."

II. CONCÍLIOS

A Igreja, seja em constituições de certa importância, seja em seus concílios, abordou essa questão várias vezes. Os primeiros documentos desse tipo nos são fornecidos pelos cânones apostólicos. O cânone 63 (ou 62) é assim formulado: "Se algum bispo, presbítero, diácono ou outro membro do clero comer carne com sangue de sua alma, ou carne de um animal capturado por uma fera ou estrangulado, que seja deposto, pois isso é proibido pela lei. Se for um leigo, que seja separado [da sociedade dos fiéis]."

O sínodo de Gangra, metrópole da Paflagônia, na Ásia Menor, realizado provavelmente entre 343 e 381, renova a mesma proibição em seu cânone 2: "Se alguém condenar aquele que come carne (mas se abstém de comer sangue ou alimentos sacrificados aos ídolos, ou animais sufocados) e que é cristão e piedoso, e se acreditar que não há mais esperança de salvação para ele, que seja anátema."

O II sínodo de Orléans (533) insiste no mesmo ponto em seu cânone 20: "Os católicos que retornam às práticas idólatras ou que comem alimentos oferecidos aos ídolos devem ser excluídos de qualquer relação com a Igreja: o mesmo se aplica àqueles que comem animais sufocados ou mortos por outras feras."

Finalmente, o Concílio Quinisexto (692) promulga novamente essa prescrição em seu cânone 67: "A Sagrada Escritura já havia proibido comer o sangue dos animais; portanto, o clérigo que se alimentar do sangue dos animais será deposto, e se for um leigo, será excomungado."

III. DESAPARECIMENTO DESSA PRÁTICA NA IGREJA NA IGREJA LATINA

Essa abstinência não existe mais na Igreja Latina. É necessário acompanhar as vicissitudes históricas ao longo dos séculos para entender esse desaparecimento. A Igreja Latina ainda observava, por volta do ano 400, a abstinência de sangue e de carnes sufocadas, conforme testemunho de Santo Agostinho em Contra Faustum, XXXII, 13, P. L., t. XLII, col. 503. Esta é uma indicação cronológica clara e precisa. — No século VIII, constatamos que essa prática ainda estava em vigor. O papa Gregório III proibiu, sob pena de quarenta dias de penitência, comer sangue e animais sufocados (Hardouin, Acta conciliorum, Paris, 1714, t. III, col. 1876). Gratiano inseriu em sua coleção este cânone do papa Gregório III (dist. XXX, c. 13).

Não podemos saber exatamente em que ano e por qual motivo essa prática desapareceu na Igreja Latina. Temos, no entanto, um documento histórico que nos atesta que, no século IX, essa prática foi abolida pela autoridade do pontífice romano. Trata-se do famoso Responsa ad consulta Bulgarorum. Nesse documento, o papa Nicolau I (858-867) diz, n. 43: "Pode-se comer todos os tipos de carne, se elas não forem nocivas por si mesmas" (Hardouin, Acta conciliorum, Paris, 1714, t. XV, col. 354; Mansi, Conciliorum collectio, Veneza, 1770, t. XV, col. 401).

Mais tarde, outros dois testemunhos históricos também atestam a abolição desse costume. Em sua carta ao bispo de Trani, sob o pontificado de Leão IX (1048-1054), Miguel Cerulário reprova aos latinos a abolição da abstinência de sangue: "Vocês são semi-pagãos", diz ele, "porque comem animais sufocados, nos quais ainda há sangue. Não sabem que a alma está no sangue, e que, portanto, quem come o sangue de um animal também come sua alma? Deixem os animais sufocados para os bárbaros, para que haja um só pastor e um só rebanho" (P. L., t. CXLIII, col. 930). Na Idade Média, Balsamon, ao explicar o 63º cânone apostólico, lamenta que os latinos não observem mais a abstinência de sangue e de carnes sufocadas (Beveridge, Pandecte canonum t. I, p. 41).

IV. PERSISTENCIA DESSA PRÁTICA NO ORIENTE

A abstinência de sangue e de carnes sufocadas ainda está em vigor em algumas Igrejas cristãs. Assim, os gregos cismáticos ainda hoje se abstêm desse tipo de alimento. É preciso observar que essa prática é geral entre os gregos. Os gregos unidos são tão fiéis quanto os gregos separados. As comunidades cristãs gregas, portanto, conservaram o preceito apostólico. Os cristãos caldeus também observam a mesma prática: sempre seguiram a prescrição dos apóstolos. Já um autor do século X, Bar-Hebraeus, constatava isso em uma de suas obras (Heticon, ed. Bedjan, p. 157, 158, 159). Os cristãos da Etiópia também permanecem firmemente apegados a essa observância. Eles vão ainda mais longe. Quando um animal morre subitamente devido a um acidente, eles o sangram antes de comer sua carne.

V. SEU VALOR DESDE A VINDA DE JESUS CRISTO

Qualquer que tenha sido a persistência dessa prática em certas regiões e em certas frações da grande família cristã, é importante observar que, desde a vinda de Nosso Senhor, ela não tem mais que um valor eclesiástico. No Antigo Testamento, fazia parte de uma legislação obrigatória para o povo judeu. Parece ter tido, na mente do legislador, um motivo simbólico ou pelo menos higiênico. No Novo Testamento, deveria desaparecer com a parte puramente ritual da antiga lei. Assim, nunca teve, a partir do cristianismo, um valor moral, muito menos dogmático. Não se pode considerar nem boa nem má a observância ou a violação dessa prática. Portanto, ela não passa de uma medida disciplinar eclesiástica, que ainda é mantida por algumas Igrejas. O Concílio de Florença, em seu decreto aos armênios (1441), declara que a prescrição mantida sobre esse ponto pelos apóstolos reunidos em Jerusalém visava apenas a poupar os judeus recentemente convertidos e que não obriga mais ninguém (Hardouin, Acta conciliorum, Paris, 1714, t. IX, col. 1026).

V. Ermoni