Abraxas
Nome dado por Basilides (no curso do segundo século) ao líder da Ogdoade, e pelos antiquários a certas pedras usadas como amuletos.
Abraxas, nome de uma divindade. Esta palavra parece aparecer pela primeira vez na literatura patrística no santo Irineu, Contra as Heresias, I, XXIV, 7, P. G., t. VII, col. 679. Santo Irineu, muito familiarizado com o gnosticismo egípcio de Valentim, cujos discípulos, vindos da África para a Europa, remontaram o vale do Ródano, empreendeu a refutação desse erro grosseiro. No final de seu primeiro livro, ele considerou necessário dedicar algumas linhas aos predecessores de Valentim. É assim que ele é levado a falar de Basílides e de seu sistema singularmente complicado.
Por três vezes, Contra as Heresias, I, XXIV, 3, 5, 7, P. G., t. VII, col. 675-679, ele menciona os 365 céus admitidos por esse herege, mas é apenas no final que ele revela o nome que Basílides dava ao primeiro desses 365 céus, Abraxas. — O autor dos Filosofúmenos, livro VII, 1, 26, P. G., t. XVI. c, provavelmente conhecia a obra de Santo Irineu, pois parece não ter tido outro objetivo senão completá-la; é ele quem nos faz conhecer melhor o sistema de Basílides. — Clemente de Alexandria, bem situado para ter um entendimento exato do gnosticismo basilidiano, não se deu ao trabalho de nos expor isso em sua totalidade. Ele se contentou, quando necessário, em mencioná-lo em suas lições, fazer uma rápida alusão seja aos costumes, seja às festas da seita, e refutar de passagem tal ou qual ponto particular sobre a essência de Deus, a natureza da alma.
Essas são as três fontes principais, mas fragmentárias, das quais somos obrigados a usar, completando uma com a outra, para ter uma ideia tão exata quanto possível do sistema de Basílides, e de onde vamos extrair os elementos de informação indispensáveis para conhecer a natureza, o papel, o lugar de Abraxas. Para o conjunto do sistema, veja BASÍLIDES.
Segundo Basílides, o mundo está dividido em três partes sobrepostas. No topo do mundo superior está Deus, "O Desconhecido, o Não-nascido", segundo Santo Irineu, "O Não-nascido Um", segundo Santo Epifânio, Her., XXIV, 1, P. G., t. XLI, col. 309, "Deus que não é", "O Um que não é nada", de acordo com os Filosofúmenos, VII, 20, 21, P. G., t. XVI, col. 3302, 3303. É um Deus-nada, capaz de se tornar, possuindo uma vontade em potência, mas que pode passar ao ato; é uma panespermia, pois este Deus-nada possui todos os germes do que será ou poderá ser. Ele possui ainda uma tripla propriedade consubstancial e ativa, a Pleroma. — Embora não sendo, ele fala, e, com sua palavra, a luz aparece, e imediatamente é dado o impulso que permitirá a constituição dos mundos.
De fato, a primeira edílica, muito tênue, espiritual, parte do germe universal e, por uma curva de retorno, retorna ao Deus-nada com a rapidez de uma flecha ou de um pensamento. É Deus agindo de alguma forma, mas permanecendo imanente.
A segunda edílica, menos ágil, mais grosseira que sua irmã, mas animada de um desejo semelhante, é impotente para realizá-lo sozinha. Ela precisa de ajuda; ela usa o avedpa como uma asa, e, por meio dele, também consegue reintegrar seu princípio e seu centro, o Deus-nada. Mas o avedpa, não sendo consubstancial ao Deus-nada como ela, deve permanecer à porta do mundo superior, retendo apenas um aroma de sua união passageira com a segunda edílica, e constituindo abaixo do mundo superior o mundo intermediário, o Espírito-limite.
Este é o segundo mundo que Basílides povoa com tantos céus quanto há dias no ano. Na verdade, a panespermia pulsa, os germes fermentam e dela surge um ser inefável, incomparável em beleza, grandeza e poder, o grande Arconte, que vai desempenhar neste mundo intermediário o papel do Deus-nada no mundo superior. Ele é o Demiurgo do mundo supralunar. Este personagem começa por subir; ele se eleva até o limite do mundo celestial, mas, como o avedpa, ele não pode ultrapassá-lo. Ele conclui que não há nada acima dele, e ignora também a existência da terceira edílica, que permaneceu enterrada nos germes até o momento de seu uso futuro; ele se considera o único Mestre e comete assim um ato presunçoso e culpado que tornará necessária a redenção. — Não querendo ficar sozinho, ele gera um filho mais poderoso e melhor que ele, a quem pede ajuda para constituir os mundos etéreos até a lua, que é o ponto de separação entre o éter e o ar. O primeiro desses mundos, e aquele que ele habita, é a Ogdoade, morada de oito éons. Este primeiro céu, por sua vez, dá origem a um segundo céu, este a um terceiro, e assim por diante, trezentas e sessenta e cinco vezes. O 365º céu é a Hebdomade, cuja cabeça é governada por um Arconte, muito inferior ao Arconte da Ogdoade, pois está distante dele por uma série decrescente e tão longa de céus, mas superior a todo o mundo sublunar, a este mundo que é o nosso e do qual ele será o Demiurgo como o grande Arconte foi o Demiurgo do mundo intermediário. Por um paralelismo deliberado, o segundo Arconte ignora completamente a existência dos dois mundos superiores, o etéreo e o celestial; ele comete um ato de orgulho, um erro semelhante ao de seu colega da Ogdoade, e, como ele, precisará ser redimido. Este segundo Arconte não é outro, parece, senão o Deus dos Judeus, o organizador do mundo que habitamos, aquele que falou com Moisés.
