Absoluto

Absoluto (I), absolutum, ἀχώριστον: aquilo que é desligado, sem vínculo ou dependência; aquilo que é independente e, portanto, auto-suficiente. 

I. NATUREZA SEGUNDO A DOUTRINA TRADICIONAL. — O absoluto é oposto ao dependente e não ao relativo; pois ele não exclui a relação pela qual outro dependeria dele. Pode-se até mesmo demonstrar que ele implica essa relação na hipótese de algo existir fora dele. 


— 1° O ser que é por si mesmo, ἐνάρχεια, e não requer nenhuma causa para chegar à existência; que é em si mesmo, τὸ ἀνυπόστατον, e não requer nenhum substrato para subsistir; que é para si e por si, τὸ αὐτάρκες, e encontra em si mesmo sua própria finalidade assim como possui em si mesmo sua razão de existir: este ser é absoluto em toda sua plenitude, ele é "o absoluto" (absoluto total, ou absoluto absoluto). Compreende-se que tal ser é essencialmente infinito, perfeito, eterno e necessário, pois o finito e o imperfeito dependem do limite que os limita; o que começou, o que é contingente depende de uma causa exterior que o colocou no ser e pode retirar-lhe seu auxílio. No entanto, não se deve confundir, como o Sr. Rabier, Psicologia, Paris, 1884, p. 457, a noção de absoluto com as de infinito, perfeito e necessário. 

— 2° Os seres nos quais se encontra alguma independência também são chamados "absolutos" (absolutos parciais ou relativos), em razão e proporção dessa independência. As essências são absolutas, porque são independentes de toda vontade e todo poder, e mesmo Deus, em quem elas têm sua razão, não pode mudá-las. A substância, mesmo criada e finita, é absoluta, porque está em si mesma, porque é irrecepta. A qualidade de absoluto deve, portanto, ser negada aos acidentes, que não sendo propriedades essenciais, nem subsistentes, dependem necessariamente da essência e da substância. 

— 3° O absoluto também é encontrado na ordem do verdadeiro e na ordem do bem. Na primeira dessas ordens, as proposições analíticas são absolutas e tiram sua verdade delas mesmas, isto é, da análise de seu sujeito, enquanto as proposições sintéticas só são verdadeiras em relação à verdade dos fatos contingentes que expressam. Em relação às conclusões que delas derivam, os princípios são absolutos, pois são evidentes por si mesmos. As realidades objetivas também são chamadas absolutas em relação ao conhecimento ao qual impõem sua verdade e do qual são independentes. 

— 4° A ordem do bem contém absolutos correlativos. Na distinção entre atos bons e atos indiferentes, que corresponde à distinção entre julgamentos analíticos e julgamentos sintéticos, aqueles tiram sua bondade de sua própria natureza e representam o absoluto; o dependente e o relativo residem nos atos indiferentes que as circunstâncias externas tornam bons ou maus. Os fins que são para os meios o que os princípios são para as conclusões também representam o absoluto, enquanto os meios, que são bons pela bondade do fim, são relativos e dependentes. A série de fins e meios que leva ao fim supremo constitui o dever. Ela é tão independente da vontade quanto as realidades objetivas são do conhecimento: ela é o absoluto do dever. A vontade que deseja esses fins e meios, a razão que conhece as realidades objetivas são as faculdades do absoluto.

II. NATUREZA SEGUNDO OS MODERNOS. — Os sentidos atribuídos pelos modernos à palavra absoluto são muito numerosos. Quase todos podem ser reduzidos a um ou outro dos sentidos que acabamos de definir. As teorias sobre o absoluto são igualmente muito variadas e algumas pecam pelo excesso, enquanto outras pela deficiência. 

— 1° Entre as primeiras, devemos incluir o panteísmo, que exagera a realidade do absoluto ao identificar, seguindo o exemplo dos antigos filósofos [platônicos], todas as coisas com o Uno e com o Absoluto. Seja o eu-sujeito (Fichte), ou o eu-objeto (Schelling), seja ele confundido com o ser transcendental (Hegel), o absoluto está em toda parte, ele é tudo, apenas ele verdadeiramente possui o ser, o resto é apenas aparência e mobilidade. Seguindo Malebranche, os ontologistas exageram o conhecimento do absoluto, quando nos concedem a intuição direta e imediata dele. 

— 2° Mas as opiniões mais difundidas são aquelas que atacam a noção de absoluto para esvaziar seu conteúdo e restringir ou mesmo negar sua realidade. Para os fenomenistas e os associacionistas, todas as coisas devem ser reduzidas a fatos e suas leis: a absoluta substância não existe; os mais ousados chegam a negar o absoluto-Deus; vivemos no meio de puras aparências e numa contínua mobilidade. Os agnósticos e os positivistas, se não chegam sempre a negar a existência do absoluto, a declaram indemonstrável. Kant afirma a impossibilidade da passagem da ideia do absoluto para a existência do absoluto; Herbert Spencer relega o absoluto à região do desconhecível. Antes dele, Hamilton, querendo "exorcizar o fantasma do absoluto", tentou mostrar que é inconcebível e que sua ideia, envolvendo a contradição, é uma pseudo-ideia.

III. EXISTÊNCIA. — A existência do absoluto total não sendo objeto nem de intuição, nem de consciência, é demonstrada pelo raciocínio. Aqueles que definem o absoluto em oposição ao relativo foram levados a duvidar de sua existência ou a negá-la. De fato, o relativo pressupõe o absoluto apenas como termo de uma relação. O móvel prova o primeiro motor, o efeito prova a causa, os meios provam o fim, a ordem prova o princípio, etc. Ora, essas ideias de motor, causa, fim, princípio envolvem uma relação. A existência do absoluto é deduzida diretamente da existência do dependente. O ser dependente exige um princípio de onde depende e que não seja ele mesmo dependente; esse princípio é o absoluto. A existência do absoluto também é comprovada por todos os argumentos que demonstram a existência de Deus, pois demonstram que Deus existe como absoluto.

Ref. Hamilton, Fragmentos de filosofia, A filosofia do absoluto, Paris, 1840; Stuart Mill, A filosofia de Hamilton, cc. II-IV, Paris, 1869; Herbert Spencer, Os primeiros princípios, Iª parte, Paris, 1871; Ravaisson, A filosofia na França no século XIX, Paris, 1868; A. Fouillée, A filosofia de Platão, III parte, l. I, c. 1, Paris, 1859; O movimento idealista, Paris, 1897; O movimento positivista, Paris, 1897; P. Kleutgen, A Filosofia do Passado, n. 554 sq., 944 sq., Insbruck, 1860; Edm. Braun, A lógica do absoluto, Paris, 1887; Louis Liard, A ciência positiva e a metafísica, I. I, cc. IX sq., Paris, 1883; Paul Janet, Princípios de metafísica, etc., l. IV, lição 2°, Paris, 1897; Cyrille Blondeau, O absoluto e sua lei constitutiva, Paris, 1897; E. Boirac, A ideia do fenômeno, Paris, 1894; Jaugey, Dicionário apologético, Paris, 1889, artigos Deus, Panteísmo.

A. CHOLLET.