Abstêmio, do latim abstemius (de abs e temetum, que se abstém de vinho). Esta expressão é usada, em linguagem teológica, para designar as pessoas que, na comunhão, não podem tomar as espécies do vinho, devido à repugnância natural e insuperável que sentem por essa bebida.
Duas questões:
I. Irregularidade, na Igreja Católica.
II. Tema de controvérsia entre os protestantes.
I. IRREGULARIDADE
A comunhão sob as duas espécies faz parte integrante do sacrifício da missa. Isso significa que o abstêmio é irregular para a celebração dos santos mistérios, seja por não poder tomar vinho de modo algum, seja por não poder tomá-lo sem risco de vômito. É uma irregularidade ex defectu corporis, que é de direito divino e da qual o papa não pode conceder dispensa, pelo menos em relação à celebração da missa.
Essa irregularidade surgindo após a ordenação é certamente apenas relativa, isto é, priva o afetado apenas da celebração do santo sacrifício. Antes da ordenação, isso seria um obstáculo absoluto à admissão às ordens sagradas, não apenas ao sacerdócio, mas também às ordens inferiores? Com Ballerini-Palmieri, Opus theologicum morale, 2ª ed., t. VII, Prato, 1894, p. 376, n. 695, não pensamos assim. A irregularidade propriamente dita existe, antes da ordenação, apenas para a recepção do sacerdócio. E mesmo nesse caso, o soberano pontífice poderia conceder dispensa e permitir ao abstêmio receber o sacerdócio, para exercer funções que não envolvam a celebração da missa. Cf. Ballerini-Palmieri, loc. cit., n. 694.
Se um padre abstêmio pudesse, no entanto, tomar um pouco de vinho para a comunhão, não seria irregular. Poderia usar apenas água para a purificação do cálice e a ablução dos dedos. Cf. Santo Afonso de Ligório (foto), Theologia moralis, l. VI, n. 408; Ballerini-Palmieri, loc. cit., n. 694.
II. ASSUNTO DE CONTROVÉRSIA ENTRE PROTESTANTES
Os abstêmios foram, outrora, tema de grandes controvérsias entre os dois ramos principais da Igreja reformada. Os calvinistas da França geralmente os admitiam na ceia: “O pão da ceia de Nosso Senhor,” diz um decreto do sínodo de Poitiers em 1560, “deve ser administrado àqueles que não podem beber vinho, com a condição de que protestem que não é por desprezo que se abstêm dele.” Um pouco mais tarde, em 1571, o sínodo de La Rochelle e, em 1644, o sínodo de Charenton também decidiram que os abstêmios deveriam ser admitidos à ceia, desde que pelo menos tocassem com os lábios a taça contendo a espécie do vinho.
“Deve-se administrar o pão da ceia,” lê-se ainda em d’Huisseau, La discipline des Eglises réformées de France, c. XIII, De la Ceia, art. 7, Genebra, 1666, in-4, p. 183, “àqueles que não podem beber vinho, fazendo protestação de que não é por desprezo e fazendo o esforço que puderem, mesmo aproximando a taça da boca tanto quanto puderem, para evitar qualquer escândalo.” Os luteranos criticaram fortemente os calvinistas por essa tolerância, que consideravam uma profanação, e Bossuet aproveitou para concluir contra os protestantes que a comunhão sob as duas espécies não é de preceito divino, pois, de acordo com o próprio reconhecimento de muitos deles, há casos em que se pode dispensar dela.
Cf. Bossuet, La tradition défendue sur la matière de la communion sous une seule espèce, contre les réponses de deux auteurs protestants, Iª parte, c. VI. Veja também abade Jules Corblet, Histoire dogmatique, liturgique et archéologique du sacrement de l’Eucharistie, Paris, 1885, t. I, p. 627.
L. JEROME.