Mas quem é o grande Arconte? — Ele não é o Deus supremo, o Deus-princípio. Ele pertence ao mundo da divindade, ocupando uma posição muito elevada na hierarquia do pleroma, mas fora do mundo celestial, à frente do mundo intermediário, pois é encarregado de organizá-lo, já que é o Demiurgo; ele é um deus, mas um deus diminuído, falível, até culpado, pois sucumbe e torna necessária sua própria redenção; ele é nada menos que o Abraxas de Santo Irineu, ou o Aópanton dos Filosofúmenos. Ele habita a Ogdoade, sendo o líder dos 365 céus.
Por que esse nome? por que esse número? Deve-se levar em conta o ensinamento esotérico dos gnósticos, que procuravam tornar tudo misterioso para aguçar a curiosidade dos não iniciados e fazer crer na superioridade dos iniciados. Esse nome tem um significado intencional. Se Basílides o teria emprestado, ou se o teria inventado para as necessidades de seu sistema, foi escolhido apenas por causa do valor numérico de suas letras, que equivale a 365, de acordo com a maneira de contar dos gregos. Com efeito, A = 1, B = 2, R = 100, A = 1, X = 60, A = 1, S = 200, totalizando 365.
Esse número não foi escolhido sem intenção. Santo Irineu viu nele apenas uma simples influência aritmética. "À maneira dos matemáticos", diz ele, "eles (os basilidianos) distribuem as posições locais dos 365 céus; pois adotaram seus teoremas para fazerem deles o caráter de sua doutrina; eles afirmam que o principal entre esses céus é Abraxas e que é por isso que ele contém em si o número 365." Não haveria antes uma relação íntima, embora disfarçada, com os sistemas solares e, especialmente, com o culto oriental de Mitra?
São Jerônimo parece ter suspeitado disso, pois ele diz: "Basílides chama o Deus todo-poderoso pelo nome monstruoso de Abraxas, e ele afirma que, de acordo com o valor das letras gregas e o número dos dias do curso do sol, Abraxas está fechado em seu círculo. O mesmo, de acordo com o valor de outras letras, é chamado Mitra pelos gentios." Com. Amo., III, P. L., t. XXV, col.1018. É verdade que Mitra dá apenas 360; que Mithras, proposto por Jean Macarius, faria 367. Mas Montfaucon, L'antiq. expliquée, Paris, 1719, t. II b, p. 356, apoiando-se na leitura <c> para <t>, acredita que se deveria ler Meithrac, o que vale bem 365. De qualquer forma, a correlação assinalada por São Jerônimo é bastante sugestiva. Mitra é uma divindade solar, Abraxas seria igualmente. Além disso, a identificação de Jesus Cristo, o Sol da justiça, com o sol material, não deveria constranger um gnóstico.
A semelhança entre Mitra e Abraxas e a introdução de um mito solar em um sistema que essencialmente buscava preservar os dados cristãos, exceto para deformá-los e subtilizá-los, deveria agradar à imaginação fantasiosa de Basílides, tanto mais que o culto de Mitra, com todos os seus mistérios e iniciações, se aproximava o suficiente do culto cristão para surpreender mentes simples e almas ingênuas. Aliás, não é de surpreender que Basílides tenha emprestado da astronomia e do culto solar o nome misterioso de seu deus; pois todos os gnósticos, essencialmente sincréticos, buscavam em toda parte os elementos de seus sistemas, procurando superar uns aos outros para deslumbrar melhor os partidários da Gnose. O conjunto de seu sistema é uma prova irrefutável de sincretismo. Seu Deus-nada está na Cabala; sua panespermia, de um panteísmo tão caracterizado, tem origem indiana; seu pleroma, com a emanação dos éons que o compõem, pertence à corrente gnóstica; sua tríplice diétese é apenas uma transformação do "Pleroma" de Simão, do "Éon" de Menandro; seu Abraxas é um empréstimo aos cultos solares da Pérsia, misturado com elementos egípcios, pois ele gera um filho maior e mais poderoso que ele, o que só se vê no mito de Osíris e Hórus. A única ideia especificamente cristã é a da queda e da redenção; é preciso notar ainda que a queda é o feito de Abraxas, ou seja, de um deus.
Consulte: Santo Irineu, Adv. haer., I, P. G., t. VII; Clemente de Alexandria, P.G., t. VIII e IX, passim; Filosofúmenos, VII, edição de Cruice, Paris, 1860 e P. G., t. XVI, c; Santo Epifânio, Adv. haer., P. G., t. XLI; Jacobi, Basilidis... sententiae, Berlim, 1852; Matter, Histoire du gnosticisme, 3 vol., Paris, 1828, Renan, Hist. des orig. du christ., passim; Wilkinson, Manners and Customs of the ancient Egyptians, 2ª edição, 3 vol., Londres, 1878; Ulhorn, Das Basilidianische System, Goettingue, 1855; Jacobi, Das Basilidianische System, Gotha, 1877; Herzog-Hauck, Realencyclapidie, Leipzig, 1896; Amélineau, Essai sur le gnosticisme égyptien, Paris, 1887.
G. BAREILLE.